Capítulo Trinta e Quatro
Pietro Martins Reed:
Os dias têm passado rapidamente, e ainda acho um pouco estranho saber que, de alguma forma, sou parente da Matilde. Layla tentou puxar conversa comigo, com aquela expressão de preocupação que ela sempre carrega, como se tivesse medo de que eu guardasse algum tipo de ressentimento. Expliquei que não tenho nada contra ela, afinal, mal nos conhecemos. No fim, sugeri que talvez fosse melhor focarmos em como nossa relação poderia se desenvolver daqui para frente, ao invés de nos prendermos ao que não entendemos.
O que realmente tem me tirado o sono é a insistência crescente de Trevor. É como se ele estivesse sempre à espreita, esperando o momento certo para se meter onde não deve. Eu já sabia que ele tinha interceptado secretamente várias das minhas conversas com o pessoal, mas, no fundo, a culpa é toda dele por ter cavado a própria cova com as burradas que cometeu. A verdade é que ele mesmo forçou a situação, fazendo com que todos ao redor começassem a tratá-lo com hostilidade. Bem, quase todos, já que Gabriel ainda o segue como um cachorrinho leal, sempre do seu lado, independentemente das besteiras que ele faz.
Hoje, estou fazendo umas compras com Matilde e Lucy. As duas estão tentando se manter o mais discretas possível, escondendo-se das pessoas ao redor e dos olhares curiosos dos fãs. Eu não posso deixar de notar o quanto esse esforço para passar despercebidas é exaustivo para elas.
No meio do caminho, acabei cruzando com alguns rostos conhecidos da faculdade. É engraçado como, apesar de toda a pressão e dos desafios, agora que me formei, finalmente sinto que posso respirar um pouco mais aliviado. Não há mais aquele peso constante de prazos, provas e trabalhos. Pelo menos, não por enquanto. É um alívio, mas também um novo começo – um espaço vazio que eu ainda preciso descobrir como preencher.
Enquanto caminhávamos pelas prateleiras do mercado, Matilde e Lucy continuavam a conversar em sussurros, trocando risadas contidas e olhares furtivos para se certificar de que ninguém estivesse prestando muita atenção. Eu estava ali fisicamente, mas minha mente vagava. Pensava em como o futuro seria incerto agora que a faculdade havia acabado. Todos dizem que, depois de se formar, é quando a vida realmente começa, mas eu não conseguia evitar a sensação de vazio. Era como se o término dessa fase tivesse deixado um buraco, e eu ainda não soubesse como preencher isso.
De repente, Lucy me puxou pelo braço, tirando-me dos meus devaneios.
— Ei, terra chamando! O que acha desse aqui? — ela perguntou, segurando um pacote de café gourmet com um sorriso travesso. — Vai precisar de energia pra enfrentar o que vier pela frente, não acha?
Sorri de volta, mas antes que pudesse responder, vi de relance um grupo de pessoas que reconheci da faculdade. Eles estavam rindo, conversando sobre planos de viagem, carreiras promissoras e os próximos passos nas vidas deles. Era um alívio saber que aquela fase já tinha ficado para trás para mim, mas ao mesmo tempo, uma pontada de incerteza se misturava à tranquilidade que eu buscava.
Matilde, sempre perceptiva, percebeu meu olhar distante.
— Tudo bem? — ela perguntou, com a voz suave, mas com um toque de preocupação. Era impressionante como, mesmo com toda sua personalidade forte e presença marcante, ela conseguia ser gentil e atenciosa quando necessário.
— Sim, só estava pensando em como é estranho não ter mais que me preocupar com a faculdade ou com os trabalhos — respondi, tentando afastar o desconforto. — Mas é uma sensação agridoce. Não sei exatamente qual será o próximo passo.
Lucy trocou um olhar rápido com Matilde antes de se aproximar de mim.
— Entendo o que quer dizer. Acho que todos nós ficamos meio perdidos quando um ciclo se fecha e outro está prestes a começar, mas o importante é não se deixar afogar pela incerteza. Você sempre foi bom em se adaptar.
Antes que a conversa ficasse muito pesada, Matilde, sempre prática, mudou de assunto.
— Falando em próximo passo, que tal decidirmos o que vamos comer hoje? Já que você está se formando e todo mundo vai ficar te perguntando 'e agora?', podemos começar respondendo com uma boa refeição.
Todos riram, e aquela leveza me ajudou a afastar o clima pesado dos pensamentos anteriores. Enquanto continuávamos as compras, percebi que, por mais que o futuro seja uma incógnita, ainda havia pequenas coisas, como momentos descontraídos com amigos, que davam cor ao caminho que ainda estou descobrindo.
Mas a inquietação voltou a me rondar assim que saímos do mercado. Eu sabia que Trevor não deixaria as coisas assim, em silêncio. Ele tinha um talento especial para aparecer nos piores momentos, e eu podia sentir que ele estava tramando algo. Lucy e Matilde, tentando me distrair, começaram a planejar como seria a "noite de comemoração", e eu me forcei a entrar no clima, mesmo que a sombra de Trevor ainda estivesse pairando na minha mente.
O dia estava ensolarado, mas dentro de mim, algo me dizia que a calmaria não duraria muito. Ao menos, por agora, decidi aproveitar o momento e me deixar levar pelas vozes das duas, pelo riso e pelo cheiro de café recém-comprado. Afinal, a vida se revela nesses pequenos instantes, mesmo quando o futuro ainda é um mistério.
— Aquele é o Gabriel? Por que ele está desse jeito? — ouvi Hugo perguntar, a voz dele carregada de preocupação. Segui seu olhar e me deparei com uma cena que fez meu estômago revirar.
— Ele está acabado... — Layne murmurou, os olhos fixos no irmão enquanto seus punhos se cerravam de raiva. — Tenho até pena dele. Da última vez que o vi, ele estava bem. — A voz dela tremeu antes de se tornar um sussurro afiado: — Eu vou matar o Trevor.
Gabriel estava com um olho roxo, a bochecha inchada e, para minha surpresa, usava gesso no braço. E ali, à frente dele, estava Trevor, sorrindo com aquele ar de superioridade, o olhar cravado em mim, como se estivesse se divertindo com o meu desconforto.
As pessoas ao redor, clientes e funcionários, lançavam olhares curiosos e chocados na direção de Gabriel. Meu coração apertou ao ver como todos o julgavam com o olhar, mas era o sorriso de Trevor que realmente me incomodava.
— Trevor quer que todos saibam o quanto ele humilha e machuca Gabriel, e o pior é que Gabriel ainda continua correndo atrás dele — Lucy comentou com uma expressão amarga, me puxando para mais perto. — Vamos sair daqui. Eu perdi completamente o ânimo para comprar qualquer coisa agora.
Matilde, percebendo a raiva fervente de Layne, segurou-a antes que ela fizesse algo precipitado.
— Me deixa socar esse idiota! — Layne exclamou, lutando contra nosso aperto, mas balancei a cabeça em negativa, tentando acalmá-la.
Ela se desvencilhou e, antes que pudéssemos detê-la, marchou até Trevor e o agarrou pela gola da camisa, sacudindo-o com violência.
— O que você fez com o meu irmão? — Ela gritou na cara dele, mas Trevor permaneceu inexpressivo, como se nada daquilo importasse. Layne se virou para Gabriel, que parecia encolhido em si mesmo, fugindo de qualquer contato visual. — Gabriel, por que você ainda está apaixonado por esse cara? Vocês estão até morando juntos, mas olha para o seu estado! Acorda antes que seja tarde demais para sair dessa relação tóxica!
Gabriel tentou justificar, a voz frágil e cheia de incerteza. — Não foi ele... Eu só caí da escada na casa dele. Não temos uma relação tóxica.
— Isso é totalmente mentira, Gabriel. As três perguntas que a Layne te fez são respostas afirmativas. Ela é sua irmã e te conhece bem demais para acreditar nessas desculpas — Matilde interveio, sua voz calma, mas cortante. — Relações saudáveis não te deixam assim, machucado e perdido.
Hugo, normalmente o mais reservado do grupo, deu um passo à frente e soltou as palavras que pareciam ecoar os sentimentos de todos nós:
— Gabriel, o amor não é sofrimento. O amor deve te elevar, fazer com que você se sinta bem consigo mesmo, te ajudar a ser quem você realmente é. Não vale a pena lutar por um amor que só te faz cair. Não confunda amor com dependência; amar deve ser leve e deve respeitar quem você é como indivíduo.
Layne, agora com os olhos marejados, soltou Trevor e voltou sua atenção para o irmão.
— Maninho, você ainda pode se salvar. No começo vai doer, mas, com o tempo, você vai perceber que foi a melhor decisão se livrar dessa relação tóxica. Ninguém merece ser tratado como um objeto, como um animal sem valor.
Em resposta, Trevor empurrou Layne para longe e, sem qualquer pudor, agarrou Gabriel, beijando-o com uma ferocidade possessiva que só me causou nojo.
— Gabriel é apenas um substituto, um escudo para as verdadeiras intenções doentias de Trevor — Lucy sussurrou para mim, com os olhos apertados em ódio. E, tristemente, eu sabia que ela estava certa. — Ele está usando o afeto do Gabriel para mantê-lo preso, enquanto manipula tudo ao redor.
Hugo pegou minha mão, e saímos da loja, mas a preocupação e o medo por Gabriel ficaram gravados em meu peito. Eu sabia que ele estava sofrendo, mas me sentia impotente. Era como assistir alguém se afogar e não conseguir estender a mão para puxá-lo de volta.
Estava tão imerso nesses pensamentos que quase pulei de susto quando o telefone de Matilde começou a tocar. Ela atendeu, e o tom sério que adotou me fez prestar atenção.
— Alô, Matilde Giordano falando. — Ela fez uma pausa, escutando do outro lado da linha. — Sim, originalmente estava marcado para a gravação na quarta-feira passada, mas houve um atraso... Entendo, vocês querem saber se posso ir agora e também se estarei disponível para a gravação desta quarta? — Ela olhou para nós, avaliando a situação, enquanto esperávamos sua decisão.
— Pode ir, não precisa se preocupar conosco — Layne disse, tentando forçar um sorriso. — Vai, amiga, faz o que você ama.
Matilde hesitou por um segundo, mas o brilho em seus olhos denunciava o quanto a música a fazia feliz.
— Ok, confirmo a participação. — Ela sorriu ao telefone, quase saltitando de animação. — Eu vou começar a compor novas músicas e preparar algo especial para o programa ao vivo.
Depois de desligar, Matilde se virou para nós com um sorriso largo. — Gente, eu preciso ir ao estúdio! Vou ver vocês depois. — Ela beijou Layne na bochecha e disse em tom carinhoso: — Seu irmão vai perceber a verdade. Às vezes, a gente precisa perder para entender o que realmente importa.
Enquanto Matilde partia, mergulhada em seus próprios pensamentos, eu abracei Layne, que parecia tão frágil que quase senti meu coração se partir.
— Pietro, eu acho que vou desistir do meu irmão... — Ela sussurrou, a voz carregada de tristeza e cansaço.
Me afastei e voltei para dentro da loja. Lá estavam Gabriel e Trevor, ainda no mesmo lugar. A raiva queimou em meu peito como uma fogueira incontrolável, e antes que pudesse pensar, puxei Gabriel com força, forçando-o a me encarar.
— Gabriel, acorda! Olha o que você está fazendo com a sua irmã, que sempre esteve ao seu lado, por causa de um idiota que só está te usando! — Eu praticamente gritei, tremendo de raiva. — Acorda pra vida! O Trevor não é o único homem no mundo. Seja feliz por você mesmo!
Os olhos de Gabriel brilharam com lágrimas, e ele começou a chorar, cada soluço carregado de dor.
— Eu... eu quero... a minha irmã... — Ele disse entre soluços, desesperado. — Pietro, eu quero a Layne...
Ele me abraçou com força, e nesse instante, uma dor intensa atravessou meu abdômen, como se alguém tivesse me acertado um soco. Cai de joelhos, abraçando meu próprio corpo enquanto a dor me rasgava por dentro.
— Pietro! — Ouvi alguém gritar em alarme, mas a voz foi ficando cada vez mais distante.
Tudo escureceu.
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Gostaram?
Até a próxima 😘
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