Capítulo - 41
Sonhei com meus pais. Eles pareciam felizes e bem, o que me deixou um pouco tranquila.
Mas o sonho foi interrompido por alguém chamando meu nome várias e várias vezes. Quando abri os olhos deparei com Lorenzo ajoelhado ao lado do sofá da sala onde eu dormia. Um sorriso estampava seu rosto. Isso era outro sonho?
— Tenho uma notícia boa — disse ele.
Esfreguei os olhos para focar no papel que ele me mostrava.
— O que é isso?
— Estou bem. Quero dizer, meu coração está melhor. — Ele apontou uma parte escrita do papel, que deduzi ser o resultado de algum exame. — Ainda preciso de um transplante, mas o outro tipo de remédio que me deram está fazendo efeito. Tenho mais tempo até conseguir fazer a cirurgia.
Fiquei atônita, com o papel nas mãos e os olhos em Lorenzo.
Ele teria mais tempo. Lorenzo viveria.
Pulei em sua direção lançando os braços ao redor de seu pescoço.
— Lorenzo, isso é maravilhoso! — exclamei feliz.
Ele se levantou me levando junto e nos girou pelo cômodo. A alegria pela esperança brilhando em seus olhos.
— Estou tão feliz que mal posso acreditar.
Ele me coloca no chão, mas ainda se mantém próximo de mim.
— E é claro que deve ficar! Você vai conseguir, Lorenzo. — Dei uma batidinha em seu ombro. — Precisamos comemorar — sugeri.
— Clube de dança?
— Tenho algo melhor em mente — respondi, deixando-o curioso. — Prepare a sua voz, mio amico*, esta noite iremos para o karaokê.
A verdade era que Giordana havia planejado uma noite de karaokê para nos apresentar seu novo par romântico do qual tanto falara antes. Então aproveitei a oportunidade para convidar Lorenzo.
Lorenzo não tinha muitos amigos, e os meus eram seus funcionários. Mas eles sabiam diferenciar isso e quem sabe pudessem fazer isso naquela noite e aceitar Lorenzo no nosso grupinho.
A noite enfim chegou, eu já estava arrumada antes mesmo de Lorenzo descer. Encontrei Tommaso assistindo futebol e sofrendo drasticamente com a derrota daquele que parecia ser seu time.
Dei uma risada de todo o desespero dele quando a partida teve fim.
Me aproximei e balancei a cabeça.
— Tão jovem, mas tão atormentado — consolei-o.
— Dê-me um motivo para ser feliz, Mila — resmungou ele, o rosto escondido em uma almofada.
— Vamos para o karaokê hoje... — comecei. — Pode ser que tenha garotas lá — brinquei.
Tommaso se recompôs com um sorriso no rosto.
— Tu sei la migliore, cara mia!*
Ele beijou o topo da minha cabeça e foi correndo se aprontar. Era quase cômico que fosse eu a esperá-los se arrumarem.
Lorenzo apareceu primeiro, e captou minha atenção no mesmo instante. Ele usava um jeans rasgado, camiseta preta com alguns desenhos orientais e tênis casuais. Mas o cabelo era o mesmo, bem arrumado.
— O que foi? — perguntou. — Eu estou ridículo, não é? Eu vou...
— Não. Você está muito bonito — interrompi-o. — Muito melhor do que aquele terno que o faz parecer um pinguim de gravata — caçoei para fazê-lo rir.
Lorenzo gargalhou enquanto caminhava até mim.
— Sei splendida, ragazza* — disse me observando.
— Grazie.* — Sorri para aqueles olhos verdes hipnotizantes.
Tivemos que pegar um táxi, pois o carro de Lorenzo estava no conserto e ainda não tinha sido liberado. Tommaso foi o caminho todo tagarelando com o motorista, que também tagarelava como ninguém.
Lorenzo se manteve calado, contudo havia um sorriso singelo em seus lábios, o que me deixou feliz.
A rua onde encontraríamos Giordana era mega movimentada, haviam estabelecimentos dos mais variados tipos e gostos, tanto que o táxi precisou parar no começo da rua lotada.
Encontramos minha amiga debaixo do letreiro néon do karaokê, ela estava acompanhada de Fillipo, Francesca, outras duas garotas e um rapaz alto de barba que deduzi ser o par dela.
Ela deu um grito e balançou os braços ao me ver.
— Ragazza!* — disse me apertando em seu abraço de urso. Quando se afastou, seus olhos focaram nos dois rapazes atrás de mim, especialmente em Lorenzo. — Eu pensei que...
— Que eu ia me atrasar? Sou extremamente pontual, ragazza* — interrompi-a, lançando um olhar que ela entenderia.
E ela entendeu. Para ser sincera, ela pareceu entender literalmente tudo. Giordana mudou sua expressão, tratando de cumprimentar os outros.
Abracei meus outros amigos e as convidadas deles, que se mostraram bem legais. Por fim conheci o novo amor de Giordana, Paolo era seu nome. Um italiano nato que era calmo e reservado, o oposto total dela. Entretanto, a felicidade de ambos era evidente, bem como o sentimento que compartilhavam.
Por alguns segundos levei a mão ao meu coração e desejei ter aquilo um dia. Nem que fosse por três dias, se fosse tudo o que eu tivesse.
O local era iluminado com leds coloridas, pôsteres e discos dos mais variados tipos e tamanhos, incluindo assinaturas autênticas em alguns deles. Alugamos uma das salas no andar de cima e pedimos comida.
Fillipo foi o primeiro a pegar o microfone e colocar uma música. Não posso dizer que ele cantava bem, mas seus gritinhos e danças fizeram valer a performance. Minha barriga doeu de tanto rir. Ele puxou Francesca para cantar com ele, ela ficou vermelha no início por ser tímida, porém logo se soltou mais e se entregou a música.
Batíamos palmas enquanto eles cantavam e quando acabaram escolheram as próximas pessoas. E fui uma delas, por sinal.
Quem cantaria comigo seria uma das garotas convidadas, que, descobri, se chamava Patrizia. Ela era animada e puxou as palmas no ritmo da música, sendo acompanhada pelos demais.
Cantamos "Livin' On a Prayer" de Bon Jovi. Foi divertido soltar a voz sem me preocupar se cantava bem ou não, foi bom extravasar.
Giordana e Paolo cantaram "Viva La Vida" de Coldplay. Confesso que foi fofo vê-los juntos. Depois Lorenzo, Tommaso e a outra garota, Naddia, soltaram a voz ao som de "I Ain't Worried" de OneRepublic.
Foi bom ver Lorenzo se divertindo como todos os outros, era incrível quando ele deixava de lado toda a sua seriedade e porte firme e dava espaço para a vivacidade e diversão que havia nele. Era lindo ver aquela luz vindo à tona, mostrando que seu coração, por mais reservado que fosse, também sentia aquela energia boa.
Perdi a conta de quantas músicas cantamos, ou quais eram. Era uma atrás da outra e mal percebemos que a comida já tinha chegado.
Lorenzo, discretamente, separou algumas coisas em um pratinho e me chamou para o seu lado. Atravessei a sala e me sentei no banco acolchoado, devorando o lanche enquanto ele abria para mim a garrafinha de suco que pedi. Aquele era o tipo de cuidado de Lorenzo, aprendi que essa era uma das maneiras dele demonstrar sentimentos. Seu olhar alternava entre as apresentações de nossos amigos e em mim, certificando-se que eu estaria me alimentando bem.
Quase ri disso, por achar bonitinho e engraçado.
Minutos depois Fillipo, acompanhado de Giordana, insistiu para que eu cantasse uma música brasileira. Cedi quando a maioria deles pediu.
Escolhi uma das minhas favoritas, que torci para que não tivesse lá para não ter que cantar sozinha. Mas lá estava, "Oração" de A Banda Mais Bonita da Cidade. Era uma das canções que cresci escutando e cantando com meus pais. Era significativa e linda.
Para a minha surpresa, Tommaso pulou do banco, pegou um microfone no suporte ao lado da tela e me acompanhou com um português embolado, mas que dava para entender.
Todos ficamos surpresos com o fato dele falar minha língua materna.
— Você arrasou! — exclamei em português.
Ele estendeu a mão para eu bater.
— Foi uma honra, Mila — respondeu, me deixando ainda mais embasbacada.
Eu ia perguntar quando ele começou a falar português e porque não tinha contado antes, porém Paolo, Fillipo e Francesca começaram outra música, dessa vez italiana, "Concedimi" de Matteo Romano.
Estava tão absorta com a descoberta sobre Tommaso que não percebi quando Lorenzo havia saído da sala. Falei para os outros que sairia para procurá-lo e assim o fiz.
Achei-o no lado de fora do estabelecimento, as mãos encostadas na parede e a cabeça baixa entre os braços. Temor percorreu meu corpo, torci para que não fosse algo relacionado a sua saúde.
— Oi. — Aproximei-me devagar para não o assustar.
Lorenzo levantou a cabeça e se virou quando viu que era eu.
— Você está bem?
Ele balançou a cabeça, como se não fosse nada de importante.
— É só... a música — respondeu apontando o prédio onde estávamos há segundos atrás.
Me aproximei mais.
— Não gostou muito de karaokê, não é? — brinquei.
Novamente ele balança a cabeça.
— Não é isso, eu gostei sim. — Seus olhos percorreram o céu acima de nós. — A música que estão cantando agora... Ela me faz lembrar dos meus pais.
"Concedimi" era a música. Então foi por isso que ele saiu.
— Não gosto de lembrar, então preferi sair um pouco — completou, dando de ombros.
Senti empatia naquele momento, pois sabia o quanto aquele assunto era delicado para ele... e o quanto o havia machucado.
— Posso ficar aqui com você, se quiser — sugeri.
Lorenzo deu um sorriso pequeno e assentiu.
Ficamos lado a lado observando a movimentação à nossa frente, até começamos um jogo onde adivinhávamos para onde cada pessoa que passava por ali iria. Ganhava um ponto quem acertava, com direito a um pedido para quem vencesse.
Lorenzo venceu.
Voltamos para o karaokê tempo depois e a animação da sala foi contagiante. Já era tarde quando decidimos ir embora, Tommaso jogava seu charme para Patrizia enquanto Lorenzo e eu esperávamos um táxi.
Suspirei ao, finalmente, entrar no carro amarelo. Aquela tinha sido uma noite maravilhosa, e de certa forma me sentia grata.
Tommaso foi no banco da frente e com apenas segundos de viagem adormeceu com a cabeça encostada no vidro da janela do carro. Lorenzo estava no lado oposto ao meu no banco e percebeu quando o observei. As bochechas coradas, o olhar brilhante e um sorriso fácil delineando os lábios rosados.
Retribuí o sorriso. Lorenzo estendeu a mão no espaço vazio entre nós, um agradecimento e um pedido silencioso para segurar a minha, e não pensei duas vezes ao aceitar. Ele entrelaçou seus dedos aos meus, sua mão encaixando na minha de uma forma inexplicável.
Perguntei-me se dois corações, ainda que de lados contrários, podiam bater em sincronia. Possível ou não, tive a sensação de que estava acontecendo naquele exato momento. De que as batidas dos nossos corações dançavam uma valsa perfeita.
Lorenzo
Incrível. Era como ela estava. Meu coração errou uma batida ao vê-la descer as escadas da pensão, o vestido vermelho acentuando o cabelo acobreado e os olhos cor de mel. Parecia estar vestida de chamas.
Quase não consegui falar quando ela parou na minha frente, seu perfume preenchendo meus pulmões e inebriando-me.
Naquela noite, enquanto eu dirigia de volta para casa e Camila cantava com a cabeça para fora da janela do carro, me senti o homem mais sortudo do universo. Porque a tinha bem ali, ao meu lado.
O modo como ela defendeu, não apenas a mim, mas todos os participantes na competição de chefes, fez um orgulho imenso emergir no meu peito. Seu senso de justiça que a levava a cometer loucuras pelo bem, assim como aquela que ela havia cometido.
Não pude calcular o tamanho da felicidade que senti. Sequer consegui expressar com as palavras certas, então me juntei a ela cantando a música que ela colocou no rádio.
Se antes Camila estava bonita, agora ela estava exuberante.
A saia do vestido amassada, os pés descalços, o coque desfeito pelo vento revelando os cachos selvagens que eu tanto admirava. O sorriso enorme em seu rosto era impagável, bem como as bochechas rosadas realçando as pequenas sardas espalhadas pelo seu nariz. As mesmas faziam-me lembrar de constelações. Aquela era ela, livre e sem medo de viver. Sem medo de ser ela mesma.
Naquele momento, voltando do karaokê, senti-me igual a como na noite do baile. A diferença era que estava ainda mais agradecido.
Quando Camila cantou a música brasileira que tanto pediram, recordei-me de que já a havia escutado cantá-la na pensão quando estava distraída, ou até mesmo no restaurante ao cozinhar. Então tive certeza do que eu sentia.
Precisamente agora, em que nossas mãos estavam entrelaçadas sob o espaço do banco entre nós. Tive a certeza de que o amor encontraria um caminho.
_______________________________
TRADUÇÃO DAS PALAVRAS COM ASTERISCO*
Mio amico - Meu amigo
Tu sei la migliore, cara mia - Você é a melhor, minha querida
Sei splendida, ragazza - Você está linda, garota
Grazie - Obrigada
Ragazza - Garota; menina; moça.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro