Capítulo Trinta e Seis
Pietro Martins Reed:
Os dias passavam devagar, como se o tempo estivesse preso em um ciclo interminável de manhãs nubladas e noites longas. Embora eu tentasse me focar na minha recuperação, não podia ignorar o peso constante que parecia pressionar meu peito. Às vezes, era como se eu estivesse preso em um nevoeiro denso, onde cada pensamento e emoção se misturavam em um turbilhão de tristeza e confusão.
Por mais que eu quisesse seguir em frente, os sintomas que a médica havia alertado para o meu pai começaram a se manifestar, silenciosos, mas implacáveis. Era difícil admitir, mas a culpa e a angústia me cercavam, como sombras que não se dissipavam. A dor vinha em ondas: uma hora me pegava de surpresa com uma lembrança do que poderia ter sido, e em outra, me deixava preso em pensamentos autocríticos e autopunitivos.
Havia dias em que me sentia tão ansioso que parecia impossível sair da cama. A depressão, embora não fosse constante, pairava sobre mim como uma presença indesejada. A sensação de vazio e a falta de propósito eram sufocantes, e, por mais que Manoel, Layne e Hugo estivessem ao meu lado, havia momentos em que me sentia irremediavelmente só.
Os comportamentos autopunitivos começaram a surgir de maneiras sutis. Às vezes, eu me pegava evitando refeições ou comendo compulsivamente, como se estivesse tentando controlar de alguma forma a dor que sentia. Em outras, considerava a ideia de me afastar de todos, como se o isolamento fosse a única forma de proteger a mim mesmo e aos outros de minha tristeza.
Lembrava-me das palavras da médica sobre a síndrome pós-aborto: "alterações psicológicas que podem interferir diretamente na qualidade de vida". E era exatamente isso que estava acontecendo. Mesmo nos dias em que parecia estar melhorando, a sombra desses sintomas permanecia.
Apesar de tudo, havia momentos de clareza em que eu conseguia respirar um pouco mais fundo, enxergando pequenas faíscas de esperança. Eu me forçava a lembrar das palavras dos meus amigos e do apoio que eles continuavam a me oferecer. A recuperação era lenta, dolorosa, mas em algum lugar dentro de mim, eu sabia que, passo a passo, estava caminhando para fora dessa escuridão.
Mesmo que as cicatrizes emocionais fossem profundas e levassem tempo para se curar, havia uma parte de mim que não queria desistir. Eu ainda estava aprendendo a lidar com a perda, a conviver com o luto e a reconstruir meu mundo, pedaço por pedaço. E, por mais difícil que fosse, sabia que tinha pessoas ao meu lado que não me deixariam enfrentar isso sozinho.
Cada dia era uma pequena batalha, e embora algumas fossem perdidas, outras traziam pequenas vitórias – um sorriso, uma conversa sincera, uma caminhada ao ar livre. E, com o tempo, essas pequenas vitórias começaram a somar, me ajudando a lembrar que, mesmo nas fases mais escuras da vida, há sempre uma saída, mesmo que ela pareça distante.
Eu ainda estava no meio desse processo, mas sabia que, de alguma forma, encontraria um caminho para transformar essa dor em força e seguir em frente, mantendo em meu coração a lembrança do bebê que, apesar de ter partido tão cedo, deixou uma marca profunda na minha vida.
Virei a cabeça em direção à janela e observei uma forte rajada de vento empurrando a neve contra o vidro, criando padrões efêmeros e gelados que logo se desfaziam. Suspirei profundamente, sentindo o peso da solidão e da dor que ainda apertavam meu peito. Decidi que ficar na cama só me afundaria ainda mais, então me forcei a levantar. Caminhei lentamente até o banheiro, meus passos ecoando no silêncio do apartamento.
Comecei a tirar o pijama com movimentos automáticos e entrei debaixo do chuveiro. A água quente escorria sobre mim, fazendo meu cabelo grudar no rosto enquanto eu tentava me lavar, como se a água pudesse levar embora a sensação de vazio que me consumia por dentro. Passei o sabonete pelo corpo com lentidão, mas era como se nada pudesse realmente aliviar a tristeza profunda que ainda estava em meu coração.
Eu sabia que a dor ainda estaria comigo, mas também entendia que não poderia deixar que ela me definisse ou consumisse completamente quem eu sou. De alguma forma, teria que aprender a coexistir com essa dor, a aceitá-la como parte de mim, mas sem permitir que ela tomasse conta de toda a minha vida.
Desliguei o chuveiro e me enxuguei devagar. Voltei para o quarto, escolhendo um moletom confortável, algo que me abraçasse e me desse uma sensação de segurança. Quando cheguei à sala, uma ideia surgiu: talvez fosse hora de tentar trazer um pouco de leveza ao ambiente, tanto para mim quanto para Manoel, que, mesmo em silêncio, eu sabia que também estava sofrendo.
Nala, a nossa cachorrinha, veio correndo ao me ver. Desde que me mudei para o apartamento de Manoel, ela tem sido minha fiel companheira. Quando ele sai para o trabalho e eu fico sozinho, ela está sempre ao meu lado, seja lambendo meu rosto para tentar me animar ou simplesmente ficando perto, como se soubesse que sua presença já ajuda mais do que qualquer palavra.
— E aí, garota, que tal fazermos algo para animar o Manel? — perguntei, e ela inclinou a cabeça para o lado, como se estivesse realmente pensando na minha proposta, com a língua para fora e os olhos atentos.
Por mais que Manoel tente esconder, eu sei que ele também está machucado. Ele finge que está tudo bem para não me sobrecarregar ainda mais, mas já o ouvi chorando baixinho durante a noite, achando que eu estava dormindo. O peso da dor não é novidade para ele; ele já perdeu toda a sua família. Seus pais e seu irmão morreram em um acidente, e sua irmã sacrificou a própria vida para dar à luz o filho. Manoel é o último da família Ferrari, e, embora ele sempre tenha sido forte e resiliente, a tristeza nunca deixou de acompanhá-lo.
Ele nunca foi bom em expressar sua dor para os outros, mas, com o tempo, aprendi a ler nas pequenas coisas – no olhar distante, nos momentos em que ele se perde em pensamentos ou quando tenta ocupar a mente com qualquer coisa para não pensar. Mesmo sem dizer uma palavra, eu sei que ele está em luto, e não só pela perda recente.
Sorri levemente ao ter uma ideia. Talvez um gesto simples pudesse trazer um pouco de alegria de volta ao nosso lar. Caminhei até a cozinha, determinado a preparar algo especial, algo que pudesse trazer um pequeno alívio, mesmo que momentâneo, para nós dois. Não seria a solução para todos os nossos problemas, mas, naquele momento, qualquer lampejo de felicidade já seria um passo importante na direção certa.
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Manuel Ferrari:
Hoje é fim de semana, e a empresa está vazia. Só eu fiquei por aqui, atendendo ao pedido do meu chefe para analisar um documento. O silêncio no escritório, que normalmente seria desconfortável, acaba sendo um alívio. Focar nesse trabalho é a única coisa que parece me ajudar a esquecer, ainda que por um momento, tudo o que está acontecendo ao meu redor. Mas, ao mesmo tempo, minha mente insiste em voltar para Pietro, para o que perdemos e para a dor constante que sinto no peito, como se uma faca tivesse sido cravada e estivesse ali, girando sem parar.
Eu sempre imaginei como seria ter um filho com Pietro, construir uma família juntos. Agora, depois de tudo que aconteceu, me sinto inútil, incapaz de estar ao lado dele da maneira que deveria. Quero apoiá-lo, quero ser forte por ele, mas minha própria dor me paralisa. Cada vez que vejo Pietro adormecer com lágrimas no rosto, meu coração se parte. Espero ele dormir e, quando estou certo de que não pode me ver, choro em silêncio, sozinho, afogando-me no que não consigo dizer.
Nunca fui de expor meus sentimentos. Minha irmã era o oposto, sempre tão expressiva, cheia de sabedoria e coragem. Minha mãe era assim também – gentil e compreensiva, com uma força que nos guiava. Meu pai, por outro lado, guardava seus sentimentos para si, mas eu via nos pequenos gestos o quanto ele se importava. Talvez seja por isso que eu também tenha essa dificuldade em me abrir. É como se eu carregasse o legado da família, mantendo as dores e os medos presos dentro de mim.
Enquanto estou perdido nesses pensamentos, sou arrancado de volta à realidade pelo som inesperado da campainha. Respiro fundo, sacudo a cabeça para afastar a tristeza, e vou até a porta. Quando a abro, fico surpreso ao ver quem está ali.
— Oi, Manel! — Pietro sorri para mim com aquele brilho no olhar que, mesmo em meio à dor, ele ainda consegue encontrar. Ele segura uma pequena forma nas mãos, e o cheiro doce e reconfortante do que há dentro dela começa a preencher o ar.
Olho para ele, atordoado. Pietro tem estado tão mal nos últimos dias, ficando quase o tempo todo no apartamento, agarrado à Nala, a cachorrinha que virou nossa companheira inseparável. É raro vê-lo fora de casa ultimamente, então vê-lo aqui, de pé, tentando sorrir, me deixa sem palavras.
Pietro entra, dá alguns passos em minha direção e, com um gesto cuidadoso, abre a tampa da forma. Dentro, vejo um *Colomba di Pasqua*, o tradicional bolo italiano que ele sabe que eu adoro. Feito com farinha, ovos, açúcar, fermento natural e manteiga, coberto com amêndoas e açúcar, e assado na forma de uma pomba, símbolo de paz. É um doce que sempre traz memórias boas para mim, de tempos mais simples e felizes.
— Achei que você gostaria de comer o seu doce favorito — Pietro diz calmamente, mas sua voz carrega uma gentileza e uma vulnerabilidade que me atingem em cheio. — Quero que saiba que pode se abrir comigo, Manel. Eu sei que você tem chorado quando pensa que estou dormindo.
As palavras dele me desarmam. Mordo o lábio com força, tentando conter a onda de emoções que ameaça me afogar.
— Manel, nós somos um casal — ele continua, seu olhar firme no meu. — Mais do que isso, somos melhores amigos. Podemos sempre ajudar um ao outro com nossos problemas. Casais de verdade são aqueles que, além de namorados, são companheiros. Eles brincam, brigam, tiram sarro um do outro, mas se amam de um jeito tão sincero que ninguém poderia duvidar. Amor não é só beijos e abraços. Amor é cuidado, é carinho, e, acima de tudo, é amizade.
Sem conseguir segurar mais, dou um passo à frente e o abraço, ainda com a forma entre nós. É um abraço delicado, cheio de sentimentos que não precisam de palavras para serem compreendidos.
— Se você quiser — sussurro, com a voz embargada —, eu posso te contar tudo o que está aqui dentro do meu peito.
Ele sorri para mim, um sorriso doce que faz meu coração disparar de uma maneira reconfortante, e me puxa até o sofá.
— Me conta tudo que está te afligindo — ele diz, o tom de voz carregado de amor e compreensão.
Sento-me ao lado dele, sentindo uma mistura de alívio e medo. Sei que abrir meu coração não será fácil, mas o olhar dele me encoraja. Nesse momento, percebo que, por mais que esteja doendo, não estou sozinho. Tenho alguém ao meu lado que está disposto a dividir esse peso comigo, a carregar as tristezas e a encontrar juntos um caminho de volta à felicidade.
E é isso que o amor realmente é – estar lá, mesmo quando tudo parece perdido. Não importa o quão difícil seja, enquanto estivermos juntos, sempre haverá uma luz, mesmo que pequena, para nos guiar na escuridão.
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Gostaram?
Até a próxima 😘
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