A velha e o corvo
Na alvorada de um sítio isolado, onde o silêncio beijava as paredes, vivia uma senhora de nome Gertrudes. Seu cotidiano transcorria numa dança monótona, e afazeres intermináveis, com o único alívio vindo das memórias de seu falecido marido, cuja presença ainda ecoava pelos corredores vazios.
Um corvo, esperto e ardiloso, observava o vaivém de Gertrudes com olhos sagazes. O apetite voraz do pássaro escurecia suas penas e clareava sua mente, mas sua astúcia ia além da busca por migalhas. Consciente da fraqueza de Gertrudes pela presença do sobrenatural, o corvo engendrou um plano engenhoso para banquetear-se em sua ausência.
Ao percorrer as cercanias da casa, o corvo começou a imitar sons etéreos, reproduzindo sussurros que ecoavam como fantasmas. Lamentos melancólicos, passos furtivos e murmúrios sombrios enchiam o ar, desencadeando na mente de Gertrudes um calafrio de temor abissal.
O corvo, de olhos cintilantes, persistiu na encenação maquiavélica. Com maestria, imitou a voz do finado marido de Gertrudes, o qual conversava com ele todas as manhãs enquanto lhe dava miolos de pão, sussurrou palavras que remexiam o túmulo da saudade. A senhora, assombrada pelas vozes do além, enclausurou-se em seu quarto, incapaz de enfrentar os ecos do passado.
Enquanto Gertrudes, inquieta e apegada ao sobrenatural, distanciava-se da cozinha para rezar o terço, o corvo mergulhava vorazmente nas iguarias deixadas à mercê. O fruto de seu engenho rendia um festim ganancioso, uma dança de patas e bicos profanas sobre a mesa que outrora era respeitada como sagrada.
O corvo, ciente de sua vitória no banquete furtivo, deixava apenas vestígios de suas artimanhas. O tilintar dos talheres, as migalhas espalhadas e o eco distante de Gertrudes, perdida em seu medo sobrenatural, eram os vestígios de um triunfo ardiloso e cruel.
O corvo, após saciar seu apetite, alçava voo para longe, suas asas negras cortavam o céu matinal. Enquanto a senhora, por fim, emergia de seu refúgio, uma tristeza obscurecida pelo medo pairava no ar. A cozinha, outrora refúgio de memórias e aromas, tornara-se um palco de farsa e lamentos, com o corvo como protagonista de um espetáculo gastronômico que desafiava os limites entre o real e o imaginário.
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Este conto em breve estará disponível em aúdio gratuitamente no podcast Contos da Pel, YuoTube e Spotify.
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