Capítulo - 52
O ano novo estava relativamente próximo, o que me deixava um pouco animada.
Pensar em um ano cheio de novas possibilidades, como uma porta se abrindo para novos caminhos, era empolgante. Ainda que não tivesse certeza do quanto eu teria do próximo ano.
Decidi que eu não esperaria os primeiros dias do ano novo para começar uma mudança, faria isso naquele momento. Afinal, era do que a vida era feita, de momentos. Então por que esperar algo começar para poder mudar?
Essa reflexão me trouxe algumas respostas acerca das questões que permeavam minha mente. Claro que segui o conselho de minha mãe e deixei que viessem até mim.
Nesse mesmo instante, eu estava na janela do meu quarto, observando Lorenzo e Tommaso dando um jeito no jardim a pedido de Martina. Ambos conversavam e trocavam risadas boas, talvez nem estivessem notando o péssimo trabalho que faziam na grama. Tive de rir das irregularidades feitas no belo e precioso jardim da pensão.
O frio e a chuva tinham dado uma pequena trégua, de forma que o sol, mesmo que fraco, brilhava lá fora. Era o suficiente para tirar as pessoas de casa e trazer sorrisos calorosos aos seus rostos.
— Por que não levamos um refresco para eles? — mamãe sugeriu ao se aproximar de onde eu estava.
— Podemos, sim — concordei, ansiosa para mostrar-lhes a mudança que havíamos feito em mim minutos atrás.
Desci as escadas de braços dados com minha mãe, seus passos cansados tentando acompanhar meus saltinhos. Papai estava na sala tentando ler o jornal italiano usando o tradutor do celular, ele não parecia incomodado em ter que fazer isso. Muito pelo contrário, ficava repetindo as palavras recém conhecidas e levantando as sobrancelhas a cada uma delas.
Ele disse o quanto eu estava linda quando beijei-lhe a cabeça ao passar por ele, aquele sorriso de pai crescendo em seu rosto.
Fizemos limonada com gelo adoçada com mel e dispusemos em uma bandeja, mamãe me ajudou com a porta para o jardim.
— Meninos, venham descansar um instante! — minha mãe chamou os dois rapazes empenhados em seus serviços.
Lorenzo ergueu a cabeça na nossa direção, ele aparava um arbusto que crescera selvagemente, seus olhos não buscaram outra coisa senão os meus. Tommaso, que agora estava ao lado do primo, deu um sorriso encantador, que depois se transformou em uma careta de dor quando a tesoura de poda que Lorenzo segurava caiu no pé dele.
Lorenzo nem notou que o instrumento escorregou de sua mão e atingiu o primo, estava concentrado em mim.
— Fratello*! Não consegue mais prestar atenção no que faz? — Tommaso reclamou enquanto pulava com um só pé. — Quase perdi o meu pé!
— Desculpe, eu... — Lorenzo balbuciou alguma coisa.
— Agora pensarei seriamente se vou ajudá-lo com o lance do...
O loiro despertou imediatamente e bateu a mão no peito do primo e disparou:
— Não quer perder a língua também, não é?
Os dois caminharam até nós, Tommaso mancando e Lorenzo me encarando.
Estendi-lhes a bandeja com as limonadas, dando um sorriso. Olhei para o jardim em volta de nós.
— Martina vai ficar... surpresa — comentei aos risos.
Ambos entornaram suas bebidas rapidamente e mamãe encheu os copos novamente.
— Você está muito linda — Lorenzo admirou meu cabelo, os olhos verdes passeando por meu rosto. — Eu gostei muito. — Seu sorriso bobo revelava isso.
Senti-me corar.
Eu tinha resolvido que cortaria meu cabelo naquele dia, pedi ajuda para minha mãe, que concordou sem pestanejar. Ela sabia cortar cabelo como ninguém, então fez um trabalho espetacular.
Tinha lido que em algumas culturas o ato de cortar o cabelo significava algo como recomeço, como virar uma página da vida, ou como encerrar e começar outros ciclos. E era aquilo que eu pretendia fazer.
Agora, meu cabelo estava na altura dos meus ombros, os cachos soltos em volta das minhas bochechas. E, eu diria, estavam ainda mais ruivos e com um brilho a mais. Mudar o visual me fez bem, de certo modo.
— Você pode parar de babar um pouco? Isso é vergonhoso — Tommaso implicou com o primo, que alternava em beber a limonada e me encarar encantado.
Lorenzo lhe deu uma cotovelada e riu da própria reação. Depois voltaram ao trabalho, o loiro olhando para trás por sobre o ombro.
Uma risada escapou de mim. Minha mãe suspirou ao pegar a bandeja de minhas mãos antes de entrarmos no casarão.
— Ele é muito fofo, não é? — comentou ela. Eu sabia onde ela queria chegar, já havíamos conversado sobre isso antes. — E então, você vai falar com ele?
Foi a minha vez de suspirar.
— Sim, eu vou — respondi, para sua alegria. Contudo, as coisas poderiam não acontecer da forma como minha mãe estava fantasiando, porque eu pretendia abrir o jogo com Lorenzo e contar-lhe simplesmente tudo.
Se era para resolver as coisas mesmo antes do novo ano começar, então que fossem resolvidas da maneira mais sincera possível.
Aquele era um ciclo que eu encerraria com cautela, mas também com satisfação. Estaria me livrando de um peso enorme para dar início a uma nova etapa.
Uma etapa que poderia mudar completamente a minha vida.
Lorenzo
— O jogo foi péssimo, primo — Tommaso disse enquanto arrancava as ervas daninhas do canteiro de flores do jardim. — É melhor que mude de time quanto antes.
Balancei a cabeça aos risos. Eu não gostava muito de futebol, conhecia no máximo uns seis times, sendo sincero. E um dos que eu me afeiçoava mais havia perdido uma partida contra o time de futebol favorito de Tommaso. Agora ele se vangloriava por isso.
Sequei as gotinhas que brotavam na minha testa por conta da exposição ao sol. Apesar de estar um pouco fresco, o clima havia se transformado.
E por falar em transformação...
Minha atenção foi totalmente direcionada para a garota ruiva que havia nos trazido refrescos. Mal percebi quando a tesoura de poda caiu da minha mão inerte acertando em cheio o pé de Tommaso, apenas ouvi ele murmurar qualquer coisa. Eu estava completamente embasbacado com tamanha beleza que estava a minha frente.
Se já não tivesse acontecido antes, eu podia ter certeza que me apaixonaria novamente por ela naquele mesmo instante.
Tommaso quase deu com a língua nos dentes e ia estragar a surpresa que eu vinha preparando com tanto afinco, a mesma que ele estava me ajudando. Saí do torpor bem a tempo de impedi-lo de continuar.
É claro que a limonada estava maravilhosa, tudo o que ela fazia ficava assim. Precisei de vários copos para matar a sede e refrescar meu rosto corado após quase babar aos pés da beleza extraordinária que me hipnotizou.
Mila tinha ficado ainda mais bela com os cabelos cortados, os cachos tão brilhantes e ruivos como uma cortina de chamas emoldurando sua linda face. A mechas resvalando seus ombros quando ela mexia a cabeça, fazendo espalhar o perfume que carregavam. De alguma maneira, seus olhos ficaram mais claros com o novo visual, como se algo tivesse mudado dentro dela também.
Me encantei de novo com suas sardas cor de avelã e os lábios rosados.
Ah, coração.
Por mim, nosso trabalho no jardim se encerraria agora mesmo e eu passaria o resto do dia admirando a garota que cativava cada gota da minha atenção e afeição.
Mas a bronca da vovó seria das grandes, então me obriguei a voltar ao arbusto cansativo e sem graça que eu cortava. Não me contive e precisei olhar para Mila mais uma vez, acho que não me cansaria disso nunca.
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TRADUÇÃO DAS PALAVRAS COM ASTERISCO*
Fratello - Irmão
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