Capítulo 48
Eu sempre soube da habilidade que algumas pessoas tinham para saber quando alguém que amavam estava em algum tipo de perigo, eu mesma tinha isso e era uma coisa frequente, mas dessa vez eu sinceramente tinha esperado que Megan estivesse errada. Poderia ser apenas uma preocupação desnecessária, mas mesmo assim não levei como algo sem importância. Depois de Megan se acalmar fomos conversar com alguns funcionários e até acessamos as câmeras de segurança, mais nada. Não havia sinais de Noah em lugar algum. A última imagem dele era logo após ter me deixado no meu quarto, quando ele voltou para a cozinha, e depois disso era como se simplesmente tivesse sumido no ar, e isso tinha sido as três e meia da manhã. Ele não atendia o celular, o carro ainda estava na garagem e aparentemente a última pessoa a vê-lo tinha sido eu. E isso, no momento, não era uma coisa boa.
Megan estava arrasada, ela não tinha parado de chorar um único segundo depois que tínhamos confirmado sua suspeita. Noah nunca tinha ido para lugar nenhum sem avisar a ela antes, era como um acordo que eles tinham para nunca deixar o outro preocupado. Nikolay tinha se mantido firme, segurou a onda e chamou a polícia para registrar o caso, mas era notável que estava apavorado. Com tudo que tinha acontecido na noite anterior e o que vinha acontecendo na cidade os policiais não levaram o caso de maneira leviana, apareceram quase que instantaneamente. Eles me encheram de perguntas, mas não havia nada em nossa conversa que pudesse dar indícios do que podia ter acontecido. Essa era a segunda vez que eu falava com a polícia em menos de vinte quatro horas e isso não era uma boa coisa. Um polícial tinha me interrogado pouco antes de eu ir para o hospital e agora havia outro na minha frente, uma mulher, que me encarava com um misto de pena e desconfiança. Ser interrogada por estar na cena de dois assassinatos e um desaparecimento era uma coisa inédita para uma pessoa que nunca levou nem mesmo uma multa de trânsito.
Mas esse nem era o maior dos problemas.
Agora eu estava aqui, parada no canto da sala, encostada na parede perto da escada apenas observando as coisas. Megan olhou para mim de onde estava, quase do outro lado do cômodo, e sorriu por entre as lágrimas, ela parecia muito menor e mais nova encolhida nos braços de Nikolay. Eu não podia imaginar o que aquela garota estava sentindo, mas entendia o medo em seus olhos enquanto os policiais explicavam a situação a ela e ao irmão. Eu podia não saber nada daquela família, podia conhecer Noah a apenas dois dias, mas eu não podia deixar de sentir uma dor aguda em meu peito. A pessoa mais próxima que eu já tinha perdido antes de Tâmara era minha avó, e eu ainda não conseguia lidar com isso muito bem mesmo depois de dois anos, e agora eu não apenas tinha que lidar com a morte de uma amiga querida, mas com o desaparecimento de outro que eu mal pude conhecer direito. Encostei minha cabeça na parede me sentindo derrotada e senti um leve toque no meu ombro. Não precisei virar a cabeça por completo para ver que era Dimitri ao meu lado, ele parecia cansado, havia leves olheiras sob seus olhos e um hematoma que estava começando a ficar roxo em sua testa, mas que seu cabelo conseguia esconder boa parte. Assim como eu ele parecia bem pior do que na noite anterior.
Ergui minha mão até seu rosto ignorando sua careta e afastei o cabelo de sua testa, tocando de leve o pequeno corte que estava perto da raiz de seus cabelos que com toda certeza iria virar uma cicatriz.
-Não ficou tão mal. - falei.
Ele afastou minha mão.
-Estou bem melhor do que você. - falou apontando para o meu pé com um sorriso divertido. - Como é andar por ai pulando em uma perna só?
-É um saco. - falei e apontei para as muletas. - Odeio essas coisas, elas tentam me derrubar a cada meio minuto.
-Não culpe as pobres muletas por uma falta de sincronia que é unicamente sua.
Bati meu cotovelo em suas costelas, me esquecendo momentaneamente que aquele lado do seu corpo estava machucado, e ele sorriu para mim, embora com arrependimento eu tivesse visto ele se encolher um pouco por causa da dor. Curtir com a minha cara era uma das atividades favoritas de Dimitri, mas nesse momento eu sabia que apenas brincar não era seu objetivo. Ele estava como sempre tentando melhorar o clima de uma situação ruim e eu era grata a ele por isso.
-O que eles conseguiram? - perguntou apontando para os policiais.
Suspirei, voltando a mergulhar na frustração.
-Nada até agora. Pelo que parece ele não saiu da propriedade, apenas veio para a cozinha e... Sumiu. Ninguém consegue encontrar mais nada.
Ele franziu a testa e olhou para a janela, pensativo, como se procurasse uma resposta nos campos verdes fora da casa.
-Sei que nada nessas nossas últimas vinte e quatro horas tem sido normal, mas isso é loucura. - falou voltando seu olhar para mim. - Pessoas não somem no ar.
-Eu sei. - falei. - Mas muitas coisas que pareciam tecnicamente impossíveis tem se provado bem reais ultimamente.
-Você acha que alguém pode ter entrado aqui e pego ele? - perguntou arqueando as sobrancelhas. - Não acho que seria tão fácil assim, não com essa segurança.
-Muita gente entrou e saiu daqui nas últimas horas sem serem monitoradas, então não sei. Tem um garoto na floresta que pode ser um assassino ou um inocente que testemunhou algo horrível com a namorada e que agora ninguém consegue achar, tem coisa acontecendo aqui que ninguém está sabendo explicar, então eu não sei o que pensar.
-Espera um pouco. - falou se virando completamente pra mim, seu rosto concentrado e pensativo, quase permitindo que eu visse as engrenagens do seu cérebro funcionando. - O que você falou me fez pensar em uma coisa.
-No que?
-Quando encontramos a garota e depois de tudo, do que ela falou e do que a mãe dela falou, chegamos a conclusão de que o namorado dela era o culpado, e pelo fato dele ter encontrado o pessoal sujo de sangue enquanto fugia e falando coisas sem sentido, isso apenas nos confirmou o que desconfiávamos. Mas e se tivermos entendido as coisas erradas?
Isso conseguiu minha completa atenção. Mais de uma vez desde que tudo tinha acontecido eu tinha questionado se tudo aquilo era mesmo culpa do garoto chamado Sam.
-Continue. - incentivei.
-E se ela falou o nome dele não porque o estivesse acusando, mas porque estava preocupada com ele? Porque queria que o encontrássemos? - a mente de Dimitri parecia trabalhar a mil e eu rapidamente me sintonizei com suas ideias. - E se ele estivesse fugindo não do que aconteceu, mas da pessoa que fez aquilo? A Alexandra disse que ele falou que Jessica estava morta, mas quando a encontramos ela ainda estava viva e forte o suficiente para se arrastar até aquela moita.
-Se ele quisesse mata-la, mesmo que fosse algo não planejado, ele não iria deixa-la viva para contar o que aconteceu, não durante um ataque de ódio. - continuei entendendo aonde ele queria chegar. - Ele não sabia se ela estava viva quando fugiu, mas não porque não quis verificar, mas sim porque não teve tempo. Talvez quando ele encontrou com o pessoal ainda estivesse fugindo desse alguém.
-E como ninguém estava procurando esse possível alguém...
-Ele pôde ficar por ai como bem entendesse. - completei assentindo.
-Olha, sei que pode parecer meio louco, mas... E se o que aconteceu foi apenas uma distração? Matar a garota, culpar o namorado dela e fazer todos ficarem focados nisso ao invés de cuidarem da segurança? Isso facilitaria com que a pessoa fugisse das câmeras, porque ninguém estaria prestando atenção nelas.
-Então você acha que o que essa possível pessoa queria não era realmente a Jess, mas usá-la como distração para pegar o Noah?
Ele deu de ombros.
-Não posso dizer que ele era realmente o alvo, mas seria uma estratégia brilhante. - falou. - Em um dia normal não tem como um estranho perambular por ai sem que alguém o veja, em uma situação dessas ninguém liga quem é quem passando por ai.
Eu encarei Dimitri. Era uma teoria maluca, mas um raciocínio que fazia sentido. Minha professora de artes costumava me dizer que sempre tínhamos que ver cada cena de diferentes ângulos, era o mesmo que eu tinha que fazer quando escrevia uma história. Me colocar em diferentes pontos de vista de uma mesma situação para saber todas as possibilidades que poderiam ser trilhadas. Talvez nesse caso fosse a mesma situação.
-Você acha mesmo que alguém entrou aqui e fez tudo isso? - perguntei engolindo em seco.
-Não acho uma coisa impossível. - falou dando de ombros. - Há pessoas capazes de qualquer coisas soltas por ai e Hareton há muito tempo já não é mais uma cidadezinha pacata.
Olhei para Megan, os grandes olhos inchados e cheios de lágrimas enquanto apertava a mão de Nikolay, que tinha fechado os olhos com uma expressão de frustração para o que quer o policial tenha falado. Fechei meus próprios olhos por um instante, minha mente rebobinando traços da nossa conversa da noite anterior e fazendo com que meu coração ficasse ainda mais pesado.
"-Nikolay me deixa completamente louco as vezes, ele é o irmão mais velho, mas na maioria das vezes tem a idade mental de uma criança. - falou com um misto de irritação e carinho. - Mas tenho que admitir que quando ele assume esse posto faz jus a ele. Posso admitir também que ele é um idiota, mas um idiota com um bom coração. Já a Megan... - falar dela foi como acender uma luz em seus olhos. - Aquela pirralha é a alegria da minha vida. Eles me enlouquecem, mas eu não sei o que seria da minha vida sem eles. "
Ele amava os irmãos, mais do que qualquer outra coisa no mundo e agora era possível que eles nunca mais o vissem e nem mesmo pudessem ouvir ele dizendo isso.
-Eu gostaria de pensar que está errado, Dimi, e embora esse seu incrível raciocínio tenha me assustado, o que você falou tem muito sentido. Imaginar que alguém é capaz de fazer tudo isso apenas para sequestrar alguém me faz ficar com medo do que pode acontecer com o Noah. - falei sentindo lágrimas se formarem em meus olhos. - Não estou preparada para perder mais um amigo.
Dimitri soltou um longo suspiro e se encostou na parede ao meu lado, os olhos perdidos na vista da janela.
-Às vezes as coisas não dependem do que estamos ou não preparados para enfrentar.
*******
Como eu queria estar errada.
Como eu queria que tudo isso não passasse de um pesadelo do qual eu pudesse acordar e encontrar as coisas normais.
Puxei minha necessaire com violência de cima do criado mudo e meu caderno de desenhos veio junto caindo no chão. Depois da minha conversa com Dimitri e do raciocínio que concluímos eu não estava no melhor dos humores para fazer a mala. Fechei meus olhos xingando com irritação e me abaixei para pegar o caderno, mas me detive no meio do caminho quando uma coisa me chamou a atenção. A folha que estava aberta mostrava um desenho que eu não me lembrava de ter feito, mas sua precisão e traços eram os mesmos de alguns desenhos que eu tinha feito, embora também não me lembrasse direito, várias noites atrás. No desenho havia uma pessoa de costas, um garoto, e ele apontava uma lanterna para uma floresta, na folha seguinte, no ponto de luz que tinha se formado na floresta pela lanterna havia surgido uma garota. Ela tinha cabelos longos e claros, seu rosto tinha traços delicados, mas suas feições não eram indistintas, o rosto ainda parcialmente coberto pelas sombras. Virei para a próxima página e meu corpo entrou em sintonia com a minha mão que não parava de tremer, pois nela havia um desenho perfeito do garoto, e o rosto retratado ali era o de Noah.
O caderno tremia, minhas mãos tremiam, mas ainda sim virei a próxima página. Não havia desenhos nela, apenas uma frase curta em uma letra floreada que eu não reconhecia. Fechei meus olhos novamente e arremessei o caderno pelo quarto. Tinha acontecido de novo, o mesmo que aconteceu quando Tâmara morreu, as mesmas imagens. Me sentei no chão, abracei meus joelhos e enterrei meu rosto nos braços fazendo uma coisa que eu não tinha me permitido até agora, comecei a chorar. E embora meus soluços fossem o único som no quarto, eu ainda podia ver aquela frase por trás das minhas pálpebras, assim como a voz de uma pessoa sussurrada em meus ouvidos.
"Todos eles vão ser meus".
*********
Nota da autora:
Olá pessoal, sei que demorei um pouquinho para postar esse cap, mas dessa vez teve um bom motivo, eu consegui finalizar esse primeiro livro e vocês não precisar esperar tanto para os caps serem postados.
E então, o que acharam do capítulo? Esse raciocínio do Dimitri tem muita lógica. O que acham que aconteceu com o Noah? E porque será que a Safira tem essas estranhas premonições? Deixem seus votos e comentem muito sobre o que acham.
Espero que tenham gostado.
Boa Leitura!
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro