19: Montanha russa II
Christine
Voltei para a casa de Jeff, já estava escuro. Achei que passar o dia com minha mãe fosse o melhor a se fazer. Encontrei a casa vazia, ele na certa saiu para encontrar algo com que se divertir, provavelmente foi beber.
Suspirei. Acho que é melhor assim.
Tomei um banho quente e demorado, ainda de toalha fui até a cozinha procurar algo para comer. Peguei biscoitos e suco, fui para a sala e comecei a assistir tv. Não tinha muito o que se fazer então me contentei em assistir alguns programas e mudar de canal às vezes a procura de algo melhor.
Não sei quanto tempo perdi nisso, me dei conta do horário apenas quando meu celular tocou. Atendi, era Jeff.
- Sim?
- Princesa, já está em casa? - Perguntou.
"Princesa? Só pode estar tentando me enganar."
- Sim. - Respondi seca.
- Que ótimo. - Pela voz ele parecia animado. - Já chego ai.
Jeff desligou, que porra ele agora estava armando?
Arrumei a pequena bagunça que fiz no sofá e subi para vestir algo. Vesti um cardigan e um short curto jeans. Voltei a assistir na sala, não demorou muito e Jeff chegou. Entrou com as duas mãos escondidas atrás das costas.
- Voltou rápido. - Fingi estar desinteressada.
- Não tão rápido. - Ele se aproximou. - Você pode ao menos vir aqui?
Me levantei indo em sua direção, ele parecia mais bem humorado, seu rosto não estava sério e carrancudo como de costume.
- Fecha os olhos e abre as mãos. - Pediu.
Fiz o que ele pediu com receio. Senti algo ser colocado em minha mãos, abri os olhos. Rosas.
- Você gostou? - Era um bonito buquê de rosas vermelhas, diferente da que me deu a primeira vez. - É meio que mais um pedido de desculpas.
Dei um pequeno sorriso, apesar de me fazer lembrar de algo desagradável, ao menos ele estava tentando se redimir.
- Obrigada, Jeff. - Ele me tocou o rosto e o beijou gentilmente, ao se afastar notou o pingente que eu estava usando.
- Colar novo?
- Sim, minha mãe me deu hoje. - O toquei enquanto sorria.
- Ficou lindo em você. - Ele estava mais gentil que o normal. - Não sabia que era cristã.
- Não sou, nem minha mãe é. Mas ela o viu e assim que bateu os olhos decidiu comprar para mim. - Me afastei, decidi por as flores numa jarra com água para durarem mais tempo.
- Hum.
- E você? Segue alguma religião? - Perguntei já deduzindo a resposta.
- Eu não acredito em Deus ou diabo, apesar de às vezes citar seus nomes. - Assenti. - Creio que a religião foi criada para doutrinar o homem a não questionar e não seguir seus próprios desejos e vontades.
- Acho que a religião pode guiar o homem por um bom caminho, moldando seu caráter e índole.
- Mas também priva, condena e abomina tudo o que mais gostamos de fazer. Se nos foi dado o livre arbítrio para fazer nossas escolhas, porque quando escolhemos o que ele julga errado, está escrito que seremos condenados a eternidade de punição?
- Eu não sei, acho que ele quer que façamos a escolha certa. Que escolham o caminho certo.
- E aqueles que escolhem, mas não acreditam? Aquele que é bondoso com sua família e para sua comunidade, segue as leis e não pratica o mal, mas não crê, merece ser condenado ao inferno? O ser humano molda, altera e corrompe quando lhe convém, a igreja é apenas para a doutrinação das massas.
- Não acho que seja completamente assim. - Discordei.
- Não? A bíblia diz para amar, pois aquele que ama é nascido de Deus e quem não ama não o conhece, pois Deus é amor. Mas os fanáticos religiosos se esquecem disso e muitas vezes são intolerantes pregando o ódio por outros, seja porque suas religiões não são iguais ou suas escolhas são diferentes. Eles dizem, amem ao próximo como a si mesmo e quando lhes convém, julgam, humilham e desprezam. Enfim, não curto muito coisas relacionadas a igreja e nem me vejo em uma, já imaginou? Eu pegaria fogo lá dentro. - Concluiu rindo.
Jeff com certeza não gostava desse assunto, resolvi dar por finalizado. Já seria algo que não comentaria com ele, afinal religião não é algo fácil de se debater também.
- Podemos comer algo? Estou morrendo de fome. - Ele me embalou em seus braços. - Não comi nada hoje.
- Vá fazer algo então. - Mandei. Jeff descansou seu rosto na curva de meu pescoço.
- Por favor. - Pediu. - Eu sou péssimo na cozinha, eu adoro quando você faz algo para mim.
Suspirei, como esse mesmo cara poderia ser o de ontem? Isso me surpreende às vezes, sua mudança de personalidade me confunde.
- Tudo bem.
Ele me apertou enquanto me dava um beijo carinhoso.
- Já disse que te amo?
"Já, só não sei se devo acreditar."
(...)
Jeffrey
Um garoto estava sentado em uma cadeira próximo a mesa do diretor, sua mãe o encarava com um olhar decepcionado. Era a terceira vez em um mês que era chamada para conversar sobre o comportamento de seu filho.
- Eu sinto muito, mas assim serei obrigado a expulsá-lo. - O diretor dizia enquanto gesticulava.
- Eu sei, mas é que...
- Senhora os pais dos outros alunos exigem que eu tome uma providência, Jeffrey não respeita as regras e está sempre se envolvendo em problemas. Tenho apreço por você e seu marido, mas te garanto que este será o último aviso. - O diretor disse sério e decidido.
A mãe do garoto suspirou derrotada pois sabia que logo seria chamada novamente.
Terminada a conversa, Jeffrey saiu com sua mãe da sala, havia tomado dois dias de suspensão.
- Oh Jeff. - Sua mãe apertou o volante antes de ligar o carro. - Por que não se comporta como antes? Não entendo por que tem se envolvido em tantas brigas ultimamente.
Jeffrey queria dizer a sua mãe que não era culpa dele, odiava aquele lugar, aquela cidade, aquela escola, acima de tudo odiava aqueles garotos. Não o deixavam em paz por mais que os ignorasse, diferente de Liu, ele não era tão tolerante. Queria bater neles até sua raiva diminuir, descontar todo seu ódio até seus rostos ficarem desfigurados.
- Por favor, meu filho. Vamos tentar nos habituar a este lugar. - Jeffrey assentiu.
Sabia que mais tarde seu pai iria, outra vez, conversar com ele.
(...)
- Jeff? - Senti Christine me cutucar. - No mundo da lua de novo?
Assenti. Não sabia o porquê de lembrar aquela memória, talvez porque comecei a pensar em minha mãe. Algumas lembranças tem voltado a minha mente, me fazendo pensar sobre eles, sobre mim. Esses dias estão sendo um pouco estranhos.
- Jeff. - Fui tirado novamente de meus devaneios.
- Sim? - Foquei em Christine, seu rosto estava tomado por uma leve preocupação. - Spencer apareceu aqui e disse que quer falar com você.
Me levantei, já sabia do que se tratava sua visita, mas me faria de tonto.
- A que devo a honra de sua visita? - Falei zombando enquanto descia as escadas lentamente.
- Pouco papo comigo seu pau no cu. - Spencer me fuzilou com o olhar. - Mandei você se aquietar e você sai por aí fazendo besteira?
- Eu? O que eu fiz? - Fingi.
- Tu sabe sim, se eu te pago pra fazer algo, você faz. Se eu não mandar, você fica quieto.
Christine observava a tudo quieta no canto da sala, sua expressão não demonstrava surpresa, acho que talvez seja um misto de decepção e agonia.
- Olha aqui. - Spencer massageou as têmporas. - Diferente de você, eu ao menos ajo com cautela.
- Claro papai, qual será o conselho dessa vez? - Zombei.
Spencer franziu a testa.
- Jeff se não fosse por mim você nem mesmo poderia por o pé na rua sem ter de se esconder, estaria vivendo como foragido em alguma porra de barraco decadente se matando aos poucos por que você so pensa em uma unica coisa. - Cruzei o braços esperando que ele terminasse de falar, mas a conclusão de sua frase não veio.
- Fala. - O encorajei.
- Em matar seu bastardo, você é um doente mental. Eu não sei por que ainda perco meu tempo tentando te ajudar.
Gargalhei. Esse louco sabe que poderia me substituir facilmente, afinal o que faço eu executo com gosto e vontade, visando mais o serviço do que a remuneração, mas não é diferente de outros que fazem o mesmo.
- Eu nem sei o por que desse chilique todo seu. - Dei de ombros.
- Sabe, sabe sim. O cadáver daquele bêbado encontrado no beco dias atrás foi obra sua e aquela outra lá que foi achada numa vala esquartejada foi você também.
- O bêbado até me lembro, mas essa daí não fui eu. - Menti.
- Foi sim, eu não disse nada. Deixei aquela porra pra la, mas agora isso?
- Até parece que sou o único que mata nesse lugar, você não pode pôr a culpa em mim por qualquer cadáver que aparece por aí.
- Eu não vou limpar sua barra de novo se te descobrirem.
- De novo? - Depois de tudo aquilo, Christine finalmente se manifestou, mas parecia ter sido por impulso.
- Sim, de novo. - Spencer se dirigiu a ela. - Esse bastardo aí que você namora fez uma chacina uma vez. Eu que livrei esse animal, o mandei para outro estado com outra identidade. Jeffrey morreu faz tempo, morreu com...
- Spencer vamos conversar depois. - Agora sim eu estava ficando com raiva e antes que ele falasse demais o interrompi.
- Não, não. Escuta aqui Christine, pra todos os efeitos Jeffrey Woods morreu. O nome dele é Jason agora.
- Nome ridículo. - Reclamei.
- Cala a boca ou te jogo na sarjeta. - Apontou o dedo pra mim.
- Jeff, por que não me contou? - Christine perguntou com um tom chateado.
- Tu esperava o que desse cara?
Encarei Spencer com um olhar que expressava toda minha vontade de matar ele, ele ia me pagar. Vontade não me faltava para torcer seu pescoço.
- Você é tão podre quanto eu. - Provoquei. - Então não vem tentar dizer que sou um demônio e você um anjo.
- Nunca disse que era um anjo, eu só não sou burro igual a você. - Rebateu.
Eu estava prestes a pular em seu pescoço e arrancar pedaços dele com o dente já, o infeliz não calava a boca reclamando enquanto Christine escutava a tudo, quieta, fria e distante.
- Já acabou, Jéssica?
Spencer me atravessou com o olhar, ele sabia que eu não estava levando a sério suas ameaças, mas sabia que eu estava me controlando para não fazer algo por causa de Christine.
- Beleza Jeff, eu lavo minhas mãos. Se precisar de um trabalho rápido eu arranjo, mas de seus deslizes eu não cuido mais. - Spencer suspirou.
- Claro, já passamos por isso antes. Você está pior que Christine.
- Vai se foder, não me compare com a garota. - Ela deu as costas imediatamente e subiu para o quarto nos deixando sozinhos.
- Filho da puta por que não manteve essa sua boca fechada?
- Espero que essa garota crie juízo e te deixe isso sim.
- Ela não vai! - Respondi convicto - Não comigo vivo.
- Seu doente. - Spencer voltou a massagear as têmporas.
- Nós dois somos. - Ele não respondeu, baixou a cabeça como se estivesse atordoado. - Tá morrendo é?
- E você se importa? - Respondeu rispidamente.
- Eu poderia te ajudar a morrer mais rápido. - Me aproximei de Spencer e sussurrei. - Mas eu espero mesmo é que você morra de tumor cerebral.
- Ah Jeff. - Spencer voltou a suspirar. - Acho que lidar com um tumor me daria menos dor de cabeça, não sei porque vim aqui, estou agindo como um pai preocupado com um filho delinquente.
- Um pai que me manda matar hein, que exemplo. - Spencer me encarou de cara fechada, na certa não gostou da resposta que dei para sua analogia. - Um pai que sente ciúmes do "filho".
- Continue, seu bastardo.
- Desculpe papai. - Zombei. - Quer que eu te leve para casa? Posso te fazer companhia a noite toda.
- Não comece Jeffrey, não comece a brincar comigo. Eu não estou com paciência. - Seu semblante ficou calmo. - Não faz nada inconsequente.
Revirei os olhos. Spencer às vezes agia como um velho preocupado com tudo. Em certos momentos ele é muito chato e previsível, se bem que com a vida que ele tem, acho que ser cauteloso e preocupado é indispensável.
- O recado tá dado. - Dizendo isso ele se dirigiu até a porta para sair.
Spencer foi embora, me deixou com um problema chato para resolver agora com Christine. Era um saco ter de se explicar e fingir estar arrependido por algo que fiz e com certeza faria de novo. Uma coisa era ela saber sobre meu "trabalho" e outra é ela saber que saio para fazer isso quando quero. Às vezes odeio sua moralidade excessiva. Eu realmente esqueço que em tese estou "morto" continuo preferindo meu antigo nome.
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