16: Resolução III
Christine
Jeff nos encarava com um olhar curioso, não sei dizer se estava com ciúmes também.
- Deixa de birrinha, não vou roubar ela. - Spencer relaxou sua postura. - Vamos logo.
Ele me olhou sério antes de se virar, como se quisesse deixar claro para não mencionar para Jeff o que havia dito anteriormente.
- Filho da puta. - Jeff o fuzilou com um olhar raivoso e se voltou para mim, depositou um beijo calmo em minha boca. - Se eu demorar um pouco não se preocupe, ok? E se precisar pode me ligar.
Eu assenti, me senti protegida e amada então não quis acreditar em tudo que Spencer havia dito. Jeff não era flor que se cheire, mas acho que ele não me faria mal.
Ele saiu, andei até a porta e o vi entrar num carro que provavelmente seria de Spencer. Fechei a porta. Talvez ao namorar um "matador" eu estivesse andando numa corda bamba acima de um grande abismo indo em direção a morte. Qual o propósito de Spencer em dizer tudo aquilo? Me ajudar? Ou ele se importava mais com Jeff?
Algumas coisas das quais eu já não pensava mais voltaram a me assombrar, adicionado a perguntas que eu não tinha resposta, minha mente parecia querer dar curto.
- Calma... - Repeti diversas vezes, como um mantra.
Resolvi me distrair com algo até que Jeff voltasse ou me desse sono, era por volta das quatro horas da tarde. Já estava quase escurecendo devido ao tempo frio, eu não podia sair para caminhar. Não conhecia tão bem ali e o pensamento de se perder ou de alguém mal intencionado me achar me deixou ansiosa. Optei por deitar e escutar algumas músicas no celular, não me restava fazer muito a não ser esperar e havia dito que esperaria aqui por Jeff. Aos poucos minha mente foi ficando vaga, meus olhos insistiam em se fechar, a cama estava tão aconchegante que me neguei a levantar, em algum momento eu apaguei.
(...)
Jeffrey
Spencer estava um pouco mais calado que o normal, geralmente ele me provocava com brincadeiras idiotas que me faziam querer socar sua cara, na certa essa quietude se devia por ele não querer que eu estivesse com Christine. Não pude escutar bem sobre o que conversam, mas óbvio que algo banal não era.
- E então, qual é o jogo dessa vez? - Perguntei quebrando o silêncio.
- Algo simples, antes disso preciso conversar com você. - Spencer falava seriamente enquanto se atenta a direção. Não parecia ser algo simples já que ele não tornou a falar, na certa queria conversar sem ter de dirigir. Levou mais alguns minutos, ele parou antes de respirar fundo e começou.
- Você tem de se livrar daquela garota. - Começou. - Se as coisas continuarem como estão logo você vai se encrencar, deixa a menina ir pra casa.
- Você me tirou de casa só pra isso? - Queria socar esse bastardo.
- Jeff me escuta, não sei o que contou a ela ou o que ela descobriu, mas você sabe que se por acaso descobrirem teremos problemas, não podemos nos dar ao luxo de chamar atenção desnecessária.
Eu sabia, sabia que poderia ter alguns problemas caso Christine tivesse provas contra mim, mas ela não sabia nada sobre mim e muito menos faria isso. Teve tantas chances antes e nunca contou pra ninguém.
- Com Christine? É impossível, depois do que fiz no mínimo era pra ela pedir uma medida protetiva.
- Que porra você fez? Mano achei que você fosse sei lá, você fosse se cansar logo e negociar os órgãos dela ou a vender para o distrito de prostituição. Você estava indo bem nessas coisas.
- Que? Caralho, claro que não, ela é minha. Quase matei aquele palhaço porque odiava que a tocasse. E eu parei com isso, dá dinheiro, mas é um porre. Atrair pessoas, fingir gostar delas, enganar e depois dar cabo. A única graça disso era que às vezes eu comia elas.
- Como? - Spencer arregalou os olhos. - Quem você quase matou, seu porco?
- O ex dela. - Dei de ombros, eu deveria ter matado ele.
Spencer praguejou enquanto pegava um cigarro no porta luvas. Ele não gosta de admitir, mas era fraco pra sangue, ele era muito habilidoso em enganar, dar fim em provas e o mais importante, tinha contatos. De polícia a traficante, de assassinos a médicos. Era cauteloso e ardiloso. Segundo ele eu seria perfeito, se não fosse um completo imbecil impulsivo que não se importa com as consequências. Spencer me pagava para fazer o "trabalho sujo" digamos assim, e eu, eu me satisfazia. Desde que passei a fazer os trabalhos que me dava, o dinheiro passou a não ser mais um problema. Ele era tão sujo quanto eu, envolvido em trafico, prostituição e roubo de órgãos. O desgraçado tinha ponta com tudo isso então vivia arisco e mudava aparência às vezes. Às vezes alguns serviços que me dava exigiam mais tempo que outros, mas no fim quando a vítima se encontrava morta aos meus pés, todo esforço valia a pena.
- Tu cresceu mais e virou um animal mesmo, né? Não serviu de nada tudo que te ensinei - Ele suspirou.
- Mesmo? - Comecei a rir.
- Mesmo, nem sempre vai dar pra encobrir os rastros que você deixa. Eu disse a você que daria pessoas suficientes pra você se saciar, não quero que faça mais vítimas. Quanto a garota... - Ele soltou a fumaça do cigarro. - Ou você a mantém em rédea curta ou eu não garanto limpar sua barra se você se foder.
Por que diabos haveria de me preocupar com alguma ameaça vindo dela?
- Afinal, o que você viu naquela garota? Não aguentou segurar o pau nas calças foi?
- Não, seu arrombado. - Não havia motivo para responder sua pergunta. - Digamos que o destino a trouxe até mim.
- Sei. - Ele me encarou. - Confesso que estou com um pouco de ciúmes.
- Mas você é um bosta mesmo né? - A esse momento eu já queria ir embora, pelo visto era isso que ele tinha pra falar. - Que conversa mais escrota.
A verdade é que nunca me importei se era homem ou mulher, ficava com quem eu tinha interesse ou pelo prazer. Diversas vezes já notei seus olhares sobre mim, como tentava me seduzir com palavras e gestos, mas nunca me obrigou ou fez nada mais que leves insinuações. Uma vez me dei ao luxo de beber tanto ao ponto de quase ter um coma alcoólico, se não fosse por ele talvez eu estivesse morto. Dormi com ele, mas somente uma vez, como se ele fosse uma vítima minha.
- Já não está bom o suficiente você me usar pra matar, ainda quer usar meu corpo. Vai procurar um prostituto. - Reclamei impaciente.
- Você é um filho da puta mesmo. - Ele riu jogando o resto do cigarro pela janela. - Bem então vamos ao trabalho. Eu preciso que você se livre de uma mulher, o marido dela tem provas de que ela o trai e o maluco ao invés de aceitar o chifre e mandar ela pra puta que pariu, quer ela morta.
- Limites? - Perguntei ansioso.
- Sim, não pode ser nada muito grotesco. A intenção do puto é fazer parecer que o amante a matou por ciúmes. Então nada de desmembrar ou desfigurar, vamos precisar do cadáver dela inteiro.
- Merda. - Reclamei.
- Vou te passar as informações, se prepare para quando for a hora certa. Teremos de plantar as provas logo depois, fazendo parecer que foi o amante.
- Certo.
Spencer me passou um envelope pardo, odiava trabalhos assim, não podia me divertir com a vítima. Geralmente eu só precisava vigiar, seguir e matar, ele cuidava do descarte.
- Só isso?
- Sim, apenas isso. Ah sim, atenda o celular quando eu te ligar.
- Saco viu.
Spencer ligou o carro e voltou a dirigir.
- Me leva pra casa agora. - Pedi.
- Não, não. Não tive tanto trabalho pra te tirar de casa pra você voltar correndo, vai beber um pouco comigo agora porque estou sóbrio demais. - Suspirei com a atitude infantil de um homem até então com mais idade que eu.
- Sério? Você não tem mais ninguém pra ir contigo?
- Tenho, mas quero você. Calma que logo logo você vai estar no pé daquela garota.
Desisto, esse cara vai me perseguir se eu não fizer o que ele quer.
- Não sei por que eu ainda não tentei matar você.
Spencer deu um sorriso forçado.
- Porque ainda sou útil para você?
Apesar de tudo ele não era um cara mau, me ajudou muito e às vezes limpava minha barra.
- Não, eu até gosto um pouco de você.
Ele voltou a rir, dessa vez mais sincero.
- Então, me deixe te pagar uma bebida.
Resolvi não perguntar o que ele disse a Christine, ele não diria a verdade mesmo e eu já tinha uma suspeita do que poderia ter sido, mas não valia a pena ligar.
(...)
Christine
Acordei assustada ao escutar um barulho estranho no andar de baixo, com certeza seria Jeff, mas resolvi me levantar para checar mesmo assim. Desci escadas tentando me alongar após tirar um bom cochilo, talvez eu estivesse mais cansada do que pensei já que apaguei em pouco tempo. Olhei para a janela que pouco iluminava a sala e vi a chuva caindo ferozmente, estava frio.
- Estava dormindo? - Jeff colocou um envelope na mesa de centro. - Desculpa se te acordei.
Ele veio até mim com a roupa molhada pela chuva, mas parecia de bom humor. Talvez a conversa que teve com Spencer o tenha animado.
- Eu acabei dormindo um pouco. - Senti o cheiro de álcool vindo dele. - Você bebeu Jeff?
- Um pouco. - Admitiu. - Não exagerei.
Assenti, não me importava que Jeff bebesse. Apesar de achar que as vezes ele exagerava e corria muito risco ao pilotar sob o efeito de álcool.
- Vai se enxugar antes que pegue um resfriado. - Pedi.
- Vou tomar banho. Pelo visto não vamos poder sair hoje. - Disse desapontado.
- Relaxa, vamos deixar para quando o tempo estiver bom. - Sorri ao pé da escada, como se fosse subir.
Jeff assentiu e se dirigiu ao banheiro. Meu olhar foi direto para o envelope pardo, o que tinha ali dentro? Algo que eu não poderia saber? Não, se fosse assim Jeff não o teria colocado bem ali, logo à minha frente.
A curiosidade estava começando a tomar conta de mim, mas antes que ela me dominasse, subi as escadas rapidamente e fui até meu quarto. Me joguei na cama de cara no travesseiro, não tem por que eu me preocupar com algo que não foi dado a mim. Procurei meu celular e chequei o horário, havia uma chamada perdida. Com certeza haviam ligado enquanto eu estava dormindo, era de um número desconhecido. Creio que não seja importante já que não reconheço esse número. Ignorei isso e mandei mensagem para minha mãe, perguntei como ela estava, se estava comendo direito e como estava indo o trabalho. Continuei a mexer no celular enquanto esperava uma resposta de minha mãe, minutos se passaram de forma que quase não notei, Jeff entrou no quarto com a toalha na cabeça e se sentou na beira da cama enquanto me olhava.
- Christine. - Olhei para Jeff. - O que você e Spencer conversavam hoje mais cedo?
Procurei algo que pudesse dizer, mas não sabia o que. Já que Spencer e eu praticamente nem nos conhecíamos.
- Nada demais. - Menti. - Perguntou coisas bestas como o que eu ainda fazia aqui e por que você tinha me trazido, respondi que eu já que eu sou sua namorada é normal que eu esteja em sua casa, perguntei a ele por que se importava.
- Hum. - Jeff pareceu não acreditar, mas não insistiu.
- Vem, deixa eu secar seu cabelo. Você vai se resfriar. - Mudei de conversa antes que ele quisesse me fazer mais perguntas.
Fiquei de joelhos na cama em cima de seu colo passando a toalha em seu cabelo.
- Parece até uma criança. - Brinquei.
Jeff ria enquanto eu dizia o quanto ele era travesso e que eu iria lhe pôr de castigo.
- Eu sempre fui. - Admitiu. - Adorava pregar peças nas outras crianças, às vezes roubava os brinquedos e só os devolvia quando elas choravam.
- Eu nunca fiz isso. - Inalei o aroma do shampoo usado em seu cabelo. - Sempre fui muito certinha.
- Que pena, crianças certinhas demais não se divertem tanto. - Zombou. - Lembro que às vezes fugia de casa para ir ao parquinho brincar.
- Você gostou da sua infância? - Perguntei, seu olhar pareceu vago ao relembrar de sua infância.
- Sim, tive bons momentos até a adolescência. - Ele suspirou. - Quando passamos a entender melhor a si mesmo e o ambiente ao nosso redor, deixamos de se entreter e gostar de coisas simples das quais tanto amávamos.
Jeff parecia aborrecido quanto ao seu passado, creio que seja melhor evitar conversar sobre coisas relacionadas a isso. Como sempre.
- E você? Gostou da sua?
- Sim, eu sempre fui mais quieta. Eu gostava de escutar meu pai tocar piano, ele me ensinou a tocar.
- Ainda toca? - Perguntou. - Deve ser bonito, mas muito difícil.
- Um pouco, parei já tem um tempo, então talvez eu precisasse aprender tudo de novo.
Ele perguntou o por que parei de tocar.
- Minha mãe o vendeu, ela disse que trazia memórias dolorosas. - Jeff me abraçou em seu colo. - Engraçado que eu me sentia bem e na presença de meu pai quando tocava.
Ele escutou em silêncio. Meu peito se apertou ao lembrar disso, anos se passaram e a dor da perda parecia ainda recente.
- Posso comprar um, pode ser o que você quiser. - sugeriu.
- Oh Jeff. - Não pude deixar de sorrir.
- Talvez seja um bom passatempo.
- Pode ser. - Minha mente divagou. - Talvez seja melhor eu voltar a trabalhar logo.
Jeff fechou a cara descontente, parece que pouco se importou em esconder isso.
- O que foi? - Perguntei.
- Você não vai voltar para perto dele.
- Eu não disse que voltaria para lá, existem diversos lugares para se trabalhar. - Revirei os olhos. - Até parece que ele iria querer me ver de novo depois do que aconteceu.
Pude notar um sorriso maldoso tomando conta de seus lábios.
- Contanto que ele não se aproxime de você, está tudo bem. - Exigiu.
- Você é inacreditável. - Quando penso que finalmente estamos bem ele faz questão de mostrar o quão egoísta é. - Você fez questão de insinuar para ele que eu estava agindo como uma traidora, acha mesmo que ele vai querer olhar em minha cara?
- Insinuar? - Ele franziu a testa. - Deixei claro que você estava o traindo a partir do momento que estava com ele, mas preferia a mim.
Fechei a cara e sai de seu colo.
- O que? Eu disse a verdade.
- Sai daqui. - Pedi sentindo que se continuasse aquela conversa me exaltaria.
- Como é? - Perguntou incrédulo.
- Mandei sair, quero ficar sozinha.
- Repete. - Ele levantou da cama e se colocou à minha frente.
- Você é surdo? Eu disse que quero ficar sozinha. - Repeti firmemente enquanto o encarava, não dei para trás mesmo com seu olhar mortífero sobre mim.
- Como quiser. - Respondeu com desagrado, deu as costa e andou ate a porta. - Fica com porra toda da casa então, eu estou saindo.
Escutei a porta bater e suspirei. Em partes ele tinha razão, então por que me exaltei? Me senti ofendida pela forma que ele disse aquilo. Às vezes Jeff não parecia medir as palavras.
Por que tínhamos de agir assim?
Me sentei na cama para pensar melhor e me acalmar, de nada adiantaria me estressar por isso. Escutei novamente o som da porta bater, talvez ele tivesse se trancado em seu quarto. Esperei alguns segundos e sai do meu indo em direção ao seu, girei a maçaneta, trancado. Desci as escadas e escutei o barulho da moto.
"Ele vai mesmo sair debaixo dessa chuva?"
Olhei ao redor e notei que a pasta deixada em cima da mesa havia sumido. O que quer que fosse eu havia perdido a chance de checar. Eu estava sozinha novamente, sozinha em uma casa num local que eu mal conhecia e o pior, sem sono ou distração alguma.
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