Feliz Natal!
28 de março de 2015
"Problemas com seus pais?", "Volte quando estiver pronto." Acordei com essas frases ecoando na minha cabeça.
Desci para a cozinha, eram 5h30min. Revirei o armário e não encontrei nada que eu pudesse comer. Peguei uma garrafa de suco e voltei para o quarto. Eu sabia que minha mãe me observava, mas preferi não falar nada. Minutos depois, ouvi seus passos subindo a escada, ajeitando a bandeja sobre a bancada que fica no corredor e batendo três vezes na porta.
— A consulta de ontem deve ter sido difícil. Veio direto para o quarto e não estava com uma cara boa. Tem seu lanche favorito aqui fora, quem sabe isso melhore seu humor antes de sair para trabalhar mais tarde.
Pude ouvir quando ela desceu as escadas. Ela ainda estava buscando uma aproximação, vai ver o sentimento de culpa ainda a corroesse por dentro. Meu pai abandonou esse sentimento há muito tempo, se é que um dia sentiu isso.
"Problemas com seus pais?", "Volte quando estiver pronto." Como ela ousava falar do que não sabia. Abri a porta, peguei o lanche e voltei a me trancar.
Meus pais não se falavam direito desde que minha mãe descobriu que ele a estava traindo com a nossa tia, meu pai disse que foi enganado, minha mãe disse que não acreditava nisso.
Era natal de 2012 e como de costume minha família se reuniu para a ceia. Alguns familiares apareceram na noite do dia 24. Mas a minha tia havia chegado para nos visitar no primeiro dia do mês. Era sábado e ela estava de férias. Disse que queria nos conhecer, já que ela morava em outro estado e nunca mais havia visitado a minha mãe desde o casamento dela.
Lembro-me como se fosse hoje. Eram seis horas da manhã e a campainha não parava de tocar. Eu me levantei e fui olhar nas câmeras. Não entendi o que minha mãe estava fazendo fora de casa e nem por que ela saíra sem as chaves. Destravei o portão sem pensar muito. Segundos depois, minha mãe estava atrás de mim, ainda de roupão, perguntando quem era. O espanto foi grande, eu que ainda estava sonolento despertei de vez. Minha mãe estava tão espantada quanto eu e resmungou alguma coisa que eu não pude entender.
Deixe-me lhes explicar. Minha mãe tem uma irmã gêmea. Gêmea dessas que não tem como saber a diferença, até a voz é muito parecida. Essa foi a desculpa que meu pai deu, só que minha mãe não aceitou muito bem essa desculpa. Realmente jamais saberíamos identificar a nossa mãe se não olhássemos com muita atenção. O que diferenciava as duas eram as maneiras e o estilo de roupas. Minha mãe usava roupas modestas e recatadas, nunca usava roupas decotadas e nem falava palavrões. Isso era inadmissível pra ela. Minha tia era mais liberal, usava roupas decotadas e ousadas, falava o que vinha à cabeça, especialmente palavrões e sim, ela bebia muito. Além disso, nossa tia tinha uma marca de nascença na parte interna da virilha, ou seja, a menos que ela estivesse nua, jamais saberíamos para quem estávamos olhando.
Assim que minha mãe desceu, eu desci atrás dela e logo depois de mim veio a Fê, que havia chegado uma semana antes para passar as férias da faculdade em casa. Tirando nossos pais, minha irmã e eu ainda estávamos muito confusos.
Nossa mãe recebeu a visitante com um longo abraço e nos apresentou dizendo.
— Crianças, digam oi para a sua tia Maria Fernanda.
Nossa tia veio nos abraçando e falando alto, e rindo, e apertando nossas bochechas.
— Céus! Como estão grandes. Cresceram pra caralho. Eu mal reconheço vocês, seus merdinhas... acompanho as fotos nas redes, mesmo com a proibição de sua mãe.
— Eu nunca a proibi de adicioná-los, ou falar com eles – interferiu minha mãe, já torcendo o nariz.
— Claro que nunca proibiu, pelo menos não diretamente, mas também nunca incentivou, nós duas sabemos que não, a porra toda não é bem assim.
— Olha o linguajar, não use essas palavras dentro da minha casa ou...
— Ou vai me mandar embora, já sei, já sei... Continua a beata de sempre. Crianças, sua mãe deveria ter ido para um convento, ainda não entendo como ela conseguiu se casar.
— Se veio até aqui para me desrespeitar dentro da minha...
— Tá certo, tá certo – nossa tia interrompeu a fala da nossa mãe – Prometo me comportar. Tá bom assim? Estou cansada. Tem café? Preciso curar a ressaca da viagem. Encontrei um bordel de estrada muito bom. Sabe, esses com caras seminus e... Ok não está mais aqui quem falou – terminou de dizer ao ver a cara feia que nossa mãe fez pra ela. Foi casa a dentro deixando a mala ali na garagem mesmo.
Ela parecia uma matraca ambulante, contando histórias sem parar. Fernanda achou-a incrível, eu ficava cansado de ouvi-la depois de meia hora. Tudo bem que era tudo novo, mas ela realmente falava sem parar.
No primeiro fim de semana, a fim de nos pregar uma peça, nossa mãe e ela combinaram de trocar as roupas. Meu pai, Fernanda e eu havíamos saído para ir fazer compras de Natal e as duas decidiram ficar em casa para colocar a conversa em dia. Como estávamos no shopping, aproveitamos para assistir ao filme, As aventuras de Pi, e nosso pai foi escolher os presentes que não poderíamos saber quais eram. O combinado era que ele estaria na saída do cinema para nos encontrar após o filme.
Ao retornarmos para casa, quase às dezoito horas, jantamos e jogamos banco imobiliário. Minha tia era muito boa no jogo e estava vencendo até mesmo a mamãe que sempre ganhava. Razão pela qual paramos de jogar esse jogo, era grande a frustração.
Acontece, que quando a partida terminou, as duas não paravam de rir. Então minha tia se levantou e começou a perguntar se não tínhamos percebido nada de diferente. Nesse momento ela parou de falar palavrão e disse que teria que se confessar por ter usado tantas palavras de baixo calão. Só então percebemos que elas haviam trocado de lugar e encenado que uma era a outra. Todos ficamos espantados e nos preparamos para dormir. Tanto eu quanto a Fernanda, notamos a cara de safadeza do nosso pai olhando para nossa mãe e, bem, sabemos que nossa mãe estava se sentindo desejada com aquelas roupas. Minha tia tirou a aliança e devolveu para nossa mãe e como eu tenho insônia, a julgar pelos barulhos que ouvi vindo do outro lado do corredor, do quarto deles, quando desci de madrugada para ir até a cozinha, a noite dos meus pais foi muito agitada.
Depois disso, Fernanda notou que nosso pai estava olhando muito para a nossa tia, chegou a comentar comigo, mas chegamos à conclusão de que, na verdade, todos estávamos pensando se as duas não estavam pregando peças na gente.
Chegada a noite de Natal, com a casa cheia a e troca de presentes, após as duas da manhã a maioria foi dormir e ficamos apenas minha irmã, dois primos nossos e eu jogando baralho perto da piscina no quintal do fundo. Nosso pai estava sentado numa cadeira ali perto, tomando uma cerveja.
Nossa mãe apareceu e chamou nosso pai para entrar, ele disse que já entrava, ela entrou e voltou pouco tempo depois com uma roupa mais ousada e disse, como sempre diz quando meu pai não faz o que ela pede:
— Será que preciso implorar para que você faça o que eu pedi.
Na mesma hora nosso pai se levantou e foi. Nossos primos riram e Fernanda e eu ficamos sem jeito, porque vimos na cara dos dois o que ia acontecer. Nossos primos foram dormir enquanto minha irmã e eu decidimos ficar mais um pouco por ali, conversando. Ela me contava sobre um carinha com quem ela estava saindo. Ela era cinco anos mais velha que eu. Ela estava com vinte e um ano, eu com dezesseis. A conversa ia animada, já que ela adorava dar-me conselhos sobre paqueras e insistia em dizer que eu deveria ser menos tímido. Mais ou menos meia hora depois, nossa mãe apareceu e perguntou se não iríamos dormir, perguntou também onde estava nosso pai. Não conseguimos responder de imediato, mas foi Fernanda quem rompeu o silêncio.
— Uai mãe, a senhora veio aqui chamar ele, por duas vezes. Na segunda ele entrou.
— Não, eu não vim chamar não. Eu peguei no sono enquanto conversava com sua tia no quarto dela...
Nesse momento todos entendemos o que havia acontecido. Mamãe se virou e meu pai estava saindo para o quintal.
— Crianças, vamos dormir. Venha querida. Vamos voltar pra dentro.
Logo atrás dele nossa tia passou em direção à cozinha.
Veio de lá para a piscina, usando uma roupa de praia e dizendo com a maior naturalidade:
— Olá, mana! Acordou? Desculpe-me se lhe deixei entediada com minhas histórias.
Nossa mãe sorriu e respondeu em um tom tranquilo.
— Acho que foi o vinho, sabe como sou fraca pra bebidas.
Nosso pai pareceu não entender o que havia ocorrido e entrou parecendo nervoso, nossa mãe estava para explodir, sabíamos como ela retinha a raiva sempre que respondia em tom baixo e equilibrado. Era madrugada de Natal e conhecendo nossa mãe como conhecíamos, ela não faria nenhum escândalo. E nós ficamos em dúvida sobre o que tinha acontecido de fato. Tudo parecia surreal.
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