Capítulo 3
Sam não acreditava no que seus olhos estavam vendo, estar ali com sua família de verdade parecia surreal demais até para ela que vivia absorta nas histórias de seus livros. Seu pai beijou-lhe a testa e disse:
— Vamos para casa agora minha filha.
— Finalmente teremos você conosco! — sua mãe diz sorrindo.
Sam sorriu em resposta pois não sabia exatamente o que dizer e nem como agir da forma correta. Bem, talvez não existisse uma forma correta de fazer isso funcionar, mas ela só queria não se sentir tão deslocada. A família seguiu em direção ao estacionamento e Sam logo notou que seus pais deveriam ter bons empregos pois o carro deles era bem luxuoso. Tanto que Sam nem sabia ao certo se deveria encostar os pés no carpete com aqueles tênis sujos e desgastados que ela tinha há mais de três anos, então hesitou em frente à porta.
— Algum problema querida? — seu pai pergunta.
— Ham... — Sam olha para os pés envergonhada — Se vocês quiserem, eu posso tirar os sapatos antes de entrar...
Sua família segue o olhar dela e ambos ficam com suas expressões em choque parecendo ter esquecido de como pronunciar as palavras. Sua mãe é a primeira a se recuperar e responder:
- De maneira nenhuma querida! Vamos entrando, todos vocês. -ela manda.
E todos obedecem. Sam se senta ao lado do irmão no banco traseiro enquanto seus pais iniciam uma conversa sobre o que deveriam comer no jantar. Geralmente, isso não era assunto de discussão para ela pois nunca teve escolha sobre o que deveria comer. No orfanato, ou comia o que tinha ou ficava com fome.
— O que aconteceu com seus sapatos? — seu irmão pergunta, tirando-a do devaneio.
— Ham... Bem... São meus sapatos da sorte! — ela inventa uma desculpa — Estão comigo desde... Desde que meus pés pararam de crescer — ela ri.
— E funcionam?
— É claro! Eu não vivo sem eles! Estava usando eles quando vocês me encontraram.
— Como você sabe que estava usando eles?
— Exatamente porque não vivo sem eles! — ela ri nervosa.
— Então ta — ele sorri sincero — Sabe, vai ser legal finalmente ter minha irmã gêmea comigo ao invés do fantasma que nos seguiu por anos, não me leve a mal.
— Está tudo bem — ela ri— Vai ser legal ter uma família também e não o monstro que criei na minha cabeça.
— Foram anos muito difíceis para nós, mas eu tenho certeza que foi muito pior pra você. Sinto muito por tudo o que passou.
— Não se preocupe com isso, agora todos sabemos de quem é a culpa.
— Tem razão, e eu garanto que nada nem ninguém irá nos separar novamente.
Sam sorri e uma onda de amor por seu irmão a invade. Mesmo ainda sentindo-se estranha e deslocada com os pais, as coisas pareciam ser mais simples com Dylan, era como se eles já se conhecessem por longos anos e a cada minuto que passava ela ficava mais chocada com a semelhança dos dois. Sam observou pela janela do carro e estavam entrando em um conjunto de condomínio de casas de luxo. Era ali que ela moraria de agora em diante?
— É aqui que vocês moram? -ela pergunta embasbacada.
— É sim, e você também agora. -seu irmão responde.
O queixo de Sam quase caiu quando o carro estacionou em frente à uma mansão digna de um filme hollywoodiano. Bem, não é atoa que estavam na Califórnia.
— Chegamos! Bem vinda ao seu novo lar — seu pai diz animado.
— Você vai adorar o seu quarto! Eu mesma decorei! — sua mãe diz.
— E com isso você quer dizer que escolheu a decoração numa revista e pagou pra decorarem igual — seu irmão zomba.
— Não ligue para o seu irmão querida, o quarto está a sua cara, tenho certeza que vai amar!
— Na verdade o quarto está a sua cara mãe — Dylan ri.
— Vamos subindo! — ela ignora o comentário do garoto — Dylan traga as malas da sua irmã, por favor.
Com isso, Catherine guia a filha para dentro da mansão que tinha um cheiro característico de aloe vera e alguns milhares de dólares, segundo o olfato aguçado de Sam.
— Amanhã nós iremos ao shopping comprar algumas roupas novas pra você, será um dia das garotas! — Catherine sorri animada- Além disso, as aulas voltam na segunda-feira, vai precisar renovar seu closet.
— Falando em aulas, a diretora do orfanato nos informou que suas notas são de dar inveja. -Joseph diz logo atrás das duas.
— Bem, eu sempre gostei de estudar — Sam admite.
— Está ouvindo isso Dylan? — sua mãe grita.
— Estou, mas prefiro fingir que não.
Catherine sacode a cabeça em reprovação e pára em frente à uma porta.
— Muito bem, feche os olhos querida.
— Tudo bem — Sam concorda e fecha os olhos.
— 1... 2... 3! Pode abrir!
No momento em que Sam abre os olhos, tudo o que ela vê é rosa e remete à um quarto de princesa da Disney. Não é exagero, tinha até uma cama com dossel. Com dossel! Sam não tinha reação.
— E então? O que você achou? — Catherine pergunta.
— O que você acha mãe? Ela tem 17 anos e não 8. Você fez o quarto parecer uma casa da Barbie! — Dylan fala rindo.
— Você não gostou querida?
— Não, gostei sim! Ficou lindo Catherine... Quer dizer... Mãe. Ficou perfeito, eu nunca tive nada nem que parecido. Muito obrigada, mesmo!
Bem, na verdade não fazia muito o estilo de Sam, ela sempre gostou das coisas simples e o menos chamativo possível, mas a sua resposta parece ter alegrado o coração de sua mãe que sorriu e encheu os olhos de lágrimas.
— Muito bem, então vamos deixar você arrumar as suas coisas e se adaptar enquanto pedimos o jantar. -seu pai diz.
— Tudo bem. -Sam concorda.
— E se você quiser posso te levar pra dar uma volta no condomínio depois do jantar. -seu irmão oferece.
— Eu adoraria. - ela responde.
Eles a deixam sozinha em seu quarto e Sam finalmente respira tranquilamente. Uau! Isso estava mesmo acontecendo? Sam sabia que era real mas ainda assim era difícil acreditar. Ela se joga na cama e fica surpresa com o conforto que a mesma oferece. Mas enfim, essa não era a questão ali, o fato era que sentia não estar preparada para tudo o que viria a seguir, nunca fora boa com mudanças bruscas e essa era a mudança mais radical da sua vida! Está tudo bem, respira Sam, tudo vai dar certo. Talvez se repetisse isso várias vezes em sua mente tudo realmente daria certo...
Sam levantou-se e começou a desfazer as malas. Na verdade era apenas uma mala, mas tudo bem. Ali estavam todos os pertences de sua antiga vida, as únicas coisas naquela mansão que mostravam de onde ela tinha vindo. Era estranho pensar dessa forma.
Assim que desfez as malas e organizou as roupas no closet, que por sinal era enorme e fez as roupas de Sam parecerem vestimenta de cachorrinho, ela deslizou novamente na cama. Precisava descer e ficar com sua família mas o pensamento a amedrontava. Além disso, não sabia ao certo se conseguiria se lembrar do caminho para a sala de estar. Coragem Sam, você consegue, já passou por coisas muito piores! E com este pensamento, pôs-se de pé e seguiu em direção à sala, surpresa por se lembrar perfeitamente do caminho.
— O que você acha de comida chinesa para hoje? — Catherine pergunta pra Sam assim que ela adentra.
— Ham... Está ótimo! — sorri.
Na verdade, Sam nunca havia provado comida chinesa antes, mas estava tudo bem, nunca fora exigente para comer e sempre gostava de tudo, então provavelmente isso não seria um problema.
— Bem, porque não senta e conversa com seu pai enquanto faço o pedido?
— Tá bom. Ham... Cadê o Dylan? — Sam questiona.
— Estou bem aqui, já estava com saudade?
Sam olha para o lado e vê seu irmão descendo as escadas com uma caixinha na mão.
— Pode-se dizer que sim — ela sorri.
— Você trouxe o que eu pedi? — seu pai pergunta.
— Sim senhor, aqui está!
Dylan entrega a caixinha na mão do pai.
— Venha até aqui querida. Este é o nosso presente para você.
— Para mim? — Sam pergunta surpresa.
— É o emblema da nossa família, todos nós o utilizamos de alguma forma.
— O meu está na minha pulseira — Dylan diz — O da mamãe e do papai nas alianças de casamento.
— E este aqui, é o seu.
Seu pai entrega a caixinha em sua mão e Sam abre sentindo-se ansiosa. Assim que olha o que está dentro fica encantada ao ver uma linda gargantilha com um pingente com a letra "M" incrustada dentro de uma bola beisebol. O "M" Sam já sabia que se tratava de Miller, o sobrenome da família, mas não entendia o porquê da bola de beisebol.
— É lindo! Eu amei! — declara — Muito obrigada pai!
— Não tem que me agradecer querida, você é uma Miller!
— Mas... O que significa a bola de beisebol? — ela questiona.
— Ai não, não devia ter perguntado! — seu irmão choraminga.
— Qual o problema?
— Papai foi um dos melhores jogadores de beisebol de sua época, ele adora falar sobre isso e agora você abriu a brecha que ele precisava pra se gabar disso durante todo o jantar.
— Isso é verdade pai? — Sam sentiu os olhos brilharem, adorava beisebol!
— Sim, mas Dylan está certo, não quero te encher com minhas histórias.
— Está brincando? Eu vou adorar ouvir suas histórias, sou apaixonada por beisebol desde... Desde sempre! — ela responde animada.
E isso era tudo o que o pai de Sam precisava pra falar sobre suas conquistas por 1 hora. Sam estava tão interessada e encantada com cada detalhe de cada história que nem notou quando sua mãe se juntou à eles. Foi só quando a comida chegou que seu pai finalmente parou de falar.
— Muito bem, agora chega de conversa e vamos comer, estou faminta! — sua mãe declara — Dylan você pega os pratos enquanto sua irmã e eu arrumamos a mesa. Joseph você... Bem, você pode pegar o suco na geladeira.
A mãe de Sam era mesmo mandona, mas ela adorava isso nela, adorava tudo nela. Na verdade, Sam só estava feliz por finalmente ter alguém pra chamar de mãe depois de tantos anos odiando não ter ninguém.
Assim que sentaram à mesa cada um se serviu e mais uma vez Sam surpreendeu-se com a fartura, seria a primeira vez que comeria sem ninguém dizer que não poderia repetir.
— E então filha, ouvi dizer que é boa em literatura. — Catherine diz.
— Bem, eu sempre gostei muito de ler então acho que isso me ajudou muito.
— Você é um gênio ou o que? — Dylan pergunta rindo.
— Dylan... -Joseph repreende o filho.
— Não, é sério pai. Ela é boa em esporte, literatura, gosta de estudar, só falta dizer que também é boa em matemática.
— Tirei nota máxima em todas as últimas provas. — Ela se gaba.
— Isso não é justo! — Dylan reclama — Você roubou todo o talento da família e me deixou sem nada! Mulheres são mesmo muito egoístas, nem no útero elas perdoam!
Todos na mesa começam a rir diante da fala revoltada de Dylan.
Então ter uma família era assim?, Sam pensou. Ouvir histórias do pai, receber ordens da mãe e comer enquanto se joga conversa fora à beira da mesa e dá risada ao lado das pessoas que mais ama? Se era isso, então Sam havia morrido e estava no paraíso porque não conseguia imaginar algo que a alegrasse mais do que aquilo. Talvez, ali realmente fosse o seu lugar.
Após terminarem o jantar, Sam começou a juntar os pratos, mas sua mãe a interrompeu.
— Está tudo bem querida, seu pai e eu cuidamos disso. Dylan quer te mostrar um pouco do condomínio e é melhor que vão antes que fique mais tarde.
— Tem certeza?
— É claro que sim, vá logo que estou mandando! — Catherine responde naquele tom que Sam já aprendeu a não desrespeitar.
— Está bem. — Sam ri e acompanha o irmão.
Eles saem para o ar fresco da noite e a sensação de liberdade que invade Sam é tranquilizadora.
— Muito bem, é claro que não vamos conseguir caminhar o condomínio inteiro em uma noite mas vou te mostrar os meus lugares preferidos! — Dylan declara.
— Está bem, você quem manda!
— À sua direita como pode ver, só tem casas. Exatamente como na sua frente.
— Percebi...
— Mas... — ele fala animado- se olhar à sua esquerda no final da rua, temos um lago!
— Um lago?
Sam duvidava que fosse verdade então olhou rapidamente à esquerda e viu um grande lago há mais ou menos 500 metros de distância.
— Aquilo é mesmo um lago? — Ela pergunta surpresa.
— Não bobinha, é um holograma. — ele ri — Claro que é mesmo um lago.
— Então construíram um condomínio onde tinha um lago que era pra ser domínio da natureza?
— Não. Construíram um lago em um condomínio de luxo e trouxeram um pouco de natureza pra cá.
— Quê?
— Pode ser um pouco confuso pra você agora irmãzinha, mas com o tempo vai ver que é possível fazer qualquer coisa quando se tem muito dinheiro.
— Tem razão, é bem confuso — ela ri.
— A gente pode caminhar até o lago e eu te mostro a praça onde as famílias se reúnem aos domingos para fazer piquenique no verão.
— Isso é sério? Parece coisa de filme infantil onde tudo é perfeito.
— É assim que as coisas são por aqui — ele dá de ombros.
— Fala sério — olho pra ele desacreditada.
— Está bem! — ele ri — É assim que as pessoas tentam parecer por aqui, perfeitas. Tentam mostrar que não existem defeitos e problemas na elite quando na verdade tudo está desmoronando por dentro. É só uma máscara Sam.
— Para mim, parece que essas pessoas são bastante problemáticas — declaro.
— Você não viu nada! — ele ri.
Assim que Dylan pronuncia essas palavras, Sam ouve um grito do outro lado da rua vindo de uma das mansões. Seus olhos são voltados em direção à dois rapazes discutindo em frente à casa. Um deles usava jaqueta preta e calça jeans. Era difícil dizer com a pouco luz da noite, mas tinha a pele clara e os cabelos escuros, além disso, dava pra notar que se parecia muito com um ator de filme de badboy. Bem, talvez fosse, Sam pensou, já que tudo ali parecia ser possível. Mas o que mais chamou a atenção de Sam foi o seu olhar, os olhos estavam escuros e cheios de raiva, ele parecia revoltado com algo. O outro rapaz era totalmente diferente, tinha o cabelo claro e o seu olhar era debochado. Utilizava uma jaqueta daquelas de time de futebol, ou seria basquete? Sam não sabia ao certo mas ficou curiosa em saber sobre o que eles discutiam.
— Falando em problema... — seu irmão diz — Te apresento pra uma das famílias mais problemáticas!
— Quem são eles?
- Os irmãos Bradley. Eles vivem discutindo e quebrando as coisas. Eu não sei o que acontece à fundo, mas o pai deles é senador. Dizem que está sendo investigado por corrupção e lavagem de dinheiro mas ainda não encontraram provas. A senhora Bradley, mãe deles, é diretora de cinema, inclusive de filmes bem conhecidos.
— Mas por que você acha que eles brigam tanto?
— Vai saber — ele encolhe os ombros — Nunca se sabe os segredos que estão por trás das portas dos Bradley.
Sam observa mais uma vez a briga e encara o irmão de cabelo escuro enquanto ele entra no carro e sai da garagem furioso. Assim que o carro passa por ela e seu irmão, os olhos de Sam encontram os do rapaz por um breve instante, apenas o suficiente para Sam notar que muito além da raiva, era a tristeza que tomava conta de todo aquele olhar.
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