Capítulo 43
Eu poderia ter continuado tranquila quanto a eles não terem voltado ainda, não deveria entrar em pânico. Eles poderiam estar curtindo aquela cascata maravilhosa ou quem sabe tinham se misturado a um dos grupos que estavam se divertindo por ai e tivessem estendido o passeio. Era isso que aconteceria em uma situação normal. O problema era que há muito tempo coisas simplesmente normais não aconteciam comigo. O aviso que Noah nos dera mais cedo martelava na minha cabeça junto com uma vozinha sussurrante no fundo da minha mente que dizia que alguma coisa estava muito errada.
Eu não podia negar que durante o dia enquanto riamos e nos divertíamos, um pressentimento ruim não tinha apertado meu coração e me deixado agoniada por um bom tempo. Mas como todas as demais coisas ruins, eu tinha decidido ignora-lo e continuar com o final de semana. Agora as palavras de Noah tinha soado como um canalizador, fazendo com que o pensamento se tornasse ainda mais forte. O sol já tinha se escondido no horizonte e as cores do crepúsculo estavam sendo substituídas pela noite, deixando toda a bela paisagem que eu via pela janela sinistra. A floresta não parecia mais tão amistosa para se vagar agora que estava escuro.
Fiquei por um bom tempo em silêncio, apenas encarando Noah e deixando que meus pensamentos se aquietassem. Tantas coisas passavam pela minha cabeça naquele momento que eu chegava a me sentir tonta.
—Noah... O quanto aquela floresta e aquela trilha são perigosas a noite? – perguntei.
—O suficiente para que eu não vá lá num horário desses e que os outros funcionários só entrem armados. – falou sem hesitar. – Eu disse àquela hora para vocês, o limite da propriedade dá para uma área com mata fechada e é considerada perigosa, um dos motivos pelo qual meu pai mandou construírem cercas e colocarem placas até lá. Mesmo com as precauções alguns animais sempre escapam para esse lado e as vezes as cercas são sabotadas. Já tentamos falar com o dono, mas ele é recluso e não gosta de visitas.
—Que ótimo! – falou Marisol com sarcasmo. – Agora além de uma floresta perigosa e cheia de animais selvagens, também tem um fazendeiro ermitão maluco.
—Você tem certeza que eles ainda não voltaram? – perguntei.
—Verifiquei duas vezes. – falou passando a mão no rosto mostrando o quanto estava nervoso. – As seis horas os funcionários já começam a vasculhar os arredores e pedir para que todos voltem das trilhas. Meu pai impôs esse horário como um toque de recolher depois que um casal foi atacado por um dos animais no ano passado.
Suspirei passando a mão no cabelo e fechei os olhos por um momento, tentando me orientar. Bobagem a minha achar que esse seria apenas um final de semana normal. Normalidade estava se tornando uma coisa rara.
—Esse homem que você falou... Ele é capaz de machuca-los? – perguntei.
—Um ermitão maluco que não gosta de visitas? O que você acha? – falou Marisol alterada. – Deve ser um daqueles velhos barbudos que ficam sentados em uma cadeira de balanço na varanda segurando uma carabina carregada.
Eu não era a única no grupo com uma imaginação fértil.
—Que reconfortante, Sol. – falei.
—Ela não está de todo errada, Safira. – interveio Noah. – Há moradores muito antigos por aqui, e como muitos de cidade pequena, são muito territorialistas e não gostam de estranhos em suas propriedades.
—O que vamos fazer? – perguntei.
—Vou separar alguns grupos de busca. – falou. – Eles podem ter se desviado da trilha quando andavam, é muito fácil se confundir com os caminhos, ainda mais quando fica escuro.
—Quando vocês vão começar?
—Assim que eu descer.
—Ótimo. – falei. – Eu vou com você.
—O que? – perguntou arregalando os olhos. – Você não vai vir!
Cruzei meus braços e arqueei a sobrancelha.
—Você só pode ter batido a cabeça com muita força se acha que vamos ficar paradas aqui enquanto nossos amigos estão sumidos. – falou Marisol.
Ela estava de pé atrás de mim, os braços cruzados e uma expressão séria que desafiava Noah a tentar impedi-la.
—Não é seguro para vocês irem lá! – falou nos olhando como se fossemos loucas. – Eu estou como chefe hoje e a minha responsabilidade é manter os hospedes seguros. Já tenho quatro desaparecidos, não posso perder mais alguns. É ainda mais perigoso por vocês não conhecerem as trilhas.
—Não é sua responsabilidade se decidirmos ir. – falei. – A escolha é nossa.
—E não somos garotinhas andando às cegas. – falou Sol andando até estar ao meu lado. – Podemos não conhecer as trilhas, mas você, seu irmão e os seguranças conhecem.
—Podemos formar algumas equipes de busca com o pessoal. – falei com minha mente já girando em diversas possibilidades. – Tenho certeza que todos topariam ajudar e cobriríamos mais terreno com um número maior de pessoas. Se cada pequeno grupo for liderado por um de vocês as coisas vão dar certo.
Noah soltou um suspiro cansado e passou as duas mãos no cabelo, os bagunçando ainda mais do que antes.
—Vocês duas são meio loucas, mas fazem sentido e tem uma boa estratégia – admitiu. – Estamos com pouco pessoal no momento e talvez mais gente na busca ajude. Vamos descer antes que eu pense demais nisso e me arrependa.
Marisol e eu olhamos uma para a outra e sorrimos. Não fazia nosso estilo ficar esperando e sendo loucura ou não, como amigas, era nosso dever procurá-los. Era minha responsabilidade por tê-los mandado para lá.
**********
Eu tentei telefonar para cada um daqueles quatro, mas foi um fracasso já que todas as ligações iam direto para a caixa postal. Esse era um daqueles típicos momentos em que você se sente culpada por ter ajudado, mesmo que não soubesse que isso iria acontecer. Christopher e Deniel tinham crescido em fazendas e sabiam se virar bem, mas ali era um lugar completamente diferente ao qual estavam acostumados. Evangeline era um tanto corajosa e não tinha medo de encara o escuro, já Alexandra era um caso à parte. Quando erámos mais novas e íamos de ônibus para o colégio, ela segurava meu braço até quase ficar roxo a cada curva mais perigosa que o motorista fazia.
Noah conseguiu reunir o pessoal no que pareceu um tempo recorde. Acho que facilitou o fato de todos estarem indo em direção a fogueira, cruzando nosso caminho. Ninguém tinha visto nossos quatro amigos, sendo hóspede ou funcionário. Mesmo com essa infelicidade, como previ, todos toparam ajudar na busca, com algumas exceções. Todos estavam surpresos e assustados, mas dispostos a ajudar como pudessem.
—Tenho certeza de que está tudo bem. – falou Valerie tentando soar convencida. – Chris e Deni são bons em andarem na mata.
Mesmo sua voz soando firme, o medo que brilhava em seus olhos castanhos era notável. Evangeline era sua melhor amiga.
—Ninguém conhece a floresta durante a noite. – falou Diego de modo sombrio.
Um silêncio arrepiante recaiu sobre a sala depois de suas palavras e o único som que se podia ouvir eram o de passos. Um dos funcionários colocou sobre a mesa do salão principal, que era a maior por ali, um mapa de toda propriedade e que demarcava todos os pontos mais importantes, o que incluía todas as trilhas até um pouco depois do limite da terra. Quase não tinha espaço para ficar ao redor da mesa e se isso não fosse o bastante, os seguranças com expressões sérias empunhando espingardas e com pistolas no coldre da cintura mantinha qualquer um afastado. Alguns deles tinham saído de seus postos e vasculhavam os arredores mais uma vez, outros estavam dando uma pequena aula de como seria a nossa expedição de busca e as regras que deveríamos seguir.
Todos pareciam concentrados e determinados, mas mesmo assim eu não estava tranquila.
—Não se preocupe, – falou Noah ao meu lado. – nós vamos acha-los.
Olhei para o seu rosto e havia determinação nele, seus olhos não mostravam hesitação e havia um pequeno sorriso em seus lábios. Eu acreditava realmente que ele poderia fazer isso. Sorri para ele e assenti.
—Eu sei que sim. – falei.
Noah deu uma piscadela para mim e foi para o outro lado da mesa conversar com os seguranças.
—Acho que alguém não gostou muito do seu novo amigo. – comentou Sol ao meu lado.
Ela estava apoiada no meu braço para não ser empurrada para longe e lançava olhares mortais ocasionais para quem tentasse. Eu estava com a mente tão longe que demorei um tempo para entender do que ela estava falando. Parado a umas cinco pessoas de distância estava Pietro me observando com uma expressão séria, mas abriu um sorriso fraco e desviou o olhar assim que notou que minha atenção estava nele.
—Não tenho tempo para lidar com isso agora. – falei voltando minha atenção para um dos seguranças que ainda explicava. – Depois eu falo com ele, agora precisamos nos focar em achar aqueles quatro.
Eu realmente não estava com vontade de me preocupar com nenhum drama no momento, principalmente ciúmes bobo. Marisol não insistiu mais no assunto e assim como eu se virou para prestar atenção.
—Sabemos para onde eles foram, então temos um bom ponto de onde começar. – falou Noah tomando a frente. – Mas o nosso problema é que essa trilha que eles pegaram se cruza com muitas outras e só um pouco de distração da parte deles é o suficiente para acabar em qualquer outro lugar sem nem perceberem. A área é bem grande, então podemos nos separar em oito grupos de seis pessoas. Um grupo para cada trilha.
Olhei com atenção para o mapa e achando a trilha que eu tinha pego mais cedo com Pietro, deslizei meu dedo até uma encruzilhada.
—Podemos começar por essas quatro trilhas aqui. – falei chamando a atenção. – Quase me perdi mais cedo quando passava por essa encruzilhada e acho que eles podem ter cometido o mesmo erro, ainda mais depois de escurecer.
Noah assentiu e fez uma marcação em caneta vermelha nos locais que eu tinha apontado.
—É um ótimo ponto de partida. – concordou Nikolay. – E se tivermos sorte, é provável que ainda estejam por ali.
—O quanto seus amigos conhecem da mata ou do campo? – perguntou um dos seguranças. – Isso pode nos dar mais uma vantagem.
—Chris e Deni cresceram em fazendas. – respondeu Sol. – Eles sabem se virar. Mas na hora do pânico não sei como as coisas podem ficar.
—O melhor que temos a fazer é agir o mais rápido que pudermos. – falei inquieta.
Eu não aguentava mais ficar ali e provavelmente surtaria se continuássemos parados. Estava começando a me sentir sufocada por todas aquelas pessoas ao meu redor, mas estava me mantendo concentrada no plano para me manter no controle. Meu bom humor tinha desaparecido e eu poderia facilmente mandar qualquer um a merda pela menor das coisas.
—Então vamos ter que perder parte da festa só porque uns idiotas se perderam? Por favor. – falou uma voz enjoada que eu conhecia bem. – Os empregados podem muito bem cuidar disso sem nós.
Eu não precisava me virar para saber que a voz pertencia a Vitória. Ela estava parada do outro lado da mesa com seu habitual visual elegante e ousado, os braços cruzados sobre os peitos enquanto olhava especificamente para mim com o mais puro desdém. Eu poderia aturar as provocações dela em qualquer outro dia, mas agora eu não estava com a mínima paciência para lidar com uma garotinha que só queria aparecer. Lancei um olhar frio para ela e estreitei meus olhos com o máximo de raiva e desprezo que podia, o que não foi difícil. Eu tinha falado que poderia mandar alguém a merda e justo ela foi a pessoa que apareceu. O destino era algo curioso.
—Você está apenas incomodada porque ninguém faria isso se fosse você no lugar deles. Vadias egoístas não tem muitos amigos, não é? – falei friamente e tive o prazer maldoso de ver sua pode desmoronar. – Então que também fique claro que ninguém está te obrigando a ficar e ajudar, esse pessoal aqui se voluntariou. E agora, se não for dar uma ideia que preste, mantenha essa maldita boca fechada porque ninguém quer ouvir suas opiniões ridículas e inúteis.
Talvez eu tivesse sido um pouco cruel, mas pelo menos no momento não me sentia culpada por isso. Se fosse para acalmar minha as vezes irritantes consciência, aquela era a mesma garota que tinha me empurrado da escada. Estávamos quase quites em algum nível.
Um alfinete caindo teria soado como um trovão estrondoso no silêncio daquela sala. O que antes era uma bagunça sem tamanho, tinha se transformado em um mar de rostos surpresos que se dividiam em olhar para mim e uma pálida e raivosa Vitória. Ela não proferiu uma única palavra, ficou estática em seu lugar enquanto eu voltava o olhar para o mapa com atenção. Se ela achava que podia me afetar com seus comentários estava bem enganada, ia receber uma resposta à altura para cada coisa que dissesse.
—Equipes de seis? – perguntei chamando a atenção de todos.
—Ahn... É sim. – falou Noah parecendo atordoado. – Eu vou liderar uma equipe pela trilha principal.
—Eu vou com você. – falei e ele assentiu.
—Eu também. – falou Marisol. – Assim como Pietro, Diego e Dimitri.
Pietro e Diego assentiram em concordância, mas Dimitri não parecia tão disposto.
—Mas eu... – começou ele, mas Marisol o interrompeu cobrindo sua boca com a mão.
—Ele está ansioso em ajudar. – falou ela com um sorriso.
Dimitri lançou um olhar raivoso na direção de Marisol e em seguida mordeu sua mão. Eu nem precisava fazer uma contagem regressiva para Marisol começar a xinga-lo, foi instantâneo. Os dois eram do tipo que nunca deixavam uma provocação sem resposta, então mesmo naquela situação, eles tinham que disputar quem se sobressaia. Enquanto os dois terminavam sua briga e a primeira equipe era fechada, Nikolay distribuía rádios comunicadores para todos os líderes de equipe. Noah pegou uma escopeta igual à que o irmão estava carregando nas costas, algumas lanternas e distribuiu entre nós. Enquanto os outros formavam suas equipes e começavam a se organizar, Noah avaliou uma versão menor do mapa que estava na mesa e nos guiou para a porta dos fundos.
O som da música na fogueira que vinha perto da floresta era abafado, estávamos a uma distância considerável e ainda sim eu podia ouvir as vozes altas dos outros homens começando a liderar suas equipes floresta a dentro.
—Tomem cuidado aonde pisam e prestem bastante atenção nos arredores. – orientou Noah. – Também evitem sustos desnecessários. Não queremos que ninguém seja baleado por acidente.
Noah não esperou para ver nossa confirmação, com a arma posicionada e uma lanterna presa na mesma, ele começou a andar floresta a dentro pela mesma trilha que eu e Pietro tínhamos percorrido mais cedo. Eu só esperava que conseguíssemos chegar a tempo antes que algo ruim acontecesse.
Noah ia na frente com sua arma, Pietro e Diego iam um pouco mais atrás, nos flancos, Marisol estava sozinha no meio girando sua lanterna para cada movimento suspeito que entrasse em seu campo de visão e Dimitri caminhava alguns passos atrás de mim, apontando sua lanterna para todos os lados parecendo incomodado. Ele não costumava andar tão devagar daquele jeito e eu suspeitava que sabia o motivo disso.
—Não vai me dizer que ainda tem medo do escuro. – falei diminuindo o passo para acompanha-lo.
Ele olhou para mim e deu de ombros, tentando parecer indiferente.
—Eu não tenho medo. – falou. – Apenas não só muito fã de me aventurar por florestas sinistras durante a noite. Nem por ruas escuras e solitárias, ou...
Revirei os olhos para ele e iluminei atrás de um grande arbusto.
—Para mim isso se chama medo e não há vergonha nenhuma em admitir isso.
—Então você está com medo. – perguntou.
A lanterna só iluminava seu rosto parcialmente, mas eu podia ver que seus olhos vasculhando entre as árvores com preocupação, algo bem raro vindo dele.
—Apenas tenho medo de que alguma coisa tenha acontecido com eles. – falei escutando uma coruja gritando ao longe. – A floresta não me assusta. Mas se você se sentir mais tranquilo pode segurar a minha mão.
Dimitri parou de andar por um momento e um pequeno sorriso foi se formando em seus lábios, mostrando que ele estava entendendo o que eu estava fazendo. Era o mesmo que ele sempre fazia por mim. Eu estava tentando aliviar o clima. Ele me deu um empurrão com seu ombro e voltou a andar.
—Idiota! – falou e o sorriso era evidente em sua voz. – É você que está com medo e não quer admitir, por isso quer segurar minha mão. Não tem vergonha admitir isso.
O Dimitri que eu conhecia estava de volta. Empurrei seu ombro com o meu e sorri enquanto continuávamos nossa busca. Mesmo na escuridão da floresta o clima ficou mais leve e eu não me importava de não receber um obrigado pela que tinha feito, isso tinha ajudado a nós dois. O arrepio na minha nuca não tinha desaparecido, mas aquela tranquilidade momentânea seria suficiente por um tempo.
**********
Nota da autora:
Olá pessoal, sei que demorei para postar, mas o problema com meu not ainda não esta resolvido e só consegui terminar de escrever graças a uma amiga que me emprestou o not dela.
Demorei, mas aqui está. Vou tentar adiantar o máximo possível para conseguir terminar de postar para vocês.
Obrigado por toda essa paciência e compreensão.
Espero que gostem.
Boa Leitura!
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