Capítulo - 45
Mal dormi naquela noite. Não por conta de qualquer doença, mas pelos meus próprios pensamentos.
Levantei cedo, o sol ainda nem havia aparecido e não tinha ninguém de pé. Comecei fazendo o que me acalmava, cozinhar com música. Deixei que a canção que pulsava nos meus fones de ouvido preenchesse todo meu corpo e mente. Preparei comidas e mais comidas, sem pressa ou preocupação.
Em seguida coloquei a mesa, arrumando as louças de Martina com precisão, abri as janelas permitindo que a brisa morna entrasse no casarão. Também peguei algumas flores do jardim para colocá-las junto as comidas na mesa da sala de jantar. Quando estava voltando para dentro da pensão encontrei Lorenzo, arrumado para o trabalho.
Ele sorriu para mim, justo na manhã em que eu mais precisava.
Terminamos de arrumar a mesa juntos. As palavras dele ecoando segundo após segundo na minha cabeça.
Gosto de você. Gosto de você. Gosto de você.
Santo Deus, que é que eu faria agora?!
Eu não precisava levantar a cabeça para saber que seus olhos me seguiam a cada passo, o que me deixava um pouco desconcertada dada a situação da noite anterior.
Agradeci, silenciosamente, a Martina quando ela apareceu e maravilhou-se com o café da manhã. Depois insistiu que Lorenzo me desse carona para o trabalho, coisa que me fez retirar o agradecimento anterior.
Não que eu estivesse constrangida ao lado dele, ou com medo. Mas parecia, na minha cabeça, que eu tinha uma dívida com ele. Que lhe devia uma resposta para o que ele disse após a nossa dança.
Eu sei, era besteira minha, mas eu não conseguia parar de pensar assim.
O dia foi tranquilo no restaurante, a diferença era que Giordana estaria uns dias fora em sua viagem com Paolo para a Grécia. Sorri, feliz por eles.
Meus pensamentos iam longe enquanto eu cozinhava, fazendo-me pensar em diversas coisas ao mesmo tempo, levando minha mente a viajar também. O que atrapalhava um pouco a minha concentração no preparo dos pratos.
No final do dia, voltei com Lorenzo para casa.
— Você está bem? — perguntou, uma ruga de preocupação marcando sua testa. — Está tão quieta hoje. Está se sentindo mal?
Balancei a cabeça.
— Só estou um pouco distraída — respondi dando de ombros.
Lorenzo assentiu, não muito convencido.
— Podemos assistir um filme quando chegarmos em casa — ele sugeriu.
Senti-me mal por estar tão distante enquanto ele se esforçava.
— Acho uma boa ideia sim, contanto que eu escolha — brinquei, finalmente provocando-lhe um sorriso.
— Combinado então.
Antes do filme, tomei um banho longo e quente para aliviar o cansaço. Enquanto secava o cabelo, chequei as mensagens no celular, vendo que Jean havia deixado algumas. Ouvi vozes vindas do primeiro andar e a porta bater, no mesmo momento em que lia a mensagem de Jean que pedia para conversar comigo.
Corri escada abaixo, tropeçando algumas vezes, e parei ao ver Lorenzo e Tommaso se distanciarem da porta recém fechada. Estreitei os olhos para os dois, que tinham expressões de paisagem.
— Quem era?
Tommaso, descaradamente, deu de ombros.
— Um mexicano perdido — respondeu.
— Onde está o Jean? — Cruzei os braços.
Foi a vez de Lorenzo balançar os ombros.
— Eu não sei, nós só abrimos a porta e ele saiu correndo...
Não esperei que ele terminasse a frase, passei pelos dois esbarrando neles e disparei porta a fora no tempo exato para ver Jean dar partida no carro.
Balancei os braços enquanto corria descalça até ele. Jean saiu do veículo, parecia atormentado e com raiva.
— Eu estava...
Ele ergueu a mão.
— Veja, Mila, eu vi seu... namorado. Ou seja lá ou que ele disse ser — desdenhou, apontando para a pensão.
Fiquei confusa. O que aqueles dois disseram?
— Meu... Meu o que?! Do que é que você está falando? — Ri sem entender.
Ele abriu os braços e os deixou penderem ao lado do corpo.
— Lorenzo — respondeu. — E do outro italiano que fez questão de me expulsar.
Balancei a cabeça chocada.
— Lorenzo não é meu namorado! — rebati. — E Tommaso é o primo idiota dele!
Jean pareceu mais aliviado ao me encarar.
— Desculpe. — Ele passou as mãos nos cabelos. — Eu só queria conversar...
Suspirando, puxei-o pela mão até o meio fio da calçada e nos sentamos lado a lado.
Silêncio se fez entre nós, o que me fez dar um empurrãozinho com o ombro no braço dele. Jean sorriu.
— O que o aflige?
O olhar dele de repente pareceu distante.
— Acho que o que vou falar já não é mais surpresa para você — começou. — E preciso dizer, porque sinto que se guardar isso por mais um dia vou acabar enlouquecendo.
Senti um calafrio percorrer minha espinha. Eu sabia do que se tratava e, àquela altura, já não podia mais evitar o assunto.
Jean engoliu em seco antes de proferir:
— Me apaixonei por você, Mila. Sei que não deveria, sei que você tem passado por momentos difíceis para ter que lidar com mais isso... — ele deu um longo suspiro. — Mas eu não consegui evitar, desde o dia em que fomos apresentados.
Senti o peso de suas palavras e de seus sentimentos pesarem em meus ombros e no meu coração. Entretanto, ele não tinha culpa alguma disso.
E mais uma vez, não soube o que dizer. Talvez a errada e confusa nessa história toda tenha sido eu.
Abracei-o sem pensar, e ele não recuou.
Também não recuou quando, ao nos afastarmos um pouco, nossos rostos ficaram próximos. Jean tomou minha face entre as mãos e sem que eu esperasse, me beijou.
Meses antes, pensei que meu coração saltaria do peito se isso acontecesse, pensei que eu sentiria todas aquelas borboletas no estômago e os fogos de artifício. Contudo, não foi assim. Senti meu coração encolher diante daquele beijo.
Afastei-me delicadamente e mantive os olhos baixos. Eu queria mesmo era bater a cabeça na parede atrás de mim para ver se meus pensamentos iriam clarear.
— Me desculpe... — Virei o rosto.
— É ele, não é? — ele disse. Encarei seus olhos e a compreensão que encontrei neles partiu meu coração. Como não respondi, ele prosseguiu: — Tudo bem, eu suspeitava há um tempo.
Balancei a cabeça.
— Me desculpe, mas eu não posso mentir para você. Não posso ser uma mentira — disparei, buscando melhorar as coisas. — Você não merece isso.
Jean dá um sorriso frágil que não chega aos olhos negros.
— Mila, está tudo bem. O coração não escolhe quem amar.
Ao contrário do que eu pensava, depois de uns minutos uma conversa fluiu entre nós. Como se nada tivesse acontecido. Como se minutos antes ele não tivesse revelado seu amor para mim.
Nos levantamos quando ele disse que precisava ir embora.
— Ainda podemos ser amigos, não é? — perguntou.
— Está de brincadeira? Não quero perder sua amizade. — Dei um soquinho em seu braço.
Ele assentiu e me abraçou novamente antes de partir.
Vi seu carro se distanciar e desaparecer ao virar uma esquina, só então permiti que as lágrimas caíssem no meu rosto.
Não queria magoar ninguém, mas parece que tudo o que eu sabia fazer era isso.
Não sei quanto tempo passei sozinha na calçada da rua, chorando a minha confusão. Entrei quando comecei a sentir frio e exaustão.
Lorenzo e Tommaso estavam na sala, sentados no sofá jogando cartas. Não precisei falar uma só palavra, tampouco quis. Impedir Jean de falar comigo e não me chamar quando ele estava na porta tinha sido errado, infantil.
Lorenzo pareceu ver isso no meu rosto, ele engoliu em seco de onde estava, observando meus passos escada acima.
Ambos sabiam que tinham errado, que lidassem com a culpa juntos agora.
Eu não tinha mais cabeça para pensar e nem lidar com nada naquele dia. Estava cansada, mentalmente esgotada e sentia as dores sentimentais se manifestarem nos meus músculos.
Tomei outro banho e me entreguei ao sono exausto.
Lorenzo
Teria doído bem menos se alguém arrancasse o meu coração do peito. Ver a expressão chateada dela e os olhos vermelhos pelo choro partiu algo em mim.
Eu tinha feito Camila chorar, e eu não me perdoaria por isso.
Afundei o rosto nas mãos, largando as cartas do meu jogo com Tommaso.
— Nós erramos feio.
— Então vamos subir e pedir desculpas, ora — sugeriu, com certeza sem ter pensado antes de falar.
Balancei a cabeça frustrado.
— É capaz de sermos recebidos por sapatos jogados por ela — rebati. — Ela não vai ouvir nada agora.
Tommaso também deixou o baralho de lado.
— Fratello*, isso não é tão ruim assim...
— Não? — interrompi. — Você não viu a mágoa nos olhos dela! Mila vai me odiar para sempre por essa atitude idiota.
Meu primo suspirou sem saber o que mais falar.
A questão era que realmente não havia mais nada para dizer. Erramos, e não havia justificativa.
Meus sentimentos por Camila eram fortes, como uma chama intensa que eu não sabia controlar as vezes. E, quando ameaçada, me levava a agir estupidamente. Assim como naquela noite quando o amigo mexicano dela foi vê-la.
Era evidente o que o tal Jean sentia por Camila, e isso deixava uma incógnita no ar, afinal eu não sabia a quem ela correspondia. Não que eu me sentisse intimidado pela amizade de ambos, só não queria perdê-la assim como perdi metade das pessoas que entraram na minha vida.
Eu tinha feito de tudo para não me apegar a mais ninguém para não ter que sofrer a dor da despedida novamente, ou a sombra da incerteza que vinha antes dela. Mas tudo foi por água abaixo no momento em que Camila pôs os pés no restaurante.
Às vezes, eu me esquecia da intensidade dos meus sentimentos, esquecia do quão profundo eles podem ser. Mas precisava lembrar que eles não podiam afogar quem eu amava, não deviam ferir.
O amor podia machucar e deixar marcas, entretanto, eu queria que o meu curasse, que trouxesse alegria e riso. Queria que, o que tanto queimava em meu peito, pudesse abraçar e sarar.
Tinha machucado Camila. Agora, faria de tudo para me redimir e garantir que não aconteceria de novo.
Errávamos por amor, e deveríamos lutar para acertar por ele também.
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TRADUÇÃO DAS PALAVRAS COM ASTERISCO*
Fratello - Irmão
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