Capítulo - 13
Havia algo de mágico no amanhecer. Talvez fosse a oportunidade de ver o sol nascer, tal como um novo dia. Ou talvez fosse a esperança que vinha junto a ele, a promessa de um dia melhor.
Não dormi naquela noite, tampouco saí do hospital. Dei um jeito no meu cabelo no banheiro do mesmo e fui direto para o restaurante. O que foi estranho, porque parecia que todos já sabiam o que havia acontecido e me olhavam como se eu fosse a barra de pesquisa do Google onde buscassem informações.
Inspirei fundo e respondi tudo o que meus colegas de trabalho queriam saber. Não que eu tivesse algo haver com Lorenzo, mas eu estava lá na hora e morava sob o mesmo teto que ele. Então era justificável que eles me procurassem para saber dele.
A movimentação no restaurante não havia sido tão grande naquele dia, parecia até que o estabelecimento sentia falta de seu dono. Mas houveram mais pedidos especiais do que em outros dias, e como só eu sabia fazê-los previ bastante trabalho.
Porém, ao contrário do que eu imaginava, Francesca e Filipo mostraram interesse em aprender as maravilhas da culinária brasileira e pediram para ajudar. Foi divertido dividir coisas do meu país com eles, principalmente algo que pudéssemos provar.
Minha mãe não deixou de me ligar, ela perguntava toda hora como eu estava e como havia sido meu dia até aquele momento. E eu fazia de tudo para mostrar que estava tudo bem, apesar da minha cabeça estar uma confusão de pensamentos e um aneurisma.
— Eu ia tratar disso com você em outra hora, mas acho que não tem um momento certo para isso — minha mãe começou a falar. Pelo barulho do outro lado da linha ela devia estar no trabalho no hospital. — Seu pai e eu achamos que é melhor você dar um tempo disso tudo e vir passar um tempo em casa, a estabilidade pode lhe fazer bem.
Quase engasguei com o café que eu tomava.
— Mãe, vocês sabem porque estou aqui e sabem que não posso ir embora agora — respondi.
Ela suspirou e disse:
— Camila, sei que seu amigo está doente e que você tem ajudado ele, mas...
— Eu não estou aqui por causa dele, e também não é por causa dele que quero ficar. Estou aqui pelo meu sonho, é por isso que tenho lutado — interrompi ela, mesmo sabendo que isso não era certo.
— A sua saúde não vai melhorar se continuar assim. — Dessa vez era o lado médica dela.
— A minha saúde não melhora desde os meus... Sei lá quantos anos e não vai ser diferente agora — tentei manter minha voz controlada. — Mãe, eu ir para casa agora não anula o fato de que vou morrer a qualquer momento, e sinto muito por estar dizendo isso...
— Eu amo você, Mila. — Ela deixou escapar um soluço, o que fez meus ombros se abaixarem.
— Me desculpa, eu não queria falar isso — sussurrei de olhos fechados.
— Tudo bem, conversamos sobre isso mais tarde. Pode ser? — Minha mãe limpou a garganta mudando o tom de voz.
Sorri diante da sua força.
— Pode. Pode ser, sim — concordei. — E eu também amo você, mãe.
Peguei um táxi para a pensão ao fim do meu turno no restaurante, foi apenas o tempo de eu tomar um banho e trocar de roupa para ir para o hospital.
Durante o trajeto fiquei pensando em tudo o que acontecera ultimamente, não que os pensamentos tivessem sido muito claros, porque se embaralhavam e mudavam constantemente antes que eu pudesse digeri-los.
Passei pelo carro de Lorenzo que ainda estava no estacionamento do jeitinho torto que eu havia deixado e segurei um sorriso ao imaginar o que ele diria quando soubesse que o bati.
Martina estava na cadeira de acompanhante ao lado da cama, ela lia um livro alternando seu olhar entre as páginas e o neto. Dei batidinhas no vidro e acenei quando ela me viu.
Esperei que ela trocasse a roupa super protetora para suas roupas normais e viesse até o corredor. Ao chegar até mim, ela me deu um abraço apertado sem dizer nada. Entendi seu agradecimento silencioso e retribui apertando meus braços ao seu redor.
Insisti que ela fosse para casa descansar um pouco e ela se rendeu à ideia, não sem antes me fazer prometer que eu ligaria ao primeiro sinal de mudança.
Minutos depois deixei-me desabar na poltrona confortável. Deixei também escapar um suspiro que liberou boa parte da carga de cansaço que eu vinha carregando.
— Acho bom você melhorar logo — falei para o rapaz desacordado ao meu lado. — Pelo menos você está dormindo e não tendo que lidar com o mundo.
A verdade era que, desde o procedimento que o estabilizou, Lorenzo entrara em um coma do qual não dava para intervir. Tudo agora cabia somente a ele. Se acordaria, ou se ele se renderia. Eu gostava de pensar que ele estava apenas fazendo um drama para voltar com estilo.
— Sabe, seria legal se, quando você acordar, seu humor melhorar uns sessenta por cento — disparei enquanto me aninhava mais na poltrona. — Seu coração agradeceria se você não fosse tão ranzinza. Bem... eu também.
Fiz silêncio, esperando por uma resposta afiada dele. Tudo o que recebi foram "bipes", que, em parte, serviram.
Não pude ficar muito tempo no quarto devido ao risco para paciente e acompanhante. Porém, antes de sair, me virei para seu rosto inexpressivo.
— Vou raspar a sua cabeça se você não acordar até amanhã — brinquei e fechei a porta.
De todas as pessoas que pudessem aparecer ali, Jean foi a mais improvável. Ele tinha prendido os cabelos negros, como no dia em que foi ao restaurante me ver, e tinha um sorriso gentil no rosto.
— Então, como anda sua jornada de trabalho dobrada? — ele perguntou quando saímos do hospital e caminhamos até os bancos de pedra do pátio.
— Martina não pode ficar sozinha nisso — respondi.
— E você não pode ficar sem dormir — rebateu ele. — Sei que nada disso é da minha conta, mas li em um livro que nos tornamos eternamente responsáveis por quem cativamos, e é o que estou fazendo agora. — Havia um sorriso brincalhão em seus lábios.
Empurrei seu ombro com o meu.
— Está citando "O Pequeno Príncipe" para mim? — Ri dele.
— É o meu favorito. — Jean deu de ombros. — Mas agora estou falando sério, é preocupante que você fique nesse ritmo louco.
Abaixei os olhos mordendo o lado interno da minha bochecha.
— Eu estou bem. E, ao contrário do que você pensa, tenho descansado sim — respondi querendo dar um fim no assunto.
Jean balançou a cabeça, dedurando que não havia engolido minha resposta.
— Posso fazer escalas com vocês também. Tenho a próxima semana inteira de folga — sugeriu ele de repente. — Bem, eu planejava chamar uma garota para sair, mas acho que posso convidá-la para comer um sanduíche com suco de caixinha na lanchonete do hospital — ele aliviou o clima me fazendo gargalhar.
— Eu aceito o sanduíche e o suco de caixinha, mas não vou deixar você perder sua folga nesse lugar.
Ele mudou de posição, ficando de frente para mim.
— Vamos fazer um trato então — começou com um brilho nos olhos. — Eu fico pelo menos dois dias substituindo vocês aqui, e nos outros dias eu aproveito minha folga e dou carona para você quando puder.
Ponderei seu trato nem um pouco justo, o que quase me fez rir. Entretanto, ele parecia tão disposto a ajudar que acabei concordando.
— Ainda quero meu lanche — avisei, fazendo ele gargalhar alto.
A enfermeira que cuidava de Lorenzo desde o primeiro dia me convenceu, com a ajuda de Jean, de que eu não tinha muito o que fazer no hospital naquela noite. E foi só por isso, e pelo cansaço, que concordei ir para casa.
Jean Claude me levou para a pensão, não sem antes parar em um lugar para comprar algo para comermos. Ele ficou admirado quando entrou no casarão.
— É bem como eu imaginava — confessou.
— Eu disse que seria — completei.
Martina desceu para nos acompanhar no lanche e até se distraiu um pouco durante as conversas.
— Já estive na Grécia uma vez, foi a minha segunda melhor viagem. — Os olhos dela assumiram um brilho nostálgico com a lembrança.
— É realmente um lugar encantador — concordou Jean se empolgando por estar compartilhando viagens com Martina. — Confesso que fiquei curioso para saber a primeira melhor.
Martina desviou os olhos para mim, o que já respondia a pergunta feita.
— Certo, eu preciso ir para o Brasil — disse um Jean decidido e risonho.
Falamos mais sobre lugares dos quais gostaríamos de ir, alguns completamente insanos e outros clichês. Com tudo aquilo, conclui que eu havia encontrado em Jean um espírito tão aventureiro quanto o meu.
— Eu gostaria de ficar aqui e conversar mais, mas estou bastante cansada — Martina se levantou, sendo seguida por nós. — Fiquem a vontade e me chamem se... Se algo acontecer. — Apesar do sorriso que ela deu, percebi na sua voz a preocupação com Lorenzo.
Jean me ajudou a colocar a louça na pia da cozinha enquanto eu as organizava na lavadeira.
— Agora você entende? — perguntei sem olhá-lo. — Entende porque não posso deixá-la sozinha nisso?
Ele me passou um prato e permaneceu ao meu lado.
— Martina só tem a ele por perto. — Minhas próprias palavras me atingiram, fazendo-me lembrar da conversa com a minha mãe. E me fazendo notar o quanto ela devia sentir minha falta. — Assim como a minha mãe só tem a mim de filha — falei bem baixinho, tanto que acho que ele nem escutou.
A vida, eu concluí, era como um filme, onde cada um tinha a sua história como trama. Onde cada um tinha seu início, meio e fim.
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