Simetria
Simetria
Passamos horas entregues ao silêncio e eu, a admirar cada expressão no rosto dela. Nem mesmo aquela mania irritante dela de dobrar ao livro no meio, o que destruía a lombada, conseguiu tirar o brilho de meu olhar e a felicidade que emanava do meu peito.
Quando passou a demonstrar - se cansada, mexendo no celular, esfregando os olhos, ofereci o quarto do Max. Troquei os lençóis, tirei o amontoado de meias sujas de debaixo da cama e trouxe alguns cobertores a mais, enquanto ela pegava as suas coisas na secadora.
— Bom, eu dei uma arrumada por aqui, trouxe uns cobertores, precisa de mais alguma coisa?
— Não, tá ótimo. Quem diria que um dia eu dormiria com o Thor e o super - homem ao mesmo tempo — ela fala com um sorriso, pegando umas pelúcias do Max e jogando sob a cama.
— Ah tem o Hulk também em algum lugar por aí, já que gosta de verde — falo e ela me faz uma careta, colocando a mecha esverdeada de cabelo atrás da orelha — Bom, boa noite — falo me dirigindo a porta.
— Alec — ela me chama e eu volto o olhar para ela — Obrigado, por ser um cara bacana e não me deixar dormir na chuva.
— Eu teria que ser muito burro para deixar uma garota bonita dormir na chuva — falo e sinto meu rosto enrubescer no mesmo instante — Boa noite.
— Boa noite — ela responde e eu saio rapidamente. Vou para o banheiro, lavo o rosto e encarei meu reflexo no espelho. Porque eu tinha de dizer aquilo? Por Deus, eu não queria parecer um velho idiota cheio de cantadas tolas. Vou pro meu quarto e diferente dos outros dias, eu adormeço tranquilamente. Despertei no dia seguinte sentindo um cheiro gostoso vindo da cozinha, escovo os dentes, lavo o rosto, e dou uma penteada nos cabelos. Quando chego a cozinha me deparo com Carol cantarolando com uma frigideira em mãos, uma mesa já posta, com café, panquecas e ovos mexidos com tiras de bacon por cima.
— Que banquete.
— Para pagar o meu pernoite e desculpa ir mexendo nas suas coisas. Aliás, não tem nada na sua geladeira que não tenha uma etiqueta com prazo de validade pra dois anos ou mais.
— Eu não tenho cozinhado muito — falo tomando lugar a mesa.
— Max não tá morando com você, não é? — ela questiona baixando o olhar, ela sabia que não me dava ao trabalho de cozinhar nada fresco, sem ele por perto.
— Ele… Ele decidiu passar uma tempos com a mãe.
— Ele decidiu? E você concordou, assim de boa? — Ela fala arqueando as sobrancelhas, Carol me conhecia o suficiente para saber que eu não abriria a mão do Max sem mais nem menos.
— É, ele queria ficar com a mãe eu deixei, qual o problema?
— Tá, desculpa eu não queria me meter.
— Desculpas se fui grosso, é que o Max está numa fase difícil e a Casey, ela deixa ele fazer o que quer, então, acho que me tornei o velho chato que o proíbe de tudo — confesso enquanto ela toma lugar na cadeira ao meu lado e pousa sua mão sobre a minha.
— Logo ele vai sentir sua falta e voltar para casa, mas de qualquer forma, precisa de algo que não fique pronto em três minutos na sua geladeira — ela fala com um sorriso amarelo e seu celular começa a tocar. Carol, se encaminha até o aparelho e ignora a chamada, voltando a pousá-lo sobre a bancada da cozinha com um semblante sério.
— Vamos comer, antes que esfrie.
Tomamos o desjejum e depois me apronto para levá - la até a casa de Trevor. O céu ainda estava bem nublado, denunciando que logo teríamos outra tempestade. A observo pensativa a olhar pela janela, nostalgia talvez? Ou era cedo demais, afinal, fazia cerca de dois meses que ela deixou a Flórida. O que me deixava curioso sobre o motivo de sua vinda inesperada. Sair do Canadá, não era como pegar um metrô e ir a uma cidade vizinha quando sentisse saudade do lar, havia algo por trás daquilo, algo que ela ainda não estava pronta para me contar.
Chegamos ao prédio onde Trevor vivia, num subúrbio de Celebration, o prédio ostentava um certo charme dos anos oitenta, porém bem maltratado pelo tempo e com uma tentativa falha de repaginar o visual com alguns grafites rabiscados. Sorri ao constatar que era a cara do Trevor. Subimos até o apartamento no terceiro andar e tocamos a campainha por diversas vezes, nenhum sinal do meu velho amigo e irmão de Carolina.
— Será que ele está trabalhando? — Ela questiona intrigada.
Pego meu celular e ligo para o celular dele, e ouvimos este tocar dentro do apartamento.
— Seja lá onde ele se meteu, esqueceu o celular em casa — falo — vamos dar uma volta, almoçar e depois tentamos de novo.
— Não quero que perca todo o seu sábado comigo — ela diz num suspiro.
— Tempo com os amigos nunca é realmente perdido. Anda, quero te mostrar um lugar na cidade.
A levei no jardim botânico de Celebration, que ostentava um enorme labirinto de cercas vivas. Ela fica entusiasmada e não pensa duas vezes em comprar duas entradas.
— Okay, cada um recebe um rádio comunicador, e entra por uma entrada diferente terão direito a três ajudas até o ponto de encontro no centro do labirinto, depois do ponto de encontro estão sozinhos, se demorarem mais de meia hora para sair, entramos em contato pelo rádio. Boa sorte — diz a instrutora que veste uma roupa de elfo.
— Então, ainda tem aquela dificuldade com direita ou esquerda? — falo e a vejo fingir escrever no ar com a esquerda e depois com a direita.
— Essa é a direita, e você ainda esquece das coisas? — Ela rebate.
— Touché. — digo me encaminhando a minha entrada.
Adentrei o labirinto e fui engolido pelo mundo verde, as cercas vivas simetricamente cortadas realmente eram um desafio a mente. Em cerca de dez minutos caminhando, eu não tinha idéia da direção que estava seguindo. Ouvi o rádio chiar e atendi.
— Perdido? — ouço a voz da Carolina.
— Eu não e você? Câmbio — minto.
— Também não, eu acho… — ela diz com certo receio.
— Acha? Ou se está perdida ou não. Câmbio. — Falo continuando a andar e vendo um garoto olhando pros lados confuso.
— Nem sempre, as vezes você pode apenas achar que está perdida, mas é só parte do processo, do seu caminho — ela diz com certa melancolia na voz.
— Mas, como estar perdido pode fazer parte do caminho? Se se perdeu é porque desviou dele, não? Câmbio.
— Não, as vezes você se sente perdido, mas não significa que realmente esteja, sabe? Como aqueles dois segundos que você se perde de um amigo numa festa ou quando não enxerga a criança que devia estar cuidando entre tantas no meio do parquinho, eles ainda estão lá, você sabe disso, mesmo assim seu coração acelera e você se sente perdido.
— Ainda estamos falando sobre o labirinto? Câmbio. — pergunto coçando a nuca, sem entender muito bem o que ela queria dizer.
— Não sei, mas se falar câmbio mais uma vez eu vou acertar uma pedra na sua cabeça.— ela diz e eu dou uma gargalhada.
— Eu tenho quarenta anos, eu precioso falar câmbio num rádio comunicativo ou não vou estar honrando as horas que passei assistindo Rambo e comando de Guerra na adolescência . Câmbio.— respondo. — Ai! — Exclamou sentindo algo bater na minha nuca, me viro e encaro Carolina, que aperta o botão do rádio.
— Câmbio e desligo — ela diz com um sorriso travesso.
Sorrio de volta e abro passagem para ela passar, sem perceber estávamos no centro do labirinto, onde uma estátua de um fauno nos observava com uma expressão alegre.
— Esse sorriso é assustador — observa Carolina.
— Porque está aqui? Não quer que eu acredite que deixou a faculdade no meio do semestre, aparecendo a noite, sem avisar, não atende o celular quando te ligam, porque queria fazer uma surpresa pro Tom? — Pergunto sem rodeios. E ela volta um olhar incomodado para mim. — Aconteceu alguma coisa? Esta com problemas? O que foi? É com o Noah? Você mal mencionou o nome dele desde que chegou. Me fala Carol, nós sempre conversamos sobre tudo.
—Isso foi antes, ah Alec, quando eu sai daqui a gente já estava agindo como estranhos!
— Estranhos? A gente se falava todo o dia, você vinha a minha casa, ficava com o Max.
— Você mal olhava na minha cara Alec, depois do baile, nunca mais conversamos de verdade, apenas tínhamos assuntos em comum. Você ficou distante, não me falava mais nada da sua vida. E tudo bem eu entendi, mas agora, não somos mais o que éramos, mesmo tentando fingir que nada mudou.
— Desculpa se eu não queria ouvir o quanto você estava feliz, enquanto se preparava para ir embora. Desculpa por não vibrar por isso Carol. — Desabafo — Merda! Você tem idéia do quanto foi difícil para mim? Ficar fingindo que estava tudo bem, enquanto aguentava você toda entusiasmada de um lado e do outro o Tom, me lembrando o quão preocupado deveríamos ficar com você longe de casa, com aquele garoto cheio de merda na cabeça e THC no sangue?
— Alec…
— Eu fiz o que devia fazer — a interrompo — Eu te apoiei no que eu pude, porque diferente daquele garoto, eu nunca quis ser um arrependimento na sua vida Carol. —falo e ela me encara com aquele olhar de fúria que em poucos milésimos de segundo se tornam melancólicos. Ela se aproxima de mim e me abraça e eu a enredo nos meus braços e beijo o topo da sua cabeça, enquanto a sinto soluçar entre lágrimas. Carol levanta o olhar e nos vemos presos um ao outro, instintivamente meus lábios vão de encontro ao dela, sinto sua boca me corresponder, numa simetria perfeita. Enredo minha mão na sua nuca, e apesar dela estar em meus braços, ainda não podia acreditar naquilo. A puxei para perto de mim, sentindo o seu calor, numa ansia de relembrar e decorar o cheiro da sua pele, o gosto de seu pescoço e a doçura de seus lábios. Lembrei do quanto ansiei por isso, o quanto desejei aquele momento. Ela afasta gentilmente meu rosto e num sorriso envergonhado se aninha em meu peito. Ficamos um tempo naquele estado, até que ela se afasta, limpando os olhos com as mangas da blusa. Nos sentamos aos pés da estátua, e ela me conta sobre o que aconteceu no Canadá.
Ela estava decepcionada.
Não era segredo para ninguém os problemas do canadense com drogas, mas como toda a garota apaixonada e confiante no “poder do amor” Carol, imaginou que depois dos meses que ficaram separados, Noah já teria se encontrado, afinal ele prometeu isso a ela, e ele falhou.
— Ele tem um vício, não é algo que a pessoa consiga se livrar tão facilmente, Carol — digo ouvindo a maldita voz da razão, quando por dentro queria gritar que foi uma loucura ela crer nas promessas daquele garoto.
— Eu sei, mas não foi pela recaída. Foi pela mentira. Ele me disse que tinha parado, eu cheguei a fazer vista grossa quando encontrei um baseado no quarto dele, mas cocaina? — ela fala num misto de indignação e decepção.
— Ele está se tratando?
— Ele vai a terapia, mas eu não sei. Isso é tudo que eu não queria para minha vida. A gente até já tinha se acertado depois de eu ter encontrado ele daquele jeito, eu cuidei dele. Aí no outro dia ele me pediu perdão, chorou e eu perdoei.Fui para faculdade e do nada lembrei da merda de vida da minha mãe, tias, convivendo com alcoólatras que sempre prometiam que iam mudar e nunca mudavam. Eu surtei, peguei algumas roupas, raspei a minha conta, comprei a passagem e vim para cá. — Ela relata.
— Você não precisa passar por essa situação, Carol. Fez bem em vir para casa.
— Então porque estou me sentindo tão mal por tê-lo deixado sozinho?
— Porque você é uma boa garota, agora vamos, vamos comer alguma coisa e esfriar a cabeça, foi para isso que veio não foi? Sua mochila não é a mochila de alguém que veio decidido a ficar — Constato.
— Eu não sei, achei que viria e o pai ia me dar uma bronca e dizer, eu te avisei. Íamos gritar um com o outro e depois ele ia me dizer o que fazer. — Ela fala brincando com o celular na mão.
— Eu posso te dar bronca e gritar com você se isso te fizer ficar — falo enredando meus dedos nos dela.
— Você gritando? — Ela ri e olha para as nossas mãos, desemrredando a sua da minha logo em seguida — Alec, eu. A gente não devia ter se beijado, eu estou muito confusa, acho que ainda mais do que na época que a gente estava junto e o Noah… Eu não quero te magoar, nem ao Noah. — fala constrangida.
Me recosto contra a base da estátua e olho pro céu que anunciava uma tempestade.
— Eu já sou bem grandinho, Carolina. E o Noah, também não é nenhuma criança, esquece da gente, do que você anseia pro futuro, porque acredite, mesmo que planeje milimetricamente a sua vida, dificilmente as coisas vão sair como você queria. Pensa em você, no que você quer fazer agora, porque não podemos mudar o passado ou orquestrar o futuro, a gente vive o presente, um dia de cada vez. — falo e a vejo se recostar na estátua e por a cabeça sobre meu ombro — Só não comenta que eu disse isso isso com o Max, porque senão ele vai querer largar a escola. — Concluo e ela sorri.
— Não o culpo, ninguém merece estudar dez anos para poder estudar mais quatro ou mais e se formar em algo que dificilmente você vai se sentir plenamente realizado. — Ela diz e eu franzi a testa ao encará - lá.
— Achei que tivesse planos de emagrecer a América se tornando nutricionista.
— Eu moro numa república cheia de gente apressada e com pouca grana, minha alimentação é pão e café. Tenho que ficar feliz se eu não precisar de uma nutricionista antes de terminar a faculdade. — Ela exclama me arrancando uma gargalhada.
— Anda, vamos sair daqui e arranjar um lugar para comer algo saudável e nutritivo — falo levantando e estendendo a mão a ela.
— Saudável e nutritivo feito hambúrguer de bacon com camada extra de cheddar? — Ela falou arregalando os olhos.
— Sim e uma Coca zero. — Concluo.
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Boa tarde leitores lindos! Primeiramente desculpa por não ter atualizado na sexta como de costume, foi uma semana turbulenta por aqui. Espero que estejam gostando da história, e fiquem a vontade para comentar suas impressões, sugestionar e deixar suas críticas.
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