46: Torre IV
Christine
Naquela noite, Jeffrey fez como disse e me levou onde eu quis. Saímos mais algumas vezes e logo ele percebeu que eu estava melhor assim. De forma estranha e um pouco inesperada, depois de mais alguns dias ele pediu pra que eu continuasse a morar com ele, disse que se eu aceitasse, faria de tudo para ser bom pra mim. Entre uma falsa ilusão de redenção por parte dele e a ideia de uma possível liberdade, aceitei.
Voltar como se nada houvesse acontecido foi difícil, mas me explicar e tentar me redimir com minha mãe foi pior. Quando nos reencontramos depois de uma longa discussão, ela me agradeceu por ao menos dizer que estava viva. Disse que o rapaz que entregou meu recado foi bem gentil. Isso me surpreendeu e quando tive oportunidade eu agradeci a Spencer. Sinto que eu e minha mãe estamos afastadas, talvez ela ainda não tenha me perdoado pelo que houve e isso me enche de raiva de Jeffrey. Nada parece ter voltado 100% ao normal e eu sinto que a tempestade apenas se acalmou antes de destruir tudo.
Por mais estranho que pareça eu me habituei a estar no mesmo ambiente que Jeffrey. Eu podia sair e voltar, mas eu sabia que nas entrelinhas de nosso "acordo", eu não podia me envolver com ninguém. Não quero nem pensar no que ele pode fazer se imaginar que estou próximo de algum outro homem. Eu sinto falta de Damon e gostaria muito de ao menos ter tido mais tempo com ele, preferiria ter terminado nosso namoro ao invés de saber que agora ele está morto por minha culpa. Não sei se o que me impede de aceitar novamente Jeffrey é pelo o que ele fez a Damon ou porque finalmente cai na real. Por que diabos eu nunca o entreguei para a polícia? Desde o primeiro momento em que eu o vi eu deveria ter feito isso. O tempo passou de forma tão turbulenta que não me dei conta de que faltavam poucos dias para Adam completar dois anos.
Eu comentei isso com Jeffrey, apesar de tudo eu reconheço seus esforços em ser um pai minimamente bom. Isso tudo me impressiona um pouco. Tenho percebido que ele também não bebe mais, ao menos não em minha presença. Ele não fala e não dá indícios de que continua em seu serviço sujo, mas eu sei que ele ainda faz isso. Eu sei que por baixo de toda essa serenidade e paciência se esconde um monstro egoísta e perverso.
— Não ligue muito, ele não vai lembrar de nada mesmo. — Eu dei de ombros. — Além de que ele só dorme, come e chora.
— Ele não vai lembrar, mas vai saber se você tirar fotos. — Eu franzi a testa. — Tire fotos pra guardar e mostrar a ele, algo assim.
— Você realmente está me sugerindo isso? — Ele assentiu. Eu me virei para sair. — Ok...
— E você? Não quer nada?
— Como assim?
— De presente, eu nunca te dei nenhum de aniversário. — Disse risonho.
— Não é meu aniversário e eu tenho cara de quem liga pra isso? Eu nem lembro a ultima vez que comemorei meu aniversário. — Depois que passei dos quinze isso deixou de ser algo legal.
— Você quem sabe, mas se quiser algo me diga.
Não tinha nada que eu quisesse, pelo menos não no momento, mas eu me lembrei que ele disse que quando a gente se mudasse, ele compraria a casa que eu quisesse e que na sala eu teria um lindo piano.
— Um piano... — Eu disse sem interesse. — Talvez essa sala sem graça fique melhor.
— Algum específico? — Eu neguei. Ele assentiu e antes de sair, completou. — Por que você não muda a decoração? Eu não entendo disso, então você pode deixar tudo como quiser.
As vezes realmente quero saber o que se passa pela mente de Jeffrey. O que ele pensa sobre mim e o que ele pretende com tudo isso. Impressionante é a forma que ele age, como se tudo estivesse normal.
(...)
Eu passei os dedos pelas teclas que reproduziram doces sons. Isso me deixou um pouco nostálgica. Não esperava que ele fosse se preocupar em fazer o que eu pedi, ainda mais de forma tão rápida. Eu comentei isso com ele anteontem.
— Eu gostei... — Por impulso eu admito em voz baixa.
Jeffrey deu meio riso, acho que entendeu que isso foi um quase "obrigado" e que eu estava satisfeita. Eu me sentei no banquinho e aos poucos, esqueci do mundo ao meu redor. Acredito que Jeffrey deve ter ido ficar com Adam pois durante um bom tempo não fui incomodada por nenhum dos dois. Fazia tempo que eu não me distraia com algo prazeroso e mesmo estando um pouco enferrujada, ainda conseguia tocar algo bonito. Minha mente se distanciou de tal forma que naquele momento era como se só eu e o piano existissem. E comecei a relembrar os bons momentos que tive quando criança, da minha paixão por música e pela leitura que pouco a pouco se desvaneceu.
— Christine? — Eu parei abruptamente. — Eu vou sair, vou voltar tarde, ok?
— Tudo bem. — Eu voltei minha atenção para o piano. — Cuide-se.
Jeffrey disse mais algumas coisas que eu não me importei em responder, eu ia deixar ele se dar conta de que estava me atrapalhando, mas me lembrei que pretendia sair e por isso precisaria de um carro.
— Me empresta seu carro? — Eu o interrompi.
Ele semicerrou os olhos.
— Ok... — Eu sorri. — Você não vai fazer nada que te coloque em risco, né?
— É com isso que você se preocupa?
— Sim? — Ele respondeu como se fosse óbvio. — Que eu saiba você é incapaz de fazer mal a alguém, ao menos não com as próprias mãos. — Jeffrey deu um sorriso cínico.
Isso me incomodou um pouco.
— O que exatamente você está insinuando? — Eu sei ao que ele se refere. — Sua serpente.
— Nada. — Ele deu de ombros. — Tome cuidado.
Ele saiu. Voltei a aproveitar meu momento a sós até ser interrompida por um choro estridente.
"Adam."
Me obriguei a levantar e ir até o quarto, como uma criança consegue chorar tão alto?
— Mamãe está aqui, pronto, pronto. — Eu o peguei no colo. — Não quer ficar sozinho, não é?
Quando não estava comigo, Adam estava com Jeffrey, acho que ele se acostumou a não ficar sozinho.
— Quer ajudar a mamãe a fazer compras no shopping?
Era um bom momento pra isso já que eu precisava me distrair, sair. Talvez gastar dinheiro ajude, dinheiro esse que não é meu, portanto eu não preciso me preocupar.
(...)
Perambular pelo shopping comprando uma coisa e outra se mostrou um excelente passatempo. Depois de algum tempo vagando, parei na praça de alimentação para que eu e Adam comêssemos algo. Apesar de não ser pesado, era um pouco incômodo andar com um bebe preso a minha caixa torácica, mas é bom ter um pequeno ser que te olha como se você fosse a pessoa mais importante no mundo para ele.
— Depois daqui a gente passa na loja de brinquedos e eu deixo você escolher algo.
Sem pressa, nem preocupação. Voltamos a rodar pelo imenso lugar, entrando e saindo de lojas. Comprei coisas pequenas pra não ter muito peso e ainda sim as sacolas incomodavam um pouco. Antes de ir para casa, passei na loja de brinquedos. Um local cheio de pais preocupados com preço e crianças maravilhadas com objetos de plástico que em uma semana no máximo, será esquecido.
— O que você quer? — Adam sabe escolher bem o que quer, geralmente ele olha para algo e se aquilo lhe atrai, ele não se distrai com nenhum outro. — Já escolheu?
Eu me aproximava das prateleiras deixando ele tocar os brinquedos.
— Não escolha algo grande?
— Pode me ajudar? — Eu encarei o homem que do nada surgiu, ele sorria de forma gentil. — Pode parecer estranho, mas eu não sei o que comprar. A filha do meu irmão está fazendo dez anos e eu não sei o que as crianças gostam.
O que ele quer? Puxar assunto?
— Já experimentou perguntar a ela? Além disso, como pode ver, eu não trabalho aqui. — O homem desfez o sorriso na hora parecendo um pouco surpreso, talvez pelo meu jeito um pouco rude de responder.
— Claro... eu perguntei por que... — Ele meio que apontou para Adam que inquietamente se mexia. — Enfim, desculpe...
Ele se afastou parecendo estar frustrado. Admito que minha reação não foi das melhores, mas não estou com saco para interagir com ninguém, além de que, na maioria das vezes que eu tentei ajudar alguém só me compliquei. Vai que esse cara é um doido e está visando meu filho? Então não me importa se um idoso pede ajuda para atravessar a rua ou uma mulher me pergunta se sei onde fica "tal" endereço. Eu não me disponho mais a tentar ajudar ninguém, a não ser que possa ser útil pra mim.
— Já escolheu algo, mini saco de batatas? — Adam balançou um brinquedo estranho. — Nossa, isso é peculiar.
Me dirigi até a fila para pagar. Quando sair daqui vou direto para o carro e depois para casa.
Jeffrey
Me sinto cansado. As noites mal dormidas e o estresse estão me matando, mas isso é culpa minha. Empurro a porta de má vontade e giro a chave para trancar a fechadura. Que porre. Mais alguns anos e não só minha mente, mas o meu corpo vai estar mais fodido que o de um doente de hospício. Me surpreende que mesmo levando um estilo de vida não recomendado eu ainda consiga estar aparentemente bem.
"Vaso ruim demora a quebrar." Isso me arrancou um riso baixo.
A casa estava em completo silêncio, acho que Christine já está dormindo. Noto algumas sacolas grandes na mesa de centro da sala, talvez ela tenha comprado algo e não tenha tido tempo de arrumar. Ignoro isso, vou para o quarto de Adam, tudo quieto, então me dirijo ao quarto dela. Christine e eu não dormimos no mesmo quarto, por razões óbvias. Vivemos juntos, temos um filho, mas acho que para ela não passamos de meros "conhecidos" que dividem casa para dividir custos, mas a verdade é que eu a considero minha mulher e eu pago por tudo e com gosto. Nunca me ocorreu gastar dinheiro em demasia já que meus gostos nunca foram extravagantes, eu uso o que me serve e o que me dá conforto. A verdade é que eu nunca tive muito com o que gastar além de bebidas. Meus gostos são simples. Me aproximo da cama, pretendia apenas checar se ela estava bem e então sair, mas seu semblante pertubado me incomoda. Os fios de cabelo grudados em sua testa levemente suada, parecia estar tendo um sonho ruim. Bem provável que se eu me aproximar muito ela acorde e pense que eu pretendia fazer algo. Penso em me afastar e deixá-la como está, mas eu não quero isso.
Tiro a jaqueta e a blusa, puxo o lençol que a cobria parcialmente com cuidado e me deito ao seu lado puxando seu corpo para o meu. Ouço ela resmungar baixinho, mas não se afasta de mim. Seu corpo está quente em comparação ao meu.
— O que você quer? — Ela pergunta sonolenta. — Eu não vou fazer nada...
— Eu não quero nada, só me deitei por que você parecia estar tendo um sonho ruim. — Eu sussurro.
Confesso que sua camisola branca de cetim era linda, mas preferia ter uma visão completa dela.
Ela não diz mais nada e finalmente se rende deixando que eu fique. Sinto sua respiração acalmar, a minha parece sincronizar com a dela. Achei que demoraria a pegar no sono, mas nem cheguei a notar quando apaguei.
(...)
Desperto sentindo ela se mover ao meu lado.
"Que horas são?"
— O que você está fazendo aqui? — Seu cabelo estava bagunçado. — Que horas você chegou?
— De madrugada?
Já era de manhã, a claridade entrava pela cortina aberta da janela. Me ergui tentando ver melhor. Christine coçou os olhos sentando na cama. Me encarou por alguns segundos e franziu a testa.
— O que é isso? — Ela apontou para as manchas roxas sobre meu tórax.
Provavelmente levaria mais algum tempo para sumir, isso não era nada, mas ocorreu por um descuido. Eu não achei que ela ia notar isso ou se preocupar.
— Eu espero que você não esteja arranjando briga pra me colocar em risco, da última vez eu quase morri por causa do seu irmão. — Ela alegou.
— Eu não vou deixar ninguém tocar em você. — Agarrei sua mão por impulso.
Sei que a coloquei em perigo então sua desconfiança é aceitável.
— Assim espero. Você cuidou disso? — Eu neguei. Cuidar de quê? Logo vai sumir. — Ainda dói?
— Mais ou menos...
Christine suspirou, puxou sua mão e se levantou. Acho que talvez ela tenha se irritado. Se eu soubesse que isso a teria incomodado não teria deixado ela ver. Me levanto da cama já esperando por uma manhã conturbada. Vou ao banheiro, lavo o rosto, escovo os dentes e prendo o cabelo, pretendia descer e tomar café.
— Cadê você? — Ela voltou após alguns minutos. — No momento é o que eu tenho.
Ela ergueu uma cartela de analgésico e me estendeu um copo com água antes de se sentar na cama.
— Toma isso. — Obedeci. — Não sei se vai ajudar, mas talvez isso alivie a dor. Eu pensei em comprar alguns remédios e itens de primeiros socorros caso acontecesse alguma miséria, mas me esqueci. — Apesar da expressão carrancuda, ela não parecia tão irritada já que se preocupou comigo. Me sinto grato por isso, eu achei que ela iria brigar e ficar de mal humor
Seu olhar não se fixava ao meu, ela seguia com o olhar fixo em meu corpo.
— O que são aquelas coisas na sala? — Puxei assunto.
— Não olhou? Eu decidi comprar algumas coisas, nada demais. — Ela deu de ombros. — Queria me distrair.
— Ajudou?
Ela me encarou rapidamente antes de desviar o olhar e assentiu. Christine tem uma maneira fofa de reagir quando claramente está chateada, mas não quer demonstrar.
— Você ainda está ressentida comigo? — Não sei o que me deu de perguntar isso tão diretamente.
— O que você acha?
— Que sim...
— Ótimo, você já tem sua resposta.
— Até quando?
— Não abuse da sorte, só porque eu ainda falo com você não significa que tudo voltou ao normal.
— E quando vai? O que eu tenho de fazer?
Não sei mais o que posso fazer, eu realmente quero viver com ela do jeito que planejamos uma vez e quero manter minha promessa de cuidar dela.
— Isso não vai acontecer e eu estou refém das circunstâncias. — Isso me magoou, mas não foi tão ruim quanto esperava. — Você me machucou demais.
— Eu vou esperar, posso esperar o tempo que for para me redimir.
— Você não pode esperar pra sempre e quanto mais rápido entender isso, melhor. — Ela disse sem emoção. — Por favor, não faça eu me odiar ainda mais.
— Se odiar?
— Por minha causa ele se foi, minha mãe sofreu e eu perdi o único amigo que tinha. Como acha que eu me sinto sempre que sonho com ele? Sempre que vejo o medo nos olhos de minha mãe? — Ela suspirou. — Se isso é o que você quer, tudo bem, mas não me peça pra te perdoar sendo que eu não me permito fazer isso nem por mim mesma.
— Você realmente me odeia?
Ela demora a responder, segundos foram como incansável minutos para mim.
— Não... acho que é por isso que eu não posso me perdoar. — Sua resposta foi sincera e fria.
Ela ainda sente algo por mim, mas se recusa a me aceitar por causa do que eu fiz? Esse é seu conflito?
— Você também não teria me aceitado se eu tivesse simplesmente pedido pra voltar, aquele cara era um empecilho em meu caminho. — Eu desabafei. — O que diabos eu deveria ter feito? Está dizendo que o real motivo de toda essa mágoa não é por nada que eu já tenha feito contra você, mas sim por causa de terceiros?
— Terceiros? — Seu olhar se encheu de ira e por um breve instante achei que ela ia me bater. — Você é tão egoísta e arrogante.
— Eu ao menos sou sincero. — Respondi de imediato.
Sem que eu pudesse prever, ela se jogou sobre mim. Caímos no chão com um barulho alto, minhas costas latejavam pelo impacto repentino, acredito que os joelhos dela também doem.
— Me dá um bom motivo pra eu não te sufocar até a morte agora mesmo. — Suas mãos finas e macias se fechavam em volta do meu pescoço com força, mas não o suficiente pra mim.
A imagem dela descabelada sobre mim de forma agressiva com os olhos marejados não me assusta. Estranhamente isso me parece erótico e agora me pergunto se sou doente.
— Admita que você me quer tanto quanto eu te quero, mas tem vergonha de aceitar.
— Você venceu, tudo bem? — Christine se levantou. — Agora para de me torturar. — Ela pediu enquanto se afastava.
Não tive vontade de me levantar então durante os minutos seguintes continuei onde estava, pensando.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro