1. Encontro
Essa foi a última vez que eu deixo a Raíssa me arrastar para os eventos dela. Eu estava encarando um garoto (gato, diga-se de passagem) que podia muito bem estar usando as mãos dele de um jeito melhor do que passar pelos posts do Instagram da ex dele. Meus olhos evitavam olhar para a Raíssa, uma ótima amiga que troca minha doce companhia pela boca do namorado. Juliano tem sido a ruína da nossa amizade, apesar de ser um cara legal. Legal até demais. Enquanto ele estiver perto, aquela garota não descolava dele.
Ela começou a rebolar. Cansei!
— Raíssa! Vamos! — gritei competindo com a música alta.
— Mas já? Ainda faltam seis horas.
Agarrei nossas bolsas e fiz questão de bater com a corrente na cara do loiro viciado na ex (não fiz questão de lembrar seu nome).
— Vamos pegar fila de qualquer jeito.
— E eu quero evitar de estar no final dela quando o evento começar. Vem logo!
Ela deu um beijo (lê-se "engoliu ele") de despedida antes de sair do colo do Juliano.
— Tchau, coelhinha.
— Adeus, raposão.
— Anda — apressei-a.
— Ai, quanto mau humor.
Meus ouvidos pararam de sangrar com o rock fora da validade do bar em que Juliano insistiu que nos encontrássemos antes do show com o amigo dele enquanto nos afastávamos.
— E aí?! — Raíssa gritou. — Foi mal. Como foi com o Ricardo?
Ela me fez segurar o espelho enquanto consertava o gloss destruído pelos lábios do namorado.
— Quem? Ah, tá. Foi uma merda! Nunca mais deixe seu boy arranjar um cara pra mim de novo.
— Você ao menos se esforçou?
— Se você tivesse prestado atenção em mim saberia que eu tenho mais em comum com a ex dele do que com o... Qual o nome dele?
— Ricardo.
— Isso. Sempre que a gente sai eu fico de vela ou plantada com um amigo do Juliano.
— Olha pelo lado bom, agora você vai me ter todinha para você a partir de agora.
— Você quer dizer a versão fangirl sua, né, Raíssa? A gente vai embora depois do fansing.
— Tá.
— Termina isso logo.
Você deve estar pensando: que fansing? Já ouviu falar do KB? Pois é, parece que todo mundo já, inclusive a Raíssa. Ela é viciada neles desde o debut, claro, ou nós não estaríamos aqui. São cinco integrantes: o... tá, não lembro o nome deles, mas tinha certeza de que acabaria ouvindo o nome de todos eles saindo aos berros da boca da minha amiga. Que bom que trouxe tampões de ouvido.
No caminho para o Via Parque, Raíssa fez questão de criar uma fanfic na cabeça dela, por exemplo:
— Se a gente fosse uma das primeiras, o Kyung-ho olharia bem nos meus olhos e se apaixonaria imediatamente.
Ou:
— Quando a gente for tirar a foto, o Byeong vai ficar pertinho de mim e se apaixonar.
— Você não tem um namorado?
— Para de mudar de assunto, Sarah.
Ou:
— Vamos fazer o teste de almas gêmeas e descobrir qual deles se apaixonaria por mim? Você ficaria com o Ba-ram, com certeza. Vocês têm a mesma aura sombria e cintilante.
— Aura sombria e cintilante? Como é que isso funciona?
Ela foi forçada a parar de falar quando estávamos chegando. Raíssa foi pegar nosso lugar na fila e eu fui comprar sorvete (você sabe, para a espera). Não demorou muito até que eu desistisse e me sentasse em cima da minha bolsa.
— Eu falei para trazer uma cadeira — Raíssa disse.
— Quem ia trazer? Você?
O fansing estava prestes a começar quando finalmente conseguimos entrar, mas quis sair imediatamente. Estava mais calor na parte de dentro, com o ar condicionado quebrado, do que do lado de fora. Raíssa estava quase pulando no pescoço da garota da frente, que não parava de gritar no celular com a amiga sobre o quanto Kuyng-ho era ruim e deveria sair do grupo. E eu estava ocupada demais flertando com um garoto na fila sem camisa e de calça e jaqueta jeans.
— Se ela odeia tanto o Kuyng-ho, por que ela não dá o lugar dela para quem realmente é fã?
— Um dia eu fico rica e te levo lá.
— Hahaha, que engraçado.
— Nossa, de graça.
Um som ensurdecedor de gritinhos de fãs rompeu pelo Qualistage quando começou a passar um trailer na tela. E um maior ainda quando eles entraram e sentaram nas cadeiras. Em algum momento, Raíssa me convenceu a colocar ela nos ombros para que pudesse ver melhor (ela tinha o peso de uma folha de papel). Mas tive que abaixar ela quando a garota atrás da gente ameaçou jogar a bolsa na gente.
— Ahhhhhhhhhh! Lindosssss!
Fiquei surda. Toda vez que acompanhava a Raíssa para algum lugar, meus ouvidos ficavam doloridos por dias, pelo menos ela perdia a voz na metade do evento.
Enquanto a minha amiga tentava pular para ver entre as cabeças dos outros fãs, eu olhava em volta procurando qualquer coisa para fazer, mesmo, o que incluía procurar o garoto da fila e continuar a flertar com ele. Quando ele estava prestes a vir até mim, Raíssa me puxou para ir ao banheiro. Imaginem o tamanho daquela fila, gente.
— Eu vou ir ao banheiro, mas volto antes que um deles tire a camisa! — ela exclamou.
— Por que um deles tiraria a camisa?
— Porque está calor e o Baek-hyun é muito sensível. E não tem nenhum senso de pudor.
— Você não tinha dito isso antes.
— Por que? Teria aceitado vir mais cedo?
— Eu não disse isso... Merda!
Alguém tombou no meu ombro tão forte que me jogou no chão. Nem para pedir desculpas o cara prestava. Atrás da sua camisa preta, a palavra "suporte técnico" foi escrita em amarelo, provavelmente indicando o motivo de sua pressa.
— Stronzo! — Raíssa gritou.
Eu me arrependia tanto de ter ensinado essa palavra. Ela passou a usar isso toda a vez que xingava alguém, já que ninguém sabia o significado. Eu disse a ela que, um dia, alguém vai saber e ela vai se ferrar.
A Raíssa normalmente nunca está certa, mas o k-idol, assim que ela voltou, tirou a blusa no movimento mais sexy que eu já havia visto e jogou para a plateia. Tive a sensação de que ela estaria à venda na internet amanhã de manhã. E, então, com o mamilo de fora, ele voltou a assinar posteres e falar com fãs.
Minha amiga desistiu e passou a ver o grupo através do celular de um gigante do na nossa frente. Mas isso não a desanimou nem um pouquinho, na verdade, acho que estava prestes a desmaiar de adrenalina.
— Oi. — alguém atrás de mim disse.
O garoto de antes. Ótimo...
— Lembra de mim?
Falei cedo demais.
— É claro, como eu poderia esquecer.
É claro que eu não lembrava dele. Pensa, Sarah. Você nunca transou só por uma noite. Não foi a um encontro nos últimos dois meses (que queria pelo menos). Tem quase certeza de que não é um amigo do Juliano (ele só tem amigos hétero top). Sua única amiga do ensino médio é a Raíssa. Não socializa na faculdade. Quem é esse?
— Que bom, faz tempo que a gente não se vê. Como tá o Jorge?
— Ah, tá, ótimo.
Gente, que merda. Quem é Jorge?
Ele foi se aproximando até poder tocar no meu braço.
— Sabe, eu quis te ligar desde que eu soube que terminaram.
— É mesmo?
Estávamos praticamente com os narizes colados.
— É.
O conteúdo a seguir é impróprio para menores de 16... Ou seria, se a namorada dele não tivesse nos interrompido e dado um tapa na cara dele.
— Seu cretino!
Paft! Marca de anel na bochecha.
— Não, espera, amor. Não é nada do que você está pensando. Amor!
Ele correu atrás da namorada chorando aos prantos.
Acho, só acho, que eu tenho um imã para homens sem vergonha.
— Quem era esse? — Raíssa perguntou.
— Eu não sei, ele disse que me conhecia.
— Querida, nós não conhecemos ele.
Dei de ombros. Eu não ligava muito, apesar de meu orgulho ter sido ferido por cair no golpe do "lembra de mim?". Deveria saber, já usei muito. É mais clássico do que "vem sempre aqui?", ou "doeu quando você caiu do céu?".
Eu gostaria de poder dizer que passei o resto do tempo na fila imaginando o que teria acontecido se a namorada daquele cara não tivesse aparecido. Mas, depois, eu olhei diretamente para o líder do KB. Tipo, realmente olhei. Seus músculos apertados na manga da camisa, a luz batendo no suor escorrendo pelos braços, o cabelo por cima dos olhos, as fãns gritando seu nome. Então, passei o resto da espera olhando para ele, só... imaginando.
De vez em quando, Raíssa me tirava dos meus devaneios ao me sacudir animada pelo braço. E percebi o quão ruim já estava a sua voz. Ela falou o tempo todo sobre como eles são maravilhosos com aquela voz miserável de fumante.
— Next! — a mulher gritou, logo depois cuspindo um monte de regras. — Sem beijo. Sem abraço. Sem toque. E sem selfies não oficiais.
Estávamos todos em uma fila para pegar o poster com o autógrafo do KB. 200 reais por um pôster que eu vou vender por 400 amanhã.
Aos gritinhos, Raíssa pulou até os idols. Eu estava preocupada demais em pegar as últimas batatinhas do saco de Ruffles para notar para onde estava indo e quase bati no câmera.
— Foi mal.
Não sei se ele me entendeu. Parecia que todos da equipe desses idols são coreanos. Raíssa entregou bonecos de crochê para cada um e fez questão de dizer que ela própria havia feito. Levantando o saco de batatas a cima da minha cabeça, ouvi Raíssa sussurrar para parar de fazer isso. Parecia a minha mãe.
Agora, imagine o susto que tomei quando um daqueles garotos apontou o dedo para mim e exclamou alguma coisa em corano.
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