Capítulo 13 - Reflexos de um coração juvenil
(05:55) Você: Bom dia! Pronto para voltar ao colégio?
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(06:03) Você: Agora você também faz parte do grupo de "mensagens de bom dia motivacionais com fotos de cangurus". A líder é a Keiko.
(06:20) Você: Eu sei que você tá recebendo as mensagens!! Se eu acordei atoa, vou descobrir o seu endereço e te assombrar.
(06:23) Você: É sério.
Bufando, joguei o celular em cima da cama, me recusando a acreditar que havia programado o despertador e começado a me arrumar tão cedo para ser feita de idiota. Prendendo o cabelo em um rabo de cavalo no topo da cabeça, passei a fita vermelha pela amarração e finalizei ajeitando a minha franja. Enquanto eu retirava o excesso de gloss dos meus lábios, Yuina se aproximava, conquistando espaço na penteadeira ao me empurrar para o lado.
- Você não tá suspensa?
- Uhum. - Disputando o espaço, nossos corpos se colidiram a cada vez que usávamos o espelho. - E eu estava aqui primeiro, mocinha.
- Mas eu sou a mais nova.. - Jogando baixo, minha irmã ficava idêntica à um gatinho pidão, intensificando os olhos marejados. Quem tinha ensinado isso para ela? - Então, pra onde você vai assim tão cedo? A Perez-san te chamou de novo?
Balancei a cabeça em negação, cedendo o lugar para ela após terminar de usar o delineador. Para minha felicidade, eu estava melhorando no estilo gatinho.
- Combinei de encontrar uma pessoa. - Sorri, dando a volta no quarto para pegar a minha bolsa. Em seguida, arqueei as sobrancelhas ao notar que Yuina estava usando o meu blush. - Quando você começou a usar maquiagem? Quem é você e o que fez com o meu bebê?
- Sô, para!! - Fugindo das minhas tentativas de fazer cócegas, Yuina parecia totalmente diferente daquela garotinha que me visitava no hospital. Tudo bem que não haviam passado tantos meses, mas acho que era essa a sensação de acompanhar de perto o crescimento de alguém querido. - Eu não sou um bebê. Vou fazer 11, esqueceu?
- Uh, desculpa aí, senhora adulta. - Murmurando um "aí", abracei a almofada que Yuina havia jogado em mim antes de a jogar de volta. Eu não poderia colocar em palavras o quanto aqueles dias na companhia de uma família que me acolhia em todos os sentidos da palavra estava me fazendo bem. No Castelo, o sonho de ter relações como aquela era abafado por uma melancólica conformação de que as coisas eram do jeito que deveriam ser.
No caminho para o colégio, continuei insistindo nas mensagens e ligações para Aono, todas sem resposta. Esfregando uma perna na outra, tique típico do meu nervosismo, comecei a pensar na possibilidade dele abandonar o colégio. Como eu teria notícias, tão distante? Como poderia ficar tranquila, ao lembrar daquele estranho sonho que me assombrava?
Desci do trem, refazendo o caminho da primeira vez. Parada no mesmo sinal de trânsito, minhas memórias vagaram para o toque das mãos em minha cintura, me salvando do que poderia ser o meu segundo fim. Das palavras dele, e do jeito taciturno. Havia um motivo para ter esbarrado com Aono Sousuke naquele momento. E algo em mim dizia que eu deveria descobrir.
De pé na frente do colégio, observei a onda de alunos que sumiam segundos depois de atravessarem os portões. Do lado direito da entrada, a árvore de cerejeira nos recepcionava com pétalas voadoras, espalhando a coloração rosa claro pelas escadas e pelo chão. Algumas delas passeavam pelo meu rosto, fazendo leves cosquinhas em meu nariz. Para uma apreciadora de cenários, aquilo era uma dádiva.
- Ei! - Acenando, Kaori se aproximava ao me reconhecer. - Esqueceu que tá de suspensão?
- Infelizmente não. - Murchei os lábios, fazendo um biquinho. A suspensão ainda pesava em minhas costas, mas felizmente, com a ida de Hanako até o colégio, minha "pena" havia sido amenizada com a permissão da minha ida ao Acampamento. Como eu queria muito ir, estava satisfeita com a decisão. - Estou esperando o Aono.
- O Aono? Aquele Aono? - Arqueando a sobrancelha, Keiko erguia a mão para retirar uma pétala presa entre a minha franja. - Vocês conversaram?
Balancei a cabeça em afirmação, contando tudo sobre o meu encontro com o garoto. Durante todo o monólogo, contei cinco reações diferentes, todas elas beirando entre a surpresa e a incredulidade.
- Ele disse que voltaria e você acreditou?
Confirmei, alisando os braços. Naquela manhã, os fortes ventos não combinavam em nada com a minha combinação de camisa rendada - sem mangas, para piorar a situação - e saia colegial preta.
- E não deu sinal de vida até agora..? - Completando o pensamento da irmã, Keiko mordia os lábios, pensativa.
- Ele disse que voltaria! E eu acredito nele. - Abaixei o olhar, querendo mais do que nunca acreditar nas minhas palavras.
- Hmmm.. então tá bom. Eu espero que ele venha mesmo, porque se ele estiver fazendo você de boba, quebro ele.
- E eu ajudo a enterrar! - Entusiasmada com a ideia de um assassinato, Kaori levantava a mão. Ela tinha mesmo uns hobbys bem estranhos.
- Eu não sei se deveria me sentir sortuda ou amedrontada por ter amigas tão perigosas. - Rindo, me juntei às duas em um abraço desajeitado. O sinal do primeiro tempo estava prestes a tocar, por isso estávamos todas meio cabisbaixas com a despedida.
- Ai, que saco. A gente poderia armar algum plano para que você entrasse no colégio sem ser percebida.
Balançando a cabeça em negação, olhei para o portão do colégio, como uma criança olharia para um pedaço de bolo na vitrine. Apesar de querer muito estar perto das minhas amigas e o restante do pessoal, não iria arriscar mais uma penalidade.
- Melhor não. - Afirmei. - A gente já vai ter muito tempo no Acampamento.
- Falar nele. - Sorrindo, Kaori apontava para si própria. - Já separei todos os looks e até um biquíni. Mal posso esperar pra gente ir pra.. onde é mesmo?
- Shirakawa.
- Gente. - Cruzando os braços, olhei para o céu, pensativa. - Mas lá não é um lugar rural? A gente deveria estar pensando em repelentes, lanternas...
- E perder a oportunidade de ficar linda? - Balançando a cabeça em negação, Kaori estalava os lábios, como se aquela ideia nem passasse pela sua cabeça. - Nem pensar, na minha mochila vai ter meus lookinhos e meus produtinhos básicos - entenda aqui como o banheiro inteiro da Kaori -. Essas coisas de sobrevivência ficam na mochila da Kei.
- Ei, sua trapaceirazinha! - Inflando as bochechas, Keiko corria atrás da irmã, que fugia dos seus beliscões. Vendo aquela cena, caí na risada, pensando em como me adaptei rápido com aquelas duas doidas.
Acenando para as gêmeas assim que o sinal tocou, voltei para o meu posto notando que cada vez menos alunos atravessavam os portões. Com as regras rígidas do colégio, poucos eram os que se atreviam a desobedecer o horário. Encarando o chão, suspirei, pronta para aceitar que Aono não viria mesmo.
- 05:55 da manhã? Você só pode estar brincando.
Estalando os lábios e exalando uma aura mal-humorada que poderia ser sentida a quilômetros de distância, Aono parava à minha frente, coçando os olhos marcados de sono. Encarando-o, palavras sumiram dos meus lábios ao vê-lo com a face amassada de sono, mas ainda sem perder seus traços.
- Você veio. - Foi o que consegui dizer, sorrindo como uma boba.
- E tinha como não ignorar as suas mensagens? Você é um pé no saco.
Estreitando os olhos, Aono me olhava de cima a baixo, bocejando. Seu olhar demorava mais do que o esperado, e assim como todas as vezes que ele me olhava, não conseguia saber o que ele estava pensando, mas acho que arriscaria o palpite dele estar muito bravo comigo.
- Bom, funcionou. - Socando o seu ombro, estava prestes a recolher a mão quando os seus dedos rodearam o meu pulso. Apesar de ter ficado desconcertada, julguei que ele ainda não estava com os seus sentidos funcionando totalmente. - Mas você tá atrasado. Tem noção da bronca que vai levar do sensei? Fora os pontos negativos de pontualidade..
Me soltando, Aono suspirava, como se achasse todo o meu falatório demais para o seu corpo adormecido. Abaixando o olhar por um momento após encarar o maxilar perfeitamente marcado do garoto, alisei o ponto em meu pulso onde os dedos dele haviam tocado. Aqueles dedos já me circularam outras vezes, e sempre era uma sensação estranha, como se a pele dele fosse feita de algo diferente. Não eram ásperos, mas mesmo depois de me tocar, eu ainda conseguia sentir o impacto deles. Não sei como explicar, só é.. estranho.
- O que você tá esperando? Você tem que entrar! - Erguendo as duas mãos, tentei tirá-lo do lugar, mas sem sucesso. O que ele estava comendo?
- Hm. - Estalando os lábios, Aono fazia menção de se movimentar, fazendo os meus dedos que outrora estavam em seu peitoral agarrassem o nada. - Você é tão irritante, Jones. - Alisando o meu cabelo, Aono se afastava após conseguir desarrumar o coque perfeito que eu havia feito. Deixando-me com as bochechas vermelhas de raiva, ele havia me deixado ali plantada sem ao menos dizer "tchau".
- Ei, Aono!! - Me virando abruptamente segundos antes dele cruzar os portões de entrada, sorri, acenando entre as pétalas de cerejeira que dançavam entre nós dois. - Estou ansiosa para ir ao Acampamento com você!
Adornado pelas cerejeiras, o rosto de Aono se transformava pela abertura mínima de seus lábios, indicando um sorriso ladino. Dando as costas para mim, o garoto levantava a palma, antes de ser sugado pelo ambiente colegial.
Uma semana depois, a aura do Acampamento me contagiava ao ponto do despertador estar programado para às 5 da manhã, mas antes disso, meu corpo já estar fervilhando dos pés a cabeça com a ideia de passar 4 dias fora de casa, viajando para tão longe pela primeira vez. É claro que, como Sophie, eu deveria agir como se aquilo não estivesse me afetando tanto que poderia sentir voltas e voltas em meu estômago ansioso. Minha antecessora estava acostumada com passeios daquele gênero, mas aquela seria a minha primeira experiência. E eu estava muito ansiosa para ter um monte de lembranças boas com as pessoas que eu gostava.
- Repelente, ok. Lanterna, ok. - Com Hanako, executava a missão de conferência da mochila, que pelo tamanho, era o equivalente à sobrevivência por dois meses no deserto. Em meio à preocupação excessiva da mulher, tive que convencê-la a retirar algumas coisas que julguei sem necessidade. Foi um trabalho árduo. - Eu acho que não preciso dessa raquete.. O repelente já deve ser suficiente.
- Mas você não sabe se esse repelente protege contra todos os tipos de mosquitos. Não quero que você volte com alguma reação alérgica. Você já sabe se o sinal funciona lá? Os senseis responsáveis vão ligar em caso de alguma urgência? Como vou saber se você está bem?
Rindo, me esquivei de um tapinha e logo em seguida a abracei por trás, alisando os seus cabelos. Hanako era a mãe que sempre desejei, tê-la por perto - até nas broncas - me fazia sentir como a maior das sortudas.
- Eu vou ficar bem, não se preocupa. Vou tomar bastante cuidado para não ser picada por nenhum mosquito.
- Você fica rindo, mas espere até ser mãe.. - Suspirando, Hanako fechava a minha mochila, não sem dar mais uma conferida antes. O ônibus sairia às 8h, sendo 7:18, não achava ter tanto tempo de sobra. - Qualquer coisa, qualquer coisa mesmo, não deixa de me ligar.
Assenti, me abaixando para receber o beijo em minha testa. Em seguida, pedi que ela avisasse a Tia Miya e para Yuina que sentiria saudades, ambas ausentes por causa do horário colegial da minha irmã mais nova. Saindo, e voltando novamente para abraçar Hanako, senti que estava pronta para a minha primeira aventura longe de casa.
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O ônibus estava barulhento e pude presenciar a origem do barulho assim que subi as escadas. Procurando um assento, desviei de dois garotos que circulavam pelo corredor, brincando de jogar bolinha um no outro. Juntas, Kaori e Keiko acenavam para mim, se lamentando por não ter lugar ao lado delas para que pudéssemos ir juntas. Kobayashi também estava no ônibus, recebendo a mesma permissão que a minha para ir ao acampamento. Nossos olhares se cruzaram no momento em que a garota levantava os olhos, tirando a atenção da tela do celular.
Aquela era a primeira vez que nós nos encaramos desde o auditório. Os dela, possuíam algo entre a raiva, nojo e incredulidade, talvez por achar que tenha sido a única a ganhar a permissão. Segundos depois de ter cruzado o meu olhar com o dela, desviei, certa de que não deixaria aquela garota se meter e estragar aquela viagem que eu estava tão ansiosa para curtir.
15 minutos depois, o ônibus dava partida arrancando gritinhos e assobios de comemoração. Ignorando as instruções dos senseis para nos mantermos todos em nossos assentos e não incitar qualquer indício de confusão, os alunos presentes se erguiam nos bancos, conversando com pessoas de outros assentos. Um ou dois engraçadinhos começaram a jogar bolinhas de papel uns nos outros, e em poucos minutos o caos estava instaurado.
- Então, é assim que é uma viagem escolar.. - Balbuciei, sorrindo. Não aprovava aquele tipo de coisa, mas confesso que sempre quis ver aquela algazarra que até então só havia visto em filmes.
Sentada ao lado do corredor, pude me inclinar para procurar Pokko, que estava sentado nas fileiras do fundo, e Aono, que estava duas fileiras à frente de Pokko. Sentado do lado da janela, o garoto parecia alheio aos gritos acalourados e arremessamento de qualquer que fosse a coisa que os alunos possuíam em mãos.
Pedindo um "licença" impossível de ser escutado, me espremi para passar entre a algazarra e chegar até a fileira de Aono. Me abaixando na altura do assento, cutuquei a garota que estava ao seu lado, se protegendo das bolinhas de papel.
- Ei! Será que você pode trocar de lugar comigo? Naquela fileira eles não estão jogando tantas bolinhas.
- Sério? - Abrindo um sorriso aliviado, a garota se levantava, me agradecendo antes de ocupar a minha cadeira. Sorrindo em resposta, me sentei ao lado do garoto, observando o desenho do seu nariz e a curvatura da boca, deixadas à mostra pela máscara que ele usava nos olhos.
- O que você tá ouvindo? - Me aproximando, tirei um fone do ouvido dele, colocando no meu. Segundos depois, afastei parcialmente o fone, surpreendida com o som.
- Tsc. Você de novo.
- É que a garota que tava aqui disse que você não toma banho. - Sorri, brincalhona. - Quis ver se era verdade.
Azedo, Aono levantava a mão para pegar o fone de volta, ato que foi interrompido ao me esquivar. Em seguida, fiz um biquinho, pedindo com os olhos para que ele me deixasse com o fone.
- Give it Away. - Colocando a máscara de outra, o garoto cruzava os braços. - O nome da música.
- É boa. - Balançando a cabeça no ritmo da música, olhei para a região dos olhos dele, tampados com a máscara. - Assusta no começo, mas é boa. Quem canta?
- RHCP.
- Não conheço. É banda?
Subindo a máscara de dormir para a testa, e parecendo muito relutante para fazer isso, Aono me encarava. Apesar de não ser identificável, sabia que ele estava prestes a me jogar pela janela - que felizmente estava fechada. -
- É.
- Então é desse tipo de música que você gosta! - Juntei as mãos uma na outra, e estava prestes a falar novamente quando reparei o outro fone no ouvido dele. Afastando o fone que estava comigo, inclinei-o para ler o nome da marca. - Esse foi o fone que eu te dei. É bom? O que tá achando?
- Dá pro gasto.
- Ata. - Retruquei, querendo socá-lo por ser tão monossilábico. Afundei no assento, no mesmo momento em que outra música estrondou no meu ouvido. Ele não lia aqueles informes dizendo que música muito alta prejudicava a audição? - E essa? É da mesma banda?
- Não, é do Gorillaz. - Tamborilando o apoio do assento, Aono parecia fazer um esforço considerável para não me jogar mesmo pela janela. - O nome é Dare.
- É boa também. Ei, você estava mesmo disposto a passar a viagem inteira com esse negócio nos olhos? - Com o balançar de cabeça afirmativo, prossegui, chocada. - E perder essa vista incrível?
- Até onde eu sei, árvores são árvores e prédios são prédios em qualquer lugar.
- Negativo! - Me inclinando, olhei para os cenários que apareciam a cada movimento do ônibus. - Cada um tem a sua marca própria. A gente não pode fazer a desfeita de não ver.
Me olhando como se eu fosse uma completa estranha, Aono abaixava a máscara, permanecendo assim pelos 30 minutos que se passaram. Apesar de querer muito conversar, foquei minha atenção na vista.
- O que você gosta de escutar? - Me sobressaltando, Aono levava o meu coração embora logo no momento em que tinha aceitado o encerramento da conversa. Ao encarar o garoto, vi que ele estava com a máscara erguida na testa novamente, e os olhos noturnos grudados em mim como se estivesse encarando um objeto perdido por centenas de anos. Ele estava me estudando.
- Ah, se você tá perguntando para me deixar mais confortável, não precisa. Eu estou gostando de escutar o seu rock barulhento.
Encarando aquilo como uma ofensa ao estilo musical dele, Aono estalava os lábios pela milésima vez desde que nos esbarramos. Eu poderia dizer que era marca registrada dele.
- Eu tô brincando. - Cutuquei o braço dele, bem em cima de uma das tatuagens. - Eu gosto de muita coisa. Mas estou ouvindo bastante NewJeans, Taylor Swift e Yoasobi.
- Não sei por que fui perguntar. - Estreitando os olhos, Aono suspirou e recorreu aos bolsos da calça jeans, puxando o seu celular. - Você cheira a glicose.
Confusa, levei o nariz até a minha camisa, verificando se havia exagerado no perfume floral que havia colocado. Em seguida, fiquei mais confusa ainda quando ele me entregou o celular.
- Eu disse que não precisa.. O celular e o fone são seus. A não ser que você queira ouvir Taylor Swift e esteja me usando como escape. Mas eu entendo, as músicas dela são muito boas, até um bruto como você ia gostar.
- Você é um pé no saco. - Aproximando os dedos da minha testa, Aono se atrevia a me dar um peteleco. Ignorando os meus choramingos, o garoto largava o celular desbloqueado no meu colo, aberto no aplicativo de música.
- Chato! - Mostrei a língua para ele, mesmo que naquela altura ele já estivesse recolocado a máscara. Então quer dizer que ele havia voltado a conversar comigo só pra me xingar? Aquele garoto era muito atrevido.
Pegando o celular dele, abri a aba das músicas e cliquei em "London Boy" da Taylor. Em seguida, me entreti nas funções de playlist.
- O que você está fazendo?
- Montando uma playlist. - Encarando o único olho à mostra, voltei a digitar o nome das músicas e adicionar a playlist. - Agora você não vai precisar de mim para ouvir.
Bufando e me arrancando muitas risadas, Aono permaneceu com o rosto contrário a mim por uma boa parte do caminho. Àquela altura, eu já estava sonolenta, constantemente tombando para frente e para trás.
- Não ouse dormir em cima de mim. - Ainda com a máscara, Aono avisava com o tom de voz áspero. - Vou jogar você pela janela.
Assenti, coçando os olhos. Antes que eu percebesse, fechei os olhos, deixando que a nova playlist de Aono - montada por mim - me embalasse. Em algum momento da viagem, encostei minha cabeça no ombro do garoto, enquanto minhas mãos seguravam os braços dele. E não posso afirmar por que não tenho certeza, tonta pela sonolência, mas jurei ter sido ajustada para ficar em uma posição melhor pelo mesmo garoto que havia ameaçado me jogar pela janela caso eu o usasse como travesseiro. Mas posso jurar que é coisa da minha cabeça, porque Aono Sousuke me odeia.
No meio da tarde, qualquer vestígio de que Aono estava me abraçando havia sumido pela posição ereta de seu corpo. Meu corpo, encostado no apoio da poltrona, despertava lentamente com os gritos de animação, indicando à nossa chegada.
- Eu dormi? - Piscando os olhos, encontrava Aono de pé, me encarando. Seu fone ainda estava em meu ouvido, mas não tocava nenhuma música.
❁
Shirakawa era um lugar lindo. Envolto por verde, caminhávamos entre árvores de troncos grossos e gramas rasteiras até chegarmos em nossas acomodações.
- Você viu o jardim? - Trocando o uniforme pelas roupas de educação física, comentei com Kaori que vasculhava entre as centenas de roupas que trouxe. - É tão lindo! Nunca vi nada como aquilo.
Apesar de termos ido a passeio, não era como se não precisássemos cumprir atividades extras. Por isso, nossa primeira tarefa para conhecer o lugar seria participar de uma espécie de circuito.
- Sério, eu achei que a gente ficaria livre para conhecer os lugares e eles nos mandam para correr na floresta? Não quero ficar cheia de picada de mosquito. E se tiver alguma cobra lá?
- Os senseis disseram que teriam atividades, Kao. - Prendendo o cabelo, Keiko aparecia por trás de nós duas, olhando-se no espelho. - Aposto que vai ser chato.
- Pois eu acho que vai ser bem legal. - Terminando de ajeitar a ecobag que levaria para a atividade, olhei para as mãos vazias das duas, arqueando as sobrancelhas. - Vocês não vão levar nada?
- Quê? Ah, uma garrafa de água. Não vou levar tanta coisa se a gente vai terminar a atividade rápido.
Assentindo, tinha um pressentimento de que as coisas não seriam como elas pensavam. Algo aconteceria naquela floresta, e além do pressentimento, tive um calafrio atrás da nuca ao olhar para Kaori. Como um passe de mágica, o sentimento ruim sumia assim que os dedos frenéticos da loira se agitavam na frente do meu rosto.
- Eeei, viu algum fantasma? Você tá pálida.
- Não, eu só.. - Engolindo em seco e ainda tentando entender o que havia acontecido, balancei a cabeça em sentido negativo. - Estou bem. Só toma cuidado na floresta, tá?
- Nem precisa me falar. Tenho horror a bichos.
A área de atividade era maior do que todos nós havíamos imaginado. Folhas grossas impediam a passagem total de luz, permitindo apenas que alguns feixes nos salvassem da escuridão total. Galhos entrelaçados uns nos outros deixavam o ambiente envolto em um clima fantasmagórico, além dos troncos altos e retorcidos que se assemelhavam às representações assustadoras dos filmes de terror. No entanto, tirando a primeira impressão, o lugar era belo e puro. Ao pé dos troncos das árvores, novos brotos cresciam, e à medida que a instrutora nos passava as informações do percurso que deveríamos seguir, folhas bem verdinhas se separavam dos galhos, apenas para dançar graciosamente sobre as nossas cabeças. Na maior parte do tempo, esqueci de prestar atenção nas observações da sensei para apreciar aquele cenário florestal.
- Bom, agora que vocês já sabem o que devem fazer, chegou a hora de escolherem os seus grupos. Não aceitarei menos que 5 pessoas em cada time.
- Ah, professora, libera as duplas aí! - Atrás de mim, alguém tentava argumentar sobre a decisão, arrancando comentários positivos de parte dos presentes. - Tá vendo, nem é só eu que quero.
- No mínimo 5 pessoas. - Rígida, a mulher de óculos fechava os olhos, como se tivesse reunindo suas energias. - Não faríamos uma atividade que os expusessem ao risco, no entanto, um grupo maior aumenta a taxa de segurança de todos. Aproveitem para testar suas habilidades comunicativas e a capacidade de trabalhar em equipe.
Deixando toda a turma com cara de poucos amigos, - exceto por uns e outros que se juntavam, formando grupos em que todos se davam bem - a sensei nos informava que teríamos cinco minutos para iniciarmos a atividade. Do meu lado, Kaori estalava os lábios pintados de rosa claro.
- Isso é ridículo! Como assim aumentar a taxa de segurança? Vamos ser devorados por onis ou algo assim?
- Concordando ou não, estamos em três. - Suspirando profundamente, Keiko olhou ao redor com a mesma expressão de alguém que chupava um limão azedo. - Precisamos de duas pessoas, no mínimo.
Desabando ao lado da irmã, sobrava para mim a missão de encontrar duas pessoas. Em meu entorno, alunos se moviam atrás de possíveis integrantes, a maioria já estando com seus grupos formados. Atrás deles, encontrei em lados opostos as duas pessoas que chamaria para se juntar a nós.
- Você tá brincando que eu vou ter que participar do mesmo time que esses dois esquisitos!?
Cruzando os braços, Kaori balançava a cabeça para um lado e para outro, com tanta firmeza que comecei a temer pela estabilidade do pescoço dela.
- Não é como se me agradasse fazer grupo com três patricinhas esnobes. - Exibindo irritação em seus traços e no tom de voz, Aono retrucava, recebendo de volta um xingamento que ele estava prestes a devolver. Intervindo, fiz o papel de uma juíza de paz, me colocando no meio dos dois. Eu não tinha percebido que estava no pacote de "patricinha esnobe" até as palavras fazerem sentido na minha mente. Havia sobrado até para mim?
- Ei, vocês dois! Vocês ouviram o que a sensei disse. Habilidade de comunicação e trabalho em equipe. É o que a gente tem que fazer.
- Trabalhar em equipe com essa daí? - Balançando a cabeça ironicamente, Aono ria de maneira ácida. - O que ela trouxe para sobreviver? Gloss labial?
- Você está insinuando que eu sou burra?
- Isso não foi uma..-
- CHEGA! - Irritadiça, avermelhada e soltando fumaça tal qual um touro, calei a discussão acalorada no momento que o meu grito estridente ecoou e ricocheteou nos troncos das árvores, atraindo até a atenção dos outros grupos para o nosso. - Ok, consegui a atenção de vocês. Aono, você não conhece a Kaori. Kaori, você não conhece o Aono. Vocês podem se ver no colégio, mas não sabem nada além do nome. A gente pode, por favor, parar de julgar pelas aparências e se permitir a enxergar o outro, sem amarras?
- Você daria uma boa coach. - Rindo, Keiko encontrou o meu rosto nada receptivo, se calando. - Ok, desculpa.
Passando o olhar de um para o outro, esperei que eles retrucassem e continuassem com a negativa de trabalharem juntos. Mas para minha surpresa, Aono foi o primeiro a largar a espada.
- Não sinto que isso vai dar certo. Mas também não dá pra fazer essa atividade sozinho.
Olhando para Kaori, esperei a sua vez de recuar. Demorou, mas finalmente foi erguida uma bandeira da paz. Não sei por quanto tempo ela permaneceria de pé, mas já era uma conquista.
- Eu só não quero que você fique brava de novo. Você fica assustadora quando grita.
- Desculpa. - Envergonhada pelo acesso anterior, queria esconder meu rosto em um buraco ao perceber que todos estavam acompanhando a nossa tentativa de união, até a sensei que pigarreava, olhando para o relógio.
Anunciando que nos encontraria no lugar indicado no mapa, a sensei se despediu nos deixando na linha de largada. Cada grupo seguiria para um caminho diferente, e o objetivo era encontrar cards com informações da fauna e da flora do local, chegando ao ponto indicado no menor tempo possível. Não era uma corrida propriamente dita, porque como a sensei disse, o objetivo era trabalhar as nossas habilidades pessoais. No entanto, o grupo que chegasse ao lugar mais rápido receberia uma compensação surpresa.
- Então? Prontos para trabalharmos juntos? - Animada, virei-me para o meu grupo, murchando o sorriso de orelha à orelha ao deslizar o olhar pelos quatro rostos desanimados que encontrava. Ok, aquilo dificilmente daria certo.
- Eu lidero. - Cansada, Kaori passava por mim, deixando a minha animação em frangalhos. Keiko e Pokko a seguiam, e até Aono os acompanhava. Desanimada, os segui. - Quem tá com o mapa?
Na mão de Aono, o bendito mapa tinha potenciais gigantescos de retomar à guerra que os dois travavam. Temendo o início do confronto, tentei intervir, mas já era tarde. Parados, Keiko, Pokko e eu assistimos a troca de farpas, com cada um defendendo as suas ideias.
- E por quê você acha que eu não posso liderar? É por causa da minha cor de cabelo?
- O quê a cor do seu cabelo tem a ver com isso?
- Eu sou loira! Você sabia que eu sofri muito sendo chamada de loira burra? As pessoas não entendem o que nós loiras passamos! É muito difícil ser eu..
Choramingando, Kaori era amparada pela irmã gêmea, seguida por Pokko que auxiliava de longe, se compadecendo da situação. Aono ainda tinha gás para retrucar, mas dirigindo as pupilas negras em minha direção, ele suspirou e estendeu a mão, entregando o mapa para a loira.
- Não nos leve para a morte.
- Não vou. - Azeda, Kaori passou por ele trocando rapidamente a expressão quando abriu o mapa, passando a ficar extremamente animada com a ideia de liderança. Seguindo-a, tive dificuldade para me concentrar na comemoração dela, com a mente repleta de dúvidas ao paralisar no momento em que Aono olhava para mim, segundos antes de ceder. O quê havia o feito parar? Sabia que aquilo não era do feitio dele. Ele estava se preocupando comigo?
Trinta minutos depois, desbravávamos a floresta densa, tendo um total de zero cards mas múltiplas picadas de mosquitos, - que poderiam ser mais se o repelente da mamãe não estivesse fazendo efeito, mas acho que ela tinha razão ao afirmar que havia algumas espécies que não obedeciam ao repelente, e para a minha tristeza, eles pareciam estar todos concentrados nessa floresta - metade da garrafa de água da Kaori, - que bebeu a outra metade no espaço de meia hora - e a rápida diminuição dos feixes solares. Esperançosa, a loira nos dizia que era só seguir em frente.
- A gente já tá andando a mais de quarenta minutos e ainda não achamos nada. Tem certeza de que esse é o caminho correto?
- Eu sei o que eu tô fazendo!!! - Contrariada, Kaori apertava o mapa contra o peito, recebendo um estalar de lábios de Aono. - A gente tá quase chegando lá.
- Kurokawa-san, eu acho que você deveria guardar a sua água, para o caso de ficarmos perdidos.
- Você é idiota, Pokko? - Levemente contrariada, Kaori apertava os lábios. - Não estamos perdidos. Isso vai acabar rápido e eu finalmente vou sair dessa chatice e esfregar bem o meu corpo numa água quentinha para sair esse cheiro de mato.
Apesar de ser o que a loira planejava, uma hora e meia depois, ainda estávamos andando em círculos pela floresta. Várias vezes, um integrante do grupo jurava ter passado exatamente naquele lugar, e quando olhávamos ao redor em busca de provas, nos deparávamos com a pouca iluminação e os troncos gêmeos da floresta.
- Isso não vai funcionar. - Ofegante, Keiko se encostava em um tronco. - A gente precisa parar e esperar que alguém nos encontre.
- Claro que não! - Batendo os pés, Kaori tentava parecer inabalável apesar do rosto avermelhado e a cascata de suor que se acumulava em sua testa. - Os outros grupos devem estar na mesma situação que a nossa. Àquela chata disse que não tinha perigo, mas eu estou com bolhas nos pés de tanto andar e com a pele irritada! Eu só quero sair daqui logo.
- Eu também acho que a gente deveria esperar ajuda. - Respirando com dificuldade, Pokko se juntou a Keiko. - Estamos perdendo a iluminação e se continuarmos assim, andar nessa floresta no escuro será um tiro no pé.
Sem um consenso definitivo, voltamos a caminhar depois daquele descanso. Ficando ao lado de Kaori, argumentei que ficar naquele lugar, sem ao menos saber onde estávamos era tão perigoso quanto sair para procurar ajuda. Não tínhamos acesso ao sinal do celular e muito menos ideia de quando o socorro chegaria. Se passasse muito tempo, correríamos perigo de qualquer forma.
Apesar de ter optado pela continuação, meu corpo fatigado começava a dar sinais de que aquela caminhada prolongada precisava de um fim. Tendo cedido minha garrafa de água após Kaori ter esvaziado a dela, senti a garganta implorar pelo líquido, causando irritação.
- Toma. - Encostando algo na minha bochecha, Aono me entregava a garrafa de água dele, a qual eu prontamente recusei. - Você precisa se hidratar.
- Mas essa água é sua. Vou ficar bem.
Estreitando os olhos, o garoto empurrava a garrafa na direção dos meus lábios.
- Eca, isso é beijo indireto. - Olhando para nós dois, Kaori azedava a expressão ao me ver tomar a água.
- Se você aprendesse a economizar a água, ela ainda teria a dela.
- Você por acaso está dizendo que eu..- - Escutando um baque, o olhar de todos nós focou na imagem de Kaori caída no chão, gemendo de dor. - Ai, eu.. Não consigo movimentar o meu pé..
Com lágrimas nos olhos, Kaori explicou que estava olhando para Aono e eu, quando sentiu o seu pé pisar em algo e a levar ao chão. Debaixo dela, estavam galhos partidos que, devido à chuva do dia anterior a nossa chegada, os haviam deixado escorregadios. Ao pisar neles, a loira escorregou, caindo de mal jeito e torcendo o pé.
- Tá doendo muito! - Deslizando as lágrimas pelas bochechas, a queda de Kaori havia explicado aquela sensação ruim que senti. No momento, a culpa estava instalada em todos os espaços do meu peito, me fazendo pensar se eu deveria ter agido diferente, mesmo sem saber qual mudança faria aquele acontecido não ocorrer. Será que se eu não tivesse dado força para prosseguirmos, aquele incidente não aconteceria?
- Calma.. Você consegue se levantar? - Me abaixando do lado dela, desviei o olhar para o tornozelo direito, que estava inchado. Com a negativa dela, tentei recorrer ao celular, mas nem aquele, nem em nenhum outro ponto da floresta, havia sinal.
- Agora a gente tem que ficar aqui. A gente não pode levar a Kao desse jeito! - Compartilhando as lágrimas da irmã, Keiko se ajoelhava ao lado dela, apertando as mãos da gêmea.
- Não sabemos o que aconteceu. - Grave, a voz de Aono se sobressaía ao choro de Kaori. - Adiar a ajuda médica pode piorar o caso dela. Vamos continuar, eu a levo. Jones, você pode nos ajudar com o mapa? Isso se ele ainda servir para alguma coisa, já que não sabemos onde a gente tá.
Enquanto Pokko e Aono auxiliavam Kaori, que murmurava de dor a cada vez que era movida, olhei para o mapa, incerta da missão que tinha em mãos. Na minha vida passada, lidei com muitos mapas, nas aulas de História Real. Mas aqui, nesse mundo, as informações são diferentes. No entanto, eu teria que conseguir.
- Aqui tá dizendo que a gente deveria encontrar um rio.. Então o melhor a fazer é apurarmos os nossos ouvidos em busca do som.
- Sério, o que você estava fazendo? - Enfezado, Aono caminhava ao meu lado, segurando Kaori em suas costas com um esforço admirável. Atrás dele, Pokko ofereceria um revezamento, mas o garoto recusava dizendo que estava tudo bem. - Você não viu essa informação?
- Eu estava tentando, tá? - Fungando, Kaori escondia o rosto na curva do pescoço do garoto, grunhindo baixinho contra a pele. - Me carrega direito!
- Você deveria agradecer por eu estar servindo de papel higiênico pra você jogar o seu catarro.
- Shhh!! - Olhando ao redor, caminhei na frente do grupo, apurando meus ouvidos para ouvir o som. - Acho que eu ouvi alguma coisa.
Em busca do som, caminhamos cautelosamente, chegando cada vez mais perto do som. Cinco minutos depois, nos deparamos com a água corrente, seguindo o seu caminho.
Com gritinhos de "uhu", batemos nas mãos uns dos outros, surgindo ali um estranho e misterioso senso de trabalho em equipe. Depois de alguns segundos de constrangimento, decidimos quem seria o primeiro a passar pelas pedras que permitiam a passagem acima da água.
- Tomem cuidado. - Avisei. - Já basta o pé da Kaori.
Cuidadosos, passamos por cima das pedras, chegando ao outro lado. Aono parecia estar cansado pelo esforço extra, mas nada disse depois que passou por mim. Abrindo um sorriso fraco, fiquei internamente contente ao saber que, de um jeito ou de outro, todos nós poderíamos nos ajudar.
Menos de 10 minutos depois, enquanto caminhávamos pelo breu da floresta, auxiliados somente pelas lanternas, vimos na direção contrária à luz forte que surgia entre os troncos. Gritando, Pokko avisava que estávamos ali, e que tínhamos uma integrante machucada. Segundos depois, os senseis nos encontravam, trazendo alívio para os nossos rostos cansados.
- Desculpa. - Curvando o meu corpo, me dirigi a sensei depois que finalmente saímos daquela floresta. Kaori havia sido encaminhada para um hospital próximo, e Keiko a havia acompanhado. Aono e Pokko estavam um pouco atrás, igualmente curvados. - A gente tomou um caminho totalmente diferente, e não conseguimos achar nenhum card.
- Isso não é importante. - Balançando a cabeça em negação, a sensei pedia que nós erguíssemos. Em seguida, abriu um sorriso gentil. - Vocês estão bem, e é o que importa.
- A Kaori vai ficar bem? Ela vai voltar para casa? - Preocupada, uni minhas mãos na frente do peito. Eu ainda me sentia extremamente culpada pelo acontecido, com a plena certeza que poderia ter evitado se tivesse feito uma escolha diferente da que tomei.
- Torcemos para que não seja nada sério. Quanto a situação dela nesse passeio, só saberemos quando estivermos a par da situação.
Gastei uma boa parte daquela noite no ofurô, enchendo a cabeça de pensamentos. Pensava em Kaori e em seu pé machucado, e em Aono e o sonho estranho que tive. Não voltei a ter mais sonhos, isso é fato, mas não anula as minhas preocupações. Se algo estivesse prestes a acontecer, eu teria condições de impedir? Se meus amigos precisassem de ajuda, eu seria capaz de ajudá-los?
Horas mais tarde, Kaori voltava amparada por Keiko e duas muletas. O rosto da garota ainda estava marcado pelo desconforto, mas bem mais tranquilo quando ela se juntou a mim e as outras meninas que dividiam o quarto conosco. Felizmente, a garota não havia quebrado nenhum osso, mas havia torcido o tornozelo e por isso, precisava de cuidados e repouso.
- Eles me deixaram ficar desde que eu não fizesse esforço. - Bufando, a garota olhava para a tipoia. - Eu odeio isso. Não quero ficar sem fazer nada!
- Mas você ainda pode se divertir. - Alisando os cabelos da garota, a abracei. - A gente vai encontrar um jeito.
- É, Kaori. - Concordando, uma garota de cabelos vermelhos levantava um travesseiro, olhando para todas nós de maneira travessa. - E a gente pode começar agora. Mas com cuidado, pra não machucar a Kao.
Sorrindo uma para a outra, começávamos uma guerra de travesseiros que fazia a loira gargalhar em meio ao rosto entristecido.
❁
Quando a noite deixava o nosso quarto imerso em breu, pisquei os olhos, despertando depois daquela sessão de guerra de travesseiro. Olhando para os lados, vi Kaori e Keiko dormindo em seus futons e respirando calmamente enquanto o sono as mantinham adormecidas. Com cuidado para não acordar elas e as outras, deslizei para fora da coberta, passando devagar pelos espaços apertados. Chegando na entrada, abri a porta de correr, encontrando um corredor silencioso e que estava afim de me dedurar, com cada passo sendo o equivalente a rajadas de bombas no chão. Na pontinha dos pés, encontrei a saída, passando pela varanda adornada com pedras até deixar as dependências da casa. Passando pelo jardim ornamentado com chouchins iluminados e flores de diferentes espécies, dei a volta e segui para os fundos, sendo recebida por um caminho de grama batida. Enquanto eu seguia aparentemente sem rumo, apenas para explorar o ambiente, senti uma brisa fria que me arrepiou por inteira, imediatamente me causando arrependimentos por não ter saído com roupas mais apropriadas.
Enquanto eu praguejava sobre a escolha de um baby doll americano para a ocasião, parei bem no momento que ergui os olhos, e o encontrei. A poucos metros de mim, Aono contemplava o céu estrelado, diante de um lago que refletia perfeitamente o desenho do céu.
- Também não conseguiu dormir? - Me aproximando, desci uma pequena rampa, caminhado mais alguns passos até parar do lado dele. Os cabelos negros do garoto se rebelavam em meio ao vento, deixando o seu rosto escondido atrás das mechas grossas.
- Não preguei o olho. - Enfiando as mãos nos bolsos da calça moletom, o garoto desviava o olhar para mim, encontrando minhas pupilas dirigidas a ele. Desviei o olhar, incapaz de olhar por muito tempo o abismo daqueles olhos. - A Kaori está bem?
- Está sim. - Mantendo o olhar fixo no lago estrelado, prossegui. - Ela torceu o tornozelo, mas vão deixar ela ficar se ela obedecer ao repouso. Acho difícil que ela consiga, do jeito que ela é.
- Espero que ela se recupere rápido.
Assenti, compartilhando a expectativa. Em seguida, e por cinco minutos inteiros, nós nos entregamos ao silêncio, ouvindo apenas o barulho das nossas respirações.
- Esse lugar é tão tranquilo, não é? Sinto uma paz que não sei explicar.
- É sim.
- Qual música você tocaria aqui? No violino.
Dessa vez, ao olhar para o rosto de Aono, vi que ele estava com uma expressão pensativa.
- Acho que.. Humoresque, de Dvorak. Seria uma boa música.
- Você tá com o seu celular?
Ao notar um balançar de cabeça afirmativo, prossegui com a minha ideia.
- Então, eu gostaria de escutá-la.
No minuto seguinte, com o celular em mãos, Aono adicionava uma sinfonia à paz que estávamos sentindo naquele lugar. E imediatamente, os meus olhos se enchiam de lágrimas com o decorrer do som do violino preenchendo o silêncio do lugar, e a turbulência da minha alma.
- É linda. - Afirmei. - Por quê você escolheu essa?
- Pela saudade. Quanto a escuto, sinto falta de um tempo que não voltará mais.
Aono tinha razão. Atrás do movimento daquelas cordas, havia saudade. De repente, transportei para às muralhas do Castelo, vendo Aisha, Dália, papai, Mirian, Leopold, Victor. Todos estavam a um passo de distância de mim, mas algo me impedia de prosseguir. Embalada pela música, a visão daquelas silhuetas sumiam, transformando-se em centenas de pétalas de girassóis que me rodeavam, levantando o meu corpo, me alcançando aos céus. Ao mesmo tempo, fora dos meus devaneios, tonéis de lágrimas desciam sem pudor pelo meu rosto, traçando um caminho triste até chegarem à grama.
- Por quê? Você soa como se não tivesse mais tempo.
- De certa forma. - Encontrando o meu rosto salpicado de lágrimas, Aono lentamente levava o indicador até uma delas, passando o dedo sobre a bochecha salgada. Estranhamente, aquele toque também me acalmava. - Não há mais nada para correr atrás.
- Como não há mais nada? Você é novo. Tem um monte de coisas esperando por você. Várias experiências. Se você quiser que esse tempo volte, tem que estar aberto para ele.
Recheando o lugar com uma risada amarga, Aono balançava a cabeça em negação, suspirando. Seus olhos estavam fixos ao chão.
- Eu estou aqui de passagem, Jones. Você já viu alguma bomba-relógio ser bem vinda em algum lugar? As pessoas não querem estar por perto quando ela explodir.
- Eu não acho que você seja uma bomba relógio.
- Você não me conhece.
- Então me deixe conhecer. - Pedi, apertando os lábios. - Me deixa ver as estações passarem ao seu lado. Quero ver as cerejeiras se desprenderem dos galhos. Quero ver a última pétala voar para bem longe, anunciando a chegada do verão. Quero ver a época das cigarras, e os festivais. Quero estar do seu lado quando as folhas caírem, e quero lembrar de todos esses momentos quando a neve começar a cobrir as nossas lembranças. E também quero estar com você no próximo ano, e recomeçar esse ciclo para o outro, e o outro, e o outro.
- Por quê? - Com as bochechas avermelhadas, a pergunta de Aono pairava no ar, se desfazendo diante da luz do meu sorriso.
- Por quê é o que amigos fazem. - Pisquei, caminhando na direção do lago. Não sabia se as minhas palavras chegariam ao coração de Aono, mas esperava que sim. Ao seu lado, senti uma enorme tristeza emanar de suas ações e palavras sem esperança. Não queria que aquele sentimento o levasse para longe, como uma estrela distante.
- Parece que a gente pode pegar as estrelas. - Ajoelhada, entrelacei as mãos, pegando a água. Na palma, a estrela refletida emitia um brilho pálido, visualmente bonito.
- O nome faz jus ao lugar. - Mencionando o nome do lago, "Lago das estrelas", Aono se ajoelhava ao meu lado, observando o reflexo, e em seguida desviando o olhar para o céu.
- Você se parece com uma.
- Uma estrela? - Arqueando as sobrancelhas, Aono via a minha conformação, abrindo um sorriso fraco. - Por quê?
- Por estar distante. Elas são belas aos olhos, mas impossíveis de serem tocadas. Tudo o que está ao nosso alcance é imaginar, como eu estou fazendo agora. - Apontei com o queixo para a estrela fantasiosa em minha palma, desviando o olhar em seguida para os olhos curiosos grudados em mim.
- Então você está dizendo que eu sou bonito e inacessível.
Rindo, Aono suavizava os traços naturalmente marcados, e quando ele estava assim, alheio ao sofrimento cotidiano, ele ficava como as estrelas. Quis guardar as memórias daquelas feições no fundo da minha memória, para que aquela visão não se perdesse.
- Não foi o que eu dizer. - Desviando o olhar, fiquei sem entender a queimação que sentia nas bochechas, sensação que crescia com as risadas do garoto, seguido de um suspirar satisfeito. - Você entendeu.
- Não entendi não.
- Ah, deixa de ser chato. - Estalei os lábios, olhando para o céu. - Qual é o nome daquela?
- Qual? - Acompanhando o meu dedo, Aono reagiu bem à minha troca de assunto. Não estava desesperada nem nada, é só que senti vontade de falar de outra coisa. - Aquela ali faz parte de uma constelação. A constelação se chama Cassiopeia.
- Ela é linda. - Sorri, olhando para o céu. Em seguida, com a água que estava segurando, o molhei, assumindo uma expressão travessa.
- Ei. - Estalando os lábios, Aono fechava a expressão, se aproximando. Em seguida, causando-me gritinhos, o garoto me ergueu como se eu não fosse nada, deixando minhas pernas e braços para baixo, como se fossem uma gangorra.
- Aono!! - Pedi, rebatendo os pés. - Eu só joguei um pouquinho!
- Eu poderia te desovar nesse rio. Não é má ideia.
- Não!! - Choraminguei, sentindo o braço dele ao redor da minha cintura. Aono me segurava com um braço só, e ele já havia carregado Kaori por uma distância considerável. Não tinha como não ficar surpresa com a sua força. - Você não seria tão malvado a esse ponto.
- Será? - Sorrindo de lado, o garoto caminhava para fora do rio, me trazendo como uma bagagem. Em seguida, Aono me pôs no chão, se sentando ao meu lado. Não deixei meu olhar em seu rosto parcialmente molhado e no pomo de Adão proeminente, em seus braços apoiados na grama e na barra de sua calça molhada. - Toma. - Levando ambas as mãos para a barra do casaco que usava, Aono retirava a peça, passando pelo pescoço até deixar totalmente o seu corpo. Jogando em cima de mim de maneira nada delicada, o garoto esperava que eu vestisse.
- Não precisa, eu estou bem.
- Tá frio. - Insistindo, Aono azedava a expressão, irritado com a minha negativa. Em seguida, assenti e passei o casaco pelos braços, sentindo o cheiro de amaciante e sabonete.
- Obrigada. - Olhando para baixo, notei que o casaco de Aono cobria todo o meu pijama, chegando aos meus joelhos. Tudo bem que ele era mais alto que eu, mas isso ainda me chocava. - Até que tá cheiroso.
Estalando os lábios, Aono balbuciava um "irritante", me arrancando um sorrisinho satisfeito. Desviei o olhar para o casaco, vendo que havia o símbolo de uma caveira com os dois olhos riscados. Incapaz de conter a risada, apurei a curiosidade do garoto, que me olhava com a sobrancelha arqueada.
- O que foi?
- Nada. É só que.. esse casaco é bem a sua cara. O símbolo.
Recebi mais um "irritante", seguido do bagunçar do meu cabelo preso em um rabo de cavalo. Grunhi, me afastando e o observando sem o casaco. Com os braços de fora, todas as tatuagens do garoto estavam à mostra, dançando em meus olhos.
- O que essa significa? - Apontei para o desenho de um cubo mágico colorido, um pouco abaixo do cotovelo. - Que você é um super fã de cubos mágicos?
Rindo, Aono balançava a cabeça em negação.
- Significa que eu estava afim de fazer. - Encarando os meus olhos em descrença, ele prosseguiu, jurando estar dizendo a verdade. - É verdade. A maioria delas eu fiz por vontade, sem um significado por trás.
- Até essa? - Apontei para um símbolo musical, me aproximando para ver melhor, escondida entre outras tatuagens maiores.
- Essa não. - Alisando a tatuagem mencionada, Aono encarava o desenho, parecendo saudoso. - Música é a minha vida.
Assenti, segurando o braço dele para ver as outras tatuagens. Aono era incrivelmente eclético no quesito "fazer tatuagens estranhas". Não sei quanto tempo eu levaria para catalogar todas elas.
- "My mind is an awful place" - Li as palavras da tatuagem, arqueando uma sobrancelha. - E essa?
- Algum dia eu te digo. - Encolhendo o braço, Aono voltava a encarar o céu. Seus olhos pareciam compartilhar as estrelas que via, refletidas em suas pupilas noturnas.
- Tsc. - Inflei as bochechas.
- Ainda tem espaço para mais algumas. - Olhando para o braço, Aono conseguia ver espaço onde eu via lotação esgotada. - Quer arriscar algum palpite?
- Quero fazer melhor. - O encarei, sorrindo. - Quero escolher a próxima.
Esperando receber um não gigantesco, me surpreendi com a permissão do garoto. Quando o olhei, ele estava esperando a minha resposta.
- Você pode fazer, se quiser. Conheço um amigo que pode emprestar os materiais. Tem alguma ideia?
- Você é louco? - Indaguei, arregalando os olhos. - Eu não sei tatuar.
- Não tem problema. - Dando de ombros, o garoto se levantou, enfiando a mão nos bolsos. - Quando você tiver uma ideia, me fala.
Ainda o encarando como se ele fosse a pessoa mais doida que eu já tinha visto, notei a despreocupação em suas pupilas, provando o meu ponto dele ser inalcançável. A ideia de tatuá-lo aos poucos transformava o receio em uma vontade totalmente maluca, mas real.
- Acho que tenho uma ideia. - Ficando de pé ao lado dele, limpei a grama nas minhas pernas e encarei o lago. - Estrelas. Como as de hoje.
- É uma boa. - Balançando a cabeça em afirmação, Aono deixava um sorriso tranquilo escapar. Naquela noite, nós dois pareciamos estar vivendo em um sonho. Um que eu não queria que acabasse.
- Falta muito para amanhecer?
Olhando para a tela do celular de Aono, via que faltavam poucos minutos para amanhecer. Tendo um lampejo de ideia, combinei com o garoto para vermos o amanhecer, mas não só nós dois.
❁
Dez minutos depois, Aono, Pokko, Kaori, Keiko e eu estávamos na frente do lago, esperando os primeiros indícios de sol. Sonolenta, Kaori bocejava.
- Caramba, vocês não dormem? Eu tô morta de cansaço.
- Garanto que vai valer a pena. - Prometi, entrelaçando a minha mão com a dela.
Não demorou para que o prometido acontecesse. Pouco a pouco, e visível aos nossos olhos, o céu em tons de azul escuro dava espaço para a fileira de cores que antecediam o azul claro. Se despedindo, as estrelas deixavam o céu arroxeado e o lago, transformado em púrpura.
- Caramba, isso é incrível! - Vidrada, Keiko apontava para o lago. - É como se ele fosse naturalmente roxo.
- É muito bonito mesmo. - Ao lado de Kaori, Pokko sorria, e apesar de estar falando do lago, o garoto não olhava para ele.
Vimos o amanhecer próximos um do outro, como um time. Quando as primeiras gaivotas apareceram, anunciando o início de um novo dia, vibramos entusiasmados com o cenário diurno.
- Eu acho que essa lembrança é a primeira de muitas que vamos vivenciar juntos. - Sorrindo, olhei para cada um deles, certa de que queria guardar aquele momento na memória. Mesmo que algum dia eu deixasse esse mundo, não queria esquecer dos bons dias que passei aqui, como esse.
- Eu, do lado desses chatos? - Sibilando, Kaori empinava o nariz, perdendo a pose logo em seguida. - Não sei como isso pode dar certo. Mas tenho que reconhecer que foi muito legal o que você fez por mim hoje, Aono. Obrigada por ter me ajudado.
- Nós éramos um time. - Olhando para a loira, Aono suavizou a expressão, baixando a guarda.
- Éramos não. - Entrando na conversa, Pokko erguia a mão no centro, esperando que todos nós colocássemos a mão por cima. - Somos.
- Isso aí, Pokko. - Animada, pus a mão em cima da dele, olhando para Kaori.
- Aff.. Não tem jeito, né..
- Espero que vocês não dêem trabalho pra gente. - Colocando a mão por cima, Keiko olhava para Aono, acompanhada por mim, Kaori e Pokko que já estávamos com as mãos colocadas.
- Tsc.
Finalizando nosso pacto de mãos, Aono colocava a mão por cima, levantando-a quando todas se ergueram para o céu. Diante do amanhecer, minha vida estava iniciando mais um capítulo. Em branco, estava ansiosa para as variações de cores que pudessem preencher.
- Temos que tirar uma foto para guardar esse dia! - Sugeri.
- Alguém tá com o celular? - Balançando a cabeça em negação, o único que sobrava era Aono, que estalava os lábios, se negando a tirar. Depois de muita insistência e carinhas fofas, ele acabou cedendo.
Com sinais de "V" e olhando para a câmera, abrimos sorrisos alegres, esperando que Aono clicasse na câmera. Segundos depois, o início do nosso grupo era marcado para sempre na tela do celular, e nos nossos corações juvenis.
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Não me odeiem pelo capítulo imenso!! Queria dizer que se você chegaram até aqui, devem estar com estrelinhas nos olhos igual a mim
Gente, que capítulo lindo, né? Tivemos desde as interações da Emi/Sophi com a família, até o acidente da Kao (tadinha) e essa interação AoKawa que apertou o meu coração.. Esse capítulo retratou bem a vida de adolescente prestes a entrar na vida adulta, né? Uma vibe bem Ao haru Ride.. Tem todo aquele pegado pelo estar junto, e as memórias.. Bate até uma saudade! Eu espero que vcs tenham gostado desse capítulo, que tenham gostado da novidade da trilha sonora (sim, a partir de agora vamos ter trilhas sonoras) e que estejam aqui para o próximo! Beijocas
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