𝟶𝟶. THE BEGINNING OF THE END.
ⵈ━══════ ☂ ══════━ⵈ
❛ Há quatro lugares onde os espíritos ainda vagam: as sombras esquecidas das árvores ancestrais; ao longo das margens do rio dos sonhos; a névoa etérea que envolve os pensamentos mais profundos; e a mente humana, esse reino misterioso onde os fantasmas permanecerão constantes e suas vozes, intocadas, imutáveis. ❜ -- A ladra de mentes, de Rafael Álvarez
EXISTE, FORA DA LITERATURA, AQUELA COISA DE "FALHA FATAL", a nítida fenda escura que se estende e racha uma vida ao meio? A garota costumava achar que não, mas agora tem certeza que sim. E agora também pensa que a sua própria existência se define dessa forma: a ânsia mórbida pelo pitoresco, pela calma e pela tranquilidade, custe o que custar.
Ejus vita. Narratio cuiusdam de rebus insanis, quomodo omnia coepit et finitur.
Haviam encontrado a garota no meio do inverno californiano, quase morta na esparsa neve caída, largada como trapos, toda sangue e ossos quebrados, coberta de cinzas. Tal era o estado dela que demoraram a perceber que estava viva. Não parecia vítima de uma tentativa de ocultação, nem de longe. Parecia simplesmente abandonada onde caíra, um caso por si só evidente, não fosse pela pele visivelmente derretida do braço ou os hematomas por todo o rosto. Eles a levaram ao hospital, é claro, e souberam do que houvera pouco depois: um incêndio em um dos chalés perto da costa, que matou uma família inteira. Acreditaram que a menina, que não parecia ter mais de quinze anos, devia ser alguma maltrapilha, órfã ou algo assim, que, passando perto da casa, foi atingida pelo fogo. Demoraram algum tempo até perceberem que a família havia sido assassinada, como evidenciado pelas balas cravadas na testa dos dois adultos; a criança de apenas sete anos dormia no quarto, e foi consumida pelas chamas. Pouco tempo depois, quando voltaram as atenções para a garota estranha - quem era, de onde tinha vindo, o que fazia por lá, o que acontecera aos pais dela? -, descobriram que ela havia sumido.
Para Evangeline Leatherman - ou Hargreeves, como se definia depois do casamento -, era difícil acreditar que um ato cometido por ela havia gerado tamanha comoção. Mas enfrentar algo raramente significa superar esse algo, embora tenha pensado certa vez que se afastara de Malibu, observando a cidade se afastando cada vez mais na janela de trás do ônibus imundo, com roupas roubadas, cabelo emaranhado e ambos os braços cobertos por luvas até o cotovelo para esconder sua mais nova cicatriz, hoje não tem mais tanta certeza disso. Depois que chegou à próxima cidade e depois à próxima, nunca parando por mais de uma semana em um lugar, sempre paranóica, sempre olhando por cima dos ombros, percebera que nunca havia, de fato, saído daquele chalé, com a arma apontada para a cabeça de suas duas últimas vítimas, ouvindo os murmúrios abafados de ambos implorando por misericórdia, pouco antes da maleta explodir em sua mão e acabar com toda e qualquer esperança que tinha de voltar para casa, para 2019 e para os braços do marido.
Devia ter sido apenas mais uma missão. Só mais um trabalho. O único que fariam separados, e então tudo voltaria ao normal. Foi o que a Gestora havia dito. Foi o que Cinco havia prometido. E embora ela tentasse ficar com raiva, não conseguia. A dor, a tristeza, tudo era intenso demais para que conseguisse sentir algo além do vazio.
Quando eles foram recrutados, depois de décadas presos em um deserto pós-apocalíptico, a única coisa que deixaram claro não abrir mão foi que sempre estariam juntos. Não haveriam missões separadas, nem qualquer coisa que não fariam com o outro como companhia. Ambos sabiam, lá no fundo, que aquele desespero que sentiam quando o outro não estava por perto era prejudicial, e até um pouco preocupante. Mas depois de tanto tempo em uma terra desolada com apenas outra pessoa como companhia, era difícil não ter medo de ficar sozinho. E era difícil não enlouquecer quando se percebia que, depois de tantos anos com a companhia de outra pessoa, a solidão agora era sua única constante.
Pelo menos até dois anos depois, em 1961, quando descobriu que os outros Hargreeves estavam naquela linha temporal.
Evangeline vasculhou seus bolsos naquela noite, à procura de alguma coisa que não sabia o que era, antes de entender que não havia restado nada. Não tinha aliança em que se agarrar porque ela e Cinco não usavam uma. Mas lá no fundo, ela encontrou algo. Um broche, uma bijuteria barata, que parecia ser de filigrana de prata mas não passava de metal simples, adornado de pedrinhas azuis, perdido entre os fios soltos dentro do bolso. Um objeto de família, que pertencera primeiro ao seu irmão mais velho e depois a ela. Estava consigo desde os primórdios, desde que havia parado no fim do mundo. A única lembrança que havia restado. Evie o manteve consigo como algo em que se agarrar.
Meu nome é Evangeline Hargreeves, falou para si mesma, do jeito que o psiquiatra havia lhe recomendado fazer - lenta e segura, de forma a não bagunçar as informações. Segurou o broche com tanta força que seus nós dos dedos ficaram brancos. Meu nome é Evangeline Hargreeves. Disse isso à si mesma até que conseguiu se forçar a acreditar, muito embora duvidasse da própria sanidade com frequência.
Contou sua história para o broche de metal, como se temesse esquecer a si mesma tão facilmente quanto as outras pessoas, sem saber que sua mente se tornara uma prisão inescapável e sua memória, uma armadilha perfeita. Nunca mais vai se esquecer de nada, embora vá desejar ser capaz disso.
Supunha que, caso sua vida tivesse tomado rumos mais normais, seria uma contadora de histórias, como seu avô antes dela, mas agora não resta nenhuma outra. Sua própria história é a única que pode e vai contar.
Então, aí vai.
Em 25 de novembro de 1963, o mundo acabou.
Foi em uma guerra, caso você esteja se perguntando. A Terceira Guerra Mundial. Estados Unidos e União Soviética. Sempre as guerras, é claro. Porque não importa quantas vidas sejam tiradas ou quantos soldados morram em suas trincheiras, a humanidade nunca para. É um hábito entranhado em suas almas tanto quanto a ousadia de ter esperança em um mundo que muitas vezes ameaça a própria existência. George Orwell falou, em certa ocasião, em um ensaio intitulado You and the Atomic Bomb, sobre um mundo vivendo à sombra da ameaça de uma guerra nuclear e advertiu sobre uma "paz que não é paz", que ele chamou de uma permanente "guerra fria". Evie presumia que foi uma coisa boa ele nunca ter vivido para ver o final.
Essa guerra foi a primeira coisa que Cinco Hargreeves viu quando caiu em 1963. A poça de água fez pouco para amortecer sua queda, e após chamar pelo nome de seus irmãos é que percebeu estar inegavelmente sozinho. Novamente. Então ele ouviu os tiros. Curioso, ele se virou em direção ao som. Fora do beco, havia o caos. Ele se viu no cenário de um campo de batalha onde tanques, soldados e balas estavam por toda parte. Um deles, que carregava uma bandeira esfarrapada do que ele tinha certeza de ser da União Soviética, levou um tiro assim que se aproximou demais. O som das balas voando e dos gritos que permeavam o ar eram a única coisa que ele conseguia ouvir naquela cacofonia de destruição.
Desamparado, ele correu em direção à única pista que conseguia ver, e se agachou para ler as palavras em caixa alta no jornal.
SOVIÉTICOS ATACAM OS EUA
Em outro, a manchete dizia:
JFK DECLARA GUERRA AOS VERMELHOS
- Não pode ser - ele murmurou para si mesmo.
Gritos de "Médico! Médico!" e de "Recuar! Recuar!" se faziam ouvir pelas ruas enquanto homens eram feridos. Tudo que havia era sujeira, sangue e morte, não importava a direção em que virasse a cabeça. Casas destruídas, vidros quebrados, fogo e fumaça por todo lugar. Pilhas de entulho se acumulando nas sarjetas assim como os corpos.
- Cuidado com o tiro!
- Abrir fogo!
- Merda, o que é que a gente fez agora? - Cinco se perguntou em voz alta. Que tipo de alteração tão grave na linha temporal foi precisa para destruir tudo tão rapidamente e tão cedo assim?
Então, quase como se seus pensamentos os tivessem atraído para ele, ele os viu.
Bem atrás de Cinco, um míssil foi disparado, chamuscando levemente seus fios de cabelo e fazendo-o se abaixar com o barulho ensurdecedor que quase o fez surdo. Seus ouvidos continuavam zumbindo quando conseguiu se levantar, até que percebeu Vanya há poucos metros, flutuando acima do chão com a pele branca como mármore, olhos ardendo em um cinza brilhante, destruindo o míssil como se fosse feito de papel. Não muito longe dela, Klaus erguia as mãos e afastava uma linha inteira de soldados com fantasmas sólidos de falecidos combatentes americanos. Um Luther sem camisa usava de sua força bruta para esmagar inimigos em pedacinhos, e suas costas chamuscadas não pareciam incomodar. Qual não foi a surpresa do menino em ver o fantasma de Ben usando o Horror e seus tentáculos monstruosos para destruir qualquer um que chegasse muito perto de seus irmãos, quando Allison usou seu "Eu ouvi dizer" para explodir a cabeça de alguns desavisados, ou ainda quando Diego, em cima de um carro, desviou todas balas atiradas em sua direção como se não fossem nada de mais.
- Cinco! Seu filho da puta! Por onde você andou?
Ele estava prestes a entrar naquela luta quando alguém o puxou para um beco, bem na hora em que algo explodiu ao seu lado. O impacto da queda tirou seu fôlego e feriu suas mãos quando ele caiu sobre elas, mas não mais do que a percepção de que ele reconhecia a pessoa ao seu lado.
Os olhos de Evangeline se estreitaram e brilharam em um tom de azul-pálido quando ela estendeu a mão na direção de um soldado. Quase imediatamente, ele tropeçou em seus passos e abriu a boca, os olhos arregalados em choque; o sangue que jorrou de seus olhos, de seus ouvidos e de sua boca foi muito mais metálico do que vermelho. Cinco quase pode ouvi-lo tentando respirar, tentando forçar seu coração a voltar a bater, mas quaisquer preces que haviam a serem rezadas, morreram junto dele.
Então os olhos dela voltaram ao normal e se arregalaram assim que pousaram nele pela primeira vez. Mesmo enquanto os outros Hargreeves lutavam ao redor, eles se entreolharam e, por um momento terrível, realmente terrível, Cinco pensou que estava imaginando coisas e que a garota parada à sua frente não era nada mais do que uma alucinação dele. Algo que desapareceria no momento em que estendesse a mão, porque nunca havia imaginado um futuro em que conseguisse salvar o mundo e ela não estaria ao seu lado.
Ela estendeu a mão cuidadosamente para ele, quase tímida, como se pensasse o mesmo, como se todas as suas esperanças dependessem daquele gesto, e assim que sentiu a bochecha quente dele contra seus dedos, deixou escapar um suspiro estrangulado. Logo em seguida os braços de Evie Hargreeves estavam ao seu redor, o abraçando com força, como se ele fosse sua âncora em meio a uma tempestade, e Cinco soltou a respiração que nem havia percebido ter prendido. Ela estava ali, Evie, sua Evie, real, respirando, quente e muito viva. E, de alguma forma, tão jovem quanto ele.
- Você está aqui - ela murmurou, agarrada a ele, expressando em voz alta o que ele queria dizer. Demorou um momento até que ele pudesse retribuir o abraço adequadamente, uma sensação tão estranha agora que era quase surreal tê-la em seus braços novamente, como se estivessem de volta àquela bolha apenas dos dois em que não havia nada mais no mundo. - Ah, Deus, você está aqui.
- O quê... - ele se afastou, apenas um pouco, para que pudesse olhar bem para ela, segurando o rosto dela nas mãos com cuidado, como se segurasse um bem inestimável. Evie. Evie. Sua esposa. Viva. - Eles disseram... - precisou engolir o nó em sua garganta para continuar - disseram que você estava morta. A maleta...
- A Gestora mentiu sobre muita coisa, querido - ela sorriu, estendendo a mão, os olhos suspeitosamente brilhantes. - Estou bem viva, posso te garantir.
Disso ele não duvidava. Podia sentir o hálito dela em seu rosto, o calor de sua pele contra a dele. Apenas de olhar para Evie dava pra ver que ela o amava - deu pra perceber as pupilas se alargando, o olhar se tornar mais suave. Ele viu a longa queimadura que se estendia desde seu cotovelo até a ponta dos dedos em apenas um dos braços. A mente de Cinco corria furiosamente, tentando entender o que estava acontecendo, querendo perguntar tudo, saber de tudo, como ela estava novamente em seus braços. Mas naquele momento só havia uma pergunta a ser feita.
- Que diabos está acontecendo, Evie? - ele perguntou, se referindo a tudo. A guerra, a destruição, ela. Ela.
- A Terceira Guerra Mundial, infelizmente - respondeu, distraída, olhando para o céu. - A humanidade nunca aprende com os próprios erros, não é? Mas não há tempo para explicar. Você tem que ir embora. Agora.
- O-o quê? - ele tinha acabado de chegar lá! Ele não poderia simplesmente ir embora, não quando sua família claramente precisava dele.
Evie balançou a cabeça. O cabelo e as roupas estavam cobertos por uma camada de poeira, assim como os sapatos e as bochechas arranhadas.
- Você apenas tem que fazer o que eu digo. Eu sei que você odeia seguir instruções, mas por favor, só desta vez, me escute. - quando ele assentiu, ainda hesitante - sua mente estava girando demais para permitir que sua boca fosse útil -, ela continuou: - Você precisa sair daqui. Tipo assim, agora. - Ela enfiou uma das mãos nos bolsos e tirou um pedaço de papel bem dobrado para pressioná-lo na palma da mão dele. - Vamos nos encontrar novamente, meu amor, eu prometo. Te explicarei tudo assim que nos encontrarmos.
Cinco sentiu os lábios dela roçarem sua testa, sentiu a forma como o cheiro dela preencheu o pequeno espaço entre eles quando se aproximaram, e apenas então conseguiu reunir seus pensamentos adequadamente.
- Não, eu não vou perder você, não de novo - ele disse, enfático e ao mesmo tempo quase suplicante. Como se tivesse entregado a ela seu coração e a desse a opção, naquele momento, de parti-lo ou não.
Evie reagiu com um sorriso, pequeno e triste.
- Se você ficar aqui, é exatamente o que vai acontecer. Por isso você tem que voltar, sozinho. Ainda há uma chance para sua família. Para nós.
Evangeline lançou outro olhar preocupado para cima e depois voltou a olhar para ele, os olhos azulados estudando-o com aquela expressão indecifrável de que ele sentia tanta falta. Então, quase hesitante, como se temesse uma possível reação negativa dele, ela se inclinou para frente e o beijou. Cinco não teve tempo de reagir, nem menos de retribuir, pois no momento seguinte ela já havia se afastado novamente, deixando-o com o mais leve resquício do gosto de hortelã e creme de menta.
- Confio em você - Evie sussurrou em seus lábios. - Confio que vai fazer o que for preciso. Volte, me encontre e encontre os outros. Estaremos bem quando todos estiverem juntos.
E então ela desapareceu, saltando agilmente sobre os escombros, como se tivesse nascido para a morte e a destruição ao redor deles. Mesmo com as balas voando ao seu redor, ela não pareceu afetada. Soldados caíam como dominós sob seu poder, tendo sua respiração cortada ou simplesmente desabando no chão em uma nuvem de poeira. Nem mesmo o grito furioso de Diego conseguiu fazê-lo desviar os olhos da garota que corria pela rua; seu primeiro impulso continuava sendo o de segui-la, não importa qual fosse a situação. Foi só quando Hazel apareceu repentinamente com uma pasta em mãos que Cinco finalmente voltou os olhos para outra pessoa. E, apesar dos avisos de sua esposa, ainda relutou em deixar a família.
- Se quiser viver, venha comigo.
Confio que vai fazer o que for preciso.
E ele fez.
· * ˚ ·
₍ 001 ₎ Olá, meus amores! Como estão passando? Eu espero que bem, já que ultimamente eu estou quase me afundando na merda. Postei esse prólogo e saí correndo ksksksksk. Espero do fundo do meu coração que tenham gostado dele tanto quanto eu <3
₍ 002 ₎ Caso tenham gostado, curtam e comentem e me contem suas teorias! Estou ansiosa para trazer mais capítulos, então nos veremos o mais cedo possível. Até a próxima!
©lovingclare.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro