Mélico
Mélico
Dias se passaram desde a noite com Stacey, apesar de nos falarmos quase todos os dias, não nos vimos novamente. Continuava seguindo minha rotina de trabalhar, cuidar do Max, do Baley e do nosso gramado. Estava aparando a grama quando vi Tom, Trevor e Marylou estacionarem o velho ford em frente a garagem e começarem a tirar caixas e mais caixas de dentro dele. Me aproximei da cerca e Tom me cumprimetou, disse que fariam uma reunião de família e que eu estava convidado.
Agradeci o convite e voltei ao meu gramado. Trevor aparece cerca de uma hora depois com algumas latas de cerveja, nos sentamos na varanda enquanto eu observava Baley, que agora já era um cão enorme e peludo , correr enlouquecidamente pela grama recém cortada. Conversamos durante horas sobre a vida, empregos, a liga de basquete a qual eu pouco sabia, mas fazia comentários genéricos para fingir que estava por dentro do assunto, até que a conversa chegou a festa que Tom daria no fim de semana. Ele falou da empolgação do pai em ter toda a família reunida, e falou que Carol também viria e eu paralisei.
一 Ainda gosta dela não é? 一 perguntou arqueando a sobrancelha 一 O pai me contou que ela teve aqui uns meses atras, que eles discutiram feio, ele achava que ela nem aceitaria o convite para festa. Soube de alguma coisa?
一 É, ela ficou aqui uns dias. Tom não estava, chegamos a ir a Celebration para ver se você tinha a chave da casa.
一 Hum... O pai disse que o Noah continua se drogando. Que ela ficou puta por isso, mas que mesmo assim quis voltar para lá aí eles brigaram.
一 Foi só isso que ele te contou?
一 Porque? Tem mais?
一 Não... É, foi uma briga feia, mas a Carol já tinha o perdoado antes de sair daqui, ela tem um bom coração. Ele é quem precisava se perdoar pelas coisas que disse para ela. 一 Falei me levantando e chamando Baley que já estava no limite da calçada.
一 E ela ficou aqui.... Fazendo o que? Quer dizer, brigar com o namorado e passar dias na casa do ex...
一 Trevor... Eu não quero falar sobre a Carol, desejo o melhor para ela, mas cada um de nós tá seguindo a vida que escolheu ou que pode ter...
一 Certo... Desculpa, eu só achei que... Ah, a Carolina é linda e..
一 Trevor... por favor.
一 Tá... Bom, eu vou voltar para lá, ajudar o velho. Até mais Alec.
Voltei para dentro de casa com Baley, lhe servi um prato de ração e uma taça de vinho para mim. Abri o laptop, tentei focar no trabalho, mas em questão de minutos, estava eu, no facebook dela. Na foto do perfil, ela tinha um sorriso bonito com um filtro de gatinho. Rolei o feed, vi publicações sobre a difícil vida de uma universitária, novidades acadêmicas sobre nutrição, algumas poucas fotos com colegas durante trabalhos, outras em português onde a família no Brasil curtia e comentava em peso e algumas fotos com Noah. Na última, postada por ele, dava para ver a mão dele acariciando o rosto sereno de Carol durante um cochilo. Foi inevitável me lembrar da manhã em que acordou sob meus braços, da respiração lenta, do quanto eu estava feliz, do quanto só lembrar daquilo me fazia feliz. Respirei fundo, li a legenda, uma frase copiada de uma música do Aerosmith, sobre não querer estar em outro lugar e eu o entendia perfeitamente. E esperava que ele tivesse noção da sorte que ele tinha.
Fechei o computador e passei um tempo a perambular pela casa pensando, em como agiria, o que diria a ela, e entre milhões de suposições percebi que ainda não estava pronto para ver a Carol, a minha Carolina, como apenas mais um dos filhos do Tom. Afinal, para mim, ela ainda era muito mais que isso, e por mais que eu lutasse todos os dias com aquele aperto no peito que a falta dela me causava, parte de mim dizia que quanto mais longe, menos dolorido seria.
Liguei para Casey, e mesmo sendo o final de semana dela com o Max, pedi para que deixasse ele viajar comigo e quando eu mencionei Miami Beach, ele não pensou duas vezes em trocar a festinha na casa da prima por um fim de semana numa das praias mais famosas da Flórida. Deixei Baley num hotelzinho para cães e pegamos um avião no fim do dia.
一 Sabe pai, eu gosto desse seu novo você que tem cachorro e amigos com casas em Miami. 一 Falou Max ao desembarcarmos em Miami.
一 Que filho interesseiro que eu estou criando enh... 一 retruquei bagunçando os cabelos dele.
Pegamos um taxi e Stacy já nos esperava em frente ao portão de sua casa no maior estilo praiano.
一 Até que enfim aceitou meu convite, já estava quase desistindo, sabia? 一 Falou me enredando num abraço. 一 E esse deve ser o pequeno Max?
一 Sim, sou eu. Mas não sou tão pequeno e sua casa é super maneira. E você é muito linda.
一 Que bom que gostou, anda vamos entrando. Preparei Milkshakes.
A acompanhamos pro interior da casa muito bem decorada com uma mescla de espontaneidade litorânea luxo urbano.
一 Isso sim é a casa de uma arquiteta, sinceramente nunca vou te convidar para ir lá em casa.
一 Ora eu trabalhei com você一 ela falou entregando o milkshake ao meu filho 一 Sua casa deve ser incrível e auto sustentável 一 falou dei uma gargalhada.
一 Seu Milkshake é uma delícia senhorita Stacy. A senhorita é casada? 一 pergunta e ela ri.
一 Max, vai brincar lá fora, vai... Sabe aquele ditado, em casa de ferreiro, o espeto é de pau? É mais ou menos isso...
一 Credo, duvido que seja tão ruim assim. Aceita uma bebida? Sei fazer pina colada.
一 Eu adoraria.
O dia passou tranquilo, Stacey nos levou a praia e depois fizemos um tour pelos caminhões de comidas dispostos numa das ruas adjacentes. Max mal conseguia andar de tanto que comeu e voltei para casa com ele debruçado sobre o ombro. O levei até o quarto de hóspedes e o ajeitei na cama, estava exausto porém sereno e feliz. Voltei a sala onde Stacey me esperava com uma taça de vinho.
一 Aceita?
一 Acho que já bebi demais por hoje.
一 Ora, Alec. Não vai desprezar um bom vinho? Vai?一 ela insistiu e eu peguei a taça.
一 Obrigado por ter nos recebido, foi um dia maravilhoso.
一 Eu já estava desistindo de te convidar, eu não mordo sabia? Senta aqui. 一 falou abrindo espaço no sofá e eu tomei um lugar ao lado dela. 一 Aconteceu alguma coisa?
一 Não... eu só, senti saudades e queria que você conhecesse o Max.
一 Ele é um garotinho incrível.
一 É tirando o fato dele ter te passado cantadas o dia todo, é sim.
一 Ele é uma gracinha. 一 falou levando a mão na lateral do meu rosto, acariciando com leveza 一 Tão doce quanto o pai dele 一 falou e uniu nossos lábios num beijo.
Acordei no dia seguinte por volta das dez, praguejei um pouco pela mancada, pois provavelmente Max já estava em pé, assim como Stacey, pois não havia sinal algum dela na cama. Me vesti rapidamente e escapei pro banheiro do corredor, com um pouco de sorte, conseguiria mentir para o Max que dormi no sofá cama do pequenos escritório nos fundos. Escovei os dentes, lavei o rosto, penteei os cabelos e caminhei até a sala e depois a cozinha, onde Stacey ensinava Max a virar panquecas no ar, entre um riso e outro.
一 Olha só, o dorminhoco acordou Max. 一 falou Stacey com um sorriso bonito.
一 Deviam ter me acordado.
一 Pai, pai... a Stacey gosta de cachorros, podemos trazer o Baley da próxima vez 一 diz Max empolgado.
一 Nem sabe se ela vai convidar a gente novamente e já está planejando trazer o cachorro.
一E porque ela não nos convidaria? Somos caras bem legais 一 Ele disse arrumando a mesa de café.
一 Eu quero saber que tipo de droga deu para ele, porque fazer ele levar o próprio prato para pia já é um desafio ultimamente.
一 Acho que é o charme feminino. Vamos comer?
Passamos praticamente todo o domingo a beira mar, no fim da tarde Stacey nos deu uma carona até o aeroporto, dei alguns dólares pro Max se divertir numas máquinas de jogos, enquanto esperava com ela para o check in.
一 Eu me diverti muito esse fim de semana 一 ela falou pousando a mão sobre a minha.
一 Eu também me diverti muito 一 concordei.
一 Sério? Porque não parecia. Estava tão longe...
一 Acho que é o meu jeito, eu gostei muito de estar aqui, verdade.
一 E então? Quando a gente vai se ver de novo?
一 Bom, meu quintal não é o mar e a minha casa parece ter saído da década de oitenta, mas eu tenho bons vinhos, uma biblioteca e sei fazer macarrão.
一 Hum, pra mim tá ótimo 一 Ela diz me dando um beijo e ouço a chamada para o check. Chamo Max, nos despeço de Stacey e entramos no avião. Durante o trajeto todo, Max fica falando de como a Stacey era legal, de como a casa dela era legal e de como Miami é "incrivelmente maravilhosa". Com um monte de rodeios até chegar na pergunta que ele realmente queria saber.
一 Ela é sua namorada?
一 Não 一 Respondi sem tirar os olhos da revista.
一 Tem certeza, porque vocês pareciam namorados que estavam escondendo que eram namorados. 一 concluiu ele.
一 Nós somos amigos tá.
一 Mas é amigos, amigos ou amigos tipo adultos "amigos" 一 ele fala fazendo aspas com os dedos na última palavra e eu o mirei incrédulo. 一 Pai, eu já tenho dez anos, eu entendo dessas coisas, e você dormiu no quarto dela e quando adultos dormem juntos eles não ficam com uma lanterna embaixo do lençol contando histórias de terror.
一 Touché 一 falo percebendo que ele já entendia mais do que eu, mas não tiro os olhos da revista.
一 Então ela é sua namorada?
一 Não, nós estamos nos conhecendo, certo? Além do mais moramos em cidades diferentes e... Ah Max, volta pras palavras cruzadas ta bem?
一 Eu namoraria com ela se ela não fosse tão velha, ela é legal, bonita, tem um cheiro melado, e uma piscina no jardim.
一 Cheiro melado?
一 É, ela tem cheiro de doce, não reparou?
一 Não... E não se diz cheiro melado se diz mélico.
一 Mélico?
一 Isso. Um cheiro suave, floral, docinho. 一 falei e voltei o olhar pela janela.
" O cheiro da Carolina" 一 pensei com um sorriso bobo.
Desembarcamos em Jacksonsville e depois de pegar o Baley no hotel canino, fomos direto para casa, já passava das dez, o carro de Trevor continuava estacionado em frente a garagem do tom e havia uma decoração com bandeirinhas coloridas e balões pelo jardim. Certamente, Carol já havia voltado pro Canadá, ou pelo menos era o que eu esperava. Entrei em casa, pedimos comida chinesa e depois do jantar coloquei Max na cama. Antes de me deitar fui com Baley para fora e fiquei na varanda, esperando ele fazer as suas necessidades fisiológicas.
一 Anda Baley, porque tem que tanto para escolher um lugar?一 pergunto vendo o cachorro cheirar aqui e alí em círculos intermináveis.
一 Se não fazer logo vai dormir no quintal.
一 Como ele cresceu一 ouço a voz melodiosa da carol através da cerca e volto o olhar a ela. Srus cabelos estavam um pouco mais compridos e lisos dessa vez, usava um casaquinho floral e uma diadema fina que empurravam os cabelos para trás.
一 Oi Carol.
一 Como está, Alec?
一 Bem, e você? 一 Pergunto sentindo meu peito disparar, nem todos esses meses puderam apagar o que eu sentia por ela, aquele amor ainda estava alí, emanando no meu peito, inebriando minha alma a cada segundo que eu respirava o mesmo ar que ela.
一 Estou ótima, conheci os meus irmão e sobrinhos hoje, eles ainda não gostam muito de mim, mas gostaram da minha comida 一 ela fala com um leve sorriso.
一 É um começo 一 falei voltando a atenção ao Baley.
一 Bom, eu vou entrar. A gente se fala amanhã?
一 Trevor disse que ia passar só o fim de semana.
一 Noah, teve que ir com os pais dele para Aspen, então vou ficar até terça.
一 Ah.. certo. 一 respondovtentando cortar a conversa e posso perceber que ela notou.
一 Boa noite Alec 一 diz com um sorriso amarelo.
一 Boa noite Carolina 一digo e a vejo virar as costas e se afastar lentamente da cerca 一 Carol, espera. Quer entrar um pouco? Tomar um café?Eu ainda tenho meio saco daquele café de menta horrivel, que só você gosta. 一 digo e ela se volta pra mim com um sorriso iluminado.
一 Eu adoraria, Alec.
Minutos depois estamos na cozinha,quanto a chaleira começa a chiar já estamos conversando sobre os últimos meses. Falo sobre os meus projetos do trabalho e ela conta de como a faculdade é desafiadora, mas instigante ao mesmo tempo. Fala sobre o emprego de meio turno, que a tem a ajudado a pagar as contas e eu digo como Max está cada vez mais parecido com um adolescente.
A vejo tomar a caneca em mãos, cheirar o aroma e provar o café com aquele sorriso no olhar que só ela parecia ter.
Era como se o tempo não houvesse passado e por mais que uma parte egoísta e puramente humana minha quisesse ficar magoado e rancoroso por todo o amor que eu tinha pra dar a ela, mas que ela não podia aceitar pois o seu coração estava em outro lugar, eu simplesmente não conseguia, era impossível pra mim mesmo querendo deixar de amá-la, intensa e incondicionalmente. E mesmo sabendo como era o amargo de não ser correspondido, o doce de a amar, de a sentir dentro de mim, era muito maior do que qualquer outra coisa. E querer afastá-la era o humano dentro de mim, lutando pra se proteger com a única arma que tinha a dispor, mas estar com ela, mesmo que apenas pra uma conversa casual regada a uma caneca de café, era o meu eu, era onde eu queria estar.
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