Capítulo - 09
Giordana, Francesca e Fillipo me chamaram para sairmos juntos após o expediente. E com muita insistência deles acabei aceitando.
Tentei melhorar minha aparência o máximo possível no banheiro dos funcionários, porque depois de um dia inteiro cozinhando era quase impossível estar bonita. Passei um pouco de gloss labial e fui me encontrar com meus amigos na saída do restaurante.
Por sorte a noite estava agradável. O céu ostentava uma lua cheia e amarela que estava acompanhada de estrelas brilhantes. Além de que o clima estava mais quente e acolhedor me deixando feliz, e quase fazendo eu me sentir em casa.
Fomos todos no carro cor-de-rosa de Giordana, com ela dirigindo mais rápido do que era aceitável.
— Que tipo de carro tem cheiro de chiclete?! — Filipo, que estava na frente no banco do passageiro, indagou com as sobrancelhas franzidas.
— O tipo de carro que pertence a uma doce mulher — Giordana rebateu sem se abalar.
Ela não diminuiu a velocidade ao virar numa esquina.
— Na Itália não tem multas de trânsito? — brinquei segurando firmemente na porta ao meu lado.
Em, literalmente, segundos chegamos a uma rua bastante movimentada e com casas noturnas a cada metro, assim como lanchonetes e pizzarias lotadas.
— Olha só, eu não sei se eu vou... — falei receosa olhando a fila enorme.
— Ah, vai sim. Meu irmão quase não quis me dar esses ingressos especiais! — Francesca reclamou.
Fui vencida pelo cansaço de ter os três listando motivos para eu ir, enquanto eu rebatia com motivos para não ir.
Como dito, usamos nossos "ingressos-especiais-super-difíceis-de-conseguir" para poder entrar e não ficar em pé por horas. E, assim como previ, houveram reclamações vindas da fila extensa. Quase ofereci a minha entrada com medo de toda a agressão verbal.
Francesca, com o braço entrelaçado ao meu, me guiou pela massa de corpos dançantes. Fomos embalados pela nuvem de perfume e fumaça artificial.
A música alta pulsava em meus ouvidos como se quisesse entrar no meu corpo e se espalhar pelas minhas veias. E isso aconteceria se ela não fosse tão remixada como era.
Meus três amigos se dirigiram até um bar que ficava na lateral do lugar e gritaram seus pedidos para o barman, que tinha a cara do boneco Ken.
— O que você vai pedir, Mila mia*? — Fillipo grita para mim por cima da música.
Me inclinei para responder:
— Água, por favor.
Ele riu de mim.
— Não quer outra coisa? — perguntou, como que sugerindo um drinque.
— Tem razão. Uma água com gás, por favor — respondi com o mesmo sorriso que ele dava.
Observei o ambiente ao meu redor.
Um monte de gente estava reunida na pista de dança se balançando como se não houvesse amanhã, ou como se estivessem levando choques. Todos suados, agarrados e alguns, com certeza, muito bêbados. Pareciam não se importar com nada mais, que não dançar.
Giordana, que havia sumidos após pedir seu drinque, surgiu abraçada à um rapaz alto de cabelos negros que batiam na altura de seus ombros.
— Pessoal, olha só quem eu encontrei aqui! — Sua voz soou mais alegre.
Francesca e Fillipo trocaram cumprimentos animados com o rapaz, parecia que eles se conheciam há anos.
— Mila, quero que conheça meu amigo de infância! — Giordana arrastou o pobre rapaz até mim. — Este é Jean Claude, ou JC, como todos nós o chamamos. — Ela apontou para mim e olhou para ele. — E esta é Camila, ou Mila, se ela deixar que a chame assim.
Jean me deu um sorriso e estendeu a mão com simpatia.
— É um prazer conhecê-la, Camila — disse com dificuldade de pronunciar meu nome.
Apertei sua mão.
— Pode me chamar de Mila, embola menos a língua — brinquei para quebrar o gelo fazendo-o rir.
— Eu adorei o seu nome... — disse tentando soar mais alto que as batidas da música. — Você é daqui mesmo?
— Ah, não. Eu sou do Brasil — respondi fazendo o mesmo esforço para ser ouvida. Minha cabeça começava a doer tanto quanto os meus ouvidos.
Após beberem suas bebidas, menos a Francesca que se ofereceu para dirigir na volta, meus amigos e Jean foram para a pista de dança. Não sem antes me puxarem para ir também.
Se Lorenzo estivesse aqui com certeza estaria rindo da minha total falta de habilidade para dançar e da minha insistência fracassada de tentar.
Espera só um pouco. Eu estava mesmo pensando em Lorenzo?
Balancei a cabeça querendo dissipar os pensamentos indesejados.
— Eu vou tomar um ar lá fora, preciso de um pouco de quietude — falei no ouvido de Giordana.
— Você está se sentindo bem, ragazza*? — Preocupação surgiu em seu rosto, afinal ela sabia do aneurisma.
Mas eu não havia contado a ela, Giordana escutou sem querer uma conversa que tive com a minha mãe na hora do almoço dias atrás. Precisei explicar toda a situação e pedir que ela não se preocupasse e que não contasse para os nossos chefes. A essa altura, meus outros dois amigos já deviam saber também.
— Estou muito bem, só preciso de ar. Pode continuar aqui, eu volto já. — Sorri e dei uma piscadinha para ela, que assentiu e voltou para seus passos de dança de rua.
Me esgueirei por entre a aglomeração até conseguir sair do lugar. Inspirei profundamente o ar limpo ao me afastar um pouco da entrada da boate.
Admiro a animação deles, porque eu mesma não aguentaria tudo isso todos os finais de semana.
— Agitado lá dentro, não é? — Ouvi uma voz grossa ao meu lado e dei um pulo. — Me desculpe, eu não queria assustá-la.
— Tudo bem. — Sorri para Jean. — E sim, é agitação demais para mim.
Ele recostou-se no poste a minha frente ficando a uma boa distância de mim, entendendo que eu precisava de espaço e ar.
— Eu não costumo frequentar lugares assim, prefiro algo menos barulhento — confessou ele. Percebi que sua voz carregava um sotaque leve que não consegui identificar de onde era.
— Quase avisei as pessoas da fila que não vale tanto a pena ficar um tempão ali para poder entrar — disparei causando-lhe uma gargalhada.
— Desse jeito você vai falir o local — brincou em resposta.
Rimos juntos por um tempo, até ficarmos em silêncio total.
— Então, você disse que era do Brasil — lembrou. Assenti. — O que você mais gosta no seu país?
A pergunta me pegou um tanto desprevenida, além do mais eu amava tantas coisas lá.
— Hmmm... Acho que o modo como somos receptivos, gosto também das paisagens e dos animais exóticos.
Jean manteve os olhos nos meus com uma expressão leve no rosto.
— Dá para ver nos seus olhos que ama seu lugar de origem — admirou ele. Acabei sorrindo. — Você sente saudade de casa?
Abaixei a cabeça olhando para os meus sapatos. Ao ouvir "casa" minha família me veio à mente.
— Muita — respondi por fim. — Mas também estou amando esse país, então estou bem dividida.
Ele balançou a cabeça em compressão e disse:
— Sei bem como você se sente — ele levou a mão aos cabelos cor de nanquim para afastá-los do rosto. — Sou mexicano, mas me apaixonei pela Itália quando vim estudar aqui. Tudo nesse país me encantou de primeira!
— É como se a Itália roubasse para si o coração de quem pisa aqui. Foi assim comigo — completei.
— Exatamente! Aconteceu o mesmo comigo — Jean sorriu animado.
Nossas risadas foram diminuindo novamente, mas não sem antes deixar um sorriso estampado em nossos rostos.
— Então, com o que você trabalha? — perguntei sem pensar muito.
Um brilho surgiu em seus olhos, que vi que eram da mesma cor de seus cabelos.
— Relações internacionais — respondeu orgulhoso de si.
— Temos um internacionalista entre nós. — Levantei as sobrancelhas admirada. — O que você acha de mais emocionante nisso tudo?
Jean mudou o apoio do corpo para o outro pé enquanto pensava.
— Só uma? — Ele fez uma careta de indecisão e brincadeira.
— Apenas uma — insisti rindo.
Assentiu ele.
— Certo. Hmm... Acho que a oportunidade de conhecer várias culturas — decidiu. — É. É isso mesmo.
— Deve ser incrível. Imagino que você fale vários idiomas.
— Falo alguns, sim — respondeu um pouco envergonhado. — Agora é a sua vez de falar o que faz.
Cruzei meus braços.
— Sou gastróloga no mesmo restaurante que Giordana — respondi também orgulhosa de mim.
Jean levantou uma das sobrancelhas e eu já podia entender o que ele perguntaria a seguir.
— O que você acha de mais emocionante no seu trabalho? — Foi a vez dele de perguntar. Ele ergueu uma mão antes que eu respondesse. — E só vale uma coisa.
Balancei a cabeça lutando contra um sorriso.
— Você é vingativo, entendi. — Jean gargalhou do meu comentário, assim como eu. — O que mais gosto é o fato de poder transmitir amor para as pessoas através da comida. Ver a expressão delas de satisfação e deleite é surreal.
Jean aplaudiu, o que acabou chamando a atenção de algumas pessoas por perto.
— Sua resposta foi bem melhor do que a minha. — Ele levantou as mãos em rendição.
Fiz uma reverência de agradecimento como as de teatro.
— É sempre um prazer — devolvi a brincadeira.
Jean Claude e eu conversamos por um longo tempo, sequer notamos que as horas foram passando rapidamente. De algum modo, aquilo parecia natural, como se não precisássemos contornar assuntos ou barreiras. Era fácil conversar com ele e o fato de ele sempre falar algo engraçado tornava tudo ainda melhor.
Entretanto, fomos nos cansando de ficar em pé durante todo aquele momento.
— Topa ir para algum lugar, talvez comer alguma coisa? — sugeriu dando de ombros.
Cerrei os olhos em sua direção fazendo uma expressão de desconfiada.
— Ir para algum lugar com uma pessoa que acabei de conhecer? Não me parece muito seguro — caçoei.
Jean gargalhou novamente, como se para ele aquilo também fosse fácil.
— Eu também estou me arriscando aqui, ok? — rebateu ainda rindo. — Se quiser podemos chamar o pessoal.
— E enfrentar todas aquelas pessoas dançantes? — Disparei desanimada para aquilo. — Eu sugiro a barraquinha de cachorro-quente ali do outro lado da rua. — Apontei para o food truck atrás dele.
— Para mim está perfeito! — concordou inclinando a cabeça para me incentivar.
Pedimos dois cachorros-quentes grandes e bem recheados, depois nos sentamos à uma das mesinhas brancas de plástico dispostas por perto.
Meu estômago roncou quando a garçonete colocou nossos pedidos prontos sobre a mesa, fiquei feliz pela rua barulhenta encobrir o barulho.
— Espera — ele disparou. — Vamos brindar.
Ri confusa.
— Brindar pelo quê?
Ele deu de ombros novamente.
— Por estarmos felizes e vivendo nossa juventude? — Esperou por uma aprovação.
— Muito bem, um brinde à felicidade e à juventude!
Ambos fechamos os olhos e fizemos "Hmmm" ao darmos a primeira mordida nos nossos lanches.
— Eu casaria com esse cachorro-quente — disse ele cobrindo a boca com a mão.
— Eu tiraria férias e o levaria comigo para o Hawaii. — Balancei a cabeça.
— O casamento seria no Hawaii. — Ele fingiu indignação por eu escolher o mesmo lugar que ele escolheria. Mas logo outro sorriso brotou em seus lábios.
Nossos amigos nos encontraram horas depois, com as bochechas coradas, os cabelos bagunçados e cantando como loucos no meio da rua.
Eles fizeram brincadeiras sobre eu e Jean estarmos em um clima, mas rebatemos com outras brincadeiras e levamos numa boa. Francesca, que já estava de saída ofereceu carona para quem quisesse. Aceitei imediatamente por já estar exausta.
Filipo e Giordana preferiram ficar para comer algo e como apenas Jean estava sóbrio, ele se ofereceu para levá-los para casa quando quisessem.
Me despedi dos meus amigos e acenei para Jean. Porém, quando eu estava prestes a seguir Francesca para o carro de Giordana, ele tocou meu ombro levemente.
— Hãn... Eu só queria dizer que adorei te conhecer e conversar com você — disparou com as bochechas rosadas.
Não resisti e sorri.
— Eu também.
Minha amiga me deixou na porta da pensão e foi embora após se despedir. Meus pés latejavam e meu corpo praticamente imploravam por descanso.
A pensão estava silenciosa quando entrei e apenas a luz da cozinha estava acesa. Não me importei em tirar minha jaqueta jeans e me deixei cair no sofá confortável da sala de estar. Eu entendia o porquê de Martina passar horas ali assistindo televisão, porque era macio como nuvem.
Minha mente relembrava cada momento da noite. Especialmente quando conheci o rapaz de cabelos cor de nanquim chamado Jean.
Eu até sorriria feliz pelo passeio, mas um grito me fez rolar, cair no chão e gritar também.
— Per Dio, ragazza!* — Lorenzo exclamou levando a mão ao peito. Logo fiquei aflita por conta de seus problemas no coração. — Você me assustou! O que está fazendo aí feito um fantasma?
Eu ainda estava caída no chão entre o sofá e a mesinha de centro.
— A culpa não é minha, eu estava apenas descansando um pouco! — rebati franzindo as sobrancelhas. — E você também me assustou!
Lorenzo fez uma expressão emburrada enquanto comia algo de uma tigela.
— Por onde esteve? Não é muito seguro andar a noite e sozinha em um lugar do qual você não conhece tanto — disse um pouco baixo.
— Não que eu lhe deva qualquer satisfação, mas eu não estava sozinha, saí com os meus amigos — respondi enquanto tirava meus sapatos. — Além disso, como eu conheceria a cidade se não fosse andando por ela?
Ele me olhou rapidamente e voltou sua atenção para a tigela em suas mãos.
— Usando o Google Maps? — provocou ele.
Suspirando, fiz uma careta para ele e me levantei para subir para o meu quarto.
De alguma maneira eu me sentia leve. Sentia-me como uma pluma, e não como a bomba relógio que eu era.
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TRADUÇÃO DAS PALAVRAS COM ASTERISCO*
Mia - Minha
Ragazza - Menina, moça
Per Dio, ragazza - Por Deus, menina
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