e Ano Novo também!
04 de janeiro de 2017
Da noite de Natal até o dia vinte e nove as horas passaram arrastadas e na manhã do dia cinte e cinco, tudo o que eu conseguia pensar era que eu deveria ter corrido atrás da Isabella, mas fiquei tão surpreso que paralisei e a vi partir sem falar nada depois do breve beijo no rosto. Ainda podia sentir os dedos dela nos meus lábios e os lábios úmidos dela no meu rosto. Sempre que pensava nisso, abria um sorriso bobo. Minha mãe viu e não pode deixar de comentar.
— Hum, está apaixonadinho. Quem é?
— Ninguém, só estou animado com a festa da firma.
— Sei, com esse olhar perdido e sorriso bobo. Duvido que seja só isso – ela falou servindo o café – Já fez as malas?
— Sim.
— Está levando camisinha?
— Mãe!
— O que foi? Estas festas em cruzeiros sempre acabam em sexo. Não se esqueça que já fui adolescente e já viajei em cruzeiros... – ela fez uma pausa como quem viajara ao passado.
Fiquei surpreso, a verdade é que não conseguia imaginar meus pais adolescentes e eles sempre nos contaram tão pouco.
— Enfim, previna-se.
— Como se ele fosse pegar alguém – comentou meu pai entrando na cozinha e sentando-se à mesa.
— Não fale assim do menino, Carlos! Ele ainda é jovem e... –
— Jovem?! – meu pai falou rindo alto — Na idade dele eu já arrasava com as mulheres e...
— Não ouse continuar – minha mãe falou com um tom sério e uma feição pesada — Sabemos muito bem o que você fazia quando tinha um pouco mais que a idade dele.
Meu pai se calou na hora e deu um sorriso amarelo, depois mudou de assunto.
— Bem, só espero que aproveite, afinal, não é toda empresa que dá uma festa dessas. Três dias em um cruzeiro. Uau!
— Pode deixar, vou aproveitar – falei sem entender muito o que tinha acontecido.
— É uma pena que a Fê não esteja viva... – minha mãe falou repentinamente – Ela poderia ir com você se estivesse.
Ouvir minha mãe dizer isso me deixou triste. De fato, minha irmã adorava festas e é certeza que me atormentaria para leva-la assim que visse o convite extra.
— Falando nisso, já convidou alguém? – minha mãe perguntou olhando para mim. Meu pai soltou outra gargalhada, ele já sabia a resposta.
— Sim! – respondi tentando acabar com o sarcasmo do meu pai.
— Ah, que bom! – ele falou debochando – Convidou quem, o cara que te bateu? Como era o nome dele mesmo?
Minha mãe deu a volta na mesa e estapeou o ombro do meu pai.
— Deixe de provocação. Aposto que é uma amiga. – Ela falou enfatizando a palavra amiga, como se desse a entender de que não fosse apenas isso.
— Duvido muito... — meu pai falou.
— Vamos ao mercado, quer que tragamos algo para você? – perguntou minha mãe.
— Não precisa, acho que no navio terá de tudo.
— Tenho certeza disso. Vamos, Carlos, se demorarmos muito lá ira ficar lotado e não quero passar horas na fila – falou isso empurrando meu pai para que se levantasse da messa e com a mãe esquerda deixou um guardanapo e sorriu para mim.
Depois que saíram, eu me levantei para ir ao meu quarto e notei que havia algo escrito no guardanapo: Convide ela! (11) **** - 2037 – Isabella Jardim. E uma carinha feliz desenhada. Era o telefone da Isabella, eu não havia pegado o telefone dela e não queria pedir para minha mãe. Sabia que no momento em que eu pedisse, ela ia me encher de perguntas todos os dias. Inseri o telefone na minha agenda do celular e deixei o papel do jeito que estava, assim, minha mãe iria achar que eu não vi e não a teria no meu cangote a bisbilhotar.
Liguei umas seis vezes, mas sempre caia na caixa postal. Enviei mensagens no watsapp. Escrevi e apaguei várias vezes, não sabia o que escrever e me sentia um bobo a cada vez que apagava. Como poderia ser tão difícil?
Oi, sou eu, Tudo bem?
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É eu queria saber se você tem planos para os próximos três dias
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Quer dizer, eu sei que é muito assim em cima da hora... mas sei lá
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Se você não for passar o ano novo em lugar nenhum, gostaria de ir a um cruzeiro de três dias comigo?
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Sabe, eu tenho um convite e não tenho com quem ir
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Então, se você quiser...
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Partimos hoje à noite... se puder me responder até às 15 horas.
As mensagens ficaram com apenas um risquinho, então não tinham sido entregues. Subi para o meu quarto e fiquei lá, verificando o celular a cada um minuto. E as mensagens continuavam marcando apenas como enviadas. Isso estava me dando nos nervos. Larguei o celular em algum canto e fui olhar a casa em frente, como sempre nenhuma movimentação. É fim de ano, o que eu estava esperando? A mulher deve estar fora do país, viajando em algum lugar bem chique. A ansiedade faz com que o tempo demore a passar e sem nada para fazer, isso é ainda pior.
Adormeci e acordei com o barulho dos meus pais no andar debaixo, estavam discutindo sobre alguma coisa. Peguei o celular e eram trezes horas. Notificações de mensagens apareceram.
Oi, eu quem?
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Quem é você e como conseguiu meu número?
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Olha só, parece bem interessante, mas eu já tenho um compromisso por esses dias
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Outra coisa, me escolheu porque não tem com quem ir? hahah, então eu era um estepe? Obrigado, mas não.
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Bloqueado em 3,2,1 ... tchau
Droga, como posso ser tão burro, é lógico que ela não tinha meu número e eu nem me apresentei. Ela tinha razão, como pude ser tão rude. Tentei ligar para ela, mas realmente já dava sinal de desligado, ela bloqueou meu número. Sem mais nada a fazer, almocei e chamei um carro para me levar até a empresa, o ônibus nos levaria até o porto para o embarque.
Cada um de nós recebeu uma pulseira neon com o nome da embarcação, isso evitaria que as pessoas trocassem de navio. Eu nunca havia entrado em um navio e uma vez dentro dele, você simplesmente esquece que está lá. Tudo parece a um hotel, corredores e portas e pessoas andando de um lado para o outro. Assim que todos embarcaram partimos para alto mar. As cabines eram aconchegantes e bem organizadas. Não demorou e todos estavam à vontade. O negócio era enorme e tinha de tudo, é muito melhor que um condomínio da classe média. Dentro dele tinha:
Entretenimento: Salas de jogos, cassino, boate, teatro, cineminha 4D, minigaleria de arte, lounges temáticos, áreas de recreação infantil
Esportes: Academia de ginástica, aulas de dança e yoga
Alimentação: Cozinhas que preparam pratos italianos e adaptações brasileiras com toque europeu, além de opções vegetarianas e sem glúten
Bebidas: Bar em cada lounge temático
Piscinas: Piscina externa e jacuzzi
Spa: Centro fitness e spa
Biblioteca: Biblioteca
Quadra de tênis: Quadra de tênis em tamanho real
Simulador de golfe: Simulador de golfe com 72 campos
Eu poderia viver o resto da minha vida em um cruzeiro. A maioria das pessoas que estava ali eu mal conhecia para meu azar dei da cara com a Hiroko e o Douglas, junto a eles a Sarah e a sua namora Victória, a garota punk rock. A Sarah acenou com a mão e eu sorri, a garota punk rock fechou a cara e percebi ela apertando a mão da Sarah, já demonstrando ciúmes. Segui caminhado pelo corredor e cheguei à biblioteca, era enorme e tinha muitas prateleiras cheias de livros. Caminhei entre elas e parei em frente a uma com uma caixa da coleção completa de O senhor dos Anéis, retirei de lá o exemplar de O Silmarillion, folheei algumas páginas e devolvi ao lugar. Era muita coisa pra ver e fazer. Eu deveria ter trazido alguém, estar sozinho em um cruzeiro enorme cheio de pessoas que já se conhecem é estranho, é como caminhar em uma cidade na qual você é um estrangeiro. Passei pela sala de jogos, visitei a boate que estava muito animada.
Vaguei por todo o navio e era tarde da noite quando encontrei com a Márcia saindo do bar.
— Oi pixuruco – ela veio falando e abrindo os braços em minha direção – Como você está?
— Oi, Márcia! – abracei-a e pude sentir a mão dela apalpando minha bunda e o cheiro hálito de muito álcool quando ela me beijou no rosto – O que você está fazendo aqui, não deveria estar no cruzeiro da Filial Centro?
— Ah, sim, mas meu registro é dessa filial, então, aqui estou eu. Como estou? – perguntou dando uma volta
Ela vestia um midi frente única vinho e uma sandália salto alto com strass.
— Maravilhosa! – eu respondi olhando-a de cima abaixo.
— Já você – ela falou com reprovação – Só tem agasalhos, jeans e moletons em seu guarda roupa. Quando vai para de se vestir como adolescente?
— Eu gosto, é confortável.
— Vem comigo – ela me puxou pela mão, mas cambaleou e se eu não a tivesse segurado, teria ido ao chão.
— Hum, braços fortes! – apalpou meus bíceps – E olha que você nem malha. Preciso tirar esses malditos saltos.
Abaixou-se, retirou as sandálias e voltou a me puxar. Segui-a corredor adentro até que ela abriu uma das cabines e me arrastou pra dentro.
— Sabe de uma coisa? – ela falou um pouco enrolado – Você está um tesão.
Veio me empurrando contra a parede e beijando freneticamente sem me deixar respirar, enfiando uma das mãos por baixo da minha camiseta com a outra apertada mina nuca. Minhas mãos correram das costas nuas para a cintura. Ela mordiscava minha orelha e eu pude sentir o cheiro do perfume dela e aquela pele macia.
— Márcia..
— Fala gato.
— E o seu noivo, você não veio com ele?
— Cala a boca, pra que pensar nisso agora – ela respondeu mordendo meu pescoço logo em seguida.
— Sei lá e se ele entrar...
— Ela não vai entrar ok? Eu vim sozinha, ele me deixou... Então, por favor, só me beija – ela falou me olhando nos olhos com os olhos cheios de lágrimas.
Então era isso, por isso ela tinha exagerado na bebida, por isso estava tão desesperada. A afastei com delicadeza, ainda olhando nos olhos dela.
— Sinto muito – falei puxando-a até o sofá ali ao lado – Como isso aconteceu?
— Por favor, eu não quero falar disso tá, eu só quero esquecer, só esquecer que ele existe – começou a chorar – Me ajuda a esquecer ele?
— Estarei aqui com você esses dias, mas não assim, não desse jeito. As coisas não funcionam assim. Você bebeu demais e não está pensando direito, se quiser falar eu lhe escuto, se não quiser, fico aqui até você ficar bem.
Ela se deitou em meu colo e continuou chorando por um tempo. Sentou-se repentinamente colocando a mão na boca se apoiou em mim. Levei-a até banheiro, mas ela vomitou no meio do caminho.
— Meu Deus, que vergonha. Me desculpe, eu não sou assim.
— Relaxa, está tudo bem.
Ela alcançou o vaso, terminou de colocar o álcool e tudo o que comeu pra fora. Coloquei-a dentro da banheira de hidromassagem, ajudei ela a tirar o vestido sujo e enchi a banheira. Ela me explicou onde estava a mala dela e peguei um pijama confortável. Aguardei por ali até que ela terminasse. Ela saiu do banheiro vestindo o pijama e com a toalha enrolada na cabeça. Servi a ela uma xícara de chocolate quente e bebi uma junto com ela.
— Eu devo estar com uma cara horrível – ela falou sem graça.
— Parecendo a noiva cadáver – falei dando risada.
— Seu idiota!
— Zueira, você não ficaria horrível nem se quisesse.
Terminamos o chocolate quente e me ajeitei na beirada da cama, ela se deitou e colocou a cabeça em meu colo, pôs-se a falar. Disse que o casamento estava marcado desde o ano passado e aconteceria daqui a três meses e há quinze dias ele simplesmente disse que precisava de um tempo, que não tinha certeza se queria casa. Pegou as coisas dele e deixou o apartamento sem dizer mais nada, apenas devolveu a aliança de noivado e saiu. Ficou me perguntando se eu achava que ele tinha outra e eu não tinha a menor ideia, mas talvez ele apenas estivesse com medo, foi tudo que consegui dizer enquanto fazia cafuné na cabeça dela. Ficamos em silêncio e o relógio mostrava duas horas da manhã, ela começou a cochilar.
— Como você pode ser tão legal? – falou balbuciando.
— Não sei, é mais forte do que eu.
Ela sorriu e acabou dormindo. Ajeitei-a no travesseiro e a cobri. Sai de lá e fui para a minha cabine, deixei um bilhete para ela. O resto do cruzeiro nos divertimos muito e conheci pessoas do círculo dela, casais divertidos com seus filhos e planos para o futuro. No último dia passei boa parte do tempo na minha cabine, tive algumas alucinações horríveis. Entre elas, a piscina cheia de sangue com as pessoas retalhadas boiando nela e os corredores com pessoas pegando fogo. Já havia algum tempo que isso não acontecia e por mais que Márcia tenha me implorado para sair, apenas disse que não estava bem e fiquei a ler o livro que peguei na biblioteca.
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