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3. O Bosque Verde

 🌻 Capítulo 3 🌻

Onde a senhorita estava? — a mãe perguntou séria. Ela havia acabado de fazer o café, e sobre a mesa havia bolinhos, pães, biscoitos, leite, manteiga e frutas. Ana sentiu seu estômago roncar pedindo um pouco de tudo aquilo. Antes de responder à pergunta, ela enfiou um bolo de cenoura na boca.

Eu pui pocurá u Hermes — a menina disse, a boca cheia de bolo e cobertura de chocolate.

— Ana, não fale de boca cheia — pediu a mulher — E o gato estava bem aqui. Você vai pegar uma gripe ficando lá fora a essa hora.

Ela olhou para o sofá da sala, onde Hermes lambia uma das patinhas. Era como se ele tivesse acabado de acordar, ao julgar pela cara sonolenta dele.

— Lá fora não tá frio, mamãe — ela protestou. — E os pássaros estavam sem comida.

A mãe considerou o fato, e logo pareceu se esquecer do seu desespero de não ver a filha na cama ao acordar. Ana não pretendia contar à mãe sua incrível descoberta, e por duas razões: primeiro, havia chances de deixá-la de castigo por fugir de casa e, segundo, não iria acreditar no que Ana viu. Então, preferia guardar aquele segredo para si. Talvez ela estivesse realmente sonhando e estava prestes a acordar. A mãe abriria a porta, como todos os dias, e a chamaria para preparar o café-da-manhã. Mas aquilo não aconteceu.

✮✮✮

Durante todo aquele dia, Ana não conseguia parar de pensar no que havia visto pela manhã. Ela não sentia mais medo, e sim uma curiosidade latente diante da possibilidade de ver mais coisas naquele bosque. Era como se algo a atraísse para aquele lugar, cujo caminho ela desconhecia — mas sabia que estava lá, em alguma parte de seu belo jardim. A menina podia sentir aquelas árvores cobertas de musgos, os pássaros coloridos, o som do riacho passando pelas pedras escorregadias. No decorrer da tarde, ela ficou andando pelo jardim, brincando nas árvores, na grama e colhendo raízes e sementes para seu estoque de ingredientes para feitiços imaginários. Enquanto colhia algumas folhas debaixo de uma das árvores, ela percebeu a presença de um falcão sobre um dos galhos, observando-a com seus olhos ardilosos. Ana teve a impressão que aquela ave — que raramente era vista — estava ali há algum tempo. Para onde a menina ia, os olhos escuros do falcão a seguia; sem perdê-la de vista nem por um segundo.

Ana gostou daquela ave, tão grande e majestosa, e começou a sair de seu campo de visão — como uma brincadeira de esconde-esconde — para ver a reação dela, que voava para outros galhos para observá-la. A menina deu um pulo de susto quando o animal começou a gralhar — um croac croac insistente, que fez Ana querer tapar os ouvidos por um momento.

É a hora da caça, a frase ecoou na cabeça da menina. Ana teve certeza de que o falcão havia falado com ela. Para a criança, aquilo não era tão estranho como as pessoas achavam, pois vez ou outra se pegava conversando com árvores, flores e até mesmo seu gato, e Ana podia senti-los respondendo — não em palavras, mas através de sentimentos e pensamentos. Mas, dessa vez, a fala do falcão fora tão clara em sua mente que ela não teve dúvidas.

Ana ficou com medo de que o falcão matasse algum animalzinho indefeso na sua frente — quem sabe um dos pássaros que pousavam no comedouro — mas a majestosa ave não fez isso. O falcão gralhou novamente. O Sol, que já estava quase se pondo, distribuiu seus raios dourados pelo jardim e por entre os galhos da árvore na qual o falcão estava, iluminando-o.

Então, o pássaro voou e desapareceu, deixando a menina sozinha e pensativa. Já estava prestes a entrar em casa para comer o lanche da tarde — e os docinhos que haviam sobrado da festa — quando viu a mesma neblina começar a cobrir o tronco da árvore em que o falcão estava. Aos poucos, o nevoeiro foi se aproximando de Ana, cada vez mais denso e cada vez mais ágil. Dessa vez, ela não temeu. Os raios solares adentravam por entre as nuvens brancas que começavam a envolvê-la; e uma mistura de frio e calor adentrou pelo corpo da criança.

Ana não teve medo quando começou a caminhar em direção ao desconhecido, sem enxergar nada à sua frente. No entanto, dessa vez, ela seguiu o som longínquo de seu falcão; até que a névoa baixasse e ela pudesse ver as coisas ao redor novamente. Como era esperado, a menina estava novamente no bosque verde; exatamente o mesmo lugar que estivera quando percebeu que não estava mais em seu jardim. Ela esperava encontrar o falcão assim como Hermes estivera lá para guiá-la, mas o que encontrou foi um homem. Distante, ele vigiava Ana com os mesmos olhos do falcão — escuros, ágeis e inteligentes. Era alto e forte, muito elegante, e mesmo de longe ela conseguiu ver o arco e a flecha em suas mãos. Sua pele era tão escura quanto a de Ana, e seu rosto era muito bonito. O homem poderia muito bem atirar contra ela com aquele enorme arco e suas poderosas flechas, mas não foi isso que ele fez. As vestimentas verdes dele, apesar do peito nu, fazia com que os olhos de Ana ficassem confusos — era como se o homem fizesse parte daquelas árvores, das plantas e dos musgos; e tudo que havia ao redor.

O homem deu as costas para ela e, sem dizer uma palavra, fez com que Ana o seguisse. A mãe da menina sempre a alertava sobre desconhecidos, pois as pessoas não eram confiáveis e abusavam da inocência das crianças. Mas Ana não temia aquele homem; sentia-se protegida apesar de não conhecê-lo. Assim, ela o seguiu sem se aproximar muito, e por um momento teve o ímpeto de perguntar quem ele era e se vivia naquele bosque tão bonito. Entretanto, não perguntou nada, e o homem também nada disse.

Ele a levou para o lago-espelho, como era o desejo de Ana. A menina atravessou a mesma cortina de folhas, desviando-se de galhos e sentindo o chão mais úmido sob seus pés. O homem já estava dentro do lago — apenas os pés imersos — com a flecha encaixada no arco. As estrelas acima deles brilhavam ainda mais, e a água tremulava ao movimento do homem e do vento que começou a soprar de repente. Ele fixou seus olhos escuros nos de Ana, e ela esperou que ele finalmente dissesse algo. E então, pela primeira vez, falou:

— É a hora da caça, criança — e ergueu o arco para cima, em direção às estrelas, e disparou a flecha para o infinito. Ana observou-a desaparecer de vista, adentrando pelo céu índigo.

O vento soprou ainda mais, quase derrubando-a. Seu corpo foi levado adiante, em direção ao homem — que desaparecera assim como sua flecha — e adentrou o lago. Atestou novamente que não era nada mais que uma poça gigantesca, pois mal cobria seus calcanhares. Ana então começou a caminhar sobre as águas, sentindo-as fluir por seus dedos dos pés. O vento a guiava rumo a um lugar que a menina desconhecia. Ana deixou-se apenas ser levada, extasiada e curiosa para saber se havia algo do outro lado do lago — pois sabia que, apesar de o oceano também parecer infinito como o céu, sempre levava a algum lugar: Um continente, um país, uma ilha.

E fora exatamente para onde os ventos a levaram: a uma ilha.

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