Conquistando um emprego
Após esse último cochilo, finalmente acordo com a chegada do ônibus, chego em Ribeirão Preto pela manhã. Estico minhas pernas mais uma vez e me preparo, porque sei que tenho ainda uma última viagem de ônibus. Bem mais curta que essa última, mas que ainda vai me roubar uma hora de meu tempo.
Consigo facilmente localizar o meu ônibus e embarcar, uma vez dentro me deixo divagar em pensamentos sobre o que essa cidade representa para mim, e como foi a mudança da tímida garota do interior quem era, ao me tornar uma arquiteta com um emprego fixo na maior capital da América Latina.
Claro, seria injusto não lembrar da minha tia Débora que, como eu, também se mudou de Cravinhos (ainda que tenha sido para Ribeirão Preto) onde conseguiu construir uma sólida carreira e que sempre me deu dicas de como se dar bem na carreira corporativa. Ainda que às vezes eu a achasse muito... capitalista, ela sem dúvida me foi de grande ajuda.
Quando disse a família que estava de saída para a capital por causa da faculdade, acho que foi a primeira parente a ficar genuinamente feliz por mim. Ela sempre me ensinou que nunca devemos desperdiçar chances na vida e disse que me ajudaria sempre que pudesse enquanto estivesse fora. Ela, por exemplo, me ajudou a fazer o meu primeiro currículo para uma vaga de estagiária numa empresa de arquitetura.
Foram algumas tentativas e entrevistas até que eu conseguisse uma vaga. A empresa era um conglomerado e eu achei que seria devorada lá no primeiro dia, ninguém me dava o devido valor e todos riam do meu sotaque interiorano. Faziam o possível para me deixar para baixo, mas eram os conselhos de minha tia que me davam forças para continuar.
Sempre busquei dar o melhor de mim e, devo dizer, todos os anos de estudo me ajudaram perfeitamente. Pude aprender rapidamente a usar o AutoCad e, quando realmente fiquei craque nele, tomei uma larga vantagem de todo mundo. Mas claro, todos nós temos aquele chefe que vê com maus olhos quem é muito dependente de tecnologia.
Eu sentia de alguma forma que ele me perseguia, sempre colocava defeito em mim e sempre liderava as piadas idiotas sobre meu jeito de interiorana. Ele também viu com maus olhos minha rápida escalada de confiança na empresa e estava sempre tentando manipular as pessoas para ficarem contra mim.
Porém eu sempre fui dócil com todo mundo, o que fazia com que as pessoas nem dessem bola para as mentiras e bobagens dele. No projeto de estagiários que eu estava participando, era obrigatório que todos os candidatos apresentassem um projeto feito de próprio punho no final do mês para ser efetivado, e essa minha aprovação dependia dele. Senti que ele ia fazer de tudo para dificultar isso e soube naquele instante que teria o pior mês da minha vida.
Praticamente dediquei toda minha atenção a esse projeto, que era constantemente quebrada em meio a intermináveis chamadas na sala dele para que eu pegasse café. Me dava coisas para fazer que não eram minha obrigação para serem terminadas no dia seguinte. Se eu atrasasse alguma coisa ela me tratava aos berros na frente de todo mundo.
Não foram poucas as vezes que fui para a casa chorando de noite. Mas foi em uma dessas noites que falei com minha tia pelo skype, e ela me deu forças e dicas do que fazer. Quando comentei com ela do caso, ela havia me perguntado se tinha alguém concorrendo comigo, e se esse alguém tinha a preferência dela. Disse que tinha um outro garoto e que sim, ele tinha preferências por ele.
Ela me disse para ficar calma, para registrar tudo que meu chefe fazia de ruim comigo, salvar os e-mails todos e que, sobre esse garoto, ela veria algo a ser feito depois. O foco agora era fazer o melhor projeto final que uma pessoa poderia fazer.
E foi exatamente o que fiz, passei a semana apenas registrando tudo que meu chefe fazia e me dediquei o final de semana inteiro planejando e construindo o projeto. Uma fachada para uma loja. Quando terminei eu soube que tinha feito algo incrível, que estaria acima da crítica.
Porém no dia o meu chefe insultou a mim e ao meu projeto e mandou que eu fizesse tudo de novo, mesmo que o prazo já estava em cima da hora e não teria tempo para fazer nada novo. Tudo isso para privilegiar o pupilo dele. Não havia nada que eu podia fazer ou provar, até que eu recebi uma mensagem da minha tia, que salvaria meu dia.
Ela me disse que tinha pesquisado a vida dos dois pelo nome e descobriu que o garoto na verdade é sobrinho por parte da irmã, por isso não tinham o mesmo sobrenome. E no estatuto de contrato de estagiários estava proibido colocar parentes próximos para disputar uma vaga. Não tive outra dúvida senão correr na sala da supervisora dele para avisar o que havia acontecido.
Tive dificuldades de passar pela secretária dela, a supervisora estava atolada com diversos pedidos e não tinha recebido ninguém o dia todo. Felizmente consegui convencer ambas que o que tinha a falar era importante. Mais do que nunca, eu tinha que pensar cuidadosamente o que deveria falar, meu futuro estava todo em jogo.
Sabia que apenas reclamar dessa injustiça não seria o suficiente, então além das provas da relação familiar entre ambos, mostrei a ela também todos os registros de email que tinha dele me maltratando, das gravações que fiz escondida de todos os insultos machistas que ele me disse e de como havia ficado o meu projeto final.
Foi o detalhe que faltava para ela dar confiança para mim, pois ela havia gostado bastante do que tinha feito. Me elogiou bastante, disse que sem dúvidas meu projeto seria aprovado e disse que sempre suspeitava que o meu chefe estava dificultando a vida das mulheres de cargos mais baixos já há algum tempo, que as provas que eu tinha seriam suficientes para dar fim no reinado dele dentro da empresa.
Com toda a informação reunida ela acionou o RH da empresa e por fim, minha chefe foi demitida, pude dar um pequeno "tchauzinho" quando ele tinha pegado suas coisas e entrado no meu elevador. Estaria livre dele para sempre.
Quanto ao meu projeto, ele foi aprovado pela empresa e repassado diretamente para o cliente que adorou! Fui efetivada e agora trabalhava diretamente para a antiga supervisora da minha chefe. Desde então estou sempre cheia de trabalho, mas nunca deixo passar a chance de fazer o meu melhor. Hoje estou muito mais segura no meu trabalho, graças aos conselhos de minha tia.
Reavivar essas memórias têm sua grande importância. Quando estava vivendo essas dificuldades pensei que nunca iria sobreviver, que estava ali de enganação e era apenas questão de tempo até que alguém descobrisse que eu era uma farsa e teria perdido tudo que construí até ali. Mas ver agora, depois de velha, tudo o que eu já passei e que continuo firme, me mostra que eu sou muito mais forte do que eu pensava, e que acima de tudo, eu sou uma sobrevivente.
Com a mente ainda em êxtase por essa tão boa lembrança, vejo finalmente a minha casa pela janela do ônibus. Desço então no próximo ponto e vou caminhando pelas mesmas ruas que pisei durante anos e que formaram a minha infância. Passo no mercadinho para pegar todos os ingredientes necessários para a ceia de natal e finalmente sigo meu caminho para casa, caminho que já fiz tantas vezes na vida.
Definitivamente, nada como estar mais uma vez em casa.
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