Capítulo - 59
Devido aos anúncios que eu tinha feito na internet sobre a doação de Peppe, uma moça entrou em contato demonstrando total interesse no filhotinho. Ela nos visitou com seu filho Bento, uma criancinha adorável de cinco anos de idade, e assim que viram o cachorrinho decidiram ficar com ele.
Confesso que me doeu um pouco entregá-lo após passar tanto tempo com ele, mas eu entendia que era para um bem maior.
Bento não era muito sociável com as outras crianças, ele preferia estar com os animais do que no meio das outras pessoas. Um traço de sua personalidade. Contudo, por causa desse distanciamento, Bento passou a ficar sozinho e desanimado, então sua mãe viu o anúncio e teve a ideia de adotar Peppe para que ele fizesse companhia ao garotinho.
E foi lindo ver a conexão que ambos tiveram assim que se encontraram.
— Eu nunca o vi tão falante e feliz — a moça comentou conosco enquanto víamos Bento brincar no jardim da pensão com Peppe.
— Eles serão bons amigos, tenho certeza disso — respondi dando-lhe um sorriso.
Martina anunciou que os sanduíches que ela fizera para as visitas já estavam prontos, bem como a torta de chocolate que ela preparou para o menininho.
Na mesma hora, Lorenzo estaciona o carro e desce do mesmo sorrindo para a cena do menino e o cachorro correndo na grama.
— Temos um novo amigo para Peppe? — perguntou empolgado para Bento.
O garoto assentiu efusivo.
— Sim, eu e mamãe vamos levar ele para a minha casa — Bento respondeu com sua voz infantil e fofa.
Lorenzo se abaixou para ficar do tamanho do garoto e, brincando com Peppe, disse:
— Isso é fantástico! Você vai adorar ele, vão brincar o dia inteiro.
Bento assentiu mais uma vez, um sorrisinho crescendo no rosto rechonchudo.
— Nós vamos sim. — Ele fez uma pausa e cruzou os bracinhos. — Mas acho que mamãe não vai gostar da ideia que eu tive.
— Posso saber qual é? — a mãe do menino pergunta.
— Quero que Peppe durma no tapete de dinossauro do meu quarto! — anunciou animado.
Tive que rir disso, claro que a mãe não achou uma ideia muito boa, mas faria esse sacrifício pelo amado filho.
Lorenzo cumprimentou a moça ao chegar nas escadinhas, depois me deu um beijinho rápido e entramos na pensão.
Bento e eu adoramos a torta de chocolate, era uma das melhores que eu já havia provado.
A moça e o filho ficaram um tempo conversando conosco, o que foi bom para nos conhecermos melhor e sabermos que Peppe estaria em boas mãos, depois eles foram embora levando o filhotinho consigo.
Acenei para eles quando o carro começou a andar, Bento acenou de volta com as duas mãozinhas e um sorriso encantador.
Aquilo tudo me fez refletir sobre quem vê a partida de alguém que tanto amava. Fez-me ter a perspectiva do lado de quem fica... Ou quem ficará.
Era doloroso, triste, angustiante, mas inevitável. O sentimento de saudade era presente, fazendo lembrar dos momentos e do quanto era difícil perder.
Pude, enfim, notar que era assim que Lorenzo se sentia.
— Você está bem? — Lorenzo passou o braço pelos meus ombros, se juntando a mim na soleira da porta de entrada do casarão.
Agarrei-me a ele.
— Essa situação me fez pensar em algumas coisas — respondi. Virei-me para olhar em seus olhos. — Eu não vou pedir desculpas pela promessa que pedi que você fizesse naquela noite, tampouco direi que me arrependi, mas quero que saiba que agora eu entendo você. Posso compreender um pouco de como se sente.
Lorenzo me abraçou, pressionando minha cabeça contra seu peito quente.
— Não precisamos falar disso, certo?
Assenti. Ele devia estar cansado de todo o assunto.
— E eu não culpo você — confessou. — Eu entendo você.
Admito que fiquei triste pela ida de Peppe, ele era meu companheiro diário e seus latidos de filhote faziam diferença naquela casa.
Lorenzo pareceu notar isso, afinal eu não saí do cantinho onde eu estava encolhida no sofá o dia inteiro, fiquei assistindo televisão e cochilei vez ou outra.
Ele largou os papéis que analisava na sala de jantar e veio para perto de mim, aninhando-me junto dele.
— Não gosto de ver essa carinha triste — disse ele com uma voz manhosa.
— Sentirei falta de Peppe — confessei. — E estou triste também porque queria estar assistindo ao príncipe Naveen — impliquei com ele.
Lorenzo deu um suspiro longo.
— Vou dar um jeito de sumir com esse filme — devolveu a brincadeira.
Gargalhei dele.
— Isso, prefiro as risadas — disse ele. Lorenzo se virou no sofá para ficar de frente comigo. — Tive uma ideia mais cedo, algo para descontrair. — Deu de ombros.
— E o que seria? — perguntei curiosa.
Ele mexia numa pulseirinha que estava no meu pulso.
— Vamos chamar nossos amigos e fazer uma noite de jogos, podemos pedir pizzas também — Sugeriu. — Se você quiser, é claro.
Sendo sincera, era uma ideia empolgante sim. Impulsionei-me em sua direção para lhe abraçar apertado.
— Eu adorei a ideia, amore mio* — respondi um pouco mais animada.
Lorenzo sorriu.
— Muito bem então, convide-os e eu preparo tudo — pediu.
Assenti e dei um beijo na sua bochecha, Lorenzo corou instantaneamente.
— Você ainda cora quando faço isso — caçoei apertando suas bochechas enrubescidas.
Ele também apertou minhas bochechas e disse:
— É porque eu sou um bobo apaixonado por você.
Subi para me arrumar para receber nossos amigos depois que os convidei pelo celular. A maioria deles aceitou, o que me deixou feliz.
Não dava para negar que pensei em Jean no exato instante em que combinamos tudo, queria poder vê-lo, queria que estivesse conosco aqui. Afinal, não nos falamos tanto desde a festa de natal e isso me fez temer um abismo na nossa amizade. Apesar de tudo, eu sempre estarei aqui quando ele precisar.
Lorenzo organizou tudo tão rápido que mal precisei fazer algo, senão esperar os convidados. E já que meus pais e Martina estavam em algum restaurante chique na cidade, a casa era inteiramente nossa naquela noite.
Arrumamos alguns jogos de tabuleiro e de cartas e os dispusemos sobre a mesa da sala de jantar, onde as pizzas e petiscos já estavam dispostos também. Eu e Lorenzo jogávamos uma partida de baralho quando a campainha da pensão tocou.
Senti um misto de emoções ao receber nossos amigos. Talvez eu estivesse emotiva demais de uns tempos para cá.
Filipo chegou animado como sempre, trazendo mais comida e acompanhado de uma moça gentil chamada Rose. Francesca apareceu logo em seguida, também acompanhada.
— Quero apresentar uma pessoa a você — disse ela apontando o rapaz ao seu lado. — Este é Henry, meu noivo.
Quase dei um pulo quando ouvi a palavra noivo. Abracei-a, extremamente feliz pela novidade.
— Eu sou Mila, e você é muito bem vindo ao nosso grupo — cumprimentei Henry. — Estou muito feliz por vocês dois! — completei com um sorriso de orelha a orelha.
— Muito obrigado, Mila. É um imenso prazer conhecer todos vocês e fico grato pela animação — Henry respondeu e logo notei que era italiano também.
Francesca me contou como foi que o noivado aconteceu. Ela era uma pessoa super reservada, de modo que tudo ocorreu entre os dois sem que ninguém mais notasse. Dado seu jeito tímido, não fiquei nem um pouco triste por ela não ter contado antes. Muito pelo contrário, fiquei feliz e deixei claro que torcia por sua felicidade também.
Conversamos até ouvirmos a buzina do carro cor de rosa de Giordana em frente a pensão. E claro, ela mal esperou que abríssemos a porta para entrar como um furacão entusiasmado, trazendo Paolo consigo.
— Ragazza*, a quanto tempo não a vejo! — Giordana me abraçou apertado.
— Estava desconfiada de que Paolo havia sequestrado você só para ele! — respondi brincando com ambos. Paolo gargalhou e me cumprimentou.
— Giordana é quem quis me prender na Grécia para sempre — ele disse, fazendo-a revirar os olhos e rir.
Alguns amigos de Lorenzo chegaram logo em seguida e ele fez questão de me apresentar a cada um deles. Eles eram extremamente animados e foram tão gentis comigo que senti-me bem em suas companhias.
Tommaso atendeu a porta quando a campainha tocou novamente. Ele trouxe até nós a mesma moça morena com quem dançara na festa de ano novo semanas atrás.
Ela cumprimentou a todos e veio até Lorenzo e eu.
— Agradeço por me receberem, a pensão é encantadora — disse ela com um sorriso lindo. — A propósito, me chamo Aubrey... e acho que sou a namorada de Tommaso — brincou com a última parte.
Apetei sua mão estendida entre as minhas.
— É maravilhoso tê-la aqui, Aubrey — respondi devolvendo o sorriso. — E Tommaso é um paspalho se ainda não fez o pedido.
— Ei, não falem de mim como se eu não estivesse bem aqui! — protestou Tommaso. — E é claro que você é a minha namorada, cara* Aubrey.
A moça sorriu, as bochechas coradas. Depois pediu licença para falar com os outros. Puxei Tommaso pelo braço antes que ele a seguisse.
— Se partir o coração dela eu parto seu lindo rosto italiano — avisei com um sorriso e as sobrancelhas levantadas. — Gostei dela, não faça nenhuma besteira — completei sincera.
Tommaso arregalou os olhos diante da ameaça vinda de alguém vinte centímetros mais baixa que ele. Ele riu e assentiu obedientemente. Os olhos dele seguiram Aubrey pela sala, e pude ver o brilho de sentimentos sinceros e doces neles.
— Acho que encontrei a minha pessoa, Mila — confessou ele em tom baixo. — Quero fazer tudo dar certo.
A declaração arrancou-me um sorriso.
— Estarei torcendo por você — respondi abraçando-o.
Nossas conversas se estenderam por um tempo antes de Filipo sugerir que começássemos a jogar alguma coisa. Reunimo-nos então na sala de jantar e começamos nossa noite de jogos e diversão.
Sentei-me ao lado de Lorenzo e Aubrey, de forma que pude conhecê-la melhor.
Aubrey era americana e trabalhava como modelo aqui na Itália. E ela de fato fazia jus ao trabalho, porque era deslumbrante. Os cabelos negros descendo em ondas até as costas, a pele morena combinando com os olhos âmbar e um sorriso fácil. Além de ser comunicativa e um doce de menina.
Passei tanto tempo falando com ela que Lorenzo quase ficou com ciúmes.
Era incrivelmente bom estar reunida com pessoas das quais eu amava, trazia paz ao meu coração e mostrava o quanto os momentos eram valiosos, por maiores ou menores que fossem.
Senti-me novamente embalada por felicidade genuína. Como se a vida sorrisse para mim naquele instante e me dissesse para aproveitar aquilo ao máximo.
E foi o que fiz. Entreguei toda a minha disposição e animação naquele momento precioso, vivendo-o completamente.
— Obrigada por isso — inclinei-me para sussurrar para Lorenzo ao final de uma partida de um jogo.
Ele ergueu nossas mãos unidas e beijou o dorso da minha.
— Tudo por você. — Piscou charmoso.
Senti minhas bochechas enrubescerem e ele implicou comigo assim como eu havia feito com ele horas antes pelo mesmo motivo.
Não sei bem que horas eram, tampouco quantos jogos eu havia ganhado. Apenas notamos que já era tarde quando as primeiras pessoas começaram a ir embora.
No final, ficamos somente eu, Lorenzo e nossos amigos do restaurante. Cansados de jogar, permanecemos à mesa conversando e rindo descontraidamente.
Giordana limpou a garganta para chamar nossa atenção em dado momento.
— Paolo e eu temos uma notícia para dar a vocês — anunciou ela, deixando-nos curiosos.
— Não diga que ele quer devolver você para nós, porque não aceitamos devoluções — Filipo disparou arrancando boas gargalhadas do nosso grupo.
Giordana jogou uma bolinha de guardanapo nele.
— É claro que não, stupido!*
— Bem, então mate a nossa curiosidade — Francesca incentivou-a.
Giordana e Paolo se entreolharam com sorrisos amorosos.
— Vamos ter um bebê — disseram.
Se eu não estivesse sentada com certeza teria caído para trás. Os segundos seguintes foram pura alegria e congratulações.
— Imagino que ainda não pensaram em um nome — perguntei entusiasmada.
— Ah, é claro que pensamos sim, ragazza* — respondeu a nova mamãe. — Se for um bambino* será Marco, mas se for uma bambina*, e Deus queira que sim, — Ela juntou as mãos em prece nos fazendo rir. — será Camila.
Demorei para processar a informação.
Giordana daria à sua bebê o meu nome e eu não poderia estar mais maravilhada! Levantei-me para abraçá-la já aos prantos.
Após tanta emoção, resolvemos tomar um chá na sala de estar para acalmar os ânimos. Isso durou bastante e rendeu assuntos intermináveis.
Houve um momento, entretanto, em que me senti zonza e precisei ir até a cozinha buscar água. Lorenzo estava entretido em uma conversa com Paolo, de maneira que não percebeu quando me afastei de todos.
Senti meu corpo fraco no momento em que cheguei na cozinha, minhas pernas ameaçando a falharem e minha cabeça doendo como nunca antes. Travei a mandíbula pela dor abdominal que me acometeu em seguida. Tentei evitar, mas não consegui manter-me de pé por mais tempo. Contudo, o que mais me assustou foi o que veio a seguir.
Tossi descontroladamente diversas vezes, caindo no chão da cozinha, a força aumentando a dor lasciva na minha cabeça. Ao abrir os olhos notei o líquido vermelho que se espalhara em minhas mãos, das quais usei para abafar a tosse. Era sangue, muito sangue.
— Mila mia*, você acha que... — Filipo aparece na soleira da porta e congela ao me ver caída no chão.
— Não diga nada — pedi fraca, com medo de que ele fizesse algum estardalhaço — Eu vou limpar isso e manteremos somente entre nós.
Seus olhos estavam arregalados de preocupação e o rosto pálido quando veio me segurar.
— Não. Mila, nós precisamos levar você ao hospital — respondeu ele.
Neguei com a cabeça, segurando firmemente seu braço.
— Por favor, não. Eu não quero acabar com a noite...
Mas já era tarde. Filipo gritava por socorro, implorando a ajuda de todos os outros. Logo o grupo ocupou a cozinha, Lorenzo disparando na minha direção imediatamente.
— Eu pedi por favor... — falei para Filipo entre soluços.
O que veio depois passou como um borrão diante dos meus olhos. Senti-me ser carregada, ouvi Lorenzo falar coisas que não consegui entender, vi seus olhos cheios de lágrimas e luzes azuis e vermelhas.
Tudo isso pareceu durar segundos antes que a escuridão me puxasse para si, tirando-me a consciência por completo.
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TRADUÇÃO DAS PALAVRAS COM ASTERISCO*
Amore mio - Meu amor
Cara - Querida
Stupido - Estúpido
Ragazza - Moça
Bambino - Menino
Bambina - Menina
Mia - Minha
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