
Capítulo 9 Ano 2010
O importante é ser você
Mesmo que seja estranho, seja você
Mesmo que seja bizarro, bizarro, bizarro.
Máscara
Pitty
A ponta dos meus pés encontravam o chão de maneira leve e controlada para tentar fazer o mínimo de barulho possível. Se minha mãe me visse saindo ela ia dar um ataque e ia me fazer pagar maior mico na frente de Murilo. Era bom evitar possíveis constragimentos.
Olhei para os quartos e todos estavam com as portas fechadas indicando que todas dormiam a sono solto. Eu agradecia a quem estivesse me ouvindo que todas tivessem sono pesado e dormissem cedo, do contrário minha escapada a noite não iria rolar.
Descer pelas escadas foi o desafio maior. Eu não sabia o porquê da minha mãe comprar uma casa onde os degraus da escada eram feitos de madeira, aquilo só dificultava minha fuga. Mas pisando com as pontas dos pés, um após o outro, eu consegui descer sem que ninguém escutasse e me flagrasse.
Destranquei a porta e a abri, sentindo o vento gelado beijando meu rosto e acariciando meus cabelos. Me arrependendo naquele momento de não ter levado um casaco leve.
Minha vontade era de voltar, mas não ia correr o risco de minha mãe me ver. Então corri para onde Murilo estava e entrei no carro, nem me dando o trabalho de o cumprimentar e ignorando o sorriso idiota estampado em seus lábios rubros.
— Boa noite para você também senhorita sem educação. — Ele disse entrando no carro e fechando a porta com um cuidado excessivo.
— Boa noite não sei para quem. — Murmurei olhando para a lua cheia pela janela fechada.
A noite estava nublada, com nuvens pesadas que escondiam as estrelas brilhantes. Mas nem mesmo aquilo fora capaz de tirar o brilho pálido da lua em seu ápice e esplendor.
Por um momento, me perdi nos meus devaneios. Em um tempo em que eu achava que eu era feliz, em que eu não sabia que eu vivia uma linda mentira.
Tocava uma música baixinho no rádio portátil que Bernardo fez questão de levar para a pequena festa que fizemos após um jogo bem sucedido, onde o nosso time havia levado a taça regional.
Todos estavam felizes e eu me sentia plena, afinal o ponto que definiu aquilo fora meu e todos da escola enalteciam meu ego. Eu estava no auge da popularidade.
Bernardo se sentou ao meu lado e me ofereceu um sanduíche de mortadela feito pelos pais de Clara. Ela não cansava de dizer que o pai era chefe de cozinha e que aquele não era um simples sanduíche com mortadela, nele havia um ingrediente misterioso e especial.
Decidi provar e realmente, tinha algo ali que dava um up no simples pão com mortadela.
— Você foi maravilhosa hoje amor. — Ele beijou minha testa, se levantou e estendeu a mão para que eu levantasse.
Peguei em sua mão e fui de encontro ao seu peito largo e maciço. Dançavamos ao ritmo de Always do bon jovi. Ele dançava bem e era fácil acompanhar o seu ritmo.
Todas aquelas palavras ruins ditas no mês passado ficaram esquecidas por mim. Bernardo pediu desculpas e tudo estava maravilhoso, ele estava sendo o namorado perfeito e paciente.
Um sorriso agradecido não saía de meus lábios, como se tivesse sido gravado lá, costurado.
— Isadora será que eu posso falar com o Bernardo um pouco? — A voz de Clara quebrou o transe em que eu me encontrava.
Bernardo me soltou e beijou meus lábios levemente.
— Já volto amor. — Clara fora na frente com ele em seu encalço.
Eu achava normal a amizade do dois. Eles se conheciam desde que eram crianças e Bernardo dizia que Clara era como sua irmã.
Ela estava passando por uma fase terrível e, segundo ele, os pais de Clara estavam em uma separação conturbada e que ela precisava do apoio dele. Eu achava muito fofo o quão Bernardo se doava pelos amigos e até mesmo por mim às vezes.
Mas uma pequena voz dizia para não confiar tanto assim, que nem tudo o que parece é. Como fui tola por não escutar a tal voz na minha cabeça.
Eu não sabia o porquê de minha mente ficar me castigando com todas aquelas lembranças horríveis. Eu não queria ficar revivendo nada daquilo, só me fazia mal lembrar e eu não precisava daquilo naquele momento.
— Posso colocar uma música?
— O carro é seu mano.
— Dei de ombros e ele deu uma gargalhada gostosa.
O som rouco ficava muito mais evidente com aquele ato e era o tipo que fazia com que um sorriso involuntário surgisse em meus lábios.
— Você não é como as outras.
— Vou considerar isso como um elogio. Seria pior se você me comprasse com aqueles clones sem cérebro.
— Por que você as chama de clones?
— Não é óbvio? Todas iguais, sem noção, sem coração, sem cérebro. Dão muito mais valor a aparência do que a todo o resto. — Falei de forma descontraída, omitindo o fato de que um dia eu também fui um clone, por aquele motivo, sabia muito bem o que eu falava.
— Você também da valor a aparência? — O olhei de relance como se tivesse crescido um terceiro olho nele.
— Que pergunta besta, é claro que eu não me importo.
— Pois deveria. Eu acho que você fica muito melhor sem todo aquele tanto de maquiagem que você usa. — As palavras dele soavam calmas, mas me fizeram ferver por dentro.
Como ele ousava me dizer aquilo? Ele nem me conhecia e não sabia os meus motivos para usar tudo aquilo, para esconder toda minha carga emocional. De um jeito ou de outro eu precisava daquilo.
— Você é um idiota. Foi um erro ter vindo para onde quer que esteja indo com você mauricinho. — Cruzei os braços e fechei a cara.
— Acho que a senhorita rebelde julga demais. Posso parecer um mauricinho, mas nem tudo que parece é Isadora.
— É um mauricinho de merda que julga sem saber.
— Você também julga sem saber. — Ele rebateu meu argumento e ganhou a rodada de discussões, me deixando com mais raiva ainda e sem palavras.
Murilo tinha razão eu estava julgando sem saber de nada dele, julgando com base no que eu via no meu antigo colégio. Aquilo tudo fez com que eu me calasse e me recolhesse a minha insignificância.
Fiquei calada enquanto ele mexia no rádio a procura de alguma estação que prestasse. Acho que não combinávamos em gênero musical, e se fosse de gosto duvidoso eu iria me jogar daquele carro.
Ele pareceu satisfeito ao achar a estação e sorriu, aumentando o volume. Logo a voz potente de Pitty preencheu o ambiente e a batida pesada me fez olhar surpresa para Murilo. A música máscara caiu como uma luva naquele momento e aproveitei para cantarolar baixinho e balançar a cabeça no mesmo ritmo.
— Acho que consegui te agradar.
— Sim. — Respondi a contra gosto.
Continuamos em relativo silêncio, deixando a música dizer tudo o que não tínhamos coragem. Aproveitando o som que nos revelava por igual, pelo menos no gosto musical.
Abri a janela e coloquei o braço para fora do carro sentindo o vento frio batendo nele, arrepiando até o último fio de meus poucos pêlos. O movimentei como em ondas seguindo o trajeto desconhecido.
Sentia medo naquele momento? Por incrível que pudesse parecer, não. Me sentia em paz, ao qual fazia tempos que não sabia existir. Como um ser mitológico que só existe na nossa imaginação. Era como eu me sentia.
— Está tão calada Isadora, o que houve? — Murilo quebrou o silêncio e interrompeu meus pensamentos reflexivos.
— Só estou pensando aonde está me levando.
— É um lugar secreto. Onde eu só vou quando quero ficar sozinho.
— O que faço aqui então?— Aquela lógica eu não estava conseguindo entender.
Ele apertou o volante do carro até os nós de seus dedos ficarem brancos e sua expressão estava tensa. Poderia ser impressão minha, mas ele parecia querer me contar algo, só estava em dúvida se deveria confiar ou não.
— É um local especial e acho que o mostrando poderia fazer você confiar em mim. — Revirei os olhos com aquela confissão.
De maneira nenhuma eu iria confiar em alguém de novo, se ele pretendia aquilo deveria desistir.
— Qual seu interesse em me fazer confiar em você Murilo, não faz sentido. Se for alguma pegadinha é melhor...
— Não é nada disso Isadora. — Ele me interrompeu deliberadamente e prosseguiu. — Quando eu te vi, não olhei só para seu exterior interessante, mas também para seus olhos.
— Meus olhos? — Ele assentiu e me olhou de soslaio.
— São iguais aos meus. — Minhas sobrancelhas de uniram com aquela explicação enfadonha.
A cada palavra dita por ele, mais eu ficava confusa porque nada explicava qual era o seu propósito comigo, o motivo de seu interesse.
— Continuo sem entender.
— Isadora eu falei que éramos iguais por conta de nossos olhos. Usamos máscaras Isadora para esconder nossa verdadeira dor. — Abri meus lábios espantada.
Como ele conseguiu me desnudar daquela forma? Eu pensava que tudo estava bem escondido debaixo da minha carapaça de valentia e arrogância, então vem aquele garoto e descobre tudo em menos de uma semana. Parecia uma piada de muito mal gosto.
— Eu não tento esconder nada. — Falei sem muita convicção.
— Não mente Isadora. Eu sei que você esconde algo, assim como eu também. — Bufei de forma irônica.
— Sua vida parece perfeita demais. Seu carro é um modelo do ano, suas roupas parecem caras, tem uma bela aparência. — Parei ao ver um sorriso de canto nos lábios de Murilo e lhe dei um soco no braço.
— Ei, por que me bateu? Você que me elogiou.
— Não se faça de cínico. Você sabe que tem uma boa aparência menino bonito. — Falei contrariada.
— Continue sua dedução. — Ele falou sem tirar os olhos da estrada.
— E você tem uma bela namorada, do mal, mas tenho que admitir que ela é bonita. — Dei de ombros.
Por mais que o fato me desse urticária eu tinha que jogar com verdade. O que a Belle tinha de podre tinha de bonita.
— Você só esta supondo Isadora, mas tudo tem dois lados. Eu tenho algo que me deixa angustiado. — A curiosidade naquele momento me corroía por dentro e eu mal podia me conter para saber de mais.
— E o que seria?
— Chegamos. — Murilo fingiu não escutar minha pergunta. Parou o carro e saiu batendo a porta devagar.
Fiz o mesmo e dei uma boa olhada no local abandonado. Parecia um típico cenário de filmes de terror, era medonho e cheio de matos. Mas o que chamava mais atenção era o grande farol ali no meio do nada.
Então era ali que ele me trouxe. Que belo passeio de merda.
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