Realidade
REALIDADE
Manhã de terça feira, na noite anterior Carol preferiu dormir na casa do pai. Embora a ideia de passarmos outra noite juntos fosse inspiradora, precisava dar espaço, tempo para pensar. Era perceptível que foi isso que ela veio buscar na Flórida e não eu, não mais um romance complicado.
Depois de deixar o Max na escola, fui até a empresa pequei as plantas e dados do atual projeto e voltei para casa. Carolina estava em frente a varanda com os fones de ouvido e um livro na mão, um sentimento nostálgico tomou conta de mim. Parei o carro e fiquei por longos minutos apenas a observá-la. O balanço sinuoso de seus cabelos, a forma concentrada que seus olhos castanhos encaravam as páginas, as mãos delicadas com o livro dobrado ao meio e o dedo indicador que ia de encontro com a boca toda vez que necessita de trocar uma página. Ela tirou o telefone do bolso e a vi encarar a tela por uns instantes, até enfim decidir atender a chamada. Assim que colocou o telefone no ouvido passou a gesticular e a andar de um lado pro outro, nervosismo? Irritação? Eu não sei, o que vi foi que depois de longos minutos de uma conversa intensa ela voltou a se sentar nos degraus da varanda, com as mãos sobre o rosto. Ela chorava, e eu podia sentir o seu soluçar mesmo de longe. Me recostei no banco do carro e fechei os olhos por um instante, respirei fundo, avancei o carro para frente, até sair do ponto cego e ela poder me avistar. A vi enxugar as lágrimas com a manga da blusa rapidamente e tratei de estacionar na entrada da garagem. Caminhei até a cerca com um sorriso preocupado nos lábios e ela correspondeu com outro sem humor.
— Está tudo bem? — Perguntei antes de mais nada.
— Tá, eu só estava pensando… — ela fala disfarçando — Já tomou café?
一 Se é um convite, não me importo de tomar de novo.
一 Trás o Baley 一 ela fala com um sorriso.
Pego o cachorro, tiro o Blazer e colho uma flor do jardim. Adentro a casa e vou até a cozinha, o cheiro gostoso de café já está impregnado por todos os cantos da casa e Carol termina de fazer algo que ela chama de Tapioca, um tipo de panqueca brasileira, eu acho. Chego de mansinho e coloca a flor atrás de sua orelha e a vejo sorrir e corar as bochechas.
一 Eu queria fazer algo fitness, mas meu pai só tem nutella ou pasta de amendoim com chocolate, então… Já era. 一 Ela fala enquanto recheia as tapiocas com nutella.
Tomamos um café delicioso e romântico, tentei fazer planos pro almoço, mas ela já havia combinado de passar o dia com uma amiga do colégio. Então, combinamos um jantar na minha casa, e dessa vez me encarregaria de preparar tudo. A deixei em casa e voltei para a minha, tentar trabalhar. Era incrível como até o trabalho parecia mais divertido, o ar mais leve, aquela sensação gostosa de quase se poder flutuar. As vezes me pegava policiando os meus próprios devaneios românticos, eu não era mais nenhum adolescente e romantismo já estava fora de moda. A maioria dos homens da minha idade estavam presos a casamentos cujo a rotina já havia tomado parte de toda a relação, ou eram solteiros, inveterados, ou ainda divorciados se afundando nos prazeres da causalidade, que para mim, nunca bastou, mas esse era o novo normal, e sentir-se com borboletas no estômago, admirar a beleza das estrelas, era brega demais pra essa sociedade. Não que uma noite de prazer com uma até então desconhecida no bar, não tenha sua emoção, seu brilho, mas para mim, sexo, sem envolvimento não passava de instinto, de nossa ancestralidade animalesca falando mais alto, o corpo buscando por satisfação biológica, sem anseios ou profundidade. Tudo tão mecânico e prático, seguindo as diretrizes da vida moderna.
Tento me concentrar nas planilhas e plantas, cálculos e ângulos, mas minha maior preocupação é o que vou preparar pro jantar. Então deixo a caneta e vou até o mercado. Compro um pedaço de filé, alguns legumes, um vinho tinto doce, que mais parece um suco concentrado com doses de corante, mas sei que a Carol adora, algumas velas e um bouquet de flores. Rosas amarelas, elas combinavam mais com a simplicidade vibrante e bela da Carolina.
Ligo pro Max, como todos os dias depois que a mãe o busca na escola, faço as perguntas cotidianas, mas o que mais ele quer saber é sobre seu novo amigo peludo e antes de terminar a ligação perguntou se poderia ficar metade da semana na minha casa e a outra metade na casa da mãe, que um de seus amigos da escola, vive assim e é divertido. Concordo com ele e reflito em como não pensei nisso antes.
Desligo o telefone e volto pras minhas panelas, preparo um assado, purê de batatas e alguns legumes salteados na manteiga. Quando a hora marcada está próxima, tomo um banho e visto algo menos amassado.
Espero. Espero e espero.
Depois de mais de uma hora de atraso e algumas tentativas de mensagens não visualizadas, decidi bater a porta dela.
一 Carol 一 a chamo vendo algumas luzes acesas e a música um pouco alta. 一Hey, Carolina… você está ai?
Quando já estou quase desistindo ouço o barulho da maçaneta e ela abre a porta com o cabelo bagunçado, olhos um pouco vermelhos, uma camiseta enorme de alguma banda de rock, que chegava até as coxas nuas e visivelmente bêbada.
一 Alec, meu Alec… vem entra… 一 ela fala com a língua arrastada.
一 Está tudo bem? 一 perguntei adentrando e olhando pros lados vendo uma bagunça de fotos e garrafas sobre a mesinha de centro.
一 Está 一 ela cambaleia e eu a seguro 一 Opaa, eu bebi um pouquinho de cada coisa 一 ela fala num tom alto 一 aquilo rosa é muito bom, vem provar…
一 Não devia ter bebido tanto e seu pai vai te matar quando souber que abriu a coleção de uísque dele. 一Digo a segurando pelo braço e a levando até o sofá.
一 O papai é um chato, é ele é sim… Ele não me deixa fazer nada, ele acha que eu sou uma menininha idiota. Ficou puto quando soube que a gente estava junto e ele gostava de você, só porque você é mais velho e porque ele me achava uma imbecil. E depois o Noah, ele odeia o Noah… Só porque ele tem problemas...
一 Bom, ele quer te proteger… Todo o pai é assim, ele quer o melhor para você.
一 Ele me disse quando eu eu fui pro Canadá, que eu tava jogando a minha vida fora por causa de um viciado. Que caras como o Noah, nunca mudam…一 ela fala lacrimejando 一 E eu disse que ele estava errado, que o Noah me amava e ia mudar por mim, e olha só, ele tava certo. O Noah não parou, ele mentiu… mentiu para mim… Porque ele fez isso Alec? Porque ele não disse que não tinha conseguido parar? Eu ia entender, eu ia ajudar. Achei que fosse especial o que a gente tinha, mas era só mentira. 一 ela fala já caindo em lágrimas.
一 É melhor você deitar e dormir um pouco, seu pai deve chegar em algumas horas e ele não pode te encontrar assim 一 falo acariciando seu rosto e limpando suavemente as lágrimas da sua bochecha.
一 Ele vai dizer “Eu te avisei, uma vez um viciado, sempre um viciado”, dua idiota sonhadora!
一 Isso tem a ver com a ligação que recebeu de manhã? O Noah te ligou?
一 Não, ele só me ligou, quando deu falta de mim. Eu disse que precisava de um tempo e era a mãe dele que tem me ligado desde então. Ela disse que o Noah teve uma crise de abstinência… Mas eu não sei pode ter sido outra overdose, Susan não é muito confiável… Ele está no hospital.
一 Ele vai ficar bem, ele tem os pais dele e eles tem muito dinheiro para tratá-lo, não é?
一 É.. 一 Ela fala baixando o olhar.
一 Então, não tem com que se preocupar. Eles vão cuidar dele.
一 Eles vão trancar ele numa clínica. Como o seu pai… Ele vai ficar lá até acharem que ele está curado e quando ele sair, ele vai se drogar e vai voltar para lá, isso se ele não acabar se matando. Ele vai acabar morto, se continuar desse jeito. Porque ele é tão idiota?! 一 ela fala entre soluços 一 Porque ele não parou? Droga! Eu não quero ver ele se destruir, ele não percebe que isso me machuca? Ou ele não se importa? Ele não se importa comigo? Não me ama o suficiente? Eu amo tanto aquele imbecil… Eu morreria por ele, ele é a melhor coisa da minha vida... 一 Ela fala e eu sinto meu peito se despedaçar. Por mais bêbada que ela estivesse eu sentia a verdade em cada uma das palavras, a minha amada, amava outro. Ela estava decepcionada, mas ainda tão apaixonada quanto no dia em que os vi dançando no baile de formatura, trocando olhares de infinito. Engulo o seco as palavras dela e tento me manter firme, a puxo para mim e a abraço com todo o meu carinho. Afago os seus cabelos a aninhando do meu peito por longos minutos até que seu soluço se acalme.
一 Tudo bem, você precisa se acalmar. Eu vou até em casa buscar uns chocolates e um café, vamos curar essa bebedeira e amanhã tudo vai estar melhor 一 falei beijando a sua testa.
一 Fica aqui, me faz esquecer ele, me faz descer ele… 一 Ela diz com a voz sussurrada roçando seus lábios nos meus, eu levo a mão na lateral de seu rosto e a afasto gentilmente.
一 Você está bêbada, e além de não adiantar de nada, não seria justo com você, muito menos comigo. Eu volto logo 一 falo me desvencilhando dela e a deixando no sofá.
Caminho apressado até em casa, entro e fecho a porta, me entrego a um choro dolorido por longos minutos, sentado ao chão do corredor. Qualquer resquício que eu tinha de esperança foi apagado com as palavras da Carol. Ela o amava, não era apenas uma garota vivendo uma aventura romântica com um carinha de cabelo comprido e jaqueta de couro, e ela sofria por ele, assim como eu por ela.
Baley se aproximou de mim com aquele olhar tristonho, e se deitou ao meu lado, respirei algumas vezes até controlar minhas lágrimas. Numa época onde amar está fora de moda, a dor ainda era tão intensa, quanto aquelas retratadas pelos poetas do século 18. Levanto e imediatamente me ponho a procurar por alguma bebida, e tirando os vinhos e cidras ruins empoeiradas pelo tempo do porão, a única coisa alcoólica que encontro é o vinho da Carolina. Foi a primeira vez que eu a vi bêbada, ela estava anestesiando a dor dela, como eu, vinha fazendo com a minha. A diferença, era que a Carol, amava alguém, que a amava, o amor dela poderia ser pleno, bastava que o Noah, fizesse algum esforço. Ela, minha rosa vibrante, não combinava com melancolia ou mágoas, eu me odiaria se visse e permitisse, que o brilho que a vi sair em direção ao amor da sua vida, se apagasse de seus olhos, assim como os anos e os rancores, fizeram com os meus. Me recompus, preparei um café forte, peguei a caixa de bombons da nossa noite romântica e voltei a casa do Tom.
Fiz ela beber um caneco e comer alguns bombons, velei o sono dela por algum tempo, a admirei e guardei aquele rosto sereno em minha memória. Arrumei as garrafas de volta na prateleira, a cobri com um cobertor e beijei sua testa sentindo meu peito apertar.
一 Eu te amo 一 sussurrei rente ao seu rosto e deixei que meus lábios tocassem os dela levemente, talvez pela última vez. Ela abriu os olhos e me encarou por instantes.
一 Me desculpe 一 falei envergonhado, senti um carinho leve na lateral do meu rosto.
一 Porque as coisas tem que ser tão complicadas, Sir Alec? 一 Ela fala com a voz arrastada.
一 Acho que a maneira de provarmos o porque merecemos estar aqui. Agora dorme e quando tiver pronta, volta pro Canadá. Não vai ser fácil. Conviver com uma pessoa com um problema como o dele é difícil, dói. E eu estou me odiando por falar isso, afinal, mulher nenhuma devia ser centro de recuperação para garotos problemáticos, mas é o que vocè precisa e acho que o que ele precisa. Somos parecidos Carol e assim como eu me culpo por a única maneira de eu ter encontrado de lidar com o problema do meu pai, foi trancando-o numa clínica e jogando a chave fora, eu sei que você vai se culpar o resto da vida se não fizer tudo que estiver ao seu alcance para que ele fique bem. Porque você o ama. E ele também deve te amar, ou estaria ligando e fazendo de tudo para você voltar.
一 Ele não foi capaz de parar por mim.
一 Ele não conseguiu parar, tenho certeza que ele tentou, ele seria muito idiota se não tentasse.
一 Eu nunca vou te esquecer.
一 Eu também não. Agora dorme, amanhã é um novo dia. 一 Digo beijando a sua testa, ela sorri e beija meus lábios com carinho.
一 Se permita amar de novo, porque toda mulher merece um cara como você. 一 Ela diz com um sorriso terno e olhos ainda marejados.
一 Que está acontecendo aqui? 一 Ouço a voz rouca de Tom ecoar pela sala.
***
DESCULPA GENTE PELA DEMORA, MAS O ALEC TEM QUE BAIXAR EM MIM PRA CONSEGUIR ESCREVER ESSA HISTÓRIA, HEHE..
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