𝖨𝖭𝖳𝖤𝖱𝖫𝖴𝖣𝖤 𝖨: FIVE MONTHS, TWO WEEKS AND SIX DAYS.
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— ATÉ MAIS TARDE! — CINCO HARGREEVES NUNCA TINHA ouvido alguém dizer “até mais tarde” para se despedir. Parecia brusco, seco, desdenhoso, pronunciado com a indiferença velada de uma pessoa que talvez não se importe se vai revê-lo ou saber de você novamente. Anos depois, aquelas palavras ainda o assombrariam, todas as noites antes de dormir. Se as pronunciasse e fechasse os olhos com força, seria transportado diretamente até Nova York, quando acabara de encontrar Evangeline Leatherman pela primeira vez, e, mais tarde, até a Comissão, antes que a Gestora o chamasse em sua sala e explicasse o incidente que havia dado sua esposa como morta.
Londres tinha sido uma experiência agradável no curto período de tempo que passara lá. Era estranho não ter Evie ao seu lado, mas assim como ela costumava fazer em outras missões, Cinco tentou se concentrar em outras coisas. Na música que estava sempre presente – nas lojas, no canto dos pássaros, no ritmo frequente da respiração – ou, o seu favorito, na cor do céu. Ele pensou naquilo conforme localizava suas vítimas, invadia a casa deles e os matava. Pensou em qualquer outra coisa senão o sangue que manchou as paredes quando cravou as balas na cabeça do casal, ou mesmo o porta-retrato de ambos com uma menininha que devia ser a filha deles. Se eles tinham uma família, de que importava? Ele também tinha. Se a Gestora fizera questão de acompanhar aquele caso de perto com olhos de água, o que mudava? Ele tinha esposa para voltar, e sua pele já coçava com a perspectiva de passar mais tempo sem ela.
Então Cinco Hargreeves abaixou a arma e foi embora, sem se dar ao trabalho de olhar duas vezes para a cena de matança à sua frente.
Já era noite, e ele estava cansado. Com saudade do amor da sua vida. Queria voltar para os braços dela. Gostaria de estar com ela, na cama, ouvindo seu ressonar, observando ela dormir, e não ali. Ali não havia nada que lembrasse amor.
Mas era ali que ele iria garantir seu amor.
Dá pra imaginar um mundo em que eles dois possam sair para jantar juntos num sábado à noite sem ter que olhar por cima dos ombros o tempo todo. Dá até vontade de chorar – desejar tanto uma coisa tão simples, tão pequena. Eles trabalharam muito para conseguirem sobreviver e salvar da destruição e da morte certa a única família que os restou. E tudo o que queriam era uma liberdade modesta. A paz de poder amar sem reservas, de poder descansar.
Matar outras pessoas, matar um pouco de si mesmo a cada vez, parecia um preço pequeno e ao mesmo tempo alto demais a pagar por uma vida como essa, mas eles foram em frente mesmo assim.
Então Cinco voltou para os alojamentos designados a ele e a Evie, e então esperou. E esperou, e esperou, e esperou mais um pouco. Evangeline apareceria a qualquer momento. Não, sério, a qualquer momento. Não havia como ela não voltar; a missão dela era tão simples quanto a dele. Sua paciência já havia evaporado quando a Gestora o chamou novamente em seu escritório.
— Ocorreu um… contratempo — foi o que ela disse. Contratempo. Como se fosse só um simples acidente, não a perda total da mulher que foi sua única companhia em todas aquelas décadas.
Todo mundo pensa que, diante de situações desesperadoras, a pessoa entra em pânico. Mas quase todo mundo que vivenciou uma ocasião como essa sabe que não pode se dar a esse luxo. Nesse momento, a gente age sem pensar, fazendo o máximo possível com as informações que consegue extrair a partir do cenário. Só quando tudo termina você grita. E chora. E se pergunta como conseguiu fazer tudo aquilo. Porque o mais provável, em um caso traumatizante, é que o cérebro não registre muitas lembranças. É como se existisse uma câmera posicionada, mas sem ninguém para filmar. Então mais tarde, quando você vai assistir à fita, percebe que está em branco. Mas Cinco se lembrava, sim, de algumas coisas.
Se lembrava da forma como tudo parou de fazer sentido depois daquela frase, e como ele não conseguiu acreditar no que aquela mulher odiosa havia dito. Não tinha lógica, não tinha, não tinha, não tinha. Evangeline apareceria a qualquer momento, viva e intacta, apenas cansada, desejando voltar para os braços dele da mesma forma que ele. Então a Gestora o mostrou os pedaços da maleta completamente incinerada e todas as suas esperanças foram ralo abaixo.
A próxima coisa que ele se lembrava de ter registrado foi o de já estar em seu quarto destruído, com as mãos sangrando. Cinco olhou para tudo que havia restado de Evangeline, tudo que ele não conseguia soltar, tudo que sobrou, e foi ao chão. O piso parecia gelado contra a pele quente. A dureza fazia seus ossos doerem, e mesmo assim ele não se levantou. Depois, veio a letargia. Sentia vontade de chorar, mas não saía lágrima alguma. Era só uma espécie de tristeza, de náusea, uma mistura de uma com a outra, não existe nada pior. Todo mundo, volta e meia, passa por isso.
Ele a havia perdido. Seu amor. Sua Evangeline. Sua alma gêmea. A mulher cujo amor desejou a vida inteira. Simplesmente não estava mais viva. Era irrevogável, irreversível, para sempre. Não havia nada de fato que pudesse fazer para que isso mudasse. Não se quisesse permanecer vivo também.
Pela primeira vez em muito tempo, ele pôde se dar ao luxo de entrar em pânico.
O nome completo dela era Maya Evangeline Leatherman. Ela havia nascido em Havana, Cuba, mas foi naturalizada inglesa aos três anos de idade. Vinha de família judaica, mas se considerava agnóstica. Ela adorava música porque era sua forma especial de escapar da realidade e dos pensamentos das pessoas que enchiam sua cabeça quando não conseguia controlar o fluxo de informações que chegava toda hora. Evie gostava de azul, e de contar histórias. Era musicista e escritora. Odiava café, mas adorava chá preto. Sempre dormia de janela aberta, monopolizando todo o cobertor. E sempre dava dois nós no cadarço. Cinco criou esse mantra em algum momento durante os cinco meses em que foi forçado a viver sem a esposa. Citava e recitava cada um de todos os pequenos detalhes que se lembrava sobre Evie com medo de fazer algo estúpido, tipo se esquecer dela.
Ele tentou se lembrar disso quando surgiu no meio da rua movimentada com Hazel ao seu lado, como dois fantasmas erguidos das cinzas, se perguntando mais uma vez, pela milésima vez, a mesma coisa que sempre se perguntou, mesmo durante a última semana em que tentou impedir o apocalipse de 2019. O que diabos está acontecendo aqui?
— Tá… que merda foi aquela? — ele perguntou, porque não conseguia pensar em outra maneira de se expressar.
— O fim do mundo, 25 de novembro de 1963.
— Sessenta e três? — murmurou, e então observou as pessoas ao seu redor e como elas se vestiam, a fachada das lojas logo ao lado, o letreiro do cinema pouco adiante. Cinco riu, quase como se pensasse que tudo aquilo pudesse ser uma piada de péssimo gosto, muito embora soubesse que não era. Que não tinha como ser. — Olha, Hazel, eu não sou muito fã de história, mas não lembro de um holocausto nuclear.
— Nem brinca.
— E a minha família?
— Morreu, como todo mundo.
Cinco fez uma pausa, quase como se estivesse se preparando, então finalmente perguntou o que lhe assombrava há meses:
— E a minha esposa? E quanto a Evie? Ela foi dada como morta, não foi?
— Você não devia acreditar em tudo que a Comissão diz — Hazel respondeu, quase pesaroso. — Você já a viu, já sabe que ela está viva. Lamento que Evangeline tenha pago o preço por saber demais, mas existem coisas que apenas ela pode te responder.
— Por saber demais? Hazel, o que isso significa? — Cinco indagou, ávido, desesperado para saber mais. Ele passou meses lamentando a morte da esposa, se agarrando à possibilidade de deter o fim do mundo como uma espécie de bote salva vidas, se recusando a encarar de frente a solidão que o assombrava, o medo de ficar sozinho. E se ela realmente estiver viva, se houver uma chance… — Onde Evie está?
— Você está em Dallas, na mesma rua. Dez dias antes. — Hazel respondeu, ignorando as perguntas do menino enquanto se sentava em um banco. Cinco o seguiu. — Tem bastante tempo para consertar a linha do tempo e salvar eles.
— Nós começamos por onde? — o garoto questionou. Se o outro não respondesse suas perguntas sobre o paradeiro de sua esposa, a única alternativa que restava era começar o mais cedo possível para então conseguir encontrá-la.
— “Nós”? Você tá sozinho, cara. Só vim cumprir a promessa que eu fiz pra Agnes.
Notando o tom do colega, ele suavizou a sua própria voz ligeiramente.
— E ela tá…?
— Morta. De câncer. Foi bem rápido. Mas tivemos 20 anos maravilhosos. Eu acho que para sempre não era o nosso caso.
— Eu sinto muito, Hazel — o garoto disse com pesar. Ainda se lembrava de como ficou depois que lhe disseram que Evie estava morta. Ele se lembrava da negação e daquela crença profundamente arraigada de que ela iria voltar. E do peso invisível quando nunca aconteceu. — E quanto à Comissão?
— Eu larguei aqueles babacas, lembra? Eu não devo porra nenhuma a eles.
Cinco se levantou, franzindo a sobrancelha quando finalmente os viu, um trio de homens de cabelo loiro-platinado caminhando propositalmente em direção a eles, seus rostos idênticos como uma máscara de determinação sombria.
— Então, quem são aqueles malucos ali?
Em união, os três ergueram as armas para mirar.
— Merda. Corre! — Hazel gritou, e entregou a maleta para Cinco imediatamente.
O garoto desapareceu em um flash de luz azul no momento em que as balas caíram sobre seu colega, e apareceu novamente atrás de um carro, com a maleta crivada, completamente esburacada.
— Quantas vezes eu falei “maletas a prova de balas”? — ele exclamou exasperado enquanto espiava por cima do capô do carro. Então engasgou quando percebeu o trio muito mais próximo do que esperava, e saltou novamente quando passaram a atirar em sua direção.
Caído de costas no telhado, Cinco suspirou aliviado, e se sentou rapidamente quando percebeu que, pelo menos temporariamente, estava seguro. Com um salto espacial ele voltou ao beco da Commerce and Knox, imediatamente se lembrando de Evie. Onde ela estava? Mesmo que não tivesse se passado nem uma hora desde que a viu, e mesmo que aquilo o tivesse confundido terrivelmente, já podia sentir sua ausência intensamente, como se ela tivesse levado uma parte vital dele consigo.
As sirenes distantes da polícia o fizeram balançar a cabeça e se recompor o melhor que pode, limpando seus pensamentos. Ele iria encontrá-la, prometeu a si mesmo. Não ia embora sem ela. Então se lembrou dela, da urgência em seu tom de voz enquanto o alertava para ir embora, e do pedaço de papel empurrado na palma de sua mão. O garoto apertou o bilhete escondido em seu bolso e o ergueu cuidadosamente. Ali, nos traços inconfundíveis da letra de Evie, havia um endereço. Cinco o guardou com todo o cuidado do mundo, como se fosse seu maior tesouro, e se concentrou nos arredores, especialmente naquela janela do segundo andar cuja cortina acabara de fechar.
Bingo. Ele olhou para o telhado, onde equipamentos de detecção caseiros – e até uma câmera – se destacavam contra o céu. Uma suspeita instantânea o fez se aproximar da porta de entrega e retirada da Morty’s Television and Radio AM/FM, e Cinco não hesitou antes de saltar espacialmente para dentro do edifício, subir as escadas vazias e chegar ao andar acima. MORTIMER GUSSMAN, CIRURGIÃO-DENTISTA, estava escrito na janela de vidro. Aproveitando a oportunidade, Cinco bateu com força na porta e torceu para que seu palpite estivesse correto.
— O que você quer? — foi a pergunta do homem cauteloso de cabelo loiro-sujo quando abriu a porta.
— Oi — começou o garoto. — Eu tô vendendo enciclopédias pro meu grupo jovem, será que o senhor…
O homem bateu a porta na cara dele, o interrompendo. Com a paciência já no limite e a irritação aumentando a cada momento, Cinco ignorou as regras adequadas de etiqueta e se teletransportou até a cozinha, facilmente o assustando. Com um grito, ele bateu as mãos no balcão à procura de uma arma, abrindo as gavetas antes de puxar algum tipo de ferramenta com uma lâmina minúscula.
— C-como fez isso? — titubeou, o corpo magro colado na parede como se quisesse fundir-se a ela.
— Não tenho tempo pra explicar, tá? — respondeu o garoto com desdém.
— Você é… do Pentágono?
— Com certeza não.
— É da CIA? FBI? Ou é da KGB?
Cinco o ignorou.
— O café tá fresco? — perguntou, se referindo à cafeteira. Sem esperar por uma resposta, ele se teletransportou novamente até a mesa enquanto o homem gritava mais uma vez, cada vez mais espremido contra a porta da cozinha. O garoto calmamente se serviu de uma xícara, observando-o com leve interesse. Então ergueu as sobrancelhas com o sabor. — É colombiano?
— É uma mistura minha.
Cinco deu um aceno de cabeça com a resposta, e se virou para dar uma olhada no átrio. O lugar todo era como um grande estúdio, logo acima de uma loja de televisores, e havia recortes de jornais duvidosos por toda parte, falando sobre OVNIs, avistamentos estranhos e relatos de alienígenas. “Luzes estranhas podem ser visitantes do espaço”, dizia uma. De outra, ele leu “Aviadores americanos vêem ‘pires voador’.”
Parecia estar na fronteira entre a bagunça e a organização, entulhado de tralhas e objetos de hobbies abandonados, como os muitos cadernos coloridos jogados por aí, mas aqui e ali ele identificou o toque de outra mão – uma estante entupida de livros e jornais e outra mais estreita para os discos; um monte de livros didáticos com títulos como Teologia judaica no pós-guerra e mais uma pilha de revistas sobre Audrey Hepburn. Havia romances, biografias, brochuras e capas duras misturados, alguns velhos e caindo aos pedaços e outros novos em folha. Marcadores se projetavam em meio às páginas, indicando dezenas de leituras inacabadas. Diversas edições de diversos idiomas dos livros de Júlio Verne, Gabriel Garcia Márquez e autores russos que ele não conhecia, misturados com discos seminovos de Elvis Presley e Frank Sinatra. As flores no parapeito da janela, as fitas coloridas amarradas em tranças, os pares de sapatos na entrada… tudo era tão a cara de Evangeline que Cinco teve que resistir a tentação de agarrar aquele homem pelos ombros, sacudi-lo e forçá-lo a dizer onde sua esposa estava.
Mas ele já sabia o que deveria ser, como deveria agir, se quisesse achar sua família. Muito embora Evie detestasse conhecer pessoas novas ou ter de interagir com outras não tão íntimas, ela sempre soube como se comportar em cada ocasião, como falar com cada um de acordo com o que descobria em uma rápida observação. No final do dia, ambos eram a favor daquela velha regra dos cem quilômetros. Cem quilômetros de distância. De qualquer um que pudesse incomodá-los, em qualquer nível.
— Já ouviu falar da… Área 51? De Roswell? — direcionou a pergunta ao estranho.
O efeito foi imediato; a expressão dele se abriu em um sorriso quando riu, quase histérico, e exclamou:
— Caramba! — e colocou a lâmina minúscula de lado em sua euforia desconexa. — Eu sempre soube que não estamos sozinhos, a Eleanor achou que eu tinha um parafuso a menos, mas… — ele girou o dedo indicador ao lado da cabeça no gesto de louco — É verdade, não é? OVNIs, agroglifos…
— A verdade está lá fora. — Cinco respondeu vagamente, com seu melhor sorriso não ameaçador.
— Não, não, não, a verdade está bem aqui… na nossa frente — ele se aproximou do garoto, que respondeu com o máximo de passos para trás que conseguiu. — Por favor, me conta… porque eles sempre usam uma sonda anal?
Talvez Evie ainda seja a melhor lidando com pessoas.
— Se chegar mais perto, eu derreto seu cérebro.
O homem pareceu entender o aviso, porque obedeceu e se afastou, quase ansioso para agradar.
— Você precisa de espaço — murmurou para si mesmo. — Tá… vou ficar aqui.
O endereço no bilhete entregue por Evie falava desse lugar, da casa desse homem, onde Cinco poderia encontrá-la, e agora ele sabe porquê.
— As geringonças no telhado. Você quem montou, né?
— Ah, foi, sim. Eu montei. — respondeu ele orgulhoso. — Eu andei rastreando anomalias na atmosfera. Esperando.
— Esperando o quê? — perguntou Cinco, distraído com um dos cadernos e com a caligrafia familiar de sua esposa.
— Você — ele disse. Quando o garoto não entendeu, ele continuou: — Vocês todos. Começou em 1960, o ano em que a TV Silvertone Omega foi lançada. Eu estava fazendo uma venda quando uma coisa bizarra aconteceu… — ele apontou para um pedaço de jornal que falava sobre luzes misteriosas que algumas pessoas alegavam ver. — Então, nos últimos três anos eu vi cinco picos de energia no beco aqui atrás. A mesma coisa toda vez: uma luz azul bem forte, e aí uma coisa aparece.
— Deu uma boa olhada em algum deles? — questionou Cinco, observando as fotografias pixeladas em um quadro.
— É, dei sim, no primeiro. E também no… grandalhão sensível.
— Sensível?
— É, ele chorava muito, ficava voltando pro beco, chamando um nome de mulher, é… Allison!
Não precisava ser um gênio para adivinhar quem era.
— Luther.
— Os outros também voltaram algumas vezes nesses anos procurando uns aos outros, mas um dia eles pararam — o homem contou. — Libby tem me ajudado a rastrear os picos de energia. Ela conseguiu adivinhar quando os últimos dois apareceriam com essas… contas estranhas e… ah meu Deus, ela vai ficar tão entusiasmada quando souber que acertou mais uma vez!
Cinco respirou fundo, tentando manter o foco, e pegou o caderno mais próximo, que parecia ter sido escrito mais recentemente, e o folheou, observando a tinta borrada em alguns cantos, rasuras feitas aos montes acima das equações incorretas, observações sobre as tentativas de encontrar os outros Hargreeves. É claro, ele pensou. Evangeline sempre foi uma das pessoas mais inteligentes que ele já conheceu, e isso se aplicava a todos os aspectos que conseguia pensar. Ela devia ter começado a buscar por eles assim que percebeu o que estava acontecendo.
Muito embora ele quisesse ler tudo que ela escreveu, até mesmo os detalhes mais triviais sobre seu dia, Cinco não tinha tempo, então se concentrou na última anotação, e partiu daí. 16/06/63. Domingo. Dormi, acordei, comi, dormi, acordei, comi. Vida miserável. Acima, uma frase incompleta: Shakespeare & Co., Elm Street, aberta das oito às cinco. Cinco colocou o caderno de lado, engolindo o nó na garganta.
— Tudo isso ajudou muito, mas agora me escuta — ele disse ao homem, aparecendo na frente dele.
— Elliott, Elliott — protestou o outro fracamente. O garoto não tinha certeza se gostava da ideia de sua esposa morando debaixo do mesmo teto daquele homem. — Meu-meu nome é Elliott.
— Não importa, tá? — Cinco exclamou, perdendo a paciência. — Eu tenho dez dias pra encontrar eles e salvar o mundo! E vou precisar da sua ajuda para isso.
A primeira reação de Elliott foi protestar, apontando para si mesmo enquanto gaguejava uma resposta antes que as palavras do garoto começassem a fazer sentido para ele.
— Você quer… minha… ajuda? Eu, uh… — ele abriu desajeitadamente as gavetas ao vasculhar os papéis. — Sempre achei que essa foto da polícia parecia o viajante quatro.
Cinco arregalou os olhos ao ler a notícia, logo abaixo da foto de um de seus irmãos. Homem perturbado com várias facas…
— Diego.
— Então, isso ajuda? — o homem perguntou.
— Você nem faz ideia. — ele respondeu, e foi embora em um flash de luz azul.
Elliott soltou um suspiro de alívio com a repentina ausência do garoto antes de dar uma risada vertiginosa e feliz, surpreso ao descobrir que, pela primeira vez, Eleanor estava errada e ele não era – como ela disse – louco.
Cinco estava furioso quando saiu do sanatório em que Diego estava preso, o coração batendo forte em seus ouvidos, quase espumando de raiva. Não havia voltado ao apartamento de Elliott, e em vez disso continuou perambulando pelas ruas, ainda irritado demais para conseguir pensar racionalmente.
— Não posso acreditar naquela anta — ele murmurou com os dentes cerrados. — Um completo idiota… um total imbecil…
Havia ido até Diego primeiro porque era a aposta mais segura a ser feita, e embora tivesse pouquíssimas expectativas em relação ao irmão, continuou furioso com a estupidez que o levou ao hospício. Tentar matar Lee Harvey Oswald, onde já se viu! Mesmo se ele tentasse, a Comissão interviria com um de seus agentes em campo, e ainda mais sangue seria derramado – o que, pelo que ele viu com o assassinato de Hazel pelos três suecos, já é realidade.
Eu não posso fazer isso sozinho, pensou o garoto, não pela primeira vez. Mesmo em 2019 ele pensava isso, olhando por cima do ombro, esperando que Evie estivesse lá, apenas para que o peso invisível em seu estômago retornasse.
Originalmente, o raciocínio de Cinco era de que, se ele não encontrasse sua esposa – uma perspectiva sombria, terrível – então a próxima melhor coisa seria impedir o apocalipse para que ele tivesse tempo de procurá-la. Isso exigiria que ele encontrasse o resto de sua família, que o ajudaria a salvar o mundo e, assim, o aproximaria de encontrar Evangeline. Mas o bilhete dela parecia pesar em seu bolso, e ele não achava que seria capaz de passar por tudo isso novamente sem ela. Além do mais, ela morava com aquele homem estranho, e estava mais do que ciente sobre a aparição de seus irmãos.
A Shakespeare & Co. era um sebo discreto do outro lado da rua. Ele a identificou pelo toldo roxo desbotado no momento em que pensava que aquele era exatamente o tipo de lugar que Evangeline se esconderia do resto do mundo, presa em espiral de pensamentos. O sino que tocou anunciou sua entrada rapidamente antes que o som fosse abafado pelas pilhas de livros por toda parte, e ele se admirou com a visão do espaço até que, finalmente, ele a viu, antes que Evie o notasse.
De pé, parecendo decidir entre dois discos de vinil, a garota parecia quase uma adolescente normal, vestida com um suéter azul de gola alta que deixava a mostra pequenas partes das cicatrizes que ele lembrava de ter visto. Os cabelos castanhos estavam abaixo dos ombros, ondulados e levemente úmidos, bem compridos. Olhos grandes e amendoados, de um azul brilhante, cílios compridos, boca em formato de coração, de uma beleza quase discreta. E, no entanto, linda. De um jeito que quase tirou o fôlego dele. E talvez Cinco tivesse esquecido como eram quando se conheceram, como eram quando adolescentes, ou simplesmente nunca tenha a admirado como deveria, mas a vontade que ele tinha era de abraçá-la e nunca mais soltar. De nunca permitir que a tirassem de perto dele novamente.
Cinco permaneceu lá, parado, meio sem saber o que fazer, até que finalmente, finalmente, ela olhou para ele. Toda de azul, os olhos mais cintilantes do que nunca e uma presença capaz de dominar qualquer ambiente apesar da baixa estatura. Quando ela o viu, deu para perceber que ainda o amava; deu para ver as pupilas se alargarem, o olhar se tornar mais suave, o espanto de alguém que não esperava rever o amor de sua vida tão cedo.
Ele respirou fundo, tentando evitar que as lágrimas surgissem, e se adiantou até ela.
— Aqui está você — foi o que conseguiu dizer; as primeiras palavras que pôde falar para ela em muito, muito tempo. — Eu estava procurando por você.
₍ 001 ₎ *respira fundo* PUTA QUE PARIU O QUE FOI ESSA TEMPORADA DE BOSTA?? Eu tô em choque sobre como uma empresa pode foder uma série tão boa tão facilmente. Muito obrigada, Netflix, por arruinar completamente minha série conforto 👏 Nunca mais vou conseguir ver um edit sequer do Cinco no TikTok novamente sem lembrar daquilo, mas mesmo assim aqui estamos, só porque já tenho tudo planejado e pouca coisa muda no meu roteiro – e o que muda pode ser adaptado. Avisando só aqui que a história se estende até o finzinho da terceira temporada, tá bom? Me recuso a escrever sobre aquela merda astronômica. Enfim, tomem aí um prelúdio sobre o Cinco e aproveitem. Capítulo sem revisão porque tô sem paciência pra isso agora. Volto semana que vem com a programação normal.
₍ 002 ₎ Caso tenham gostado, curtam e comentem e me digam suas teorias! Estou ansiosa para trazer mais capítulos, então nos veremos o mais cedo possível.
©lovingclare.
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