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𝟶𝟺. BLOOD IS THICKER THAN WATER.

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ELES NÃO DORMEM ESSA NOITE. Evie não não acha que já teve esse tipo de intimidade antes com alguém nos últimos quatro anos, então continua falando sobre o que sabe e sobre o que teoriza, pontuado pelos comentários ocasionais de Cinco, ou, o que é mais frequente, pelo silêncio. Fala sobre o acidente, sobre a maior parte de seu período nômade pela Califórnia e sobre os sonhos com Klaus e Allison. E, pouco a pouco, aquela parede invisível que parecia haver entre eles desaparece; ambos só percebem que ela vai embora quando não está mais lá. Dá pra sentir o ar mais leve, a calma que se infiltra no ambiente, a forma como parecem se entender melhor depois disso. Mesmo na época da Comissão eles faziam isso. Apagavam as luzes uma ou duas horas antes de dormir e conversavam no escuro, sobre tudo ou nada, até que um dos dois caísse no sono.

Mas agora é diferente, e Evie sente isso. Sabe que colocou barreiras demais entre si e o resto do mundo, que se tornou boa até demais em maquiar a verdade; fica difícil retirar tudo de uma vez, e em algumas ocasiões parece até impossível. Mas durante esse período, ela se sente mais calma do que em muito tempo, porque Cinco entende e não apressa. Ele é bom em ler nas entrelinhas, sabe o que cada silêncio significa. É muito mais fácil fazer isso quando alguém te conhece tão bem a ponto de nada precisar ser dito algumas vezes. Mas é ainda melhor saber que essa pessoa está lá quando você finalmente se sente pronto para falar sobre o que te aflige. Isso é intimidade.

Então eles permanecem deitados, as pernas entrelaçadas, as cabeças encostadas, como milhares de outras vezes antes, até que Evie adormece. Ela acorda poucas horas depois numa cama vazia.

O sol ainda não nasceu e o céu ainda está escuro, mas o espaço ao seu lado está frio, e o burburinho suave do programa de rádio na sala parece abafar alguma conversa. Evangeline se levanta com cuidado, o corpo pesado de sono, e quando finalmente se troca e sai do quarto, se depara com Elliott devorando uma tigela de cereais – muito embora não deva ser nem seis da manhã – e conversando com Cinco. Eles param quando a vêem na soleira da porta, antes que Gussman acene com a cabeça na direção da cozinha.

— Tem chá preto na bancada — diz ele com a boca ainda cheia. Evie se surpreende com a naturalidade com que fala com ela, sem rancor ou medo algum na voz, como se não tivesse passado horas e horas preso à uma cadeira amordaçado. Ela tem que se lembrar que ele leva teorias da conspiração para a vida e acolheu uma adolescente surgida do nada – ela mesma – sem nem pensar duas vezes. Regras normais não se aplicam a Elliott Gussman.

— Certo — Evie assente, meio desorientada. — Obrigada. — as pernas dela parecem chumbo enquanto se arrasta até a cozinha, pega o bule e se serve.

— Você devia estar dormindo — murmura Cinco para ela quando para ao seu lado. Está tão próximo que as coxas de ambos se pressionam enquanto se estica para despejar café em uma caneca.

— Você também — ela replica no mesmo tom, sufocando um bocejo. — Não vai ajudar ninguém se estiver cochilando em pé por aí.

— Não tô com sono agora. Aproveitei pra conversar com o Elliott, tentar explicar algumas coisas e mandar ele ligar aqueles troços ali — ele indica discretamente os maquinários empoeirados que Gussman tenta ajeitar. — Vai dá pra tentar achar a Vanya agora.

Evie espia por cima do ombro, fascinada pelos aparelhos e levemente preocupada com o que quer que Cinco tenha falado ao amigo. As reconhece como aquelas quinquilharias antigas que o amigo mantinha desligadas por falta de utilidade.

— Então eu vou ficar acordada também — diz ela em tom definitivo. Cinco abre a boca para retrucar, mas ela o cala com um olhar. — Nem começa. Já tô acordada mesmo, não vou conseguir dormir de novo. Eu ajudo caso algo apareça.

Ele revira os olhos, ainda meio contrariado, mas não volta a insistir, e a garota dá um rápido beijo na bochecha dele como resposta. Ainda segurando a caneca de chá quente, Evie se aproxima cuidadosamente de Elliott, tentando achar algum pretexto para iniciar uma conversa – e pedir desculpas, é claro. O homem ergue o olhar brevemente da tigela de cereais e dos pedaços de jornal que estava analisando e acena para ela, o que a encoraja a se recompor.

— Isso é... um rastreador atmosférico? — questiona, apontando para uma das máquinas. Cinco faz o favor de se virar de costas para a cena, observando os livros e discos na estante, fingindo não ouvir nada.

— Isso aí — Elliott confirma de boca cheia. Ele gesticula entusiasmado para o troço, e começa a explicar cada pedacinho de tudo que sabe sobre o rastreador e sobre as ondas que se propagam em longas distâncias – ou qualquer coisa do tipo. E Evie, aliviada pela forma como eles se comunicam como se nada tivesse acontecido, escuta sem interromper. — … Mas tem uma coisa que eu queria perguntar. Quer dizer, você não precisa responder se não quiser, mas eu não consigo parar de pensar nisso…

— Tudo bem — Evie fala, incentivando-o a ir em frente apesar do próprio nervosismo. Quer evitar mentir ao máximo para ele agora que tem a chance de contar a verdade, mas entende que certos assuntos devem ser evitados, para a própria segurança dele. — Pode perguntar, eu aguento.

— Porque Cinco fica te chamando de “Evangeline” ou “Ev” o tempo todo?

— A-ah, isso — Por algum motivo, de tudo que havia contado para Elliott, a ideia de dizer seu nome verdadeiro simplesmente escapara de sua mente. Havia esquecido uma coisa tão simples quanto sua primeira identidade, mas não o funcionamento do continuum espaço-tempo. — Então, é que esse é o meu nome.

Ele pisca uma, duas vezes, antes de encontrar a voz novamente.

— Tipo como quando alguém chamado Henry prefere ser chamado de Harry…?

— Não exatamente, mais como “Se eu usar meu nome de batismo, eles podem me achar e me matar por pensarem que deserdei” ou “Talvez eu foda a linha do tempo se usar meu nome verdadeiro quando tecnicamente ainda nem nasci”.

— Ah. Mas quem é Elizabeth Lovelace então? Você… pegou a identidade de alguém ou coisa parecida?

— Não, não — Evie se apressa em explicar, mesmo sabendo que falsificação ideológica seria o menor de seus crimes. Ela espia Cinco rapidamente pelo canto do olho, o pegando analisando os volumes empoeirados de George Orwell e Franz Kafka em sua estante, e então volta sua atenção para Elliott. — Meu pai era escritor, sabe, e Lovelace é o sobrenome de um dos protagonistas da obra-prima dele. E Elizabeth era o nome da minha avó, então eu só juntei tudo. Foi uma homenagem.

— Legal — comenta o homem, e realmente parece não ter nada mais a dizer até que indaga: — Mas eu posso continuar te chamando de Libby ou de Lizzie? Ou você prefere… algum outro apelido?

— Não, tudo bem. Acho que… — um apito agudo a interrompe, e Evie pula de susto até perceber que é o tal radar atmosférico. Vanya. Depois de tanto tempo sem sorte alguma na busca pelos Hargreeves, ela não esperava poder encontrar outro deles assim, tão facilmente. — Ei, Cinco! Conseguimos!

O garoto fecha o livro que estava analisando antes de se aproximar, observando a tela do rastreador com urgência em busca da localização de Vanya.

— Bom… — ele murmura. Evie se inclina para frente de leve também para captar as coordenadas, tateando a mesa enquanto procura pelas luvas.

— Eu não entendo — Elliott solta. — O que é que você tá rastreando? Um furacão, uma tempestade?

— Ondas sonoras.

O casal se entreolha brevemente, antes que Evie estenda a mão ao marido e eles desapareçam em um lampejo de luz azul, bem no momento em que Elliott se pergunta em voz alta quando eles voltam. Ninguém o responde.

Eles demoraram algum tempo até perceberem que as coordenadas entregues os levaram até um milharal bem depois dos limites da cidade, não ao local exato onde Vanya estaria. Um descampado verde parece se estender por quilômetros em qualquer direção que olham, sem sinal d'alma viva por perto. Eles xingam em uníssono antes de começarem a buscar imediatamente pelo Violino Branco, se embrenhando cada vez mais pelos pés de milho e folhas pinicantes. Com o solado dos saltos Mary Jane afundando na lama fresca e as luvas de cetim até o cotovelo úmidas pelo orvalho, aquela é definitivamente uma forma diferente de se começar o dia. Mas ainda era melhor do que acordar em um hospital, cegada pelas luzes brancas, ou rodeada de destroços.

Evie abre caminho à força pelas espigas, sentindo as pernas arranhadas, e para por um minuto, ouvindo o farfalhar frenético de Cinco se movendo a poucas fileiras de distância. Ela fecha os olhos quando percebe a oportunidade, suspira e entra em transe meditativo com certa dificuldade. Houve um período em que ela podia fazer aquilo em segundos, adentrar a mente de outra pessoa como sua segunda natureza. Agora, ela sente a própria mente se expandir por quase cem metros ao seu redor, o máximo que consegue sem desmaiar, em busca das ondas cerebrais de Vanya até que consegue localizá-la, a menos de vinte metros à sua esquerda.

— Cinco! — chama quando volta a si, abrindo caminho o mais rapidamente possível na direção da cunhada. Dá para ouvir os sons de Cinco refazendo os passos, indo atrás dela. Então a garota a avista, bem ali, jogada em cima das folhas, caída como se tivesse adormecido ou simplesmente desmaiado. — Cinco, eu achei!

Ela se abaixa e toca no ombro de Vanya gentilmente.

— Ei, Vannie — diz, mas a outra não se move. Um nó aperta o peito de Evangeline, e ela precisa gritar pelo marido novamente quando sente algo se movimentando na frequência das ondas cerebrais de Vanya. Tem algo errado aqui, percebe, e então cutuca o ombro dela mais uma vez, com mais força. — V., por favor, acorda.

Quando Cinco finalmente aparece por entre uma fileira do milharal, os olhos se movendo freneticamente, Vanya finalmente abre os olhos, torpe e confusa, assustada com a visão dos dois adolescentes próximos de si. Mas é algo na confusão com que encara Cinco, como se nunca tivesse o visto na vida, que realmente alarma Evangeline. 

— Oi, Vanya — diz ele, quase agradável quando chega perto.

— Quem é você? — pergunta a Número Sete, grogue.

— Sou seu irmão.

— Eu tenho irmão? — Vanya murmura para si mesma, confusa. Evangeline a ajuda a se levantar com cuidado, reparando nas roupas que a cunhada veste; parece bem cuidada e saudável, apesar da óbvia amnésia e palidez.

— Olha, você pode ficar aqui e esperar a máfia sueca voltar pra te matar — Evie sugere suavemente —, ou pode vir com a gente.

— Porque eles tão tentando me matar? — ela gagueja, olhando cautelosamente para a garota bonita ao seu lado.

Cinco já está se virando de costas e refazendo seu caminho mais uma vez pelo milharal com Evie logo atrás, mas ele não hesita ao responder:

— Porque você não devia estar aqui, Vanya.

— Em Dallas?

— Não. Aqui, em 1963.

O grupo converge em um espaço amplo e aberto, com uma espécie de círculo perfeito limpo bem no meio. Um agroglifo, como aqueles que aparecem sempre nas manchetes de jornal que Elliott adora ler. Evie respira fundo, e percebe que embora a Número Sete tenha perdido as memórias, a linha que a liga aos poderes não foi rompida. Pelo menos ela não explodiu a Lua dessa vez.

— Puta merda — sussurra Vanya.

— É, que loucura, né? É bom saber que seus poderes ainda estão intactos.

Ela olha para a garota.

— Quem é você?

Evie sorri, mas não sabe como responder, não de verdade. Cinco parece perceber o desconforto dela e se adianta:

— Ela é da família. Tá comigo.

A ladra de mentes assente, rindo levemente, e envolve os braços ao redor de Vanya em um abraço rápido.

— Eu tenho uma irmã! — ela exclama alegremente.

— É, algo assim — Evie sorri timidamente. — Senti saudades, V. De verdade. Desculpa por não ter conseguido te achar antes ou por não ter sido uma amiga muito boa, mas vou tentar fazer melhor, prometo.

— Bom, acho que tudo bem — apesar de toda a confusão, Vanya sorri para ela. — Quer dizer, eu não lembro de nada, então a gente pode tentar recomeçar.

— Olha, isso é muito bonito e tocante e tal — Cinco interrompe —, mas nós precisamos ir. Tipo, agora.

Enquanto elas seguem logo atrás dele, refazendo o caminho pelo milharal, a Sete olha para a garota.

— Ele é sempre assim? — questiona, espiando o menino à sua frente.

— Como? Chato? Irritante? Um belo filho da puta? Sim, para todas as alternativas.

— Você sabe que eu posso te escutar, né? — Cinco resmunga à frente.

— Foi exatamente por isso que eu disse. — Evie devolve.

O café da manhã estava começando a ser servido nas lanchonetes e padarias quando eles chegam à cidade, colocando a Hargreeves recém-encontrada propositalmente no meio. Cinco permanece à esquerda, paranóico como sempre, de forma a sempre ter uma boa visão da entrada, enquanto Evie se mantém à direita, tentando deixar Vanya o mais confortável possível. É difícil arrancar informações de alguém se esse alguém está todo tenso e nervoso. Pelo menos eles têm a carta da família a seu favor, mas não tem como saber até quando isso vai servir.

— Deixa o bule, chuchu — Cinco pede à garçonete que serve café fresco aos três. — Valeu.

— Merdinha abusado — Evie escuta a mulher resmungar antes de ir embora. Assim, os três são deixados sozinhos.

— Vai me contar o que tá acontecendo? — pede Vanya, finalmente quebrando o silêncio.

— Quando você era bebê, foi comprada por um bilionário excêntrico — começa o garoto. — Ele te criou em uma academia de elite, com seis outros irmãos com poderes extraordinários, mas, no ano de 2019, pra evitar o apocalipse, pulamos em um vórtex e acabamos espalhados pela linha do tempo em Dallas, Texas. Alguma pergunta?

Ela nem pisca. Apenas assimila uma única frase e parte daí.

— Como assim “o apocalipse”?

— O fim do mundo que nós conhecemos.

— Sim, mas como?

O olhar de Cinco encontra o de Evie por um breve momento do outro lado da mesa. Eles parecem entrar em consenso imediatamente, sem trocar uma palavra sequer.

— Não lembra de nada mesmo? — ele diz à irmã.

Vanya balança a cabeça.

— Não, nada antes de um mês atrás.

Evie traça a ponta dos dedos na borda da xícara de café servida, e lentamente busca pelos pensamentos da mulher ao seu lado, tentando espelhar as poucas memórias que Vanya parece ter. Não há muita coisa, ela percebe conforme mergulha mais fundo, mas o rosto carinhoso de uma mulher loira e de um menino salta à sua frente, com nomes específicos que não consegue pescar. São impressões muito superficiais, seguidas de fragmentos de sentimentos e de pensamentos desconexos. Quando volta a si, se agarra na xícara, tentando usar o calor e o cheiro do café como âncora. Precisa fechar os olhos para dissipar a tontura que surge.

— E do que você se lembra? — pergunta ela com a voz abafada, tentando se situar. Consegue sentir o olhar de Cinco queimando em sua pele, se perguntando o quão ruim foi dessa vez.

— Que eu aterrissei em um beco e fui atropelada — Vanya responde. — E... que tinha um zumbido louco na minha cabeça. E eu não sei como cheguei lá e nem de onde eu vim. O que causa o apocalipse?

Evie engole o nó na garganta. Depois do incidente que a deixou presa em '59, ela não teve muito o que fazer a não ser sobreviver de alguma forma e se agarrar em suas memórias como um homem à deriva que se agarra a uma bóia salvadora. Não consegue nem imaginar como Vanya deve ter se sentido, completamente perdida e confusa, sem ter ideia de quem era, e apenas essa ideia reacende um pouco da culpa que resta por não ter conseguido encontrá-la antes. Mais de um mês, fala sério! O fato de Evangeline estar vomitando as próprias tripas e queimando de febre nas vésperas da chegada de Vanya não deveria ter sido uma desculpa, mas foi o que a impediu. Diferente dos irmãos, a Número Sete nunca havia voltado ao beco, e Elliott nunca, jamais, se aproximaria das aparições voluntariamente.

— Um impacto de asteroide — Evie responde rapidamente. Seria cruel demais dizer a verdade, especialmente agora quando Vanya parece ter construído uma nova vida para si – uma muito melhor, em alguma fazenda no interior sem os traumas de infância a assombrando.

— Um grande “cabum” acaba com tudo — Cinco concorda, taciturno. — Igual ao que extinguiu os dinossauros, só que muito pior. A má notícia é que ele nos seguiu até aqui.

Vanya gagueja.

— Como assim “nos seguiu”?

— Daqui a oito dias, o mundo acaba em uma catástrofe nuclear. Doença diferente, mas resultado igual.

Ela olha para Cinco e depois para Evie, em busca de alguma coisa – qualquer coisa – que indique uma mentira, uma brincadeira.

— Isso não é verdade — fala por fim, tartamudeando.

Evangeline sorri, gentil, mas os olhos permanecem sérios e impassíveis. Assim, ela aparenta a verdadeira idade que tem, como se todos os horrores se refletissem no olhar. Vanya não acha que vai esquecer essa expressão tão cedo.

— Eu vi — Cinco admite. Quando a irmã se vira para ele, se depara com a mesma opacidade e cansaço. — Com meus próprios olhos. Você tava lá. Todos nós estávamos.

— É… Merda — ela respira fundo, antes de girar em seu assento e se levantar, indo em direção ao telefone. — Preciso fazer uma ligação.

— Vanya! — chama o garoto, mas a mão de Evie o mantém no lugar.

— Deixa — murmura, embora esteja tão impaciente quanto ele. — Só vai durar uns minutos mesmo, e ela precisa assimilar tudo.

Um novo tipo de silêncio surge conforme ele assente – contra a vontade, é claro – e se mantém ao lado dela. Como sempre.

Quem pratica luta ilegal no meio da tarde?, é uma pergunta que Evie está aprendendo a se fazer. Na sua opinião, atividades ilícitas devem ser feitas de noite, quando possuem a escuridão e o vazio das ruas como vantagem. Mas Jack Ruby aparentemente acha o contrário, já que ao meio-dia e meio, Luther está lutando com um oponente com metade do seu tamanho e menos de um terço de seu peso.

Quando eles entram no espaço fechado e mal iluminado, é como se entrassem em um pesadelo estranho. Uma espécie de anfiteatro grosseiro e raso transformado em arena, com uma multidão de apostadores amontoados nos balcões escalonados, batendo os pés conforme a ação se desenrola com os competidores. A areia é vermelha e úmida nos pontos onde absorveu sangue. O trio permanece junto perto das arquibancadas, debruçados de tal forma que poderiam encostar em Luther caso se esticassem.

Conforme a luta segue, Evie se mantém quase grudada em Cinco e em Vanya, tentando evitar os homens estranhos. Ela pode proteger os três se quiser e se a ocasião surgir, mas duvida que seja a decisão mais esperta, especialmente quanto está tentando se passar por uma pessoa normal tão perto de uma das figuras históricas mais faladas dos Estados Unidos.

A multidão comemora quando mais um golpe é acertado, e Evangeline vê Luther acertando um soco depois do outro no oponente. Embora eles nunca tenham sido amigos – longe disso – quando crianças, Evie não tem razões para guardar mágoas de infância, especialmente depois de tanto tempo. Spaceboy sempre foi o mais apegado ao pai, o mais carente, o mais necessitado de atenção e de aprovação – não havia aprendido ainda que obediência não é sinônimo de subordinação, nem que pais narcisistas não amam ninguém além de si mesmos –, então é claro que desaprovou veementemente quando a garota do outro lado da rua surgiu de repente e formou um laço imediato com quase todos os seus irmãos. E, apesar disso, Evie se vê feliz de que ele parece bem; idiota a ponto de se envolver diretamente com uma figura histórica, é claro, mas ainda assim ela presume ser melhor do que estar morto em uma vala.

Então, subitamente, Luther parece congelar. O rival dele faz uma tentativa de golpe, e a expressão de surpresa dele quando consegue atingir o King Kong é quase cômica. Então, outro golpe – de novo, de novo e de novo. Um soco depois do outro que Luther não faz nem questão de desviar. Apenas permanece parado conforme o cara, com metade de seu tamanho, acaba com ele.

— Bate outra vez… — Evie o escuta pedindo. A voz dele sai letárgica, rascante, como se Luther não estivesse em plena consciência.

— Que merda você tá fazendo? — Cinco berra para o irmão.

— Meu Deus! Luther? — Vanya não parece o reconhecer, mas se preocupa imediatamente.

— Por que ele não tá revidando? — Evie se pergunta em voz alta. E embora soe quase chocada, uma pequena parte dela se mantém satisfeita e quase contente, já que nunca teve a chance de bater no Número Um por todos os discursos tediosos que ele a fizera escutar sobre os perigos de desobedecer Sir Reginald.

— Bate outra vez — Luther fala novamente, dessa vez mais alto. Parece quase desesperado. — De novo! Me bate!

— Tá maluco, Luther? — Jack Ruby grita de algum lugar das arquibancadas. Evie o reconhece porque já ouviu aquela voz antes, em alguma de suas visitas à sinagoga que a família dele, os Rubenstein, frequenta. — Reage! Bate nele!

— Vamos, Luther!

— Me bate — Spaceboy repete, cada vez mais alto. — Eu quero sentir dor. Eu quero sentir dor!

— Vamos! Reage!

— Me bate com toda a sua força!

Evie entra em pânico. Antes de Luther cair no chão, acertado em cheio por um soco, a garota consegue adentrar a mente do Número Um, e embora ela capte apenas pensamentos vagos antes que ele apague, as memórias que surgem a pegam de surpresa. Uma casa no subúrbio, provavelmente do lado sul da cidade; um homem alto de pele escura atendendo a porta. Os retratos de casamento do homem com uma mulher que Evangeline conhece muito bem.

— Merda — Cinco murmura. Ela volta a si imediatamente, alarmada pela informação, e agarra o braço do marido, ansiosa.

— Ele sabe — diz Evie a ele, quase exultante. — Ele sabe onde a Allison tá, eu vi.

Conforme Cinco segura suas mãos, a enchendo de perguntas, e Vanya parece brevemente confusa antes de entender quem Allison é, Evie percebe porque não conseguiu encontrar a Número Três. Um casamento, outro sobrenome. Por isso ela não aparecia nas listas telefônicas. Diego também não porque estava internado, e Luther porque trabalhava ilegalmente e morava em uma pensão. Mas outra sensação toma conta dela. Evangeline sabe quem é o homem que atendeu a porta. Ela já o viu antes, embora não consiga se lembrar de onde. O nome dele é Raymond Chestnut.

A estática do telefone público machuca os ouvidos da garota enquanto ela espera silenciosamente que Elliott atenda do outro lado da linha. Evie se recosta na cabine do telefone, tamborilando os dedos no vidro manchado, batendo o pé no chão. Cinco permanece encostado no carro, esperando impacientemente que Vanya retorne. Havia a mandado até o quarto onde Luther estaria se recuperando da grande surra que levou, rezando para que o irmão imbecil tivesse mais piedade da irmã que tentou matar do que teve com Cinco.

Alô? 

— Oi, sou eu — diz ela, ansiosa, torcendo o fio do telefone entre os dedos. — Tá podendo falar? Preciso que faça algo pra mim. Dá uma olhada na lista telefônica que tem aí na cozinha e procura por um cara chamado Raymond Chestnut, por favor.

Chestnut? Olha, é um sobrenome bem comum, mas vou ver aqui o que eu consigo — Elliott responde. — Ah, e quando você voltar, vai ter atum moldado. Eu faço outra coisa pra você ou você pode comer peixe?

— Sim, sim, eu posso sim — Evie faz uma pausa. — Acho que a gente vai demorar um pouco pra voltar, mas é melhor você já ir se preparando pra receber visitas. Senão agora, então em pouco tempo.

Como sempre, ela precisa de dois ou três minutos até se recuperar e voltar para Cinco, se recostando ao lado dele na porta do carro.

— Elliott vai tentar achar o nome na lista telefônica, então eu vou ligar pra Allison — ela murmura. — O Klaus já deve ter chegado em Dallas, a gente pode ir atrás depois de ver o seu pai.

— Isso tá demorando mais do que devia — Cinco responde, batendo o pé no chão. — Já temos dois de nós, três se o Luther não se recusar a ajudar de novo. E ainda precisamos achar um jeito de voltar pra casa. Sem confusões e sem ficar preso em uma linha do tempo que não é a nossa.

— Bem, espero que não me entenda mal, mas essa década caiu muito bem em mim — a garota dá um giro rapidinho, indicando o vestido azul celeste e as luvas de cetim. — Os anos ‘80 não poderiam fazer melhor.

Cinco revira os olhos, mas continua sorrindo.

— A própria Audrey Hepburn — ele comenta, e o sorriso que sua esposa o dá é tão brilhante que poderia ofuscar o sol. Ela se recosta novamente no carro, o rosto virado para ele tão próximo que dá pra sentir o hálito dela em sua pele.

— E como é estar casado com uma mulher mais velha? — pergunta em voz baixa, olhando bem nos olhos dele.

— Acho que continua a mesma coisa — Cinco replica no mesmo tom, se aproximando também. — Querendo ou não, você continua mais baixa do que eu por uns bons dez centímetros.

Evie está prestes a abrir a boca e a soltar uns bons palavrões em resposta quando um barulho atrás deles – e acima também – os distrai. Eles se viram simultaneamente na direção do grito e depois do buraco recém-aberto na parede de tijolos, onde o rosto de Luther aparece brevemente.

— Ô caralho — ela suspira.

Pouco tempo depois é Vanya quem surge, batendo a porta da hospedaria com raiva. Mal olha para os dois quando chega até o carro.

— Ah, tô vendo que deu tudo certo — Cinco diz, sarcástico. — Tá pronta pra ir?

— Vou voltar pra fazenda — responde Vanya sem titubear. Não hesita na hora de abrir a porta do carro, sem nem olhar na cara dos dois adolescentes.

O garoto vai atrás dela, alarmado.

— Aí! Inaceitável, Vanya. Lembra? Temos que ficar juntos.

Evie tenta uma abordagem mais calma, agindo como uma pacificadora em discussões pela primeira vez na vida.

— O.k., V., porque você não respira fundo e diz o que aconteceu lá em cima?

— Ah, nada demais, apenas acabei de descobrir que explodi a Lua! — ela explode, abrindo a porta do carro com força.

— Ai, que idiota — Cinco resmunga, irritado.

— Porra, Luther — murmura Evie para si mesma. Parece que, não importa quanto tempo se passe, o Número Um vai continuar sendo o mais idiota de todos os irmãos.

— Por acaso algum de vocês ia me contar?

— Ah, eventualmente, talvez — a garota argumenta. — Mas a gente acabou de se reencontrar, não podíamos ir chegando e falando “Ei, você destruiu o mundo da última vez que se irritou com a gente, quer um chá de camomila agora só pra garantir que não vai dar piti de novo?”

— Em nossa defesa, não — Cinco a corta, e Evie imediatamente o encara de uma forma tão aborrecida que chega assusta. — Tá legal? E dá pra culpar alguém aqui? Porque… quando você se irrita, explode as coisas.

— Olha, talvez seja por causa disso que a gente devia ter contado antes — admite ela, começando a se arrepender.

— Ótimo — diz Vanya exaltada. Se estica muito brevemente para apertar a mão da adolescente que acabou de descobrir ser sua cunhada e então encara o garoto, impassível. — Tem mais algum segredo de família que não mencionaram?

— Olha…

— Tem um monte, Vanya, que eu não tenho o privilégio de poder compartilhar com… — Cinco bate os nós dos dedos no vidro, e Vanya os abaixa apenas por um instante, ainda mantendo o olhar fixo no volante. — O fim do mundo tá chegando. Só me diz que… quando eu precisar de você, vai tá pronta.

— Eu não posso te ajudar. Eu não sei nem quem eu sou.

— Você é nossa irmã! — ele insiste. — E é membro da Umbrella Academy. Goste ou não, é isso o que você é.

— Por favor, V. — Evie pede, quase suplicante, aproximando o rosto da janela do carro. — Seu lugar é com a gente…

— Isso é quem eu era. Tá bom? Linha do tempo nova, nova eu. Mantenha contato — acrescenta para a garota, então se vira para o irmão. — Você não, só ela.

Vanya sai com o carro, sem olhar para trás, deixando o casal comendo poeira – literalmente.

— Não é assim que funciona! — Cinco grita para a irmã, mesmo que ela já não possa ouvir.

Quando se viram para voltar, se deparam com o rosto de Luther visível no buraco da parede, que os estende o dedo do meio. Evie retribui com o gesto mais ofensivo que consegue fazer com uma mão só antes de gritar:

— Seu pai devia ter te deixado na Lua, seu arrombado!

Ela se volta ao marido rápido o suficiente para vê-lo abafando uma risada.

— O quê? Você pensou o mesmo que eu.

— É, mas foi você quem disse — o marido dela dá uma última olhada no homem-macaco lá em cima antes de finalmente comentar: — Será que é tarde demais pra ser “desadotado”?

Evangeline responde com uma risada exasperada antes de se sentar no meio-fio e retirar os sapatos do pé. Na pressa de se arrumar, havia colocado justamente seu par mais apertado de Mary Janes sem perceber, e não aguentaria mais nem um passo com aquilo.

— Tá fazendo o quê? — questiona ele, ligeiramente confuso.

— Tirando os sapatos, ué.

— É, isso eu percebi.

— Então porque perguntou?

Ela se levanta, limpando a poeira da parte de trás do vestido, segurando os sapatos com uma mão e agarrando o braço de Cinco com a outra. Prefere andar descalça pelas ruas do que fazer mais bolhas ainda em seus pés.

— Vamos, o Elliott vai fazer o almoço. Mas vê se não fala muito mal da comida dele! Depois eu faço outra coisinha pra comer e matar a fome de verdade.

— Desde quando você sabe cozinhar?

— Desde agora, acho. Ah, e eu ainda quero sua opinião em dois vestidos que eu tenho pra hoje. Se for pra reencontrar seu torturador de infância, quero estar no meu melhor. É um baile!

— E eu vou poder ver o que tem por baixo do vestido no fim da noite?

— Mas é claro.

001 ₎  VOLTEI!! ME DESCULPEM pela demora em atualizar essa história, minha vida tem virado um caos e é quase impossível escrever tranquilamente quando se percebe um buraco no roteiro e sua mãe quase é internada em um hospital psiquiátrico te deixando completamente vulnerável e indefesa numa cidade em que não tem nenhum familiar para ajudar uma menor de idade desesperada. Juro que tenho mais um capítulo sendo preparado e que sai o mais rápido possível!

002 ₎ Caso tenham gostado, curtam e comentem e me digam suas teorias! Estou ansiosa para trazer mais capítulos, então nos veremos o mais cedo possível.

©lovingclare.

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