Capítulo Quatro
Mia
É de conhecimento popular que eu odeio pedir favores a alguém. Mas, é absolutamente pavoroso, que esse alguém seja a minha amada mãe. Parece estranho, porém, nada em minha vida é como deveria ser. Eu não tenho alguém que seja constante, aquele único alguém com quem eu possa sempre contar, não importa em que circunstância. Todo mundo tem; eu não.
É fácil conviver com isso, quando percebemos que essa será a nossa realidade de vida. Entretanto, agora é um momento de desespero, preciso estar no trabalho em duas horas e não faço ideia do que fazer com a Chloe. Isso me faz desejar ardentemente ter alguém com quem possa contar. É uma emergência, afinal.
Hoje foi o segundo dia em que a levei comigo à livraria e não tivemos nenhum problema, ela ama os livros com figuras e pode passar muito tempo quieta. Às vezes tempo demais, confesso. Além do mais, lhe comprei lápis de cor e revistas para colorir, e ela adorou. Tive a sensação de que ela nunca ganhou algo assim, tamanha era a sua felicidade diante de uma coisa tão simples. Isso me fez sorrir.
Acho que deveria pensar em mandá-la para a escola. Crianças de três anos vão para a escola? Não sei; preciso descobrir. Preciso descobrir tanta coisa, minha mente nunca esteve tão tumultuada.
Estamos em minha pequena sala, Chloe está assistindo Frozen pela quarta vez, desde que eu comprei o DVD para ela ontem à noite. E eu? Eu estou olhando para o meu celular, pensando em todas as razões pelas quais devo passar por cima do meu orgulho, e pedir a ajuda da minha mãe. Ao final, não encontro razões suficientes para isso, mas ela é a única pessoa na minha lista do desespero. Preciso ligar...
Soltando um suspiro imenso de frustração, começa a discar seu número e espero pacientemente ela atender.
— Alô! — sua voz rouca estala em meu ouvido, quando ela atende no terceiro toque.
— Mãe, sou eu, — digo com uma risada nervosa, contendo o impulso de desligar na sua cara... Eu estou louca, louca. — Mia.
— Não precisa dizer seu nome, eu só tenho uma filha, Mia e é você.
Graças a Deus por isso. Sorte da criança que nunca precisou nascer no seio dessa amada família, eu cogito lhe dizer.
—É só um jeito de falar, mãe. — Justifico me afastando de Chloe e indo para o quarto para ter mais privacidade. — Como você está?
— Bem e você? — ela pergunta, desinteressada.
— Bem também. — Afirmo sem muita convicção. Eu não sei o quão bem estou agora ou ficarei pelas próximas semanas.
Ficamos em um constrangedor silêncio, enquanto eu penso em uma forma de abordar o assunto, falar lhe sobre Chloe... Sinceramente, não sei por onde começar.
— Você quer alguma coisa, Mia? — Minha mãe indaga, quebrando a quietude.
— Eu não posso te ligar? — devolvo um tanto ofendida.
— Claro que pode, mas você nunca o faz. Isso deve ter um ótimo motivo.
— A senhora nunca me liga também. — Me defendo, porque Deus sabe que o único contato que temos, acontece quando eu a procuro.
— Senhora? Pelo amor de Deus, não me chame assim.
— Ela me repreende alto, fazendo com que eu afaste o telefone do ouvido para proteger minha audição.
Miranda tem verdadeiro pavor de ser associada à velhice, para ela é como um xingamento da pior espécie. Talvez por isso se esforce tanto em parecer sempre jovem.
— É uma forma de demonstrar respeito, mãe. —Fecho os olhos, contando até dez para manter a calma. — Mas, para ser sincera; eu realmente preciso muito de um favor seu.
— Dinheiro? Se for isso, eu não tenho.
— Alguma vez pedi dinheiro para a senho... — me engasgo quando percebo que estava repetindo a palavra proibida. — para você?
— Não, mas eu já me adiantei. — Ela fala, com uma risada alta e sem graça. — O que foi então?
Suspiro e prendo a respiração em seguida. É agora, a hora da bomba...
— Você podecuidar de uma criança detrêsanos, porquatro horas? — Questiono com rapidez, emendando algumas palavras... Isso não deve ter soado claramente, mas quem me culpa?
— O quê? — ela grita novamente.
— Você pode cuidar de uma criança de três anos, por quatro horas? — pergunto com mais clareza, sentido todo o meu orgulho escorrer ralo abaixo, enquanto articulo cada palavra.
— Como assim? Que criança?
— Minha meia-irmã. — Falo baixinho, soltando outro suspiro.
Silêncio... Minha mãe odeia o meu pai com todas as forças da sua alma. Acho que quando ele apareceu na minha infância e eu o conheci, eles tiveram uma recaída e ela provavelmente acreditou que ficariam juntos, e seríamos uma família feliz. Eu também achei. Lógico, isso nunca aconteceu de fato e quando meu pai foi embora pela segunda vez, minha mãe declarou guerra de forma definitiva a ele. Joseph Anderson é o inimigo número um de Miranda White. Para o meu azar ambos são meus pais.
— Meia-irmã, — ela repete incrédula. — seu pai teve outra filha?
— Sim, ao menos essa nós temos conhecimento. — Pontuo, tentando soar engraçada e não consigo. — Deus sabe quantas outras estão perdidas mundo afora.
— Em se tratando do seu pai, nada me surpreende. — Ouço a censura em sua voz. — Embora, isso de fato tenha me chocado por alguns segundos...
— Ainda estou em choque. — Suspiro a interrompendo.
— Por que está com ela, e a sua mãe?
Essa é a parte mais complicada, dizer que meu pai foi preso, adicionar mais pontos negativos em sua lista negra e fazer minha mãe odiá-lo mais um pouco... E lá vamos nós!
— A mãe dela está presa, — digo calmamente, vou usar a casualidade para amortecer o impacto. — junto com o Joseph, sendo assim, sou a única responsável pela filha deles.
— Não posso acreditar, — Ela me parece bem surpresa agora. — seu pai nunca irá crescer?
— Quem sabe. — Dou de ombros, para mim mesma. — Essa é uma pergunta que não posso responder.
— Isso é ridículo, Mia. — Ela replica nervosa. — Quem foi que disse que você precisa cuidar dessa criança?
Detetive Scott, ele é bem persuasivo, por sinal.
— Ninguém me disse mãe, mas eu senti muito pena dela, e são apenas alguns meses.
— Meses? — mais um grito... afasto outra vez o telefone, achando que essa conversa não me levará a lugar algum.
— Sim, mãe... — afirmo sem vontade. — meses.
— Você é uma boba, Mia. — Ela me censura, fazendo boba soar como um palavrão feio. — Devolva essa criança para a polícia, ou quem quer que seja.
— Mãe, — começo, me sentando na cama. — ela não tem culpa de nada, posso fazer isso por alguns meses. Não é o maior dos sacrifícios.
— Aparentemente é, caso contrário, não estaria me ligando. — Touché, ela está certa e eu detesto isso.
— Foi um lapso de loucura, sabe quando você pensa que pode pedir um favor à sua mãe? —pergunto rindo. — Eu imaginei que pudesse fazer isso, mesmo que por alguns segundos. Mas, já recobrei a sanidade.
—Você pode, — posso imaginá-la revirando os olhos. — mas não isso.
—Tudo bem, esqueça esse assunto.
Estou um pouco encrencada, o relógio continua correndo e eu não tenho uma solução. O meu desespero atingiu níveis imensos, a ponto de achar que existia um fio de bondade no coração de pedra da minha mãe.
— Nos falamos outra hora, mãe. — me despeço com tristeza, a derrota escorrendo das minhas palavras. — Se cuide!
— Você também, Mia.
Desligo com uma imensa vontade de chorar, mas me contenho. Volto para sala, caminhando com passos de derrota, como se o mundo todo pesasse sobre as minhas costas, e definitivamente pesa. Deixo o celular ao lado da tevê e observo Chloe em silencio, uma ideia surgindo em minha mente, igual ao Sol no horizonte.
— Eu já volto Chloe.
Não sei se ela me ouviu, estando tão absorta no desenho. Saio rapidamente do meu apartamento, e bato duas vezes na porta em frente. Alguns segundos se passam, antes que eu possa ouvir os passos lentos do outro lado e o barulho da tranca em seguida.
— Olá, Mia. Que alegria te ver.
— Oi, Susan. — Digo calmamente. — Como está?
— Bem, você sabe... algumas dores aqui e ali.
Ela faz um gesto engraçado com as mãos, apontando para os quadris e os joelhos. Susan é um doce de pessoa, a bondade transborda em seu sorriso para quem a vê mesmo pela primeira vez. Acho que ela se parece com uma avó, se eu tivesse tido uma, gostaria que fosse exatamente como ela.
— Você parece preocupada. — Ela continua, ao me encarar com olhos experientes. — Algum problema?
Olho em seus olhos castanhos, marcados agora por intensas rugas e o peso de sua idade, mas sem anular sua beleza ou o brilho que transmite para quem recebe seu olhar.
— Na verdade sim, eu preciso de um favo. — Falo, olhando para seus chinelos de pelúcia. Sempre acho graça da estampa de onça ou de tigre. Ela as alterna constantemente. Devem ser suas favoritas.
— E precisa parecer tão derrotada ao me dizer isso?
— Na verdade sim, — volto o meu olhar para o seu rosto. — quando penso que posso estar abusando.
— Quer uma xícara de açúcar? — ela sugere com diversão.
— Algo um pouco mais complexo. — Digo rindo. — Você pode ser minha babá por quatro horas?
— Sua babá? — ela repete, com as sobrancelhas levantadas. — Como assim?
— Tenho uma criança agora. — Seu olhar de espanto é engraçado. — Uma meia irmã de três anos, morando comigo.
— Não sabia que você tinha uma irmã.
Acho que essa é a frase que receberei de todos a partir de agora, não é todo dia que alguém aparece com uma criança que não existia antes.
— Eu não sabia também.
Seu olhar de espanto permanece, ela se encosta ao batente da porta, como se esperasse que eu lhe desse uma explicação. Algo que eu realmente detesto fazer, principalmente porque toda essa situação parece irreal, e não existe uma explicação plausível.
— Meu pai foi preso. — Conto com resignação, foi o que me restou afinal; resiliência. — Ele se casou outra vez e teve uma filha, que eu não conhecia até dois dias atrás.
— Isso é horrível, Mia. — Ela diz, com um pequeno sorriso de conforto. — Pelo seu pai, não pela criança, é claro.
— Digamos que ele colheu o que plantou. — Dou de ombros, como se não fosse importante. — Acontece que a sua esposa; que eu não conheço, está presa também e a Chloe é como se fosse uma herança inesperada.
— É um lindo nome, Chloe.
— Ela é uma linda criança... — emendo com carinho. — Praticamente um anjo.
Susan ri, dispersando um pouco do meu nervosismo. Acho que encontrei finalmente uma babá. Isso me faz sorrir também.
— Seria uma alegria ajudá-la, Mia. Traga a sua irmã. — Ela diz por fim, fazendo um gesto casual com as mãos.
— Você salvou a minha vida. — Praticamente me jogo em seus braços, tamanha a minha felicidade nesse momento.
Embora eu saiba que preciso encontrar alguém permanente para estar com Chloe três vezes por semana, não posso simplesmente abusar de Susan dessa forma, ainda assim estou extremamente aliviada. Tem tantas coisas as quais preciso me adequar e nem sei como fazê-lo, é bom sentir algum alívio momentâneo.
— Eu volto daqui a pouco. —Eu digo a Susan, depois de me afastar.
Corro até meu apartamento, lembrando que deixei Chloe completamente sozinha. Ainda a encontro do jeito que deixei, como se não tivesse movido nenhum músculo desde o instante em que saí. A televisão a hipnotiza de tal maneira, que talvez eu pudesse deixá-la sozinha e quando voltasse ainda a encontraria no mesmo lugar. Claro que eu jamais faria algo tão inconsequente, mesmo diante de tanto desespero... Não sou tão louca assim.
Vou para o quarto e troco meu jeans e camiseta, pela saia preta até o joelho e camisa branca de mangas curtas, do meu querido uniforme.
Não sei por que preciso parecer uma secretária para servir drinks para pessoas tão esnobes, que sequer me notam. Prendo meu cabelo em um coque, deixando alguns fios soltos, passo um pouco de maquiagem, apenas por ser uma exigência da minha amada e benevolente patroa, a pessoa mais generosa e compreensiva que poderia encontrar. Estou sendo irônica, é óbvio. Isso só aconteceria se eu estivesse em um sonho, e minha vida fosse do jeito que eu gostaria, Mas na verdade; a minha chefe é uma loira plastificada, louca para me trocar por alguém mais bonita e desenvolta do que eu.
Porém, eu finjo que não vejo os olhares de reprovação que ela me dá. Como se fosse uma versão mais jovem da minha mãe, e estivesse apenas esperando um ínfimo deslize da minha parte para me mandar embora. E eu preciso desse emprego quase como o ar que respiro. Duas semanas trabalhando em eventos, e posso pagar meu aluguel. A paz que isso me traz, faz o sorriso que preciso manter em meu rosto, enquanto desfilo com uma bandeja, parecer mais suportável.
Com os sapatos pretos de salto em uma mão e minha bolsa na outra, volto para sala. Chloe está de pé em frente à televisão, cantando Let it Go, e essa é a primeira vez que a ouço dizer mais do que três palavras de uma só vez.
Chego lentamente até onde ela está, e espero a música acabar e ela notar minha presença para me ajoelhar à sua frente.
— Eu vou trabalhar agora, Chloe. — Conto com um sorriso. — E você vai ficar com uma amiga minha, tudo bem?
Ela acena em concordância, mas eu tenho dúvidas se realmente me entendeu. Fico em pé outra vez, colocando os sapatos em uma sacola e pegando minhas chaves, convido Chloe a me acompanhar até o apartamento de Susan.
Ela atende a porta assim que eu bato, nos recebendo com um grande sorriso, que aumenta consideravelmente assim que vê Chloe atrás de mim. Chloe por sua vez, parece mais tímida do que quando eu a conheci, me olhando com os lábios apertados e os olhos marejados. Espero que esse não seja o momento em que ela vai se jogar no chão e arrancar os cabelos.
— Susan, essa é minha irmã, Chloe.
Faço as apresentações, esperando Chloe aceitar ser abraçada por Susan, mas ela não o faz. Diante da negativa, a velha senhora lhe sussurra algo em seu ouvido e mesmo que eu não posso ouvir, deduzo ser algo bom, pois Chloe lhe devolve um pequeno e tímido sorriso.
— Voltarei logo, Chloe. — Digo, beijando o seu rosto. — Seja boazinha para Susan e eu lhe trarei aquelas balas de ursinho que você tanto gostou.
Tenho quase certeza de que não deveria comprar o seu bom comportamento com doces, ou o que quer que seja. Mas eu sou a irmã mais velha, temporária, devo ressaltar, e talvez só por esse pequeno detalhe, possa estragá-la um pouco.
Despeço-me rapidamente de Susan, murmurando uma dezena de agradecimentos variados, enquanto corro escada abaixo. O elevador está quebrado; que sorte a minha.
De qualquer forma, essa é a última das minhas preocupações. Preciso chegar até a empresa de eventos, onde uma van espera os funcionários e os leva até o local da festa. Estou em cima da hora e após dois ônibus e uma pequena corrida no final, eu consigo chegar com apenas quatro minutos de atraso. Calço meus sapatos, trocando minhas sapatilhas por eles, antes que a Malévola me veja.
Entro na van, cumprimentando rapidamente as outras meninas e me sentando no canto, posso enfim respirar.
O trajeto até o local do evento é rápido, recebemos as mesmas instruções de sempre: Sorria, seja gentil, não deixe sua bandeja vazia, não deixe um convidado sem uma bebida... O mesmo de sempre, se você já serviu em uma festa isso se torna quase automático ao longo do tempo.
Estou a quase quarenta minutos desfilando por um imenso salão, decorado com esmero, à meia luz para um coquetel de aniversário. Os convidados estão espalhados por todo o ambiente, comendo e bebendo alegremente. Já abasteci minha bandeja diversas vezes e meus pés começam a doer por já ter atravessado o salão inteiro ao menos quatro vezes.
Meus olhos estão dispersos, enquanto eu paro diante de um grupo de mulheres, e espero pacientemente, que cada uma delas pegue uma taça de champanhe.
Mas, de repente é como se não houvesse mais ninguém no salão, no instante em que meu olhar pousa em um par de olhos negros conhecidos. E quando o dono desse olhar começa a caminhar até onde estou, preciso segurar a bandeja com as duas mãos para não derrubá-la no chão. Quando ele para diante de mim, tenho a sensação de que está mais bonito do que eu me lembrava, e isso faz o meu coração acelerar inexplicavelmente.
— Olá, Mia. — Ele me diz com um sorriso torto.
— Oi, Drew. — Devolvo, sorrindo também
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