Capítulo 29
Darwin
É preciso voltar ao começo.
Dizem que cada detalhe que te leva ao abismo é consequência do que aconteceu no passado.
Pensar isso me faz lembrar dela.
Onde tudo isso que sou hoje começou. Onde tudo o que aconteceu me tornou.
Pela manhã quando acordei mais uma vez na cama da Allie, me senti em paz como sempre me sinto quando estou com ela ao meu lado, mas hoje foi diferente.
Ao pegar a folha escrita na escrivaninha senti meu mundo cair.
Sai do quarto com a folha em mãos deixando-a no banco do carona e dirigi a Wisconsin.
No começo era difícil voltar aqui. Era atordoante fechar os olhos e lembrar-se de tudo que aconteceu, mas hoje eu precisava voltar ao inicio.
Cada um tem um lugar favorito no mundo inteiro, onde se sente bem e não precisa fingir ser o que não é. A questão que o meu lugar favorito é o que me trás as lembranças mais dolorosas da minha vida.
Sinto o silêncio me abraçar mais uma vez, como tem feito durante anos e o vento do final da tarde me atinge com agressividade. Sentar no penhasco onde me sinto livre e em paz é assustador, pois quase sempre ela me acompanhava aqui.
Dizem que o tempo cura.
Que te faz forte e com os anos a dor se dissolve.
A dor não é bem assim.
Ela te consome e devora, e quando não se é forte o bastante você se deixa ir com ela.
Allie não precisava ter escrito esse bilhete, droga!
Ela não precisava ter escrito essas palavras.
Engulo o nó em minha garganta e fecho os olhos antes de abrir a folha que dobrei em quatro partes.
Leio pela centésima vez as palavras escritas em vermelho e pela centésima vez eu penso que não deveria ter ido tão longe com Allie.
Tenha um ótimo dia, meu querido Darwin.
As três ultimas palavras foram as que memorizei e me assustei.
Ela me chamava assim, mesmo eu odiando isso.
Passo os dedos pela escrita e fecho os olhos deitando-me na grama e deixando meus pensamentos voltar ao inicio, para ser mais exato no dia em que me perdi completamente.
Maio de 2008
- Eu só queria que tudo fosse diferente – franzo o cenho ao me sentar ao seu lado.
- Darwin a vida não é uma varinha mágica que muda tudo com um simples toque – ela sorriu antes de continuar – pense pelo lado bom logo estaremos na universidade.
- Eu ainda não decidi.
- Como assim?
- Não pensei sobre isso.
Não sabia o que queria da minha vida no momento. Acho que no fundo eu queria mesmo era pegar minha câmera e sumir pelo mundo. Tirar fotos e viver em paz.
- Eu fiz uma lista com o que quero fazer – ela gargalhou de si mesma.
- Você e sua mania de ter tudo sob controle.
- Por favor, Darwin -, ela resmungou – eu só quero sair da minha zona de conforto, arriscar, conhecer e sonhar. A vida é muito curta meu querido.
- Odeio quando você me chama assim – resmungo.
- Por isso mesmo que te chamo – ela jogou um pedaço de grama em minha direção.
O silêncio se fez presente entre nós e o pequeno uivo do vento soprando em nossos rostos dizia que estava ficando tarde.
- Como ela está? – ela pergunta enquanto encara o sol se pondo mais adiante.
- Do mesmo jeito – digo – agora arrumou um pirralho para criar. Tem noites que eles gritam quando chegam à casa bêbados, mas eu coloco meus fones e me desligo.
- Ela pergunta...- sua voz falha e vejo seus olhos se lacrimejar.
Seguro sua mão forçando um pequeno sorriso.
- Não pense sobre isso.
- Darwin é complicado eu não sabia que...
- Ei, não precisa se desculpar.
Uma lágrima caiu sobre seu rosto e eu engoli o nó em meu peito.
- Vocês estão bem? – perguntei.
- Estamos Darwin – com a palma da mão ela limpou as lágrimas – eu o amo.
Eu acreditava nela. E nele também.
Ele a fazia feliz e isso me deixava em paz.
- Fico feliz por vocês – sorrio.
- Nós podíamos comer algo – ela disse ficando em pé.
- Também acho – concordei ficando em pé.
Desde quando tudo aconteceu, nos víamos até três vezes por semana, mas como ela tinha o dia de trabalho corrido eu precisava aceitar que nem sempre podia conversar com ela, mas eu sentia falta dela.
Estacionei o carro na lanchonete do Bob's. Nosso lugar favorito para comer. Pegamos uma mesa mais ao fundo e nos sentamos.
- Hambúrgueres e fritas – ela sorriu para a garçonete.
- Algo á mais? – a garçonete baixinha de cabelos pretos piscou para mim.
- Acho que uma cerveja cairia bem – ela respondeu antes mesmo que eu pudesse cogitar.
A garçonete anotou nosso pedido e saiu.
- Eu não vou beber – aviso me aconchegando na cadeira.
- Deixa de ser careta, Darwin – ela resmungou – você viu que ela piscou para você?
- Não estou á fim.
- Qual é Darwin, você sabe que um dia pode se apaixonar não é?
Passo a mão na nuca.
- Sim eu sei disso, mas enquanto não acontece prefiro ficar assim.
- Escolha alguém totalmente diferente de você – ela cruzou às mãos sobre a mesa.
- E por que faria isso? – questionei.
- É bom ser desafiado, você precisa conhecer alguém diferente de você que te mostre que o mundo pode ser colorido ao invés de preto e branco – ela fez uma pausa – eu me importo com você meu querido Darwin.
- Você deveria parar de falar assim.
- Gosto da careta que você faz – ela gargalhou.
A garçonete se aproxima com nosso pedido.
- Precisarem de algo é só chamar – ela sorriu colocando uma mecha do cabelo para trás da orelha.
- Pegue – ela me alcançou uma cerveja.
- Acho melhor não, estou dirigindo – explico.
- Uma cerveja não vai fazer mal.
Ela fez cara de pidona que me fez sorrir.
Comemos nossos hambúrgueres e fritas, enquanto colocávamos a conversa em dia. Beberiquei minha cerveja devagar, nunca fui de beber, mas até que uma cerveja não fazia mal á ninguém. Ela me contou que tinha se inscrito em Harvard e que gostaria de estudar artes – como se eu não a conhecesse – desde pequena ela pintava e dizia que teria um ateliê com suas "obras de arte".
Eu torcia por ela, sempre torci. Assim como ela torcia por mim.
Quando ela pediu uma terceira garrafa, sendo que eu ainda estava na primeira disse que já estava ficando tarde.
- Você não precisa ser tão careta Darwin – ela me jogou um pedaço da batata frita.
- Eu tenho treino amanhã -, digo bebendo um gole pequeno.
- Então você está pensando em seguir carreira?
- Ainda não pensei nisso.
- Depois dessa cerveja, nós vamos – ela abriu a cerveja sorrindo – eu sinto falta sua, de conversar com você o tempo todo e de ver você tocando.
- Peguei o violão na semana passada, mas como Paul o novo namorado dela odeia barulho quando está assistindo o seu jogo de beisebol eu parei de tocar.
- Você poderia tocar novamente para mim um dia desses.
- Quem sabe – dou de ombros.
- Ah, meu querido Darwin.
- Se você parar de me chamar assim eu penso no assunto.
Ela gargalhou e arrancou uma gargalhada minha.
Entramos no carro. Eu precisava deixar ela em seu apartamento que ficava á mais ou menos meia hora da lanchonete.
- Vou ligar o rádio – ela avisou apertando o play.
- Não aumente tanto o...
Tarde demais. Ela lacrou o som do carro quando ela escutou a música Boom Clap.
Abriu a janela deixando o vento de a madrugada invadir o carro.
Quando liguei o motor do carro colocando o sinto de segurança ela ergueu as mãos para cima cantarolando a música.
- Você é desafinada – digo antes de engatar a primeira.
- Você deveria cantar junto – ela colocou o sinto sorrindo.
A estrada era escura, sem muito movimento á essa altura, mesmo não sendo tão tarde o movimento era pequeno.
Gostava de ver ela assim.
A vida para ela não era nem um pouco preto e branco e sim uma paleta de cores.
A musica trocou e com isso ela aumentou o volume, sacudindo a cabeça ao som de One Republic.
Ela sempre foi fã dessa banda, assim como tantas outras.
- Eu vejo que a cerveja começou á fazer efeito – digo rindo.
- Não posso cantarolar?
- Oh, não fique á vontade meus ouvidos ficam felizes.
E assim ela fez. Continuou cantando e fazendo gestos com as mãos.
A vida é mesmo como uma música. Tem notas altas das quais doem mais na alma e notas baixas que nos tocam com mais leveza.
Ela depositou um breve beijo em minha bochecha depois que a música acabou.
- Amo você, meu querido Darwin.
Tirei os olhos da estrada á nossa frente, por um breve segundo.
Encarei-a sorrindo, vendo os traços que tínhamos em comum.
Eu também a amava, mas não consegui dizer essas palavras.
Em uma fração de segundos foi quando a claridade tomou conto de meus olhos e no meio daquele breu que estava a estrada tudo ficou claro demais. O som estridente de lata sendo amassada adentrou em meus ouvidos. Apertei minhas mãos com força no volante, mas tudo parecia desgovernado demais.
Perdi o controle do veiculo e com isso meus braços se afastaram da direção e então depois de capotar algumas vezes ele parou de frente com uma árvore. Meus olhos pesados eu tentava abrir, mas sem muito sucesso.
Aquele momento em que você escuta tudo, mas não consegue acordar.
O barulho da buzina ecoava pela escuridão quebrando o silêncio. Respirei fundo, mas senti meu pulmão se rasgar com a dor latejante então forcei meus olhos e consegui abrir.
Os estilhaços do para-brisa estavam espalhados pelo carro. Meu corpo inteiro doía. Um liquido quente senti escorrer em meu rosto e levei os dedos até o queixo onde vi que sangrava. Quando olhei para o assento vazio ao meu lado me desesperei.
- Droga! – exclamei tentando me libertar do cinto de segurança.
Mesmo sentindo meu corpo doer e meus pulmões me rasgarem cada vez que respirava eu me livrei do cinto cambaleando para o lado de fora. O carro que havia batido em nós estava capotado na pista.
- Darwin – sua voz era baixa.
Dei a volta no carro e a vi.
Seu corpo estava caído no chão então me apressei para ajuda-la.
- Shhh...- digo.
- Não Darwin -, ela disse apontando para barriga.
A blusa branca que ela usava agora estava encharcada de sangue. Um estilhaço de vidro estava preso em seu abdômen e seus olhos estavam molhados.
- Vai ficar tudo – afirmei tremendo.
Não sabia o que fazer.
Se fosse pressionar a barriga onde sangrava o vidro adentraria mais fundo, então segurei sua mão.
- Porra! – berrei – alguém me ajuda.
- Está doente, Darwin –, sua voz falhou.
- Ei eu disse que vai ficar tudo bem – repeti.
Seus dedos apertaram os meus e um pequeno sorriso se fez presente em seus lábios.
- Lembra quando a gente dormiu no lado de fora? – sua pergunta era baixinha, mas eu estava próximo o bastante para escutar.
- Você precisa ficar sem silêncio – resmunguei.
- As estrelas são feitas de pessoas, cada uma com um brilho diferente – ela me ignorou e continuou falando. Quando tentou se mexer gemeu de dor.
- É sério você precisa ficar quieta.
- Darwin eu quero que você se permita sonhar. Não tenha medo, pois tudo é passageiro.
Tentei dizer algo, mas ela balançou a cabeça me impedindo.
O nó em meu peito estava me consumindo e meus olhos ardiam com as lágrimas que estavam insistindo em cair.
Silêncio.
Dizem que o silêncio pode ser uma boa companhia, mas nesse momento eu não desejei isso.
- Não feche os olhos – apertei sua mão.
Ela demorou em abrir os olhos e isso me assustou mais ainda.
- Vou pegar o celular para chamar ajudar – tentei me levantar, mas sua mão se entrelaçou com a minha.
- Fique comigo.
A essa maldita hora nenhum carro passava na estrada para me ajudar e o carro capotado no meio da estrada não mostrava sinal de vida.
- Você precisa me prometer – ela começou.
- Não começa, por favor – disse entre dentes.
- Ah – ela gemeu de dor e notei que cada vez mais sua blusa estava manchada.
- Você precisa ir para o hospital.
- Shhh, Darwin...vai ficar...tudo bem – sua voz falhou.
Tirei uma mecha do seu cabelo da testa e ela fechou os olhos ao sentir meu carinho. Tudo era quieto e sua respiração começou falhar, quando notei que seus olhos se fecharam eu apertei sua mão.
- Você disse que vai ficar tudo bem – bufei.
As pálpebras de seus olhos pareciam pesadas demais.
- Acorde! – berrei.
Senti um alivio quando eu vi seus pequenos olhos verdes me encarar, mas as palavras que saíram de sua boca foram as que me fizeram afundar.
- Aguente firme, meu querido Darwin.
****
Olá meus queridos leitores, como vocês estão?
Bem por aqui muito corrido. Peço um milhão de desculpas por ter demorado a postar mais capítulos, mas minha vida está uma correria.
Me digam o que acharam desse capitulo.
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