Capítulo 01: Sou o único normal nessa casa?
Changbin soube que tinha algo fora do comum assim que entrou na esquina da rua onde morava e notou um carro desconhecido estacionado em frente a sua casa. Aquilo não tinha um bom significado.
Desconfiado, ele começou a caminhar devagar, mil ideias brotando na cabeça. Tentou lembrar se Miyan — sua mãe — tinha falado alguma coisa mais cedo, no café da manhã. Forçou todos os neurônios funcionais que tinha para pensar e lembrar, mas não aconteceu nada demais mais cedo. Ela apenas comentou sobre as festas que frequentou esse final de semana, falou sobre um cara que conheceu em uma balada que foi com algumas amigas e nada mais. Espera, o cara. Changbin, do outro lado da rua de frente para casa onde morava, tentou espiar antes de entrar, como precaução. Só Deus sabe o que o aguardava hoje.
Veja bem, ele não odiava que Miyan saísse por aí com as amigas para festas e baladas noturnas todo final de semana. Ele realmente não odiava, pelo contrário, ficava genuinamente feliz que sua mãe estava curtindo a vida de solteira depois que passou tantos anos em um casamento conturbado com seu pai. A última coisa que queria era vê-la novamente triste como aconteceu depois do divórcio, há mais ou menos dois anos atrás. O único problema era que Miyan, desde que se divorciou do seu pai, não parava um dia sequer com um namorado. Em todas as vezes que ela saia para festas, no dia seguinte trazia alguém para casa, e esses relacionamentos relâmpagos nunca davam certo. Mas Miyan não desistia, dizia que estava tentando achar “o homem perfeito” e um bom padrasto para Changbin, mas cá entre nós, ele nem queria um novo padrasto.
Enchendo as bochechas de ar, ele decidiu que era hora de entrar — estava ficando frio com o sol se pondo no horizonte. Com passos calculados, Changbin atravessou a rua e passou pelo carro prata de uma marca que com certeza ele não conhecia, Changbin não sabia nada sobre carros como seu melhor amigo sabia, única coisa que ele tinha noção é que eles tinham cores e tamanhos diferentes, mas diferenciar por marcas não fazia parte do seu vasto conhecimento sobre automóveis. Usando a sua chave, ele abriu a porta e deu uma olhadinha dentro da casa antes de realmente entrar, e quando percebeu vozes na sala, Changbin quis recuar, mas antes que pudesse sair escondido sua mãe apareceu.
— O que você tá fazendo aí, garoto? Entra logo, quero que você conheça umas pessoas. — Ela o pegou pelo braço e o trouxe para dentro. Changbin foi sem pestanejar, embora quisesse, e muito.
Ela o arrastou até a sala de estar, onde ele pôde ver dois homens sentados no sofá marrom de três lugares. Um deles era um cara de cabelo lambido, corpo forte e tinha uma postura perfeita, os traços do rosto dele indicavam que ele não era da região, parecia um militar de mais ou menos quarenta anos, sua expressão era de poucos amigos e Changbin se questionou onde caralhos sua amada mãe achou esse esquisitão. Mas obviamente as coisas podiam piorar, a vida de Changbin sempre piorava. Ao lado dessa espécie de soldado norte americano loiro com o cabelo estilo a vaca lambeu, estava um garoto, provavelmente da sua idade, ele parecia um integrante de uma boyband que faria garotinhas de treze anos cair de amores e criar historinhas dele em algum aplicativo duvidoso na internet.
O cara estava vestido todo de preto, e tudo bem, Changbin também gostava de se vestir assim, mas ele estava todo apertadinho: calça skinny, tênis all star, camiseta regata e jaqueta de couro. O que ele era, um motoqueiro? Changbin o olhou de lado, julgamento até o último fio de cabelo dele. E quando os dois se encararam, o garoto ficou de pé, sorrindo com todos aqueles dentes brancos e certinhos, como se tivesse acabado de sair de um comércio de creme dental, e veio cumprimentá-lo. Ele estendeu a mão, mas Changbin não quis apertar, porém, quando sua mãe sutilmente beliscou seu braço, ele contra sua vontade fez aquilo. E, ei! Ele apertou sua mão com força de propósito, Changbin tinha certeza.
— Filho, quero que você conheça Erick, ele é meu noivo. — Miyan foi até o homem e ficou do lado dele, e Meu Deus, que homem alto. Changbin teve que erguer o queixo para conseguir olhar naqueles olhos estupidamente azuis.
— Espera, seu o que? — Changbin a olhou como se a mulher tivesse perdido completamente o juízo. Não é possível que seus ouvidos tenham escutado certo.
— E esse é Christopher, ele vai ser seu irmão daqui em diante. — Ela fingiu não ter ouvido a clara indagação do filho, ao invés de responder, apenas pegou no braço do garoto desconhecido e os dois sorriram na sua direção. Não é possível que eu seja o único normal nesta sala. Ele olhou para aquela cena da sua mãe e dois caras completamente desconhecidos, e quis ele mesmo se beliscar para descobrir se estava ou não sonhando. — Eles vão morar com a gente de hoje em diante, filho. Não é legal? Você vai ter um irmão!
— Mãe, a gente pode conversar dois minutinhos a sós? — Ele se esforçou muito para não demonstrar que estava perdendo os últimos três neurônios bons que tinha com aquele tanto de informação, e junta da mulher, foram até a cozinha próxima para conseguir ter um pouco de privacidade, deixando o cara loiro e seu filho cantor de boyband para trás.
Na cozinha, Changbin deixou a mochila em cima da mesa e olhou para a mãe como se ela tivesse a capacidade de ler toda a confusão que preenchia sua mente, mas ao encará-la, ela parecia feliz. Como se não tivesse acabado de tomar uma das decisões mais impensadas da vida, como se não tivesse dito que dois caras completamente desconhecidos iriam morar com ela e ele, como se ela não tivesse acabado de perder o juízo. Changbin quis segurá-la pelos ombros e sacudi-la até o bom senso voltar para o corpo dela, mas se controlou.
— Mãe, o que a senhora pensa que tá fazendo? Morar com a gente? Noivo? Quem é esse cara? — Tentou não se exaltar, visto que a cozinha e a sala eram bem próximas e eles podiam ouvir.
— Eu conheci ele já faz um tempo, Bin. Percebi que ele era um cara legal, ele gosta de mim, de verdade mesmo. Não é como meus outros relacionamentos, dessa vez é real. Estamos apaixonados de verdade. — O nervo do olho direito de Changbin tremeu, e ele precisou se sentar para conseguir digerir toda aquela informação. — Ele me pediu em casamento faz um tempo, então chamei ele para morar com a gente. Não é uma boa coisa? Você não está feliz?
— Mãe, há quanto tempo a senhora conhece esse cara? Você nunca me falou dele.
— Nos conhecemos há — Miyan parou por um segundo, tentando se lembrar. — Dois meses? Acho que é mais ou menos isso.
— E a senhora vai casar com ele com dois meses de relacionamento? — Se exaltou, mais do que deveria. Ao espiar pela porta da cozinha, os dois caras pareciam mais ocupados conversando em cochichos do que prestando atenção no que ele e sua mãe estavam falando. Changbin se voltou para Miyan, que parecia não entender toda a exaltação do filho. — Mãe, isso não está certo. A senhora tem certeza disso? Casamento é algo sério.
— Eu tenho! Por que está me tratando como se eu não tivesse condições de tomar decisões importante? — Ela também gritou, igualmente exasperada.
— Não tô fazendo isso! Só quero que a senhora não tome uma decisão que vá se arrepender!
— Não era você quem dizia que queria me ver feliz? Eu estou feliz agora com ele! Então por que você não está feliz por mim, Changbin? — Miyan abaixou um pouco o tom de voz, parecendo magoada com a discussão que estavam tendo. Magoada com o jeito que Changbin reagiu à notícia. Magoada com ele.
Changbin queria rebater, gritar para ela que queria sim vê-la feliz, mas esse casamento era uma idiotice. Ela nem o conhecia direito! Isso não fazia sentido. Mas, ao contrário de todos os contra argumentos que estava na ponta da língua, ele apenas ficou quieto, percebendo os olhos de Miyan marejados e as sobrancelhas franzidas. Changbin conhecia aquela expressão, ela olhava desse mesmo jeito para seu pai, logo após eles terem uma discussão. Estou agindo como ele? Pensou, um gosto amargo invadindo o paladar. Ele levantou e abraçou a mulher, sem coragem de rebater sobre como tudo aquilo era uma loucura, sobre como ele realmente se sentia em relação a ter novas pessoas na sua casa, pessoas que ele nem conhecia e que não confiava. Ele a abraçou pelos ombros, por terem alturas similares, e ela fungou, controlando as lágrimas.
— Me desculpa, mãe. Não sei o que deu em mim. — Disse, chateado consigo mesmo por fazê-la chorar. — Óbvio que estou feliz que a senhora vai se casar, só tenho medo que ele te machuque igual os outros caras.
— Ele não é assim, Bin. Erick é diferente. — Mordeu a língua para não rebater que ela nem o conhecia, e apenas balançou a cabeça, concordando.
Quando ela já estava mais calma, eles retornaram à sala. Miyan sorria sempre que Erick a olhava, e ele parecia distante, suas expressões eram como se todos os músculos do rosto dele estivessem congelados. Changbin se perguntou se ele sabia ao menos sorrir. Mas, ele não parecia odiar sua mãe, nem desprezá-la, ele só era estranho. Talvez só na sua concepção, já que Miyan parecia alegre só em sentar ao lado dele no sofá e tagarelar.
Ainda usando o uniforme do colégio — que consistia em uma calça preta e camisa branca de botões com a logo da escola no peito —, Changbin jantou com os três. Não tinha outra palavra para descrever aquele jantar além de estranho. O clima que pairava entre eles era estranho, apesar de Miyan querer muito conversar, Erick respondia uma ou duas coisas que ela falava, sua voz era rouca e cansada, como alguém que já precisou muito usar ela para gritar com os outros na época do exército. Changbin não sabia se ele realmente era militar, mas cá entre nós, ele não podia ser outra coisa além disso. E ele não tinha coragem de perguntar ao homem se ele realmente fez parte de alguma força militar, então decidiu apenas criar suposições na cabeça. Era mais fácil do que lidar com a pressão de ter Erick o olhando com aqueles olhos azuis intensos e seu rosto sem expressões.
Além disso, o filho dele era um idiota. Veja bem, Changbin convivia com muitos idiotas no colégio, inclusive o mais idiota deles era um dos seus melhor amigo, Hyunjin. Mas existia muitos tipos de idiotas; existia o idiota bobinho, que era Hyunjin. Ele era engraçadinho e fofo, Changbin gostava muito dele porque ele era todo bobo mas não era um cara ruim. E existia o idiota IDIOTA, que era o filho de Erick. Ele ficou enchendo seu saco durante todo o jantar, embora para sua mãe, ele estivesse todo cheio de sorrisos e gentilezas. Ele ficou cutucando seu pé com o dele, o olhando de lado e sorrindo igual um imbecil. Changbin se questionou se ele tinha algum problema, mas decidiu ignorar. Quando o jantar terminou e Changbin viu a oportunidade perfeita para fugir e se trancar no quarto, sua mãe, que não cansava de surpreendê-lo, o segurou pelo pulso junto a Christopher e falou a frase que fez Changbin querer cometer o oposto de viver na frente dela.
— Ele vai dormir no seu quarto. — Aquele nervo do olho direito novamente tremeu, e Changbin riu, porque não podia ser sério. Impossível. Mas Miyan não ria, pelo contrário, parecia falar muito sério.
— Mãe, qual é? Por que no meu quarto?
— Qual o problema, Binie? Vocês dois são garotos, e seu quarto tem uma beliche. — Odiou seu eu criança que pediu um beliche de aniversário porque achava legal a ideia de ter duas camas e poder dormir em cima ou embaixo sempre que quisesse. — É só até eu ter tempo para limpar aquele quarto que era o escritório do seu pai, não vai demorar muito.
Changbin queria espernear, dizer que era a sua privacidade que estava sendo invadida por aquele desconhecido esquisitão de sorriso perfeito, mas só abaixou a cabeça e se deixou levar. Com Christopher no seu encalço, Changbin passou pela sala de estar, onde Erick estava vendo televisão, e subiu os lances de escadas até o andar superior da residência. Já em cima, ele abriu a primeira porta à direita no corredor pequeno, entrando no quarto. Seu quarto era relativamente pequeno, talvez o menor cômodo da casa, a direita, perto da janela, estava uma escrivaninha cheia de papéis de provas, livros didáticos e um notebook antigo, na outra parede a esquerda estava o guarda roupa e alguns prateleiras com mais livros de estudo e ficção científica, e por fim o beliche azul que ganhou de aniversário dos pais quando tinha onze anos. Ele era grande e foi algo comprado a longo prazo, com a ideia de que Changbin usaria por bastante tempo. Maldito seja o dia que pedi isso, resmungou em pensamento, deixando a mochila pendurada atrás da porta, junto com alguns cintos e outra bolsa menor para viagens ou passeios.
Ao se virar, Changbin viu malas em um canto, perto do guarda roupa. Cerca de duas malas grandes e pretas, e chegou a conclusão que mesmo se tivesse feito um escândalo, Christopher e Erick já tinham se instalado na sua casa enquanto ele estava fora. Então, tudo já estava certo, com ou sem o consentimento do garoto. Changbin queria deitar na cama e chorar, porque Miyan nem levou como ele se sentia em consideração. Mas, ao se virar e ver que Christopher estava tirando a roupa, tudo que Changbin conseguiu pensar foi em gritar e virar de costas, assustado com a repentina indecência do estrangeiro.
— O que você tá fazendo, cara? — Changbin indagou, perplexo e com o rosto vermelho.
— Trocando de roupa? — Chris falou como se fosse óbvio. — Qual o problema, gracinha? Nunca viu um gostoso? — Changbin teve que morder a mão para não gritar novamente, desta vez de raiva.
— Olha aqui, seu idiota! — Ele se virou, mas voltou à posição anterior quando percebeu que ele estava pelado — ou só sem camisa. — Esse quarto tem regras, não vai achando que vai fazer o que quiser aqui dentro.
— Sabe o que eu acho? Você tá se estressando à toa, gracinha.
— Se você me chamar de gracinha de novo eu quebro todos os dentes da sua boca.
— Pra isso primeiro você tem que se virar pra mim, bonitinho. — Changbin ferveu de raiva, e ele se virou, embora não conseguisse encará-lo sem ter que ver aquele peitoral e tanquinho definido à mostra. — Ei, meu rosto tá aqui em cima. — Ele provocou um pouco mais, rindo divertido pela timidez do menino. — Eu sou irresistível, né?
— Você pode, por favor, vestir a merda da sua camisa? — Pediu com a mandíbula trincada, sem conseguir olhar para ele sem sentir as orelhas quentes. E desta vez, ele se vestiu. Colocando a regata que estava usando anteriormente, deixando apenas os braços bem torneados à mostra. — E meu nome não é gracinha, seu imbecil.
— E o meu também não é imbecil. É Chan, pode me chamar de Chan.
— Não vou te chamar de Chan, parece íntimo. Não sou teus amiguinhos.
— Quer ser algo a mais, é?
— Qual é o seu problema, cara?
— Nenhum, bonitinho. Só tô brincando. Tá sempre estressadão assim?
— Me surpreende você não estar estressado. Seu pai vai casar com uma mulher que ele conheceu faz nem três meses, isso não te deixa puto? Ou sei lá, indignado?
— A vida é dele, ele faz com ela o que ele quiser. — Ele deu de ombros, como se não se importasse. Changbin ficou incomodado. Incomodado por ser o único contra aquele casamento. Indagou a si mesmo se ele não estava só pensando demais, talvez Christopher estivesse certo por pensar assim, mas ele não conseguia aceitar isso tão passivamente. — E também, só tô por aqui até conseguir um trabalho para ir morar sozinho. Então ligo menos ainda pra o que ele vai fazer da vida dele. Não vai me afetar futuramente mesmo.
— Mas vai afetar agora. Por que você não se importa, nem um pouquinho?
— Porque do mesmo jeito que não quero ele se intrometendo na minha vida, não vou me intrometer na dele, sacou? Se ele quer casar, ótimo, felicidades. Que ele seja feliz.
Changbin ficou calado, incapaz de rebater. Queria ter a mesma mentalidade, mas toda vez que esse tipo de pensamento cruza sua mente, ele não consegue absorvê-la direito. Talvez fosse muito protetor com sua mãe, mas não era como se não quisesse que ela casasse e fosse feliz, só não via como um noivado tão prematuro fosse acabar bem. Não entendia como alguém conseguia conhecer alguém tão rapidamente e decidir que ela era a pessoa perfeita. Simplesmente era incapaz de pensar desse jeito. Durante toda sua vida, ele pelo menos tinha que conhecer a pessoa nem que seja por um longo tempo para conseguir se conectar com ela, principalmente nas — poucas — tentativas românticas que teve. E talvez fosse por isso que nunca namorou, as pessoas nunca conseguiam esperar o tempo dele. Nunca conseguiam esperar até que Changbin conseguisse vê-las como algo a mais, preferiam partir para outra do que aguardar até o menino ter certeza do que sentia. Sempre foi assim. Perdeu a conta das vezes que deitou na cama e se perguntou o que tinha de errado com si mesmo, e chegou a conclusão que relacionamentos românticos não eram sua praia.
Depois dessa curta conversa que tiveram, os dois garotos seguiram cada um para um lado: Changbin pegou o pijama no guarda roupa e saiu do quarto, indo tomar banho. Chan seguiu até as malas, para começar a desfazê-las. No andar inferior, onde ficava o banheiro, ele viu Miyan e Erick aninhados no sofá vendo um programa qualquer na televisão, pareciam felizes e confortáveis na presença um do outro. Changbin novamente se questionou se o que fez mais cedo foi certo, se aquela desconfiança que sentia em relação aos namorados da sua mãe era correta. Talvez só estivesse sendo paranóico demais, talvez sua mãe estivesse certa. Talvez o amor não tivesse tempo, só ele que era atrasado demais. Com a toalha no ombro e o pijama na mão, ele entrou no banheiro sem incomodá-los, partindo para o chuveiro a fim de tomar uma boa ducha e se livrar da sensação de incerteza.
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