Capítulo 02: Suposta barata e o caso da insônia
Após o banho, Changbin retornou ao quarto com o cabelo meio úmido e usando seu habitual pijama do homem aranha. Ele entrou no quarto receoso de como seria recebido por Chan, mas decidiu que aquele era seu quarto, quem deveria ter medo era aquele esquisitão. Por isso, girou a maçaneta e entrou com o peito estufado, e estranhou quando foi recebido por… nada. O quarto estava completamente vazio. Nem sinal de Chan e nem das suas malas. Por um segundo, Changbin teve o delírio que talvez tudo aquilo fosse fruto da sua mente fantasiosa, talvez Chan nunca tenha existido, mas alegria de pobre nunca dura muito, e quando ele estava ainda admirado pela plenitude que estava o recinto, Chan apareceu atrás dele, o assustando. Os dois gritaram pelo susto de Changbin, sendo suficiente para chamar atenção das duas pessoas mais velhas da residência lá embaixo.
— O que aconteceu? — Miyan exclamou, surgindo pelas escadas com Erick logo atrás. Changbin e Chan se encararam, assustados. — Tá tudo bem? — Indagou, vendo os dois meninos pálidos.
— Changbin achou que viu uma barata no quarto. — Chan respondeu primeiro, antes que Changbin pudesse dizer qualquer coisa. — Ele falou “Chanie, mata!” mas não tinha barata nenhuma, ele só queria me assustar. — Embasbacado pela facilidade que ele tinha em mentir, Changbin nem conseguiu reagir direito quando Chan passou o braço sobre seus ombros, forçando uma risada. — Ele é sempre brincalhão assim?
— Ah — Erick e Miyan se encararam, confusos. — Não sabia que você tinha medo de baratas, filho. — Ela falou. Changbin queria dizer que era mentira, não tinha barata nenhuma e ele não tinha medo, mas Chan fazia peso em cima dos seus ombros e ele não conseguia pensar direito por estar com o coração acelerado demais pelo susto. — Bom, de qualquer forma fico feliz que vocês estejam se dando bem. Vão dormir, já é bem tarde.
Eles desceram as escadas, deixando a dupla de meninos sozinhos no corredor iluminado por uma única lâmpada no teto. Quando teve certeza que Miyan estava fora do seu campo de visão, Changbin empurrou Chan para o lado, genuinamente irritado.
— Barata, sério? — Changbin queria que ele parasse de rir e levasse a sério as coisas, mas Chan só continuou rindo, divertido pelo que fizeram. — O único inseto que tô vendo aqui é você, seu idiota.
— Guarda as garras, gatinho. Foi só uma piada. Como eu saberia que você ia se assustar?
— Você não consegue agir como uma pessoa normal?
— Ser normal é chato.
Ele entrou primeiro no quarto, deixando Changbin para trás. Usando a ponta dos dedos, Changbin massageou as têmporas, atrás de paz interior. Não aguentaria viver com aquele cara por muito tempo, iria enlouquecer. Tentou alinhar seus chacras e não surtar com a realidade que dividiria o mesmo teto com um idiota como aquele. Ele entrou no quarto quando achou que estava bem espiritualmente, e chegou a vislumbrar a silhueta divina do próprio Jesus Cristo ao ver Chan deitado no beliche inferior, no seu canto, sobre seus lençóis e usando o travesseiro dele. Changbin fechou a porta bem devagar, para não fazer muito barulho, e caminhou em passos largos até o menino e segurou ele pelo colarinho, pronto para arremessá-lo pela janela.
— Que isso, mano? Calma lá, não sabia que você gostava de um lance mais agressivo. — Ele ficou de pé quando Changbin o puxou para sair da cama.
— Regra número um, nunca, em hipótese alguma, deite na minha cama sem a minha autorização. — Era um pouco tosco pela diferença de altura que eles tinham Changbin estar segurando ele pelo colarinho da camisa, mas no momento a única coisa que Changbin conseguia pensar era como ele queria bater nesse cara por invadir sua casa com o pai esquisitão dele, e acima de tudo, invadir sua privacidade. — Entendeu, mano?
— Entendi, entendi. Pode me soltar agora? — Changbin o empurrou quando soltou. — Como pode tanto ódio caber em alguém tão pequeno? Isso não te faz mal, não?
— Você me faz mal. — O olhou com raiva, mas Chan parecia inabalável. Ele sorria, numa estranha animação por estar tirando o menino do sério. — Deita na cama de cima e fecha a matraca, vou apagar a luz. — O beliche superior já estava arrumado com travesseiros e um bom cobertor, talvez sua mãe tenha se antecipado e deixado tudo organizado, visto que Changbin às vezes usava a cama de cima como seu depósito pessoal para jogar roupas ou livros que não estava usando.
Foi até a tomada para desligar a luz, e esperou de boa vontade até que o estrangeiro subisse no beliche. Depois, apagou a luz e caminhou no escuro até a cama, acostumado com o caminho. Changbin deitou e se cobriu com o lençol, virando na direção contrária da porta, na direção da parede. O silêncio pairou, e ele ficou feliz por finalmente estar em silêncio depois daquele dia agitado. Finalmente conseguia ouvir os próprios pensamentos e organizar a mente, parecia que de repente tudo virou do avesso. Agora ele tinha um novo padrasto, o filho irritante e metido dele, e sua mãe estava noiva. Ele se encolheu no canto da parede, infeliz com tudo isso. As coisas estavam indo tão bem, sua mãe parecia ter aquietado por um tempo, passou as últimas semanas longe das baladas, as vezes que saía com as amigas tinha diminuído bastante e ela finalmente estava conversando com ele sobre assuntos que não fosse os caras que tinha beijado em uma dessas festas. Ela finalmente se parecia com aquela mulher que deitava com ele na cama quando ele era criança e contava histórias até o menino pegar no sono. Ela se parecia com sua mãe de verdade.
Sabia que o casamento de Miyan com seu pai não tinha sido bom para ela, e não queria que eles voltassem nunca, mas de vez em quando sentia falta do amor materno que ela o dava quando era criança. Infelizmente, essa época foi manchada pelo divórcio deles, mas era a época que Changbin mais se sentia amado e compreendido. A época em que ela ainda saia com algumas amigas, mas em casa ela o tratava como filho e não como um ouvinte para as loucuras que fazia. Às vezes Changbin queria ter um pouco daquilo de volta, do amor e da compreensão, mas sabia que os tempos eram outros agora. Miyan o via mais como amigo do que como filho, e usava seu título de mãe quando bem entendia. E o que Changbin podia fazer? Odia-la? Ela o deu tudo. Deu casa, comida e conforto, ao contrário de Yongjin. Atualmente, Changbin só via o pai uma vez no mês, porque a justiça o obrigava a conviver com ele.
O relacionamento que ele e Yongjin mantêm é ainda mais distante. Depois do divórcio, ele sumiu por um tempo e depois ressurgiu em outro relacionamento, com uma nova família e uma filha. Changbin não conhecia Jurin direito, sabia que ela era alguns anos mais nova que ele, mas eles não tinham muito contato. Nas vezes que ele vai para a casa do pai, em outra cidade, ela sempre está fora, ou no colégio ou nas aulas de ginástica. Então, tudo que Changbin sabe sobre a meia irmã é que ela é meio japonesa por causa da mãe, e que faz ginástica artística desde muito pequena, por insistência da mãe, e nada além disso. Seu pai também não fala muito dela quando os dois estão juntos — geralmente ele não fala quase nada quando estão juntos.
— Ei, psiu. — Escutou o australiano no beliche de cima chamar, mas fingiu estar dormindo para não responder. — Gracinha? Tá acordado? — Permaneceu quieto, os olhos fechados e o corpo encolhido na direção da parede, torcendo que ele percebesse que estava dormindo e não tentasse iniciar uma conversa.
Porém, como sempre, nada acontece do jeito que Changbin desejava. Ele sentiu o beliche balançar, e tudo ficou quieto de repente, até que sentiu uma presença estranha vindo de trás. Meio com medo, ele permaneceu encolhido, com receio de se virar, igual quando era criança e achava que se virasse veria alguma entidade maligna prestes a arrastá-lo para os confins do submundo. Contudo, algo tocou seu ombro e o forçou a se virar, e Changbin, antes mesmo de conseguir abrir os olhos por causa da uma luz sendo apontada na sua cara, torceu que fosse o diabo ali, ao invés de Chan. Mas, novamente, nada aconteceu do jeito que ele queria. Não era o diabo, nem o demônio, muito menos lúcifer, ou sei lá quantos nomes tinha a entidade, era só Chan segurando o celular com a lanterna acesa bem na direção dos olhos de Changbin.
— Achei que você estava dormindo. — Ele finalmente desviou o foco da luz, após quase cegar o menor. Changbin coçou os olhos, encostando na cabeceira da beliche. Chan ficou onde estava, acocorado na beirada da cama.
— O que você quer? — Indagou com nítida impaciência.
— Conversar. Não consigo dormir.
— Problema teu, eu consigo. — Deitou de volta na posição anterior, porém, Chan voltou a agarrar seu ombro e desta vez chacoalhar, num vai e vem irritante que deixou a veia do pescoço de Changbin saltada. — Qual o seu problema? — Se virou para ele genuinamente irritado, tentando não elevar a voz.
— Bom, eu tenho insônia e ansiedade, mas tomo remédio pra controlar.
— Não tava falando desse tipo de problema, seu imbecil. Tô perguntando da porra do teu problema comigo.
— Caramba, você não consegue relaxar um segundo? Parece que tá sempre com raiva. Não sou seu inimigo, eu só quero conversar. — Changbin ponderou dessa vez, encarando o garoto acocorado rente ao beliche, com aqueles olhos castanhos brilhantes, cabelo ondulado preto e rosto pálido. Ele parecia inofensivo visto nessa direção. Changbin suspirou desistindo de brigar, onde isso levaria? Talvez devesse admitir que seu inimigo não era Christopher, que também tinha sido arrastado para essa loucura. Talvez ele devesse dar uma chance ao garoto, ele não parecia ruim, só um pouco desinibido, metido, arrogante e sarcástico. Mas todos nós temos defeitos, não é? Apesar de que, para Changbin, Chan tinha vários. Muitos. Um monte.
— Tá, tudo bem. Foi mal.
— Você tá pedindo desculpa? — Falou num tom falso de surpresa. — Gracinha, você não cansa de me surpreender. — Ele subiu na cama, tentando ocupar o espacinho na beirada, sem a autorização de Changbin. E como toda ação, requer uma reação, Changbin o empurrou automaticamente para fora, e Chan quase — quase mesmo — caiu no chão. — O que foi agora?
— Você é muito abusado, sabia? Eu te dou a mão e você já quer o braço todo. — Continuou tentando empurrá-la da cama, afastá-lo a todo custo, mas ele não saia, era como se tivesse criado raízes onde encostou.
— É só pra gente conversar melhor.
— Cai fora!
— Se você não parar de gritar, sua mãe vai ouvir. — Ele se desvencilhou das suas mãos e tapou a boca de Changbin. O celular caído no colchão ainda com a lanterna ligada iluminava a cena dos dois, Changbin fora empurrado contra a parede, e Chan se projetou em cima dele, tapando a boca do menino e o forçando a parar de se debater. Eles se encaram em silêncio, e Changbin não queria assumir que aquele maldito era muito bonito de perto. Estupidamente bonito. — Você não quer que sua mãe escute, quer? — Chan indagou baixinho, próximo ao rosto dele.
Changbin engoliu o orgulho e balançou a cabeça, negando sem ter como revidar. Receoso, Chan tirou a mão e esperou por uma reação agressiva do menino, mas Changbin não fez nada, ele apenas o encarou com os olhos trêmulos e não disse nada. Novamente, um silêncio estranho pairou entre eles, denso e desconfortável. Passei dos limites? Chan continuou sentado rente a beirada, sem coragem de subir no colchão e ficar do lado dele. Changbin permaneceu estranhamente quieto, nitidamente incomodado com a ação do australiano. Eles não disseram nada pelos próximos três minutos, incapazes de assumir culpa ou iniciar uma conversa que pudesse disfarçar o clima horrível que cresceu entre os dois.
— Te machuquei? — Chan indagou, a voz distante e o rosto contorcido em preocupação. — Ei, Changbin, me responde. Tá me deixando preocupado. — Ele cutucou o braço do menino com o dedo, mas Changbin parecia pasmo demais para falar. — Para de me olhar desse jeito, tá me assustando. Fala comigo, nem que seja pra me xingar.
— Nunca mais faça isso. — Ditou com a voz rígida.
— Não foi intencional. — Ele murmurou. — Errei, fui moleque. Me perdoa, vamos deixar isso no passado e seguir em frente. — Devagar, Chan foi se arrastando para cima, indo com calma para perto de Changbin, na intenção de deitar ao lado dele. — Amigo, amigo, amigo — Repetia, subindo cada vez mais, até estar sentado encostado na cabeceira, precisando ficar com a coluna torta por ser alto demais para a altura do beliche. — Amigo? — Olhou para Changbin, sorrindo com todos aqueles dentes brancos e alinhados. Changbin o olhou de volta, a raiva subindo até o pescoço, mas decidiu, para o bem de todos naquela casa, que não teria um acesso de raiva no momento.
— Se você tentar alguma gracinha, vou quebrar suas pernas. — Usou seu melhor tom de ameaça, desistindo de brigar com o garoto e se deitando de costas para ele.
— Posso mesmo dormir aqui?
— Dizer que não vai te fazer ir embora?
— Não.
— Então deita e dorme. — Changbin podia não ver, mas ele sabia que o outro estava empolgado. Chan pegou o cobertor no beliche de cima e se aconchegou na ponta da cama, o corpo dando curtos espasmos de felicidade, porque estava frio e ele conseguiu o que queria. — Se você me encostar…
— Você vai quebrar alguma parte valiosa do meu corpo, tô sabendo. E relaxa fofinho, não vou nem te triscar o dedo.
Ele também virou na outra direção, ficando os dois um de costas para o outro. Changbin fechou os olhos, o coração martelando no peito pelo que aconteceu minutos antes. É sono, vai passar. Fechou os olhos com força, se obrigando a dormir e esquecer o que acabou de se proceder. Talvez só estivesse muito cansado, ou talvez ele realmente devesse seguir os conselhos de Jisung e chamar alguém pra sair qualquer dia desses. Talvez a falta de afeto amoroso estivesse bagunçando a sua cabeça fantasiosa. Aquilo não levaria a lugar nenhum, e a última coisa que queria era continuar pensando no dia estranho que estava tendo. Conformado que estava apenas sendo carente, Changbin encolheu as pernas e torceu para que quando acordasse no dia posterior, tudo isso tenha passado de um pesadelo.
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