O Jantar
⌛<<Agora>>⌛
🍒▫️Cheryl Blossom ▫️🍒
Tenho que tirar os sapatos para conduzir. Wanda, meu fusca azul marinho, não foi desenhado para ser conduzido por mulheres com saltos altos. Estacionei em frente ao Heathman as sete, faltando dois minutos exatamente, dando as chaves ao manobrista, percebo que ele olha para meu fusca com cara feia, mas eu o ignoro. Respiro fundo, me preparo mentalmente para a batalha e me dirijo ao hotel.
Antoinette está inclinada sobre o balcão, bebendo um copo de vinho branco. Ela está vestindo uma blusa branca com uma jaqueta preta, uma calça jeans branca e um salto alto da mesma cor. Tem os cabelos tão alvoroçados como sempre. Suspiro. Fico uns segundos parada na entrada do bar, observando,admirando a vista. Ela lança um olhar, acredito que nervoso, para a porta se esticando e fica imóvel. Pestaneja um par de vezes e depois esboça lentamente um sorriso indolente e sexy que me deixa sem palavras e isso me derrete por dentro. Avanço para ela fazendo um enorme esforço para não morder meus lábios. Ela caminha graciosamente par me encontrar.
- Você está linda, — ela murmura, inclinando-se para me beijar rapidamente na bochecha. — Lindo vestido, senhorita Blossom. — Agarra minha mão, e me leva a uma mesa reservada e faz um gesto ao garçom.— O que quer tomar?
Esboço um ligeiro sorriso enquanto me sento na mesa. Bem, ao menos pergunta-me.
- Tomarei o mesmo que você, obrigado. — Viu? Sei fazer meu papel e me comportar.
Divertida, pede outro copo do Sancerre e se senta em frente a mim.
- Têm uma adega excelente aqui, — me diz, inclinando a cabeça para um lado.
Ela apoia os cotovelos na mesa e junta os dedos de ambas as mãos à altura da boca. Em seus olhos brilham uma incompreensível emoção. E aí está... uma descarga elétrica que conecta com o meu eu mais profundo. Remexo- me, incômodada diante de seu olhar escrutinador, com o coração pulsando rapidamente. Tenho que manter a calma.
- Está nervosa? — Ela pergunta amavelmente.
- Sim.
Ela inclina-se para frente.
- Eu também, — ela sussurra com cumplicidade. Mantenho meus olhos nos seus. Ela? Nervosa?
Nunca. Eu pestanejo e ela me dá seu precioso sorriso meio de lado. Chega o garçom com meu vinho, um pratinho com frutas secas e outro com azeitonas.
- Então, como faremos isso? — Eu pergunto. — Revisamos meus pontos um a um?
- Sempre tão impaciente, senhorita Blossom.
- Bem, eu poderia perguntar o que você achou do tempo hoje?
Ela sorriu e pegou uma azeitona com seus longos dedos. Ela botou na boca e meus olhos se fixam na sua boca, que esteve sobre a minha... em todo meu corpo. Ruborizo.
- Acredito que o tempo hoje não teve nada de especial, — Ela riu.
- Está rindo de mim, Senhorita Topaz?
- Sim, senhorita Blossom.
- Sabe que esse contrato não tem nenhum valor legal.
- Sou perfeitamente consciente disso, senhorita Blossom.
- Pensou em me dizer isso, em algum momento? - Ela franze o cenho.
- Você acredita que estou te coagindo para que faça algo que não quer fazer, e que além disso pretendo ter algum direito legal sobre você?
- Bem... sim.
- Não tem um bom conceito de mim, não é verdade?
- Não respondeu a minha pergunta.
- Cheryl, não importa se é legal ou não. É um acordo que eu gostaria de ter contigo... o que eu gostaria de ter de você e o que você pode esperar de mim. Se você não gostar, não assine. Se o assinar e depois decidir que você não gosta, há suficientes cláusulas que lhe permitirão deixá-lo. Mesmo se você for legalmente vinculada, acredita que levaria você a julgamento se decidisse partir?
Tomo um comprido gole de vinho. Meu subconsciente me dá um golpe no ombro. Tem que estar atenta. Não beba muito.
- As relações deste tipo se apoiam na sinceridade e na confiança, — seguiu me dizendo. — Se não confiar em mim... tem que confiar em mim para que saiba em que medida estou te afetando, até onde posso ir contigo, até onde posso te levar... se não puder ser sincera comigo, então, realmente, não podemos fazer isso.
Oh meu Deus, vá diretamente ao ponto. Até onde pode me levar.
Caramba. O que quer dizer?
- É muito simples, Cheryl. Confia em mim ou não? — Ela perguntou com os olhos ardentes.
- Você manteve este tipo de conversa com... bem, com as quinze?
- Não.
- Por que não?
- Porque elas já eram submissas. Sabiam o que queriam da relação comigo, e em geral, o que eu esperava. Com isso, era uma simples questão de afinar os limites possíveis, esses tipos de detalhes.
- Você as procura em alguma loja? "Nós somos Submissas"?
Ela ri.
- Não exatamente.
- Então como?
- É disso que quer falar? Ou passamos ao melhor da questão? Às objeções, como você diz.
Engulo em seco. Confio nela? É nisso que se resume tudo, à confiança? Sem dúvida deveria ser coisa mais importante para as duas. Lembro-me de sua raiva quando liguei para Matheus.
- Você está com fome? — Ela pergunta, e me distrai de meus pensamentos.
Oh, não... a comida.
- Não.
- Você comeu hoje?
Eu olho para ela. Honestamente... Caramba, não vai gostar da minha resposta.
- Não. — respondo em voz baixa. Ela me olhou com expressão muito séria.
- Tem que comer, Cheryl. Podemos jantar aqui ou em minha suíte.O que você prefere?
- Acredito que é melhor ficarmos em terreno neutro. - Ela sorriu com ar zombador.
- Crê que isso me deteria? — pergunta em voz baixa, como uma sensual advertência.
Arregalo os olhos e volto a engolir a saliva.
- Eu espero.
- Vamos, reservei um jantar privado. — Ela sorriu enigmaticamente e saiu da mesa me estendendo a mão.— Traga o seu vinho — murmura.
Agarro a sua mão, levanto e paro a seu lado. Solta a minha mão, põe no braço, cruzamos o bar e subimos uma grande escada até a sobreloja. Um rapaz com uniforme do Heathman se aproxima de nós.
- Senhorita Topaz, por aqui, por favor.
Nós o seguimos por uma luxuosa sala de sofás, até um refeitório privado, com uma só mesa. Era pequeno, mas suntuoso. Sob um candelabro cintilante, a mesa está coberta por linho engomado, taças de cristal, talheres de prata e um ramo com uma rosa branca. Um encanto antigo e sofisticado impregnava a sala, forrada com painéis de madeira. O garçom retira a cadeira e me sento. Eu coloco o guardanapo no colo. Ele coloca as taças na mesa. Antoinette se senta em frente a mim. Eu fico olhando para ela.
- Não morda o lábio, — ela sussurra.
Eu franzo o cenho. Caramba. Nem sequer me dei conta de que estava fazendo isso.
- Já pedi a comida. Espero que não se importe.
A verdade é que me parece um alívio. Não estou segura de que possa tomar mais decisões.
- Não, está tudo bem, — eu respondo.
- Eu gosto de saber que pode ser dócil. Agora, onde estávamos?
- No x da questão. — Dou outro longo gole de vinho. Está muito bom. Antoinette Topaz conhece bem os vinhos bons. Eu lembro do último gole que me ofereceu, em minha cama. O inoportuno pensamento me fez ruborizar.
- Sim, suas objeções. — Põe a mão no bolso interno da jaqueta e tira uma folha de papel.
Meu e-mail.
- Cláusula 2. De acordo. É em benefício das duas. Voltarei a redigi-lo.
Pestanejo. Caramba... vamos passar por cada um destes pontos, um de cada vez. Não me sinto tão valente estando com ela. Ela parece tão séria. Reforço-me com outro gole de vinho. Antoinette continua.
- Minha saúde sexual. Bem, todas as minhas companheiras anteriores fizeram análise de sangue, e eu faço exames a cada seis meses, de todos estes riscos que existam. Meus últimos exames estavam perfeitos. Nunca usei drogas. Na realidade, sou totalmente contra as drogas, e minha empresa leva uma política antidrogas muito a sério. Insisto em que se façam exames aleatórios e de surpresa nos meus empregados para detectar qualquer possível consumo de drogas.
Uau... A obsessão controladora leva à loucura. Eu a encaro perplexa.
- Concordo, impassível.— Seu ponto seguinte eu já comentei antes. Você pode sair a qualquer momento, Cheryl. Não vou te deter. Mas se for... acaba tudo. Quero que saiba.
- Ok. — eu respondo em voz baixa. Se eu for, acabou. A ideia me parece inesperadamente dolorosa.
O garçom chega com o primeiro prato. Como vou comer? Caramba... ela pediu ostras em uma cama de gelo.
- Espero que você goste das ostras, — Antoinette diz em tom amável.
- Nunca as provei. — Nunca.
- Sério? Bem. Pegue uma. A única coisa que tem que fazer é colocar isso na boca e engolir. Acredito que conseguirá. — Ela olha para mim e sei a que está se referindo. Fico vermelha como um tomate. Sorrindo me diz que devo espremer suco de limão em uma ostra e colocá-la na boca.- Hm, deliciosa. Tem sabor de mar, — ela diz sorrindo. — Vamos, — ela me encoraja.
- Não tenho que mastigar?
- Não, Cheryl. — Seus olhos brilham divertidos. Parece muito jovem. Eu aperto os lábios, e sua expressão muda instantaneamente. Ela me olha muito séria. Estico o braço e pego a primeira ostra. Ok... isto não vai sair bem. Jogo suco de limão e a coloco na boca. Ela desliza por minha garganta, todo o mar, sal, e a forte acidez do limão e sua textura carnuda... Oooh. Lambo os lábios, e ela me olha fixamente, com olhos impenetráveis.
- É bom?
- Comerei outra e lhe responderei.
- Boa garota, — me diz orgulhosa.
- Você pediu ostras de propósito? Não dizem que são afrodisíacas?
- Não, é só o primeiro prato do menu. Não necessito de afrodisíacos contigo. Acredito que sabe, e acredito que é assim contigo também, — ela diz tranquilamente. — Onde estávamos? — Ela dá uma olhada no meu e-mail, enquanto pego outra ostra. -Obedecer-me em tudo. Sim, quero que faça. Necessito que o faça.Considera um papel difícil, Cheryl?
- Mas me preocupa que me faça mal.
- Que te faça mal como?
- Fisicamente. — E emocionalmente.
- De verdade acredita que te faria mal? Que transpassaria os limites, ao ponto de não poder aguentar?
- Você disse que tinha feito mal a alguém antes.
- Sim, mas foi há muito tempo.
- O que aconteceu?
- Pendurei-a no teto do quarto de jogos. De fato, é um dos seus pontos. Suspensão... para isso são os mosquetões. Com cordas. E apertei muito uma corda.
Levanto uma mão lhe suplicando que pare.
- Não preciso saber mais. Então, você que me suspender?
- Não, se realmente não quiser. Pode tirar da lista dos limites rígidos.
- Ok.
- Bom, crê que poderá me obedecer?
Lança-me um olhar intenso. Passam os segundos.
- Poderia tentar, — eu sussurro.
- Bom. — Ela sorri. — Novo termo. Um mês não é nada, especialmente se quiser um fim de semana livre de cada mês. Não acredito que eu possa aguentar ficar longe de ti tanto tempo. Mal consigo agora. — Ela pausa.
Não pode ficar longe de mim? O que?
- Que tal, um dia de um fim de semana por mês só para você. Mas ficará comigo uma noite no meio da semana.
- De acordo. E, por favor, tentamos por três meses. Se você não gostar, pode partir a qualquer momento.
- Três meses? — Sinto-me pressionada. Dou outro comprido gole de vinho e me concedo o gosto de outra ostra. Poderia aprender o que eu gosto.
- O tema da propriedade, é meramente terminologia e remete ao princípio da obediência. É para você entrar no estado de ânimo adequado, para que entenda de onde venho. E quero que saiba que, assim que cruzar a porta de minha casa, você é minha por inteiro, farei contigo o que me der vontade. Terá que aceitar de boa vontade. Por isso tem que confiar em mim.-Ela suspira.-—Vou foder você, quando quiser, como quiser e onde quiser. Vou disciplinar você, por que você vai estragar tudo. Adestrarei você para que me agrade. Mas sei que tudo isto é novo para você. De inicio iremos com calma, e eu te ajudarei. Nós vamos atuar em vários cenários. Quero que confie em mim, mas sei que tenho que ganhar sua confiança, e o farei. O "em qualquer outro âmbito"... de novo, é para ajudar você a se colocar em uma situação. Significa que tudo está permitido.
Ela se mostra apaixonada, cativante. Está claro que é sua obsessão, sua maneira de ser... Não conseguia afastar os olhos dela. Quero-a de verdade. Ela para de falar e me olha.
- Continua comigo? — pergunta em um sussurro, com voz intensa, cálida e sedutora. Ela toma um gole de vinho sem tirar seus penetrantes olhos de mim.
O garçom se aproxima da porta, e Antoinette assente ligeiramente para lhe indicar que pode retirar os pratos.
- Quer mais vinho?
- Tenho que dirigir.
- Água, então?
Eu concordo.
- Normal ou com gás?
- Com gás, por favor. - O garçom sai.
- Está muito pensativa, — sussurra Antoinette.
- Você está muito faladora. - Ela sorri .
- Disciplina. A linha que separa o prazer da dor é muito fina, Cheryl. São as duas caras de uma mesma moeda. E uma não existe sem a outra. Posso lhe ensinar quão prazerosa pode ser a dor. Agora não me acreditas, mas a isso me refiro quando falo de confiança. Haverá dor, mas nada que não possa suportar. Voltamos para o tema da confiança. Confia em mim, Cheryl?
- Sim, confio em ti, — respondo espontaneamente, sem pensar... por que é verdade... Eu confio nela.
- De acordo, — ela diz aliviada. — O resto, são apenas detalhes.
- Detalhes importantes.
- Ok, vamos falar sobre eles.
Minha cabeça dá voltas com tantas palavras. Devia ter trazido o gravador da Elisabeth para poder voltar a ouvir depois o que ela disse. Muita informação, muitas coisas para processar. O garçom volta a aparecer com o segundo prato: bacalhau, aspargos e purê de batatas com molho holandês. Eu nunca me senti com menos fome por alimentos.
- Espero que você goste de pescado, — Antoinette diz em tom amável.
Olho minha comida e bebo um longo gole de água com gás. Eu veementemente gostaria que fosse vinho.
- A normas. Falemos das normas. Rompe o contrato pela comida?
- Sim.
- Posso mudar e dizer que comerá no mínimo três vezes ao dia?
- Não. — Eu não vou ceder neste tema. Ninguém vai dizer-me o que tenho que comer.
Como foder, sim, mas comer... não, de jeito nenhum.
Ela aperta os lábios.
- Preciso saber que não passa fome. - Franzo o cenho.
- Por quê?
- Tem que confiar em mim.
Ela me olha por um instante e relaxa.
- Touché, senhorita Blossom, — diz em tom tranquilo. Aceito o da comida e o de dormir.
- Por que não posso te olhar?
- Isso é uma coisa de Dominante e Submissa. Você vai se acostumar com isso.
Eu vou?
- Por que não posso te tocar?
- Porque não.
Ela aperta os lábios.
- Isso é por causa da sua antiga dominadora?
Ela me olhou com curiosidade.
- Por que você pensa isso? — E imediatamente o entende. — Você acredita que ela me traumatizou?
Eu concordo.
- Não Cheryl, não é por isso. Além disso, a senhora Rosa não tomaria qualquer dessas merdas de mim.
Oh... mas eu sim, tenho que aceitar. Faço cara feia.
- Então não tem nada haver com isso...
- Não. E tampouco quero que se toque.
O que? Ah, sim, a cláusula de que não posso me masturbar.
- Só por curiosidade... por quê?
- Porque quero todo o seu prazer para mim, — diz em tom rouco, mas determinado.
Oh... Não sei o que responder. Por um lado, aí está com seu "Quero te morder os lábios"; pelo outro, é muito egoísta. Franzo o cenho e espeto um pedaço de bacalhau, tentando avaliar mentalmente o que me aconteceu. A comida e o sono. Eu posso olhar nos olhos dela. Ela vai levar devagar, e ainda não falamos nos limites suaves. Mas não estou segura de que posso confrontar enfrentar isso de comida.
- Terá muitas coisas para pensar, não é verdade?
- Sim.
- Quer que passemos já aos limites passíveis?
- Não, depois de comer. - Ela sorriu.
- Delicado?
- Mais ou menos.
- Você não comeu muito.
- Comi o suficiente.
- Três ostras, quatro pedacinhos de bacalhau e um aspargo. Nem purê de batatas, nem frutas secas, nem azeitonas. E não comeste o dia todo. Você me disse que podia confiar.
Caramba. Ela vai fazer um sermão completo.
- Antoinette, por favor, não estou acostumada a ter conversas deste tipo todos os dias.
- Preciso que esteja sadia e em forma, Cheryl.
- Eu sei.
- E agora mesmo quero tirar esse vestido de seu corpo.
Engulo a saliva. Tirar o vestido de Elisabeth. Sinto um puxão no mais profundo de meu ventre. Alguns músculos que agora estou mais familiarizada, se contraem com suas palavras. Mas não posso aceitar. Volta a utilizar contra mim sua arma mais potente. É fabuloso praticando sexo... Até eu me dei conta disso.
- Não acredito que seja uma boa ideia, — eu murmurei. — Ainda não comemos a sobremesa.
- Quer sobremesa? — ela pergunta baixinho.
- Sim.
- A sobremesa poderia ser você, — murmura sugestivamente.
- Não estou segura de que seja bastante doce.
- Cheryl, você é deliciosamente doce.- Eu sei.
- Antoinette, você utiliza o sexo como arma. Não me parece justo, — sussurro olhando para minhas mãos, e logo a encaro nos olhos. Levanta as sobrancelhas, surpresa, e vejo que esta pensando em minhas palavras. Segura o queixo, pensativa.
- Tem razão. Faço isso. Na vida, cada um utiliza o quer sabe, Cheryl. Isso não muda o fato que eu deseje muitíssimo você. Aqui. Agora.
Como é possível que me seduza somente com a voz? Já estou ofegando, com o sangue circulando a todo vapor pelas veias, e os nervos estremecendo.
- Eu gostaria de tentar algo, — ela respira.
Franzo o cenho. Acaba de me dar um montão de ideias que tenho que processar, e agora isto.
- Se você fosse minha sub, você não teria que pensar sobre isso. Seria fácil. — Sua voz é doce e sedutora. — Todas estas decisões... todo o desgastante processo de pensamento por trás delas. Coisas como, "Ésta é a coisa certa a fazer?", "Se isso poderia acontecer aqui?", "Poderia acontecer agora?". Não teria que se preocupar com esses detalhes. Seria eu, como sua Dom. E agora mesmo, eu sei que me deseja, Cheryl.
Franzo o cenho ainda mais. Como ela pode dizer?
- Estou tão segura porque...
Maldita seja, responde às perguntas que não lhe faço. É também adivinha?
- seu corpo a delata. Está apertando as coxas, estás mais vermelha e sua respiração mudou.
Oh, sim é demais.
- Como sabe sobre minhas coxas? — pergunto em voz baixa, em tom incrédulo. Elas estão sob a mesa, pelo amor de Deus.
- Eu notei que a toalha se movia, e deduzi, me apoiando em anos de experiência. Estou certa, não é?
Ruborizo-me e encaro minhas mãos. Seu jogo de sedução me põe muito difícil. Ela é a única que conhece e entende as normas. Eu sou muito ingênua e inexperiente.
- Não terminei o bacalhau.
- Prefere o bacalhau frio do que a mim?
Levanto a cabeça, de repente, e a encaro. Um desejo imperioso brilha em seus olhos ardentes, como prata fundida, com necessidade imperiosa.
- Pensei que você gostaria que comesse toda a comida do prato.
- Agora mesmo, senhorita Blossom, importa-me uma merda sua comida.
- Antoinette, não joga limpo, de verdade.
- Eu sei. Nunca joguei limpo.
Espeto um aspargo, a encaro e mordo o lábio. Logo, muito devagar, coloco a ponta do aspargo na boca e o chupo.
Antoinette abre os olhos de maneira imperceptível, mas eu a noto.
- Cheryl, o que está fazendo?- Mordo a ponta.
- Estou comendo um aspargo.- Antoinette se remexe em sua cadeira.
- Acredito que está jogando comigo, senhorita Blossom. - Finjo inocência.
- Só estou terminando a comida, Senhorita Topaz.
Nesse preciso momento o garçom bate na porta e entra sem esperar resposta. Olho um segundo para Antoinette, que faz cara feia, mas concorda em seguida, assim que o garçom recolhe os pratos. A chegada do garçom quebrou o feitiço, e me apego a esse instante de lucidez. Tenho que ir. Se ficar, nosso encontro só poderá terminar de uma maneira, e preciso pôr certas barreiras depois de uma conversa tão intensa. Minha cabeça se rebela tanto como meu corpo morre de desejo. Preciso de um tempo, uma distancia para pensar em tudo o que me foi dito. Ainda não tomei uma decisão, e seus atrativos e sua destreza sexual não é nada fácil para mim.
- Quer sobremesa? — pergunta Antoinette, tão cavalheira como sempre, mas com os olhos ainda ardentes.
- Não, obrigado. Acredito que tenho que ir. - digo olhando para minhas mãos.
- Já vai ? — pergunta sem poder ocultar sua surpresa. O garçom sai às pressas.
- Sim.
É a decisão correta. Se ficar nesta mesa com ela, me entregarei. Levanto com determinação.
- Amanhã nos vemos as duas na cerimônia de graduação.
Antoinette se levanta automaticamente.
- Não quero que vá.
- Por favor... Tenho que ir.
- Por quê?
- Porque você me expôs muitas coisas, nas quais devo pensar... e preciso de uma certa distância.
- Poderia fazer você ficar, — ela ameaça.
- Sim, não seria difícil, mas não quero que faça.
Ela passa a mão pelos cabelos, me olhando atentamente.
- Olha, quando veio para minha entrevista e entrou em meu escritório, tudo era "Sim, senhorita", "Não, Senhorita". Pensei que fosse uma submissa nata. Mas, na verdade, Cheryl, não estou segura de que seja totalmente submissa. - diz em tom tenso, se aproximando de mim.
- Talvez você tenha razão, — eu respondo.
- Quero ter a oportunidade de descobrir se é. — ela murmura, me olhando. Levanta um braço, acaricia meu rosto e passa o polegar pelo meu lábio inferior. - Não sei fazer de outra maneira, Cheryl. Sou assim.
- Eu sei.
Ela inclina-se para me beijar, mas para antes de seus lábios tocarem os meus, seus olhos procuram os meus, como me pedindo permissão. Elevo os lábios para ela e me beija, e como não sei se voltarei a beijá-la mais, deixo- me levar. Minhas mãos se movem, deslizam por seu cabelo, atraindo-a para mim. Minha boca se abre e minha língua acaricia a sua. Me pega pela nuca para me beijar mais profundamente, respondendo ao meu ardor. Desliza a outra mão pelas minhas costas, e ao chegar ao final da coluna, para e me aperta contra seu corpo.
- Não posso te convencer de ficar? — pergunta sem deixar de me beijar.
- Não.
- Passe a noite comigo.
- Sem tocar em você? Não. - Ela geme.
- Você é impossível, garota. — Queixa-se. Levanta a cabeça e me olha fixamente. —Por que tenho a impressão de que está se despedindo de mim?
- Porque eu tenho que ir, agora.
-Não é isso o que quero dizer, e você sabe.
- Antoinette, eu tenho que pensar em tudo isto. Não sei se posso manter o tipo de relação que você quer.
Ela fecha os olhos e pressiona sua cabeça contra a minha, dando a ambas a oportunidade de relaxar ou respirar. Um momento depois me beija na testa, respira fundo, com o nariz afundado em meu cabelo, me solta e dá um passo atrás.
- Como quiser, senhorita Blossom, — diz com rosto impassível.-Acompanho você até o vestíbulo.
Estendo a mão. Inclino-me, pego a bolsa e lhe dou a mão. Maldita seja, isto poderia ser tudo. Eu a sigo pela grande escada até o vestíbulo, sinto coceira no couro cabeludo, e o sangue me bombeia depressa. Poderia ser o último adeus se eu não aceitar.
Meu coração se contrai dolorosamente no peito. Que reviravolta. Que diferença um momento de clareza pode fazer a uma menina.
- Tem o ticket do estacionamento?
Pego o ticket na bolsa e entrego. Antoinette o entrega ao porteiro. O encaro enquanto esperamos.
- Obrigada pelo jantar, — eu murmuro.
- Foi um prazer como sempre, senhorita Blossom, — ela responde educadamente, embora pareça distante em seus pensamentos, completamente distraída.
Observo atentamente e memorizo seu formoso perfil. Obcecada com a desagradável ideia de que poderia não voltar a vê-la. Tudo isso é muito doloroso para mim, de repente, se vira e me olha com expressão intensa.
- Esta semana eu volto para Vancouver. Se tomar a decisão correta, poderei ver você no domingo? — pergunta em tom insegura.
- Bem, vou ver. Talvez. — Eu respiro. Momentaneamente, ela parece aliviada, mas em seguida franze o cenho.
- Agora faz frio. Você trouxe casaco?
- Não.
Ela sacode a cabeça com irritação e tira a sua jaqueta.
-Toma. Não quero que passe frio.
Eu pisco para ela, enquanto ela segurava a jaqueta aberta. Ao passar os braços pelas mangas, lembro um momento em seu escritório em que ela pôs a jaqueta sobre os ombros, no dia em que a conheci, e a impressão que me causou. Nada mudou. Na realidade, agora é até mais intenso. Sua jaqueta estava quente, era muito grande e cheira a ela. Oh meu...deliciosa.
Chega o meu carro. Antoinette fica boquiaberta.
- Esse é seu carro? — Ela estava horrorizada. Agarra minha mão e sai comigo ao alcanço. O manobrista sai, me entrega as chaves, e Antoinette lhe dá uma gorjeta.— Está em condições de circular? — pergunta, me fulminando com o olhar.
- Sim.
- Chegará até Seattle?
- Claro que sim.
- Em segurança?
- Sim — respondo irritada. Veja, é velho, mas é meu e funciona. — Meu pai comprou pra mim.
- Oh, Cheryl, acredito que podemos melhorar isso.
- O que você quer dizer? — de repente, entendo. — Nem pense em me comprar um carro.
Ela me olha com o cenho franzido e a mandíbula tensa.
- Logo veremos, — responde.
Faz uma careta enquanto abre a porta do condutor e me ajuda a entrar. Eu tiro os sapatos e abaixo o vidro. Ela me olha com expressão impenetrável e olhos turvos.
- Conduza com cuidado, — diz em voz baixa.
- Adeus, Antoinette. — Eu digo com voz rouca, como se estivesse a ponto de chorar... caramba, eu não vou chorar. Eu sorrio ligeiramente.
Enquanto me afasto, sinto uma pressão no peito, começam a aflorar as lágrimas e sufoco um soluço.
As lágrimas não demoram a rolar por minhas bochechas, embora, a verdade é que não entendo por que choro. Eu estava me segurando. Ela explicou tudo. Ela foi claro. Ela me quer, mas preciso de mais. Preciso que ela me queira como eu a quero e preciso, e no fundo sei que não é possível. Estou triste.
Eu nem sei como classificá-la. Se aceitar... ela será minha namorada?
Poderei apresentá-la aos meus amigos? Ir com ela a bares, ao cinema ou jogar boliches? Acredito que não, na verdade. Ela não vai me deixar tocá-la, nem dormir com ela. Sei que não tenho feito estas coisas no passado, mas quero fazer no futuro. E não é este o futuro que ela tem pra mim.
E se eu disser que sim, e no prazo de três meses ela disser que não, que se cansou de tentar me moldar-me em algo que não sou. Como vou me sentir? Estarei comprometida emocionalmente? E durante três meses terei feito coisas que não estou segura de que queira realmente fazer. E se depois me diz que não, que acabou o acordo, como vou sobreviver o abandono? Possivelmente o melhor seja desistir agora, quero manter minha auto-estima mais ou menos intacta.
Mas a ideia de não voltar mais a vê-la parece insuportável. Como ela entrou em minha pele em tão pouco tempo? Não pode ser apenas sexo... pode? Passado a mão pelos olhos para secar as lágrimas. Não quero analisar o que sinto por ela. Assusta-me só de pensar o que poderia descobrir. O que vou fazer?
Estaciono em frente a nossa casa. Não vejo luzes acesas, assim acho que Elisabeth deve ter saído. É um alívio. Não quero ter que responder perguntas. Enquanto me dispo, ligo meu computador infernal e encontro uma mensagem de Antoinette na caixa de entrada.
________________
De: Antoinette Topaz
Data: 25 de maio de 2019 22:01
Para: Cheryl Blossom
Assunto: Esta noite
Não entendo por que saiu correndo esta noite. Espero sinceramente ter respondido todas as suas perguntas de forma satisfatória. Sei que tem que expor muitas coisas e espero fervorosamente que leve a sério minha proposta. Quero de verdade que isto funcione. Temos que levar com calma.
Confie em mim.
___________________
Este e-mail me fez chorar ainda mais. Não sou uma fusão empresarial. Não sou uma aquisição. Lendo este email, qualquer uma diria sim. Não lhe respondo. Não sei o que lhe dizer, essa é a verdade. Ponho o pijama e me meto na cama enrolada em sua jaqueta, deitada na escuridão, penso em todas as vezes que me advertiu para que me mantivesse afastada dela.
"Cheryl, deveria se manter afastada de mim. Não sou uma boa pessoa para ti."
"Não sou uma mulher de flores e corações." "Eu não faço amor."
"Não sei fazer de outra maneira."
Eu choro silenciosamente, abraçada em meu travesseiro, é nessa última ideia que me agarro. Tampouco eu sei fazer de outra maneira.
Talvez juntas possamos encontrar um outro caminho.
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