Prólogo
O primeiro pensamento que me ocorria é de que estava cega.
Abri e fechei meus olhos, tentando desesperadamente ver alguma coisa. Assim que me acostumei pude notar que não eram meus olhos que tinham falhado, eu estava perdida no meio da escuridão, como se tivesse sido engolida por um buraco negro.
Olhei em volta, mas tudo era apenas preto, eu nem sabia onde estava pisando. Hesitei dando um passo a frente e como num flash a luz se ascendeu finalmente revelando onde eu estava... Onde quer que fosse.
Pisquei varias vezes até acostumar meus olhos, era como acordar depois de um longo tempo dormindo. Dei mais um passo a frente e quase cai quando meu pé enroscou na barra do meu vestido... De onde aquele vestido tinha surgido?
Olhei para baixo me avaliando, o vestido era negro como a noite e se moldava muito bem ao meu corpo, brilhava como se nele tivesse diversas pequenas estrelas. Meus cabelos caiam soltos por meus ombros deixando minha pele ainda mais clara a luz da lua, meus pés estavam descalços e sujos de lama, no entanto não havia uma única sujeira no vestido.
Olhei para o céu, estava forrado de estrelas e havia uma enorme lua cheia, a luz que emanava delas não era normal, a noite mais clara que eu já tinha visto na vida. Julgando a esquisitice de tudo até agora uma noite clara demais era o menor dos meus problemas, pelo menos agora eu podia ver. Franzi a testa confusa e ergui o olhar para ver melhor onde estava, congelei imediatamente com a visão que tive.
O que eu via era uma cena de filme de terror misturado a campo de guerra. A lua iluminava todo o espaço do que antes poderia ter sido um cemitério, mas agora não passava de pilhas de escombros e chamas.
Lapides e mausoléus estavam em ruinas, poucos ainda inteiros, flores espalhadas por todos os lados e até mesmo a grama estava destroçada. Vermelho era uma cor bem vista ali, havia marcas por todos os lados e enormes poças no chão. Olhei para meus pés novamente e notei que não era lama e sim sangue, eu estava parada encima de uma enorme poça. Meu estômago se contraiu enquanto eu olhava envolta aturdida e me afastava as pressas de onde estava.
O pouco nevoeiro que restava se misturava a fumaça que vinha da floresta não muito longe, varias árvores ainda estavam em chamas, algumas caídas como se tivessem sido arrancadas ou quebradas, mas a maioria não passava de pilhas de cinzas.
Agora eu finalmente tinha todo o cenário completo e o pior não era ver a destruição, era sentir o cheiro... O cheiro da morte. Eu podia ver a brutalidade, sentir o forte odor de sangue fresco misturado a fumaça e terra.
Um vento forte e repentino varreu o cemitério, mas na mesma velocidade que veio ele se foi. Então eu percebi, por todo o lugar não havia um único ruído que não fosse o da minha respiração, mais assustador que isso foi o fato que ainda não tinha notado, eu estava completamente sozinha. Um calafrio horroroso subiu por minha espinha e pude sentir as primeiras ondas de pânico tomarem conta de mim.
Não havia sinal de vida em lugar algum, esperava ver pelo menos corpos levando em consideração o estado do lugar, mas não havia nada, exceto a destruição obviamente causada por uma batalha o local estava limpo, como se todos tivessem desaparecido. Não notei que estava andando até escorregar novamente, mesmo não entendo o porquê, eu sentia que devia procurar alguém, embora não soubesse quem. O pânico que eu já estava sentindo apenas piorou com essa descoberta, a última coisa que eu queria era esbarrar em quem quer que tenha causado aquilo.
Mesmo olhando em volta eu não conseguia saber onde estava e muito menos para onde estava indo, mas meus pés insistiam em continuar como se soubessem exatamente para que lado seguir.
Como se conhecesse o lugar.
Dei mais alguns passos e senti o chão tremer sob meus pés, conforme eu avançava o tremor ia ficando mais forte, levando o resto dos escombros ao chão. Era como estar no meio de um terremoto, mas mesmo assim não senti necessidade de me segurar em alguma coisa ou me esconder, no entanto meus olhos procuravam qualquer apoio ou abrigo que fosse. Mas não foi com isso que eles se depararam.
Não muito longe de mim uma fenda se abria no chão, a terra ia aos poucos se afastando como se estivesse sendo empurrada, se abrindo como um portal. O mais curioso era que todas as poças de sangue ao redor da fenda estavam sendo sugadas para ela, como um rio que segue seu curso. Assim que o sangue secou o tremor parou, tudo ficou calmo por apenas um segundo até que eu visse. Devagar e de um jeito impressionante alguém saia de lá, eu não sabia como, mas pude vê-lo subir cada vez mais até estar a um metro do chão. Não pude evitar meus olhos de se arregalaram e meu queixo cair, eu não acreditava no que estava vendo.
Suas asas eram grandes, brancas e majestosas, estavam curvadas atrás de si e tinham um brilho tão extraordinário que era quase impossível não olhar para elas, não notar o poder e a imponência que elas exalavam. Seu corpo era o que se esperava de um guerreiro, firme e musculoso. Vestia-se com uma armadura prateada e todos os demais adereços de um uniforme de guerra, o capacete tampava parte de seu rosto, tornando difícil reconhece-lo, não que eu visse muitos como ele. A única coisa visível em seu rosto eram seus olhos, mas de onde eu estava não dava para ver muita coisa.
Havia um brasão estranho em seu peito que não dava para identificar, era como se a imagem saísse do foco toda vez que eu me concentrava. Ele encarava o chão e todo seu corpo estava coberto por sangue, acho que isso explica o cenário a nossa volta, mas não o porquê de tudo estar tão silencioso e vazio.
Em sua mão estava uma fabulosa espada, a prata mais cintilante que eu já tinha visto na vida, como se fosse feita de luz, era a única coisa que estava limpa e isso me deixou confusa, ainda mais. Mas a confusão se foi rapidamente assim que ele apontou aquela linda arma para mim, prendendo totalmente minha atenção.
Fiquei encarando a espada por um tempo até minha mente voltar a funcionar, ninguém podia me culpar por ter travado, eu tinha a droga do anjo da morte na minha frente. Dei um passo hesitante em sua direção, eu não sabia por que ia de encontro àquela criatura alada e misteriosa, mas algo nele me atraia, um instinto, uma força que me induzia a continuar em frente. Mesmo confusa e assustada, mesmo com aquela espada apontada para mim, notei que não sentia medo dele, pelo contrario, eu sentia que ele poderia responder minhas perguntas. Isso ou ele acabaria comigo antes que eu piscasse.
-Quem é você? - perguntei com a voz mais firme do que eu esperava.
Ele permaneceu em silêncio e minha calma aparente começou a ir embora.
-Quem é você? - perguntei novamente ficando irritada.
Seus lábios se curvaram em um sorriso de dentes brancos e perfeitos, aquilo não ajudou a aplacar meu animo, toda aquela loucura estava me deixando cansada e nervosa. De um jeito estranho era como se tivesse algo nele que mexesse comigo, algo que me deixava inquieta. Fechei meus olhos por um momento e respirei fundo, eu precisava ficar calma.
-Não sabe o que sou? - perguntou me despertando.
Sua voz era suave e melodiosa, mas ao mesmo tempo intensa e feroz. O som ecoou pelas árvores e até mesmo pelos meus ossos, me fazendo vibrar. Dava para sentir o poder através de suas palavras. Respirei fundo e me controlei.
-Sei que você é um anjo, isso é obvio. Perguntei quem você é!
Ele sorriu novamente.
-Deveria saber, Safira.
Um arrepio horrível percorreu todo o meu corpo, respirei fundo novamente e deixei as duvidas fluírem, era o melhor que eu tinha a fazer agora que ele estava falando.
-Como sabe meu nome?
-Sei tudo sobre você, Safira!
Meu corpo estremeceu pra valer, quem diabos era ele e o que estava fazendo ali? Mais importante que isso, como ele me conhecia?
Fechei meus olhos e chacoalhei a cabeça, minha calma e instinto tinham ido para o espaço.
-Como? - minha voz saiu tão baixa que nem sabia se ele tinha ouvido.
-Sempre estive perto e você sempre soube disso. Não vai me dizer que não reconhece mais a minha presença?
Milhões de coisas se passaram por minha cabeça até meu cérebro estalar, eu sempre soube mesmo que algumas vezes parecesse loucura. Não podia ser, aquela sensação que eu sempre tinha de que alguém estava me observando, então era real, eu não estava apenas imaginando.
A floresta tremeu com um estrondo não muito longe me fazendo lembrar onde estava, ele não pareceu notar nada, assim como o ambiente ao nosso redor parecia não afeta-lo. Não que eu esperasse diferente, afinal, pelo seu visual locais como aquele deveriam ser frequentes para ele.
-Qual o seu nome? - perguntei.
Ele apenas chacoalhou a cabeça, acho que não ia conseguir muitas respostas com ele.
-Você é tipo o que, meu anjo da guarda?
Ele sorriu.
-Acho que pode se dizer assim.
Legal, pelo menos respondeu alguma coisa. Um anjo da guarda vestido daquele jeito? Não que eu fosse daquelas pessoas que imaginam anjos com roupas brancas, auréola, sentados nas nuvens tocando harpas, mas não podia imaginar o que era tão grave para alguém como ele me proteger.
-Por quê?
Eu não me achava importante o suficiente para ter um anjo da guarda, até onde sei dar bons conselhos, ajudar no que pudesse meus amigos e família era o máximo da minha bondade.
-Por que você é especial, Safira, não sabe o quanto ainda, mais é. Eu estou sempre te rondando e observando, só o fato de saber da minha presença mostra seu potencial. Quando eu estava longe você me chamava, falava que não queria ficar sozinha, eu ouvi você.
Fechei meus olhos novamente e respirei fundo, minha cabeça estava girando, era loucura demais para mim. Eu estava tão confusa que nem sabia quais perguntas fazer, nada ali tinha sentido. Um sentimento começou a ganhar força dentro de mim, a raiva. Eu não tinha ideia de onde ela surgiu, mas era algo bem vindo, eu já estava cansada de toda aquela bobagem, frustrada por suas repostas não me trazerem esclarecimento nenhum.
Esse sentimento apenas aumentou minha coragem, o que eu não sei se era bom, meu amigo alado não tinha cara de quem gosta de ser desafiado, mas dane-se. Eu estava sem armas e não havia sinal de alguém para ajudar, mesmo que corresse duvido que fosse muito longe. Então fiz o que fazia de melhor, vesti minha mascara de calma e endireitei minha postura.
-Para de me enrolar e me fale logo quem você é!
Seu sorriso desapareceu e com um rápido movimento ele estava a menos de meio metro de mim, foi como um borrão e uma lufada de vento, nem mesmo vi ele se mover.
-Ainda não esta pronta para saber.
-O que aconteceu aqui? Onde esta todo mundo? Por que esta tudo destruído?
Ele soltou um ruído estranho e apavorante, um som horrível e grutal que reverberou pelos meus ossos.
-A guerra, o deslanche do futuro, isso é tudo que você tem que saber agora. Você ainda não esta pronta.
-Pronta pra que?! - gritei ainda mais frustrada.
A sombra de um sorriso cruzou seu rosto, era como se ele gostasse do meu temperamento. Ele repetiu aquele som novamente, só que agora parecia mais um assobio, fazendo o ar e a paisagem vibrarem e se tornarem meio distorcidos. Olhei a minha volta, tudo tinha mudado radicalmente como se aquele cenário de guerra nunca tivesse existido.
O ar era mais quente, o céu de um azul deslumbrante, o vento mais calmo e tudo tinha cheiro de ar puro. As árvores de um verde mais vibrante e eu podia sentir um leve aroma de pinhos, a grama baixa fazia cocegas nos meus pés, aquele lugar me era familiar, nem de longe parecia aquele cemitério desolado e destruído onde estive. Sorri assim que confirmei o que já sabia, conheceria aquele lugar sem precisar pensar duas vezes, agora eu estava em casa... Estava em Hareton.
Olhei para mim mesma totalmente encantada, não só a paisagem havia mudado como também minhas roupas. O vestido foi substituído por shorts jeans e uma blusinha leve, algo que combinava bem com o clima. Fechei meus olhos por um instante e respirei aquele ar maravilhoso, deixando que os raios de sol dessem vida ao meu corpo novamente, eu podia sentir o calor entrando por meus poros e me enchendo de energia, algo que eu não sentia há muito tempo.
-Safira, para de enrolar e vem logo para cá! - gritou Marisol.
Era impossível não reconhecer a voz doce e impaciente da minha melhor amiga. Seguindo o som da sua voz corri pelas poucas árvores que estavam a minha volta e cheguei até uma clareira. Era um lugar lindo que eu conhecia muito bem, o sitio do meu avô, era a mesma cachoeira onde eu costumava brincar quando era criança, meu lugar favorito.
Sorri com a visão diante de mim, eu poderia olhar aquela cena para sempre. Tudo na clareira estava bem distribuído, havia três mesas de piquenique com grandes bancos, uma churrasqueira e uma mesinha do lado, um almoço delicioso sendo servido e pavimentando o cenário estavam minha família e alguns dos meus amigos mais queridos, todos sentados e remexendo na comida. Eles riam e conversavam parecendo estar se divertindo muito, o que eu não via há algum tempo. Fiquei parada apenas observando até minha mãe se virar para mim e sorrir.
-Venha logo para cá, filha. Por que esta demorando tanto? - perguntou.
O anjo misterioso parou ao meu lado, olhei com esforço para seu rosto já que a cena a minha frente era meu único foco. Minha visão distorcia seu rosto, era como um borrão, exceto por seus olhos, eles era de um lindo e cintilante violeta, estavam furiosos e prontos para a luta. Era como se esperassem uma batalha a qualquer momento. Além da beleza e ferocidade, a frieza neles era assombrosa, não transmitia nada, impenetráveis como uma armadura.
-Esta na hora de parar de fugir!
Não tive tempo de fazer perguntas, mas em algum lugar eu já sabia sobre o que ele estava falando. Ele rodopiou, parou na minha frente até meus olhos estarem fixos nos seus e fincou a espada no chão a centímetros dos meus pés. Senti meu coração bater mais rápido e minha respiração travar, será que ele mudou de ideia e agora vai me matar? As perguntas giravam sem sentido na minha cabeça, não que eu conseguisse me acalmar, a espada ainda vibrava a centímetros dos meus dedos.
-Hora de voltar para casa, hora de seguir em frente e aceitar o que esta por vir. - sussurrou numa voz profunda - O mundo não é como você pensa ser, abra seus olhos!
Seus dedos tocaram minha testa e assim que nossas peles entraram em contato eu ofeguei de dor. Era como se ele queimasse, logo a sensação de dor e calor intenso percorria todo o meu corpo.
-Hora de acordar para a verdadeira realidade, Safira!
A visão de chamas me consumindo engoliu a imagem das pessoas a minha frente e me jogou em um lugar muito claro, levando tudo, inclusive ele, para longe de mim.
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