A negação
— Poxa gente, obrigado mesmo. Vocês são muito foda! Tá batendo três k aqui mano. Acho que mais gente deveria ouvir essa história. Vou deixar gravada e tal, mas chamem a galera aí, vai. Vou continuar aqui, senão me distraio.
"Quando acordei já era dia. O céu estava cinza e o clima frio. Fui até a cozinha e fiz um café bem maneiro, comi pra matar a larica e sem ter muito o que fazer, fui para o sofá, mas bem ali diante do móvel, sobre uma mesinha de centro, havia uma porção de fotos espalhadas. Despretensiosamente comecei olhar e me deparei com uma série de fotos tiradas numa casa noturna, talvez a boate que meu pai havia mencionado. Ele estava bem jovem nas fotos e lá estava, bem ao lado dele, minha mãe Larissa...bela, jovial e encantadora.
Larguei aquelas fotografias e liguei a televisão. Não tinha nada de importante que eu quisesse realmente assistir, mas era para passar o tempo mesmo. Fiquei ali viajando nos filmes, até que ele apareceu. Não sei descrever o que senti, era um tipo de ranço com asco. Ver aquele modelo feminino em roupas justas e saber que era um homem ali, aliás, não um homem qualquer, mas meu próprio pai... Foi terrível para mim. Simplesmente fixei o olhar na televisão e tentei mergulhar no filme, mas ele veio até mim. 'Dormiu bem? Precisa de alguma coisa?' Respondi de forma rude que estava tudo bem e que havia dormido bem também. Ele assentiu com a cabeça e jogou para mim um tipo de chaveiro. Eu vi que era um dispositivo bem parecido com os que usam em automóveis. Ele só disse: 'Para você poder entrar e sair.'
Depois disso ele saiu. Fiquei panguando ali por mais uns minutos e zarpei também. Fui explorar a capital. Visitei uns pontos turísticos, me perdi, passei numa rua lotada de bordéis e inferninhos e não conseguia desvincular a imagem do meu pai daquelas pessoas. É estranho, mas o dia todo fiquei pensando nele, em como iria lidar com tudo o que estava acontecendo. Eu não conseguia aceitar o fato dele ser daquele jeito, serio mesmo, olhar travestis na rua é de boa, mas quando é da sua família, é muito diferente. Pior, era a única pessoa que podia me apoiar até achar um trampo. Durante todas as reflexões, tive uma que se sobrepôs; tinha de sair da casa dele e me tornar independente. Já era hora de crescer.
Antes de voltar para o apartamento, caí numa trama de pensamentos que me puxaram cada vez mais para baixo. Imaginava meu pai não só dançando em boates drag, mas imaginava também ele tendo relações com outros homens, fiquei completamente furioso e enojado. Não suportava a ideia de ele ter trocado minha mãe por aquela vida promiscua. Eu, comecei a odiá-lo, tudo isso em apenas um dia.
A minha imaginação era fértil demais e me levava de pensamentos escrotos sobre meu pai até momentos felizes com minha mãe. Lembrei de nossas idas aos parques, nossa visita à Disney e ao Safari na África, ela era muito, mas muito foda mesmo. Por um instante pude sentir o abraço gostoso dela, mas me deparei com a porta do apê e toda aquela sensação boa desapareceu. Quando entrei ele já estava lá, fazendo um lanche e fumando um banza, parça, um banza. Foi outro choque pra mim, saca? Ele perguntou se eu queria um lanche, aceitei porque é foda, na hora da fome não existe orgulho. Ele trouxe e sentou no sofá em frente. Fiquei mirando ele de pernas cruzadas, todo afeminado, sei lá, era muito estranho mesmo para mim. Ele estendeu a mão me oferecendo o baseado. De início recusei, mas aí ele falou: 'Qual é? Pega logo. Eu senti o cheiro do seu ontem a noite e vai por mim, esse é bem melhor.'
Juro que fiquei meio passado com aquilo, mas peguei e dei umas tragadas, era realmente muito bom. 'Se quiser voltar a estudar eu pago pra você.' Eu nem mesmo conseguia olhar pra ele. 'Não. Valeu!' Mas pensa numa pessoa insistente! Percebeu que eu não queria muito papo, mas continuava a puxar assunto. 'Não pare, senão depois fica difícil voltar.' Eu disse que estava no primeiro semestre e que voltar ou não, não faria diferença. 'Viu as fotos?' Eu respondi que sim. E ele perguntou o que eu tinha achado.
'Não achei nada. O que você faz pra ganhar a vida e morar num lugar desses?' Fui grosso na indagação, lembro que olhei pra ele como se quisesse fuzilá-lo.
'Não achou nada... Tudo bem. Então, sou coreografa e faço shows. Mas já trabalhei em muitos outros empregos.'
'Prostituição era um deles?'
'Sim.'
'Você é nojento.'
'Talvez... Se me conhecesse melhor.'
'Na boa... Não quero conhecer você melhor e não quero depender de você. Só ficarei aqui até achar outro lugar. Depois disso, não quero te ver nunca mais.'
Se fosse outra pessoa, teria me arrependido imediatamente do que disse, isso porque assim que falei, vi os olhos dele enchendo de lágrimas. Mas não rolou, fiquei ali implacável e frio. Ele se retirou.
Os dias eram longos e arrastados, tudo parecia conspirar contra mim. Não conseguia emprego, meu dinheiro estava acabando e minhas parangas também. Eu não queria pedir nada pra ele, não queria deixar ele entrar na minha vida, nem por um dia sequer. Fumando numa praça conheci uns caras vida-louca e trocamos vários papos. No meio do papo, estava meio brisado e acabei soltando que tava na pior, sem grana e sem emprego. Os trutas me chamaram para descolar uma grana fácil. Na hora saquei que era treta, mas meu... Cabeça de bagre do cacete, fui com eles.
A parada era simples, emboscar um velho babaca que andava com a carteira recheada e que eles estavam vigiando há dias. A emboscada deu certo, o furto também, o problema foi a fuga. Quando corremos, o velho sacou uma arma e disparou. Todo mundo se espalhou, o tiro chamou atenção dos policiais ao redor da área e não sei de onde apareceram duas motos com os gambés. Nunca corri tanto na minha vida. O velho gritava 'Ladrão!' e eu corria o quanto podia, mas deu merda.
Assim que as motos me alcançaram, um dos policiais me derrubou e me deu vários chutes. Eu comecei gritar desesperado que era menor e que morava ali perto. Um deles começou a puxar as coisas dos meus bolsos e arrancou um banza e o celular. Esfregou a maconha na minha cara me chamando de nóia e me mostrou o celular perguntando de quem eu havia roubado. Disse que era meu e que podia ligar para um adulto vir me buscar. O maldito me socou e me chamou de playba, saca? Disse que era bom que trouxesse um cafezinho pra eles, senão eu ia parar na delegacia. Mano... Pega a visão. Os caras me derrubaram, me pegaram em flagrante, mas não me levaram. Esperaram pra ver se iam arrancar dinheiro de alguém. Se liga!
O policial me fez ligar pro meu pai e pedir pra vir me buscar. Eu passei o endereço e falei que precisa trazer dinheiro. Tudo isso com uma arma apontada para minha testa."
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E aí pessoas lindas!
Estamos caminhando para a reta final. Espero que estejam curtindo. ^^
Beijos e abraços da Pri!!!
xoxo
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