Capítulo 49
Eu não proferi uma única palavra o caminho todo de volta a cidade e as meninas não insistiram em conversas. Eu só queria minha casa, a minha família e esquecer que quase todo o meu final de semana tinha acontecido, queria ocupar minha mente com qualquer coisa que não fosse Noah ou a garota coberta de sangue. Marisol e Alexandra não viram a minha situação depois que peguei meu caderno e vi aqueles desenhos, foi Pietro quem entrou no meu quarto me procurando preocupado, que me encontrou sentada no chão chorando e os restos do meu caderno de desenho espalhados por todos os lados. Foi ele quem, ao invés de me perguntar o que estava acontecendo, pegou todos aqueles papeis e os jogou no lixo, que terminou de guardar minhas coisas e arrumar minhas malas, foi ele quem sem dizer uma única palavra, apenas se sentou no chão ao meu lado e me deixou chorar toda a avalanche de emoções que eu vinha sofrendo desde que tinha chegado. Ele não disse nada, apenas ficou lá, me dando toda a privacidade do mundo e ainda assim não me deixando sozinha.
Quando me recompus eu perguntei a ele porque não tinha me perguntado nada e ele apenas sorriu, acariciou meu rosto com a ponta dos dedos e deu um suave beijo na minha testa antes de se levantar.
-Porque as vezes, meu anjo, a coisa que você mais precisa não é falar, mas sim ter apenas alguém ao seu lado que entenda as suas lágrimas sem precisar de explicação. - falou me olhando de cima e me estendeu a mão para me ajudar a levantar. - Porque as vezes, você só precisa saber que alguém se importa.
As meninas tinham me encontrado quinze minutos depois disso, já recomposta e pronta para ir embora o mais rápido que eu pudesse. Agora eu estava aqui, finalmente parada na frente de casa, mas ao invés de estar feliz eu só me perguntei quando esse pesadelo teria fim quando vi o delegado encostado em seu carro que estava parado na calçada. Independente do que ele estivesse fazendo ali, eu sabia que não podia ser sobre nada bom.
-O que ele está fazendo aqui? - perguntou Marisol olhando de olhos semicerrados para o delegado.
-Talvez queira fazer mais algumas perguntas sobre o caso. - falou Alexandra.
-Mais algumas perguntas? - falou Marisol com irritação. - Faltaram perguntar o número que ela calça e quantas vezes vai ao banheiro. Não vejo porque ela tem que passar por tudo isso.
Suspirei, já cansada de tudo aquilo.
-Seja o que for vamos acabar logo com isso. - falei já descendo do carro.
Assim que pisei na rua não contive um olhar atravessado para minha casa, sentindo um arrepio horrível na espinha. Meu coração começou a bater muito lentamente, os sons se tornando abafados e altos em meus ouvidos. Agora que eu parava para pensar, não havia motivos para um delegado estar parado esperando ao lado de fora da minha casa a não ser... Deus, por favor, eles não. Eu tinha falado com meu irmão pouco antes de sair do rancho, mas não pude evitar o medo que senti da possibilidade de alguma coisa ruim ter acontecido com minha família. Respirei fundo, tentei controlar minhas mãos que começaram a tremer e andei na direção do delegado.
-Delegado Dantas, o que faz por aqui? - perguntei indo direto ao ponto e sem perder tempo com cumprimentos. - Já falei sobre tudo que eu sabia para os policiais que foram no rancho.
-Não é por isso que vim aqui, Srta.Delacur. - falou com a formalidade de sempre.
Olhei para minha casa novamente com o coração apertado e Dantas seguiu meu olhar, parecendo entender minha apreensão.
-Não, não, sua família está bem. Não aconteceu nada a eles. - falou apressadamente com um olhar de desculpas, - Vim por outro motivo.
-Ora, então fale de uma vez ao invés de ficar enrolando! - falou Marisol de modo insolente.
Eu geralmente a repreenderia por uma atitude como essa, porque sabia que isso poderia continuar como uma discussão e não estava disposta a ver minha amiga na cadeia, mas hoje ela estava apenas dando voz aos meus pensamentos. O delegado soltou uma longa respiração e me encarou com uma expressão séria.
-Quando foi a última vez que você viu Evan Malloy? - perguntou.
Franzi a testa em confusão.
-O Evan? Já faz mais ou menos quase uma semana. - falei. - Ele veio na casa dos pais da Tamy e depois passou aqui em casa. Mas porque? Aconteceu alguma coisa?
Sua expressão era impenetrável, mas mesmo assim, antes que ele pudesse dizer qualquer coisa eu já sabia a sua resposta.
-Porque Evan Malloy está desaparecido a cinco dias. - explicou. - E você pode ter sido uma das últimas pessoas a vê-lo.
*******
No passado eu acreditava em coincidências, acreditava que coisas semelhantes pudessem acontecer sem uma explicação exata para elas, mas nas atuais circunstâncias eu não acreditava mais nisso. Duas garotas estavam mortas e três garotos desaparecidos. Todos eles sem que suas mortes ou desaparecimentos tivessem uma explicação. E uma dessas garotas era minha amiga, dois desses garotos eu tinha sido provavelmente a última pessoa a vê-los e isso com toda certeza não era uma coincidência, estava começando a se tornar um padrão.
"Todos eles vão ser meus".
Essas palavras não tinham saído da minha cabeça desde o dia que as vi no meu caderno e, olhando agora com a cabeça mais fria e por mais louca que fosse a possibilidade, embora muitas coisas na minha vida estivessem começando a ter explicações loucas, eu estava começando a pensar que talvez meus sonhos fossem realmente uma espécie de aviso ou coisa assim. Fazia uma semana que tínhamos voltado do rancho e houve dias bons nela, com momentos maravilhosos e inesquecíveis que me fizeram esquecer um pouco as coisas, mas como um terrível lembrete, alguns pesadelos voltavam para me assombrar. Eu falava com Megan quase todos os dias, basicamente tínhamos nos tornado amigas e ela tentava me manter informada, mas não havia muitas notícias para dar, todos ainda estavam sem respostas. Parecia que tudo que tínhamos era uma grande nuvem de fumaça.
Eu ainda me lembrava da conversa que tive com o delegado no dia que cheguei, e da culpa que senti quando ele disse do desaparecimento de Evan, culpa por deixa-lo sozinho depois de dizer que estava com medo e talvez sendo até mesmo seguido. Eu me sentia sufocada e talvez até um pouco louca.
"-Sei que senhorita passou por muita coisa nesse final de semana, coisas que ninguém da sua idade deveria passar e sinto muito por isso, ainda mais por fazê-la passar por isso de novo, mas...
-Você precisa me fazer algumas perguntas. - completei assentindo. - É o procedimento, eu entendo. Qualquer coisa que ajude a encontra-lo.
Ele assentiu e ao contrário da maioria dos policiais com quem eu tinha lidado nas últimas vinte quatro horas, ele me olhou de forma gentil e caminhou comigo até a varanda de casa. Como não havia cadeiras, coisa que ele percebeu quando chegamos lá, ele apontou para que sentássemos nos pequenos degraus. Me sentei, sentindo o olhar de longe das minhas amigas e ele tirou um pequeno gravador de dentro do bolso.
-Se importa? - perguntou e eu neguei com a cabeça. - Ótimo. Pode me contar sobre aquele dia? Como foi a conversa de vocês, como Evan estava se comportando...
Suspirei e olhei para as flores no gramado.
-Eu o encontrei na calçada quando estava saindo para ir à escola. Ele veio aqui quando me viu pouco depois de sair da casa dos pais da Tamy. - falei. - Ele disse que precisava de um tempo longe dos pais e das pessoas olhando para ele de forma estranha, que isso já estava deixando ele louco, ter todo mundo encima dele o tempo todo. - retorci meus dedos me lembrando de seu rosto abatido. - Ele parecia que não dormia a dias, estava cansado, mais magro, destruído, acho que nem da pra culpar ele por isso. Perder alguém faz isso com as pessoas.
-E ele disse mais alguma coisa?
-Ele disse que achava que tinha alguém o observando, seguindo ele pelos lugares e... - levantei meu olhar para o delegado. - Ele disse que estava com medo.
-E você sabe de alguém que talvez queira fazer mal a ele?
O olhar do delegado era focado, absorvendo cada uma das minhas respostas e expressões.
-Como falei para o senhor antes, Evan é um cara tranquilo e gentil, até o pessoal bêbado que ele tirava do bar gostava dele. Até onde sei ele nunca teve ninguém que pudesse querer o mal dele.
-E ele veio apenas desabafar com você?
Olhei para o sol que estava se escondendo atrás das nuvens. Eu sentia que não podia contar a ele sobre a carta, minha intuição gritava para manter a boca fechada, que por algum motivo não era seguro fazer isso.
-Tâmara havia deixado uma mensagem no celular dele, mas ele acabou vendo ela apenas dias depois do que aconteceu. - não era uma mentira, apenas uma verdade parcial. - E ela disse umas coisas estranhas. Então como depois da Bianca, sou eu quem conhecia a Tâmara a mais tempo ele queria saber se eu entendia alguma coisa que ele não conseguia.
-E o que dizia a tal mensagem?
-Que ela estava com medo. - falei sentindo uma brisa fria e inesperada penetrar em minhas roupas finas e arrepiar minha pele. - Que tinha começado a receber cartas com ameaças, que sentia estar sendo observada e seguida e que estava um pouco distante de todos com medo de coloca-los em perigo. - senti um tremor e me encolhi. - Ver ele mal daquele jeito foi como ter um dejà-vu, porque era a mesma aparência que a Tâmara tinha na última vez que vi ela.
Dantas assentiu, pensativo.
-Você acha que Evan não pode ter simplesmente fugido da cidade? - sugeriu. - Para ficar um tempo longe de toda essa pressão?
Chacoalhei a cabeça, descartando completamente aquela opção.
-Ele não faria uma coisa dessas, não em um momento frágil como esse. - falei. - Sei que as pessoas são imprevisíveis, mas ele não brincaria com os pais dele dessa forma. Entenda, o pai dele passou mal quando soube do que aconteceu com a Tamy, achando que Evan estivesse junto, e ele tem problemas cardíacos. Posso não conhecer o Evan tão bem, mas sei que ele jamais faria algo que causaria a perda de mais alguém que ele ama, ainda mais o próprio pai.
Ele assentiu mais uma vez, parecendo tem compreendido meu ponto.
-Lembra de mais alguma coisa?
Foi um pequeno flash de memória, mas me lembrei, e ao formar aquela imagem em minha mente não sabia se sentia medo ou raiva.
-Sim. Ele disse ter esbarrado com um homem loiro usando um sobretudo escuro mais cedo naquele dia, e eu acho que pode ser o mesmo homem daquelas fotos. - vi o rosto do delegado endurecer. - Como o senhor me mostrou aquelas fotos e fiquei desconfiada, falei para ele ter cuidado e ir direto para a delegacia, mas parece que ele não teve chances para isso.
-Você tem certeza disso? - perguntou assumindo uma expressão um tanto assustadora.
-Absoluta. - respondi e então o encarei. - Delegado, o que está acontecendo?
-Eu gostaria de saber, minha cara. - falou parecendo muito mais velho e cansado. - Mas tudo que posso dizer é que nossa cidade não é mais segura, para ninguém. "
-Safira?
Levantei minha cabeça, desperta dos meus pensamentos e encontrei a Sra.Failer encostada na ponta do balcão me encarando. Já estava completando pouco mais de uma semana que eu estava trabalhando na floricultura e eu realmente estava gostando do meu trabalho, o ambiente era agradável e minha patroa uma das pessoas mais bem humoradas que eu já tinha conhecido. Outro ponto positivo do trabalho era que ele mantinha minha mente ocupada. Eu tinha vindo no meu primeiro dia ainda de muletas, mesmo contra a vontade de todos, e fazia questão de não parar em momento algum, quando não estava fazendo entregas estava arrumando as coisas da loja, desde flores até cartões, estava passando um pano nas prateleiras ou montando os arranjos. Veridiana era exigente e eficiente, mas também uma chefe muito compreensiva e poderia dizer que estava se tornando até mesmo uma amiga. Ela compreendia a situação pela qual eu estava passando e me dava todo apoio possível.
Um exemplo era agora. Eu estava debruçada no balcão batucando minha caneta encima do caderno e olhando para o nada com a mente perdida em pensamentos, totalmente alheia as coisas ao meu redor e ela estava pacientemente ali falando comigo. Isso tinha se tornado uma coisa muito frequente.
-Safira? - chamou de novo com um sorriso. - Você está bem?
-Estou sim. - respondi soltando minha caneta. - Só estou um pouco distraída.
Ela arqueou as sobrancelhas escuras para mim em um típico olhar de mãe e sorriu.
-Posso não te conhecer tão bem ainda, mas sei que está tudo, menos bem com você. - falou com sabedoria. - E é como uma amiga que falo: vá para casa, se arrume e se divirta com suas amigas ou saia com seu namorado. Mesmo que eu adore a funcionária de ouro que você demonstrou ser, também quero que aproveite a vida. É nova demais para ficar, como vocês mesmos dizem, apenas vegetando.
-Tecnicamente Pietro ainda não é meu namorado. - falei sorrindo um pouco.
Ela riu.
-Esse é a Safira que eu conheci e adoro! - falou com sua alegria costumeira. - E desde quando os beijos que vocês dão, que você acha que eu não vejo, - senti minhas bochechas esquentarem e isso aumentou seu sorriso. - ele vir aqui várias vezes para vê-la ou busca-la não é um namoro? Não acho que estou tão desatualizada assim.
Sorri para ela. Uma das coisas que mais me faziam adorar Veridiana era que ela tinha um espírito jovem e com ela você podia falar sobre absolutamente tudo, sua energia era algo que parecia se espalhar por toda loja. Ela não tinha papas na língua e não hesitava quando sentia que devia falar.
-É complicado. - falei me afastando do balcão.
-Complicado é eu voltar a usar jeans tamanho 34. - falou me arrancando uma risada. - Agora desembucha.
-Nós concordamos em ir devagar, - expliquei. - até porque nos conhecemos a apenas um mês e eu nunca tive um relacionamento de verdade antes. Temos bons momentos, ele é ótimo, compreensível e quando estou com ele consigo esquecer um pouco dos meus problemas, eu me sinto bem.
-E o "mas" que sinto nessa explicação é...
Suspirei me sentindo cansada.
-Sinto que estamos em uma corda bamba, pisando em ovos frequentemente. O passado dele tem um grande peso sobre nós. Ele tem muitos segredos e um certo mistério, admito que isso faz aumentar o charme dele, mas também incomoda muito na maioria das ocasiões. É horrível quando ele começa a ficar estranho do nada ou que simplesmente some e me dá apenas explicações vagas.
Ela ajeitou meus cabelos.
-Querida, pior do que tudo isso... Ele é homem, eles são criaturas incompreensíveis por natureza.
Chacoalhei a cabeça com um pequeno sorriso.
-Eu sou o tipo de pessoa que sempre sente quando alguma coisa está errada e toda vez que minha relação com o Pietro balança, um esqueleto cai do armário dele. E da última vez que isso aconteceu foi uma ex-namorada louca e psicótica que me empurrou de uma escada.
Veridiana deu a volta no balcão e parou ao meu lado me olhando com certo espanto.
-Se sua vida é sempre agitada assim entendo porque é escritora.
-As coisas começaram a ficar assim depois que voltei pra cá. - contei. - E esse não é meu único problema nos últimos tempos.
Ela me girou, fazendo com que eu ficasse de frente pra ela, e depois colocou as mãos nos meus ombros, me obrigando a endireitar minha postura e olhar em seus olhos castanhos brincalhões.
-Eu vejo. E é por isso que deve seguir meu conselho, querida. - falou com carinho.- Se desligue um pouco dos problemas e vá se divertir. Você anda muito sobrecarregada e quando não está trabalhando, está estudando ou está com a cara perdida nesse caderno do qual não desgruda. Vai acabar explodindo assim e pelas olheiras que eu vejo em seu rosto isso não vai demorar muito.
-Odeio você ser tão observadora. - resmunguei.
Ela revirou os olhos.
-Talento de mãe. - falou sorrindo. - Agora ligue para aquele lindo garoto de olhos verdes ou para aquela maluquinha de boca suja e vá se divertir. Você pode tirar uma folga dos seus problemas por nem que seja algumas horas.
Era lógico que ela ia mencionar Marisol ou Pietro, ela adorava os dois. Ela adorava o jeito espontâneo de Marisol, a garota de boca suja como ela sempre falava, e o fato de Pietro quase sempre trazer de presente para ela uma muda diferente das plantas exóticas que sua irmã plantava em sua estufa.
-Tem um jogo do meu irmão hoje e um baile na sexta. - falei.
-E o que ainda está fazendo aqui? - perguntou se colocando de pé em um salto e me olhando de maneira repreensiva. - Suma dessa loja e vá para casa se arrumar.
********
Nota da autora:
Olá pessoal, parece que as coisas não estão nem um pouco boas para o lado da Safira, não é? Primeiro um amigo some e agora o outro? Alguém mais sente algum plano do mal por trás disso?
Avisando vocês já que faltam poucos capítulos pro livro acabar, então deixem seus votos, comentários e divulguem a história para colegas, amigos, vizinhos... Tudo isso me ajudaria muito.
Espero que tenham gostado.
Boa Leitura!
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