Marcas Do Passado
Alison
- Então você está mesmo decidida?
- Sim. Eu não conseguiria mais conviver com ele sabendo que foi egoísta ao ponto de mentir pra mim todos esses anos. Confiança não é algo que se reconstrói com facilidade.
- Eu entendo. Mas será que isso não seria questão de vocês darem um tempo e tentarem fazer o relacionamento dar certo aos poucos? Às vezes, tudo o que a gente precisa é reorganizar nosso interior para seguir em frente.
- Sei exatamente o que você quer dizer, mas o Harold e eu, não há mais chances de voltarmos. Nada do que ele fizer, ou quanto tempo se passe, me fará esquecer que dia após dia, ele me via sofrer por desejar nossa família, e se calava.
- Pensando por esse lado...foi muita covardia da parte dele ver você passar por tudo aquilo e fingir que nada estava errado.
Essa manhã, depois da consulta mensal de pré-natal da Julie, nos encontramos para um café. Foi uma conversa muito agradável e tranquila, mesmo que boa parte dela tenha sido sobre o meu divórcio.
Agora que estou mais calma, consegui refletir muito bem sobre o assunto, e cheguei a conclusão de que não há mais chances de uma reconciliação com o Harold. Ele jamais seria o mesmo homem do meu ponto de vista. Haveria mágoa, ressentimento e aquela eterna sensação de que não poderia confiar mais nele. O fantasma da desconfiança estaria sempre presente.
Todo aquele tempo que passei chorando em seus braços, que derramei lágrimas de decepção e desolação por achar que eu não era boa o suficiente para nos proporcionar algo tão simples como uma família, e ele sabendo que parte daquela culpa também era dele, e permitia que eu passasse todo aquele sofrimento sozinha, só deixa mais evidente o quão egoísta ele pode ser, desde que tenha o que quer.
Assim que voltei para o hotel, entrei em contato com meu advogado e pedi que ele desse entrada no divórcio.
Ele me informou que poderia ser algo simples, que Harold se conformaria com minha decisão e facilitaria o processo. No entanto, me disse que havia grandes chances desse processo se arrastar por meses ou anos. Que ele poderia dificultar tudo pra mim. Ainda assim, eu pedi que desse seguimento.
Agora, só me resta correr atrás de tentar aproveitar meus últimos dias férteis desse ciclo e consegui engravidar. Não será fácil, mas eu vou tentar.
Eu preciso tentar. Por mim. Por tudo o que sofri e aguentei até aqui, eu preciso tentar.
Tomei um banho demorado, me vesti e pretendia sair, dar uma volta para espairecer e pensar melhor nos meus próximos passos. Mas antes que eu conseguisse colocar meus sapatos, duas batidas à porta mudaram meus planos.
Ao abrir a porta, fiquei surpresa ao vê-lo parado diante de mim. O sorriso vacilante e uma postura nada confiante, despertaram minha curiosidade.
- Taehyung?
- Oi, Alison.
- O que faz aqui?
- Vim ver como você estava. - ele escondeu as mãos nervosas nos bolsos da calça.
- Eu estou bem. - disse calma. A postura dele não era nada arrogante ou pretensiosa, então não senti necessidade de ficar na defensiva com ele. - Aliás, obrigada por me trazer em segurança na noite passada. - foi então que senti meu rosto esquentar ao lembrar de certas coisas. - A propósito, me desculpe por certas coisas que eu disse. Eu não tinha a intenção de... - seria mais uma mentira se eu terminasse essa frase. - Não, eu tinha a intenção sim de te provocar, chatear ou ofender. Eu não deveria ter feito aquilo, foi imaturo da minha parte.
- Não se preocupe. Vamos fingir que não aconteceu. - foi gentil.
- Obrigada. - dei um sorriso hesitante.
Depois disso ficamos em silêncio. Eu não sabia se ele estava pensando em mais alguma coisa para me dizer ou se esperava que eu acrescentasse algo mais, só sei que foi um momento estranho.
- Alison, se não estiver ocupada agora, será que poderíamos conversar? - eu não sei porque ele queria conversar, muito menos sobre o que seria.
Foi então que sua visita agora fez sentido para mim. Lembro que disse a ele que estava me divorciando. Talvez, isso tenha lhe dado a impressão de que eu tenho algum interesse em me envolver novamente com ele. O que não é o caso. Nem eu mesma sei porque falei sobre isso com ele.
- Olha, Taehyung, não há mais nada sobre o que houve ontem que eu queria conversar-
- Não é sobre ontem à noite, Alison.
- E sobre o que mais falaríamos? Sobre nosso passado? - debochei, mas, infelizmente, eu estava certa. A expressão de culpa no rosto dele foi a única coisa que eu precisei para entender suas intenções. - Eu não quero falar sobre isso também. Não estou em um bom momento para falar sobre esse tipo de coisa e acabar entrando em uma fria novamente.
- Alison... - ele deu um passo em direção a porta e olhou diretamente nos meus olhos. - Eu juro que não existem más intenções ou qualquer outra coisa oculta nesse pedido. - ele deu um longo suspiro. - Eu só preciso esclarecer algumas coisas. Juro que depois disso você nunca precisará se preocupar com qualquer tipo de incômodo da minha parte. Eu prometo.
Eu ponderei suas palavras por um instante e, bem, se tudo o que eu precisava fazer era ouvi-lo, não havia problema algum nisso.
- Eu não sei se é uma boa ideia agora, Taehyung. Tenho tanta coisa na cabeça que não acho que remexer no que ficou lá para trás vai ajudar em alguma coisa.
- Alison, eu preciso muito dizer algumas coisas para que esse passado me deixe seguir em frente também.
A escuridão em seus olhos evidencia uma tristeza profunda e amargor enraizado em sua alma. Não sei como é possível alguém parecer tão impassível assim por fora carregando um fardo desse na alma.
- Tudo bem. - abri a porta e o deixei entrar.
Ele entrou e parou próximo a escrivaninha. Observou o quarto e não disse nada.
Eu não costumo ser uma pessoa desorganizada, mas minha vida tem andado uma bagunça e isso está refletindo no modo como tenho sido desatenta com meus pertences.
- Desculpe a bagunça...- juntei as roupas que estavam espalhadas sobre a cama e enfiei de qualquer jeito dentro da mala no chão. - Eu tive um compromisso hoje e não houve tempo para arrumar essa bagunça toda. - murmurei constrangida.
Não que eu deva alguma explicação a ele, mas...
- Não se preocupe com isso.
- Você quer beber alguma coisa? - perguntei assim que fechei a mala e me virei para ele.
- Não, estou bem. Pretendo ser rápido e não lhe tomar mais tempo que o necessário.
- Entendi. Você pode se sentar. - indiquei a cadeira e me sentei na cama.
- Eu prefro ficar de pé.
- Certo. Sou todo ouvidos.
Taehyung
Eu esperei muito pelo momento de estar a sós com a Alison outra vez e expelir tudo o que tem me sufocado nos últimos anos, mas estou tão nervoso que nem sei por onde começar.
Um longo tempo se passou antes que criasse coragem suficiente para começar. Porém, eu já sei exatamente o que preciso lhe dizer, basta saber as palavras certas a serem colocadas em uma frase agora.
- Alison...eu sei que no momento sua vida não está na melhor fase, - ela baixou a cabeça, evitando demonstrar qualquer sentimento a respeito disso. E eu respeito o que ela está passando. - que precisa pensar no que fazer agora e que o passado não vai te ajudar em nada. Sei também que o que houve entre nós não pode ser mudado, mas quero que saiba que não estou aqui para abrir velhas feridas ou tumultuar sua cabeça com lembranças ruins, apenas gostaria que você entendesse que eu não tive a intenção de fazer você passar por nada daquilo, que jamais pretendi lhe causar tamanha dor e sofrimento. Ainda assim, sei que sou culpado por tudo.
- Taehyung, isso é -
- Alison, por favor, me deixe terminar. - ela me encarou receosa, engoliu em seco, mas não me repreendeu como achei que faria.
É uma situação dolorosa para ambos, ainda mais para ela. Todas as consequências físicas e emocionais que ela passou deixaram marcas e lembranças que seu corpo expressa naturalmente.
Ela abraça o próprio corpo, como se sentisse frio, mas eu sei que isso é uma forma dela se manter firme ao voltar àquele passado.
- Eu realmente fiquei feliz ao vê-la seguindo em frente e colorindo com outras cores uma fase nova da sua vida. Não duvide quando eu digo isso. - fiz uma pausa, pois o que viria a seguir, talvez pudesse não ser absorvido do jeito que eu quero. - Posso até dizer que senti certa inveja de você, Alison. - me encarou confusa. - Você encontrou alguém em que podia confiar e dar um novo sentido a sua história. Mesmo eu não sabendo o motivo pelo qual vocês não estão juntos agora, sei que sua felicidade até aqui era genuína.
- Você também encontrou alguém para estar ao seu lado. Então, não consigo entender como foi tão difícil. - isso quer dizer que ela sabe sobre a Melanie. Posso supor que ela estava de olho em mim como eu estive nela?
- Melanie me ajudou muito, e foi fundamental em determinados momentos. Mas as coisas entre nós são complicadas.
- E por quê? - ela levantou e foi até o frigobar, pegou uma garrafinha d'água e se virou para mim. - Ela não é ingênua o suficiente para você controla-la como gosta?
Não sei porque ela mudou drasticamente seu tom de voz. Parece irritada e incomodada com alguma coisa.
- Alison, não é nada disso-
- Então o que é?
- Eu prefiro não entrar nesse assunto.
- Evadir-se disso não te torna diferente do que já foi no passado, não muda nada.
- Não estou sendo evasivo-
- Ela sabe o que houve entre a gente e isso impede de vocês terem uma relação de verdade?
- Não-
- Ela sabe que a partir do momento que estiver com você a vida dela será controlada de todos os modos possíveis?
- Alison, não tem nada a ver com isso-
- Ou é ela quem decide quando e como deseja estar com você e por isso é tão difícil aceitar as coisas? - ela não me dava chance de concluir o que eu precisava, sem falar sobre o que não era viável para nenhum de nós agora.
- Alison?! - vendo que eu estava acuado e evitando o assunto, ela prosseguiu com o questionamento, se aproximando devagar. Agora eu estou me sentindo como uma presa fácil, sem ter para onde fugir. A menos que eu diga a verdade.
- Por acaso, você não a está mantendo consigo através de uma mentira. Está?
- Alison, chega!
- Então é isso que está fazendo, não é? - pressionado, dei dois passos decididos em sua direção, olhei fixamente em seus olhos e bradei:
- Eu não tenho um relacionamento sério com ela porque não consigo esquecer você! - finalmente ela se calou. Surpresa, e sem piscar uma única vez, ela engoliu em seco. - Era isso que você queria ouvir? Era essa a verdade que você precisava? - ela não respondeu. - Eu não consigo sem você, Alison! Não fico um único dia sem pensar em você, não importa o quão longe ou o quão feliz você possa parecer, não faz diferença pra mim. Pode estar casada, morando do outro lado do planeta, mas...dentro de mim, é como se você nunca tivesse realmente ido embora.
Ela se afastou, virou de costas e ficou pensativa.
Não sei como ela estava processando tudo o que eu disse, mas era angustiante vê-la ali, parada, tão perto e não dizer nada.
- Na maior parte do tempo, você está comigo por culpa. Não importa que sua vida esteja fluindo, eu não consigo sair daquele passado.
- E não deveria mesmo. - suas palavras baixas e incisivas me acertaram em cheio. Ela se virou pra mim, com os olhos marejados e uma expressão agressiva. - Você está aqui por puro egoísmo.
- O quê?
- Você trás à tona um maldito passado que eu luto para esquecer só porque não consegue lidar com ele.
- Alison-
- Sabe, Taehyung, meu casamento está acabando por sua culpa. - fiquei consternado. Eu mantive a maior distância dela que pude nos últimos anos, ela se casou com um homem respeitável e altruísta, que a amava acima de qualquer coisa; que abdicou de si mesmo por ela, e agora ela me diz que a culpa de seu divórcio é minha? Que porra está acontecendo? - Eu não teria caído em mais mentiras por estar desesperada, se não fosse por você.
- Eu não sei o que está acontecendo Alison, mas eu me mantive longe de você-
- Não foi longe o suficiente! - berrou nervosa, as lágrimas formando caminhos aleatórios em seu rosto. - Você acredita mesmo que estava me fazendo algum favor, apenas por se manter afastado? - ela ergueu os braços e alcançou o zíper do vestido na parte superior das costas.
- O que está fazendo? - eu recuei, sem entender o porquê dela está baixando o zíper e tirando o vestido. - Alison?
- Está vendo isso? - ela soltou o vestido no chão, ficando apenas de calcinha e sutiã, apontando para a cicatriz do lado esquerdo de seu quadril. - Isso aqui é o motivo do meu casamento estar acabado, Taehyung!
Uma cicatriz não muito visível, de cerca de 15 centímetros salientava sua pele. A marca da minha inconsequência, da minha atitude imatura e irresponsável. A marca da minha culpa e dos meus fantasmas, estava estampada nela para sempre.
- Essa cicatriz não me permitiu ser feliz plenamente até agora. Você pode vir até aqui e me dizer que não me esqueceu e por isso não consegue seguir em frente. - ela se aproximou novamente, prendendo meus olhos nos seus. - Mas eu não te esqueci porque não tive escolha. Eu não obtive a felicidade que tanto desejo porque você impediu que isso acontecesse até agora. Então, você vir me dizer tudo isso não muda nada. - ela passa levemente a mão por cima da cicatriz, como se ela ardesse, queimasse sua pele, e o gesto suave acalmasse a nebulosidade em seu interior.
- Alison, por favor, me perdoe. - foi a única coisa que consegui expressar em palavras depois de ver a agonia escorrer em seu rosto.
- Eu queria poder te perdoar, Taehyung, seguir minha vida como se você nunca tivesse cruzado meu caminho. Mas eu não consigo. - ela passou as mãos pelo rosto, secando as lágrimas. - Não quando tudo o que você fez me impede de alcançar meus sonhos.
- Ali, se eu pudesse reparar aquele erro, se pudesse mudar tudo, se pudesse voltar no tempo e consertar as coisas...
- Mas você não pode. - ela foi até a cama, pegou um roupão e o vestiu. - Se eu terei para sempre as sombras e as consequências daquele passado interferindo no meu futuro, não quero que as coisas sejam diferentes pra você.
- Alison...
- Taehyung, por favor, vá embora. - ela sentou-se na cama e escondeu o rosto entre as mãos.
- Eu não queria fazer você chorar, Alison. - dei um passo hesitante em sua direção. - Jamais quis.
- Taehyung, por favor, eu quero ficar sozinha. Então vá embora.
O lamento em suas palavras não escondia a resignação, a tristeza e a decepção com a minha visita. Então, não me restava outra saída senão deixá-la em paz.
- Eu sinto muito por tudo isso, Alison. Sinto mesmo.
Eu saí do quarto sem que ela dissesse mais nada. Ou que me encarasse com raiva, desprezo ou tristeza. Talvez tenha sido melhor assim. Já foi difícil deixá-la sabendo o estrago que fiz fazendo-a reviver tudo aquilo. Seria muito pior sentir suas lágrimas pensando também em meu coração.
Sentei no chão do corredor me sentindo do mesmo jeito que 8 anos atrás: perdido, derrotado e culpado. As lágrimas que eu derramava agora não tinham um terço do peso que senti ao vê-la chorar.
Não existe um lugar no futuro para mim. Não há possibilidade de eu me enxergar inteiro em algum momento, sabendo que ela passará o resto da vida com os fragmentos do meu erro.
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