E então é Natal...
27 de dezembro 2016
As coisas nem sempre são como gostaríamos que fossem, mas algumas coisas podem ser negociadas. Para a minha felicidade voltei a trabalhar, para a minha infelicidade, o R.H não havia ainda aprovado a minha transferência para outra equipe que não fosse chefiada pela Hiroko. Tinha ciência que demoraria um pouco para aprovarem, mas não pensei que demoraria tanto tempo. Afinal, eu enviei o formulário preenchendo os meu, motivos desde o início de setembro e pensei que seria mais do que suficiente. Começo a achar que farão isso apenas no início do ano. Bem, para quem esperou até agora, mais quinze dias não fariam diferença.
Outra situação está relacionada ao Natal, minha mãe não abre mão de reunir a família novamente. Já prevendo a casa cheia, os primos, tios e parentes que pouco conheço, todos da família da minha mãe. A família do meu pai era ausente, totalmente ausente. Não fosse a vovó Benedita, eu poderia dizer que a família paterna inexistia. Reclamei e disse que não ficaria em casa.
— Alexanderson, nem pense em fazer isso – ela disse antes mesmo de eu terminar de falar – O Natal em família é inegociável, entendeu? Inegociável, vai passar conosco e pronto! O ano novo você faz o que quiser, mas o natal não!
Acabei me lembrando que haverá uma festa da empresa para o ano novo, recebi o convite e não sei direito o que é, mas os comentários é de que será um cruzeiro em alto mar. Tá aí uma oportunidade de fazer algo diferente e ficar fora de casa no ano novo. Corri par ao meu quarto e passei a vasculhar as gavetas, o guarda roupa, as pastas.
— Onde diabos guardei o convite? – pensei alto. Continuei vasculhando e o encontrei embaixo do teclado do comutador.
Cruzeiro para quinhentas pessoas, cada funcionário poderia levar seus familiares, cônjuge e filhos. Os que fossem solteiros poderiam levar apenas um convidado. Seria um cruzeiro de cinco dias. Começaria na noite do dia vinte e nove e encerraria na noite do dia três. Cada filial teria seu próprio cruzeiro, mas os navios fariam o mesmo trajeto, Maresias, Ilha Bela e Búzios. Eu ainda não sabia se ia, mas entre ficar em casa com minha família e ir para um cruzeiro cheio de estranho no ano novo, a segunda opção me parecia melhor. Acho que valerá o sacrifício do Natal.
Desci do quarto às pressas.
— Fechado! – disse à minha mãe – Natal fico aqui e ano novo vou à festa da empresa.
— Viu! Nem foi tão difícil assim. O ano novo seu pai e eu iremos passar na casa da sua tia Maria Fernanda. Tenho certeza que ela sentirá sua falta, mas, trato é trato. Depois você explique a ela seus motivos.
Dia vinte e quatro chegou e a casa foi enchendo aos poucos. A minha tia Maria Fernanda foi uma das primeiras a chegar e bem, ainda era estranho olhar para uma cópia da minha na versão mais escrachada. O marido dela era tão divertido quanto ela. Se comparado aos meus pais, poderia dizer que era uma versão liberal deles, o total oposto. O marido dela era muito parecido com o papai, mas uma versão sorridente e musculosa, até os bebes se pareciam. Ambas nasceram no mesmo mês, seria no mesmo dia se a confusão da invasão na casa da frente, não tivesse acelerado o nascimento de minha irmã que nasceu nove dias antes do nascimento da prima. Assim, minha irmã nasceu em 09 de fevereiro e minha prima no dia 18 de fevereiro, dois dias depois seria anoversário da Fê. As duas receberam Fernanda no nome. Ana Fernanda, minha pequena irmã e Fernanda Maria, nome dado à minha prima. Minha tia disse que não queria esse nome, mas que o marido dela insistiu em colocar o nome dela, Fernanda e Maria, que era o nome da mãe dele. Segundo ele o nome das duas mulheres da vida dele estaria na terceira mulher da vida dele. Aposto que se fosse menino ele daria o nome dele e do pai dele, coisa de gente tradicional.
O dia passou de maneira amena e quando estava próximo das vinte horas, tomei um longo banho e me arrumei. Minha mãe, embora goste de seguir as tradições do Natal, a única que ela ignora é a de que a ceia seja servida à meia noite. Ela acha absurdo fazer os convidados passarem fome até que chegue zero hora. Assim, a janta é servida pontualmente às vinte e uma horas. Quando saí do meu quarto vestindo um moletom cinza e dei de cara com minha mãe no pé da escada.
— Ah não, não senhor! Você não vai passar o natal com uma roupa dessas.
— Mas eu gosto de me vestir assim, além disso, porque eu me enfeitaria tanto só pra ficar em casa.
— Meu filho, é Natal! Pelo amor de Deus! Além disso, temos visitas.
— Família não é visita mãe.
— Bem, você é quem sabe. Tenho uma surpresa pra você e queria que estivesse melhor vestido.
— Deixa o menino, Ana. – interviu minha tia.
— Está bem, mas não diga que não avisei.
Fiquei pensando que tipo de surpresa seria essa, minha mãe não é muito boa com surpresas. De qualquer maneira, por que estaria relacionada à minha roupa?
A família estava reunida na sala e, não devo negar, perto de todos, eu era o menos elegante. Minhas primas com vestidos de festa, meus primos com social chique, até minha tia Maria Fernanda estava deslumbrante. Parecia que eu estava no lugar errado, mas pelo menos me sentia confortável. Nesse minuto a campainha tocou. Quem seria? Todos os familiares já estavam reunidos.
Minha mãe se apressou e foi atender, quando ela adentrou pela porta da sala grande foi a minha surpresa. Com um vestido amarelo deslumbrante e com um penteado e sorriso estonteante. Lá estava ela, Isabella Jardim, minha terapeuta. Ela sorriu e me cumprimentou.
— Olá! Boa noite! – parecia surpresa e um tanto envergonhada.
Fiquei sem jeito e me embaralhei com as palavras.
— Olá! O que você está fazendo aqui?
— Alê, não seja rude, ela é minha convidada? – disse minha mãe.
— Não foi nada senhora Ana. – respondeu Isabella
— Por favor, me chame apenas de Ana – atalhou minha mãe
— Sua mãe me convidou. Foi uma surpresa pra mim também, mas ela insistiu tanto. Como eu não ia para lugar nenhum, fiquei feliz em vir.
— Também ficamos felizes que tenha vindo – minha mãe falou enquanto apontava uma das cadeiras para que ela se sentasse – Fique à vontade, já vamos servir a ceia.
Minha mãe tocou um sininho e a movimentação começou, a família inteira estava já à mesa da sala de jantar. Estávamos em dezoito pessoas organizados na mesa da direita para a esquerda em sentido horário. Minha mãe, na ponta da mesa, minha tia Maria Fernanda e seu marido Vagner, o meu tio Pedro, irmão da minha mãe, esposo da tia Valéria e pai da minha prima Solange. Ele é caminhoneiro e por isso não esteve naquele fatídico natal da traição, mas também não se meteu na briga das gêmeas. Segundo a minha tia Valéria, ele disse que elas brigavam assim por tudo, desde crianças, até comparou as duas com as gêmeas da novela Mulheres de areia, gêmea boa e gêmea má, mas se recusou a apontar quem era quem entre minha mãe e a tia Maria Fernanda. Depois da Sol estava minha tia Marisi, depois dela estava meu e meu pai, na outra ponta da mesa. Ela ficou viúva depois que o irmão mais velho da minha mãe, João, faleceu com taquicardia. Minha mãe a trata com muita frieza, à época da morte dele, desconfiava que o meu primo, Jorge não era realmente filho do meu tio e acha que ele teve um ataque do coração justamente ao descobrir a traição. Tudo não passava de especulação, embora, agora adulto, ele não se parecia nem um pouco com o meu tio, o que também não significava nada. Meu primo veio com sua esposa Elizabeth, a outra prima, Victória irmã de Jorge, veio com um novo namorado, Mário. Claro que meu pai não perdeu a oportunidade de fazer piada, então, assim que "Victória disse, pessoal esse é meu namorado Mário." "Ah, é esse então, o Mário, aquele que te pegou atrás do armário." Obviamente minha mãe não gostou nenhum pouco e, embora a galera tenha caído na gargalhada, porque é certeza que todos haviam pensado isso, meu pai logo se desculpou e minha tia Maria Fernanda chamou minha mãe de estraga prazeres. Para finaliza a mesa, eu e ao meu lado esquerdo estava a Isabella.
— Todos de pé para a oração – minha mãe pediu. Todos se levantaram e meio sem jeito, tentavam se concentrar, afinal, até onde sei, a maioria na mesa não era de pessoas religiosas, fora a minha mãe que é católica e minha tia Marisi que é evangélica, os demais eram ovelhas desgarradas como diriam as duas.
— Senhor, nesta data em que viestes a nós através do ventre da Virgem Maria, Tu que és o próprio Deus com Deus pai e Deus Espírito Santo, entregou sua vida para nos trazer a salvação. Louvamos o Teu nome juntamente com os anjos e santos, pois nasceu para nós o nosso Salvador. Abençoe à nossa família que aqui está reunida e abençoe também aqueles que já se foram, em especial minha menininha Fernanda, recolhida na flor da idade e ao meu irmão João, ao meu pai Feliciano e minha mãe Augusta. Damos graças a ti, Jesus, por todos os benefícios que nos destes e também por sua misericórdia. Amém!
Logo após isso, todos começaram a comer e conversar, minha tia mirava Isabella e passou a lhe fazer perguntas.
— Onde se conheceram?
— Isabelle é psicóloga – minha mãe se antecipou à resposta, o que fez com que Isabella ficasse calada, ouvindo atenta – Uma amiga indicou os serviços dela e infelizmente Alexanderson se recusou a continuar o tratamento.
— Mãe! – falei em protesto.
— Uai meu filho, isso não é segredo para ninguém e todo mundo deveria fazer terapia. Eu mesma fiz por muitos anos.
— Não parece ter adiantado muito – minha tia Maria Fernanda falou soltando uma gargalhada!
— Isso é porque tenho você como irmã – minha mãe devolveu em um tom irônico.
— Meninas, parem com isso, as crianças estão olhando – interveio Vagner – Além disso, vai deixar a convidada sem graça.
— É verdade – falou minha mãe – Desculpe-me querida, não tive a intenção de constrangê-la.
Isabella sorriu e respondeu com um aceno de cabeça de maneira educada.
Cada parte da mesa falava sobre uma coisa diferente, quando meu pai perguntou para o Mário.
— Quanto tempo estão juntos?
— Há três meses.
— Que legal, espero que esteja aqui no próximo natal – meu pai falou dando um sorriso cínico.
— Ah. Obrigado, eu acho – o rapaz respondeu sem graça.
— Não se preocupe, jovem – minha mãe falou sorrindo da outra ponta da mesa – Ele deseja isso a todos os namorados que a Victória traz aqui no natal. Qual era o nome do último mesmo? Fábio?
— Falaram o rei e a rainha da hipocrisia – comentou Victória, tomando um pouco de vinho – Será que devemos lembrar o Natal de 2012?
Ao ouvir a fala de minha prima, um filme começou a passar pela minha cabeça, comecei a me sentir estranho, minhas mãos começaram a tremer, as baixei e pousei sobre minhas coxas, e esfregar lentamente tentando manter a calma. Meu coração acelerou e tudo parecia estar em câmera lenta. Minha tia Marisi estava a olhar feio para Victória, indicando que ela não deveria fazer aquilo. Ela se virou para seu namorado que estava calado e o beijou. Meu pai estava com cara de assustado, minha mãe estava com raiva, embora sorrisse alegremente um sorriso Claybom, parecia que ia explodir. Os demais fingiam ignorar o que foi falado.
— Que tal jogarmos truco? – falou Vagner se levantando da mesa.
— Ótima ideia – meu pai respondeu. Também se levantando. Seguido por meu primo e por Mário.
Isabelle que observava tudo atentamente, esticou a mão e pôs sobre a minha, alisando-as e pressionando o dorso delas, aos poucos fui me acalmando, mas ainda impactado pelas imagens que vi. Enquanto olhava para todos, tudo o que eu enxergava eram cadáveres, todos estavam ensanguentados sentados à mesa. As mãos de Isabelle me tiraram daquele tormento e pude enfim me levantar da mesa ir ao jardim. As mulheres foram para a cozinha organizar alguma coisa e os homens foram jogar truco. O restante da noite passou tranquilo. Depois de um tempo, notei que Isabella estava parada diante da estátua, observando-a atentamente. Fui até ela.
— Oi. Obrigado por me ajudar. Desculpe-me pela minha família, meus pais exageram e... Bem, os natais aqui em casa são sempre meio tensos, mas no fim tudo acaba bem, eu acho.
— Não se desculpe – ela falou gentilmente — Não foi nada demais. Foi estranho, mas nada demais. As famílias são mesmo assim, quanto mais pessoas, mais tensão. Ouço muitas coisas nos meus atendimentos.
— Aqui temos muitos problemas, fico envergonhado que tenha presenciado isso.
— Não fique, não é culpa sua.
— Minha mãe pediu para fazer essa imagem – falei ao perceber que ela olhava cada detalhe.
— Muito bonita. É similar a uma que fica perto da igreja em Fátima.
— Você já esteve lá? – perguntei surpreso.
— Já, sim. Já estive em alguns lugares. Mas isso é assunto para outro dia. Preciso ir agora.
— Bem, então se despeça da minha mãe, ou ela ficará furiosa e falando mal de você por meses – falei dando um sorriso bobo.
— Já fiz isso. Já estava de saída.
— Ah, nem ia se despedir de mim...
— Por que acha que parei aqui – ela disse chegando mais perto. Passou a mão em meu rosto, pousou o polegar em meus lábios, chegou ainda mais perto, beijou meu rosto e saiu pelo portão que estava aberto. Não consegui falar nada, não consegui ir atrás dela, estava confuso e feliz ao mesmo tempo.
Os fogos de artíficio começaram a explodir e eu percebi que então, era 00:00 horas. Então, era Natal.
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