Capítulo 11
Depois da minha dura descoberta uma letargia feroz tomou conta de mim, como se meu espírito tivesse desistido de lutar já que tudo parecia perdido de qualquer forma. Agnes e Madalena ficaram preocupadas, mas as tranquilizei dizendo ser apenas um resfriado. Sendo assim, Madalena me obrigou a ficar de repouso, coisa que eu agradeci grandemente. Sentada diante da janela de meu quarto, vi o dia anterior passar e ir embora, e um novo dia nascer. Agora já é quase hora do almoço e eu ainda não sei o que farei.
Uma gravidez mudava tudo. Em alguns meses eu não teria mais disposição para os afazeres da plantação. Eu não poderia fazer minha parte na colheita sem riscos para mim ou esse bebê. E eu certamente não tenho dinheiro para contratar tantas pessoas para trabalhar na fazenda. E muito provavelmente quando a notícia se espalhar e souberem que sou uma desvirtuada não comprarão mais os grãos da fazenda Kedard.
E ainda sem contar os gastos futuros com mais uma boca para alimentar e, também que essa criança não tem pai. Talvez eu a entregue para ser criada por uma família. A quem eu quero enganar? Família nenhuma faria isso de graça e eu obviamente não tenho condições de pagar. Talvez eu a coloque num abrigo de órfãos, então. Estremeço diante da ideia, pensando em como esses lugares são sombrios e tristes.
Suspiro, frustada e exausta. Tudo o que fiz nesses dois dias tem sido pensar e pensar e pensar. Não comi, não dormi, não sai desse bendito quarto. Minha mente estava frenética procurando uma saída mas não achou nenhuma. Quem ajudaria uma mãe sozinha que estava à beira da falência? Ninguém me ofereceu auxílio antes, não o farão agora.
Espere, isso não é verdade! Um único homem tentou me ajudar e me fez prometer que eu o procuraria caso fosse necessário. Bem, senhor Mackenzie, parece que essa hora chegou!
Como se toda minha energia retornasse a mim num rompante, levanto-me agitada e empolgada. Talvez haja uma saída afinal!
-- Agnes! -- grito a plenos pulmões -- Agnes!
Logo ouço passos rápidos vindo pelo corredor numa corrida desenfreada e ela entra esbaforida.
-- Senhorita! O que houve? Está passando mal? -- ela diz preocupada enquanto recupera o fôlego.
-- Não! Estou melhor, muito melhor! Vá agora mesmo arrumar suas malas, leve o necessário para uns dois dias de viagem, creio que seja o suficiente. Lorde Mackenzie não deve demorar em sua decisão e certamente não vai querer que eu me demore em sua casa. Isso se ele sequer aceitar me receber, não é mesmo?
-- Eu não entendi nada, senhorita.
-- Ian me ofereceu ajuda uma vez, Agnes, e pelo que restou de meu orgulho e minha vergonha eu não aceitei. Agora não mais posso me permitir esse luxo, portanto vamos até a propriedade Mackenzie imediatamente tentar reparar esse meu erro.
Ela me olha surpresa e demora um pouco a responder. Como já a conheço bem sei a pergunta que virá em seguida e já decido que contarei a verdade a ela, pois preciso de alguém ao meu lado e ninguém melhor do que minha única amiga.
-- O que fez a senhorita mudar de ideia? -- pergunta.
-- O que vou lhe dizer é segredo absoluto, ouviu?
-- Minha boca é um túmulo, senhorita.
-- Eu estou grávida, Agnes. -- ela arregala os olhos -- Lhe direi a história completa em outra hora, agora precisamos nos apressar para chegarmos antes do pôr do sol.
Partimos em uma hora, apenas o tempo necessário de juntar nossos poucos pertences e comer nosso almoço apressadamente. O cavalgar rítmico dos cavalos era suave graças à grama abundante e macia da primavera, porém eram lentos demais e, ao invés de aplacar a ansiedade que tomava conta de mim, só a fazia aumentar.
Isso também se devia ao fato de temer que tudo desse errado. Havia tantas possibilidades de desfecho nessa minha jornada: Jamie poderia não aceitar me receber, poderia me ouvir e recusar veementemente meu pedido de socorro, mas eu esperava que eu e Ian pudéssemos convencê-lo do contrário. Eu torcia com todas minhas forças para isso.
Agnes foi uma companheira de viagem animada, já que amava a natureza tanto quanto eu e comentava cada bela vista do caminho. Ela disse não ter apreciado tudo antes pois estava sempre ocupada tentando sobreviver e que agora, graças a mim, poderia admirar o simples e belo sem ter que estar atenta às suas costas. Fiquei encabulada com esse elogio inesperado, e feliz por poder proporcionar essa sensação de segurança a ela. O outro tópico da conversação era meu atual estado, e para meu espanto Agnes estava felicíssima com a notícia. Já fazia planos com essa criança, imaginando a decoração de seu quarto e dando ideias para possíveis nomes e, claro ela já se considerava a ama do bebê.
Quando chegamos ao nosso destino senti que a viagem poderia ter durado um pouco mais, pois graças à empolgação de minha amiga não pude me concentrar e planejar adequadamente o meu discurso. Estávamos adentrando a propriedade Mackenzie pelos fundos quando vi um funcionário do lugar passando por ali, saindo de um grande barracão.
-- Senhor! Ei, senhor! -- chamei.
Ele olhou para os lados procurando de onde viera o som que o chamou e nos avistou.
-- Senhoritas. -- nos cumprimentou.
Descemos da montaria e nos aproximamos dele.
-- O senhor poderia, por favor, chamar o senhor Mackenzie? Preciso muito falar com ele.
-- O patrão está em viagem, senhorita. Mas deve estar para chegar, porque não aguarda dentro da casa com a senhora dele?
-- Não, não senhor. Preciso falar com o senhor Ian.
-- Ah, moça, porque não disse logo? O menino Ian está logo ali, vamos, vamos, eu a levo até ele. -- disse animado, já caminhando e me chamando com o braço.
-- Eu prefiro aguarda-lo aqui, obrigada.
Com um dar de ombros o homem segue seu caminho assoviando. Viro-me para Agnes e a chamo para sair das vistas, nos escondendo atrás do barracão de onde o homem saiu há pouco. Ela começa a tagarelar aos sussurros sobre coisas aleatórias. Eu a alertei anteriormente sobre não tocar no assunto da minha gravidez aqui. Sei que logo será impossível esconder mas pelo menos por enquanto, prefiro adiar o inevitável.
-- … e acho que o meu cavalo está com uma pedra no casco, ele mancou um pouco nos últimos quilômetros.
-- Pediremos para que alguém...
-- Porque estão sussurrando? -- uma voz grave troveja atrás de nós e pulamos com o susto -- Desculpem, não quis assustá-las.
Olho para Ian Mackenzie e um arrepio me sobe pela coluna, causando uma sensação estranha. Ele sempre foi tão lindo assim? Está com uma camisa branca com metade dos botões abertos, deixando à mostra seu peitoral bronzeado e esculpido. Os cabelos castanho avermelhados numa bagunça desgovernada, no rosto o suor de seu dia de trabalho e nos lábios um sorriso divertido. Saio de meu torpor e o cumprimento, finalmente.
-- Senhor Mackenzie. -- faço uma mesura e Agnes me acompanha -- Eu… gostaria de uma reunião com seu irmão.
Seus olhos azuis brilham de animação com minha frase e seu sorriso se amplia.
-- Entendo. Jamie está fora mas não tardará a chegar, o que nos permitirá um momento para conversarmos a sós. Me acompanha? -- pede, estendendo um braço apontando o caminho.
Prendemos os cavalos e, sem alternativa, o seguimos até o que Ian chama de "sua cabana", que está mais para uma casa pequena de apenas um andar. Ele nos acomoda na sala de visitas e se retira por alguns minutos, voltando depois mais alinhado, com o rosto limpo, cabelo arrumado e camisa limpa e com todos os botões fechados, o que é bom pois aquele corpo à mostra estava me distraindo.
-- Senhorita Missy. -- ele me chama da porta.
Me despeço de Agnes e sigo até outro cômodo com ele deliciando-me tanto com seu leve cheiro de cravo e madeira e suor, que só percebo estar em seu quarto de dormir depois que Ian fecha a porta. Olho para ele, surpresa, com olhar questionador.
-- Eu não tenho outra sala de visitas, sinto muito. -- ele diz desculpando-se -- Agora, me diga o que orquestrou como estratégia para essa reunião.
Ele aponta uma poltrona ao canto e puxa um banquinho, sentando-se à minha frente.
-- Estratégia? -- pergunto -- Não tenho nenhuma. -- assumo.
Ian não se abala e aquele maldito sorriso animado se mantém firme em seu rosto.
-- Bem, então faremos uma agora. Annelizy sempre diz que a verdade é o melhor caminho e é por ele que seguiremos. Diremos que seu pai a obrigava e…
-- Não!
-- Não? Senhorita, essa vai ser a forma mais fácil e segura de conseguirmos com que Jamie aceite nosso pedido para retomar os negócios com a fazenda Kedard.
A palavra "nosso" não me escapou, e sinto-me aliviada por saber que ele estará lá ao meu lado.
-- Eu prefiro manter o passado em seu lugar. De nada vai adiantar remexer nesse assunto.
-- E você realmente acha que Jamie não o fará? Eu já tentei convencê-lo, mas o argumento dele é sempre o mesmo: que você está apenas colhendo o que... -- ele para de falar abruptamente e fica vermelho de vergonha.
-- Apenas colhendo o que eu plantei. -- suspiro tristemente já imaginando que essa viagem foi uma tolice.
-- Eu não compartilho dessa opinião, você sabe disso não é?
Ian se inclina para frente e toma minha mão na sua num aperto firme, porém suave, que me acalma e inconscientemente entrelaço meus dedos nos dele.
-- Eu não estaria aqui se não soubesse, Ian. -- lhe digo com um sorriso, sem desviar o olhar daquele mar azul que são seus olhos.
O homem à minha frente silencia por um momento, e percebo que observa cada centímetro de meu rosto, mas ao contrário da última vez que o fez isso não me deixa tímida, me deixa estranhamente animada. Ian para seu escrutínio e se levanta num rompante.
-- Então é isso, a conversa com Jamie está cancelada, eu mesmo vou ajudá-la, Missy.
-- O que quer dizer com isso? -- pergunto levantando-me.
-- Exatamente o que eu disse, oras. Tenho um bom dinheiro guardado, o suficiente para uma reforma na sua fazenda e para investir em mais empregados. Na próxima safra plantaremos grãos de boa qualidade o que dará mais lucros e assim sucessivamente e…
-- Eu não vou aceitar seu dinheiro. -- digo o interrompendo -- E nem o de Jamie, diga-se de passagem. Vim pedir para que retome os negócios conosco, não que me dê esmolas. Já engoli meu orgulho vindo até aqui, não vou engolir meus princípios.
Percebo que isso o irrita profundamente e sinto-me mal por recusar tamanha bondade que ele me cede. Porém não posso aceitar gastar suas economias, ainda mais sem ter em vista um prazo para pagar o empréstimo, já que a quantia será uma fortuna. Aproximo-me dele e lhe pego uma mão nas minhas, apertando.
-- O que o senhor faria em meu lugar? -- ele parece entender minha posição e seu olhar se suaviza -- Caso lorde Mackenzie não aceite minha proposta, eu aceitarei parte de seu dinheiro, apenas para contratar mais pessoal e combinaremos uma data limite para que eu pague minha dívida. Faremos um contrato, claro, estabelecendo tudo legalmente.
-- Missy...
-- Não quero mais ser humilhada, Ian. Eu aceitarei um trabalho caso chegue à esse ponto, mas não aceitarei esmolas. E me prometa que não falará nada a ninguém sobre o meu passado com aquele maldito que eu chamava de pai. Por favor...
Mackenzie puxa a mão que seguro erguendo a minha junto, e nela deposita um beijo delicado, sempre mantendo os olhos nos meus.
-- Temos um acordo. -- ele diz.
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