Capítulo 49 - Murilo 2020
Mas se você me amava por que você me deixou?
Tome meu corpo, tome meu corpo tudo o que eu quero e tudo o que eu preciso é encontrar alguém, eu vou encontrar alguém.
All I want
Kodaline
Algo estava errado. Algo estava muito errado dizer aquilo poderia soar como um eufemismo.
Tudo parecia bem até hoje de manhã, como tudo mudou tão rápido.
Durante a viagem de onde morávamos até o hospital ainda havia ficado pior. A bolsa de Isadora estourou e deu sinal para o medo de que o pior estava realmente acontecendo, algo que eu já desconfiava, a bebê ia nascer.
Não era o momento, mas ela iria nascer.
Estacionei de qualquer jeito em uma vaga e sai para pegar Isadora no colo sendo seguido por Nicole que vinha correndo logo atrás com o telefone no ouvido tentando avisar a todos. A todos que digo é a mãe e irmã de Isadora , Ellie e Matteo.
Chamei por ajuda assim que entrei no hospital e dois enfermeiros vieram em meu auxílio com uma cadeira de rodas e levando Isadora para dentro enquanto que eu tentava fazer o registro dela.
Tentava manter a calma, mas estava difícil.
Sabia muito bem o quão perigoso era um nascimento de um bebê prematuro e que muitos não vingavam. Isso porque eu só conhecia bebês que haviam nascido de sete meses, minha filha nascer de seis e aquilo era preocupação em dobro.
Tudo ocorreu tão rápido.
Em um momento estava na recepção querendo que minha mulher disse atendida logo com Nicole ao meu lado e no outro já estava no quarto em que Isa estava.
Ela estava deitada com uma expressão preocupada, mesclada de puro terror me deixando em pânico também, e a médica que a acompanhou desde de sempre.
— Murilo não deixe. Eles estão insinuando que se for pra escolher entre a mim e minha bebê vai me escolher. — As lágrimas fluiam de seu rosto e fui imediatamente para seu lado, segurei em sua mão e tentei me acalmar para transmitir o máximo de paz para ela.
— O que isso quer dizer? — Perguntei para a médica que portava uma expressão bondosa em seu rosto.
—Houve um deslocamento da placenta. Será necessário uma cesárea para tirar o bebê, mas é arriscado, se tiver que escolher...
— Há chances para que ambos fiquem bem? — Interrompi aquela linha de pensamento. Não precisava de nada negativo.
— Sempre há.
— Que assim seja.
♡♡♡
De novo parecia que havia passado muito tempo, estava sem a mínima noção da hora ao ver Isadora deitada, pronta para fazer o que tinha que ser feito pra nossa filha vim ao mundo.
Já estava estranhando o silêncio de Isadora que estava o tempo todo olhando pra o nada com lágrimas nos olhos.
Me doía muito ver meu amor daquela maneira. Estar de mãos atadas era a pior parte.
Eu me encontrava desesperado como um mar revolto por dentro, mas tinha que segurar minha onda, não era sobre mim era sobre as duas pessoas que eu mais amava na minha vida.
Isadora parecia meio a meio.
Meio lúcida, meio em outra realidade eu queria pensar que se tratava de estar perdida em pensamentos e não por conta da medicação que quase me fez recuar e ir embora do cômodo ao ver a agulha entrando em seu corpo.
— Murilo. — Senti um toque em minha mão, uma tentativa de Isadora em segurá-la.
— Oi meu bem. — Entrelacei nossos dedos e beijei sua testa enquanto via todos trabalhando a todo vapor.
— Aconteça o que acontecer, promete que você vai fazer de tudo por ela? — O pedido pareceu sair em um tom bem simples, mas pelo seu olhar desesperado eu vi que ela praticamente me implorava para que eu dissesse sim.
— Não diga isso meu amor, vamos sair daqui bem, felizes. — Beijei sua testa e ela me deu um sorriso fraco.
— Por favor, só me prometa Murilo. Eu quero que você prometa.
— Se isso vai fazer você ficar bem eu prometo.
— Só quero que você saiba que eu não me arrependo de nada disso Murilo, a única coisa que me arrependo foi de não ter enxergado antes que você é e sempre foi para ser meu.
— E você minha. — Beijei seus lábios e quando me afastei vi que Isa lutava para manter seus olhos abertos o que era em vão.
Fiquei o tempo todo ao seu lado vendo a médica e os enfermeiros a ajudando. Procurei não olhar quando fizeram um corte na barriga de Isadora.
O tempo todo fiquei ao lado dela a observando. Por mais que ela não pudesse me ver ou saber o que tava acontecendo eu sabia e contaria tudo para ela depois. Da sensação de estar vendo cada procedimento, de como quase desmaiei ao ver o sangue saindo de seu corpo e de logo em seguida um choro baixo de minha filha, foi fraco mais ainda sim um choro.
Não pude admirar minha neném por muito tempo pois a mesma foi envolvida por um manto cor de rosa e levada dali as pressas.
Por se tratar de um bebê muito prematuro ela não estava totalmente formada e precisava do máximo de cuidado possível.
Estava tão distraído olhando para minha filha que tirei o foco de Isadora e só me dei conta de que algo errado estava acontecendo quando alguém me puxava pelo braço para fora da sala.
— Ei, o que está acontecendo? — Perguntei encarando com horror a médica gritando para que me tirassem dali e dava ordens para os enfermeiros.
— Logo irão dar notícias pra o senhor. Houve uma complicação. — A jovem enfermeira disse tentando me passar calma o que era impossível pois eu só conseguia focar na frase houve uma complicação.
— Exijo saber o que está acontecendo.
— Por favor senhor, cada minuto conta, agora não podemos falar muito.
Fui jogado pra fora da sala antes mesmo que eu pudesse formar mais alguma frase e a última visão que eu tive foi de Isadora deitada de barriga pra cima e sangue, muito sangue.
♡♡♡
Tempo.
Às vezes ele poderia ser nosso aliado como também o nosso maior inimigo.
Tempo.
Algo que eu nunca tive a meu favor, algo que sempre foi imposto a mim e eu sempre tentei ver o lado bom dele, nunca consegui.
Sentado naquela maldita sala de espera, juntamente com os familiares de Isadora e amigos, aos quais eu aprendi a conviver e a gostar, eu me pus a pensar em tudo o que vivi até o presente momento.
Encontrar Isadora há dez anos foi como reviver de novo. Tudo era preto e branco antes dela.
Com uma família quebrada e meu pai sendo sempre o principal motivo daquilo tudo eu achava que nunca teria esperança para mim, mas foi aí que a encontrei. A garota ainda mais quebrada do que eu, com seus olhos tristes e língua ferina que me conquistou e me fez feliz até eu estragar tudo.
Quando pensei em ter perdido o amor da minha vida de vez eu tive uma segunda chance muito tempo depois e finalmente eu achei que o tempo tinha sido meu aliado.
Mesmo com Isadora me desprezando e não querendo nada comigo eu sabia que ela ainda me amava, tudo era questão de tempo.
Tempo. Outra vez aquela palavra que agora estava sendo minha inimiga.
Todos naquela sala deveriam achar a mesma coisa, pois suas expressões preocupadas não deixavam dúvidas.
Depois de ter contado tudo para eles eu vi tudo mudar. Vi a alegria se dissipar dos rostos pela notícia de que a bebê havia nascido e ainda estávamos ali sem notícias tanto de minha filha quanto de Isadora.
Eu só tinha um pensamento eu não podia perder nenhuma das duas, mas se fosse pra escolher que Deus me perdoasse, mas eu escolheria Isadora.
Quando vimos a médica que Isadora costumava fazer os pré-natais nos levantamos depressa e mal esperamos que ela chegasse até a nós. Tudo muito tenso e a expressão dela não era uma das melhores o que me deixou em alerta.
— Tenho notícias, mas não as que eu gostaria de dar. Primeiro, sua filha está bem, tão bem como um bebê de seis meses estaria. Tudo é muito delicado e não há nada certo de que ela irá sobreviver, estamos fazendo tudo o que podemos. — Assenti nervoso.
A primeira notícia tinha sido um baque mesmo que eu já esperasse por aquilo. Sabia que iria começar uma longa jornada para que minha filha conseguisse viver.
— Agora tenho uma outra notícia que não é nada boa. Houve uma complicação no parto, Isadora perdeu muito sangue no processo e somado a anemia que tinha ela não resistiu.
Senti como se meu mundo estivesse desabando e não aguentei me manter de pé, cai de joelhos mal me importando com a dor, somente com as duas frases piscando em minha mente houve uma complicação, ela não resistiu.
Coloquei as mãos na cabeça para abafar as vozes, mas era em vão.
Os ruídos em volta ficavam cada vez mais fortes, os gritos de desespero não eram nada se comparados com o som que meus lábios proferiam.
Acabou, pra mim acabou.
— Como isso é possível? Esse hospital é um dos melhores como podem deixar isso acontecer?
— Isso não depende de nós foi o próprio organismo dela.
— Sempre há saída. Você disse isso pra mim, salvasse Isadora. — Olhei a médica com ódio estampado como se a culpa fosse dela, mesmo no fundo sabendo que não foi. Eu precisava culpar alguém.
— Fizemos tudo o que podíamos. — Ela se retirou nos deixando ali com a nossa dor. Com minha dor.
Quando chegou uma enfermeira de aparência amigável dizendo que eu podia ver minha filha eu quase desmaiei de novo. Quase falei que não queria ir, mas mesmo sentindo uma dor imensa eu lembrei das últimas palavras de Isadora para eu cuidar da nossa filha independente do que acontecesse, só por isso eu segui a mulher deixando todos pra trás. Todos compartilhando a mesma dor, a mesma tristeza, a mesma sensação de perda.
Ela se foi. Ela foi embora, não ficou comigo, não ficou para ver a nossa filha e não ficou para a criar. Me deixou sozinho, sozinho como eu sempre fui afundado em uma grande tristeza.
Não pude dizer que a amava pela última vez e a lembrança que permanecia foi da última imagem dela deitada naquela maca e sangue, muito sangue.
A enfermeira mandou eu me trocar de novo pois não poderia entrar sem que uma higienização fosse feita.
Segundo ela, todo cuidado era pouco e nenhuma bactéria poderia encontrar minha filha.
Quando tudo foi feito fui levado até uma incubadora onde vi o meu bebê.
Era pequena demais cabia na palma da minha mão, poucos tufos de cabelo em sua pequena cabeça e ela parecia dormir em um sono profundo.
Espalmei a mão no vidro que nos separava e me permiti chorar uma vez mais. Minha filha, minha e de Isadora, era linda e o amor da minha vida teria ficado orgulhosa.
Fui tomado uma louca vontade de a segurar no colo, de a proteger de todo o mal no mundo, mas não pude fazer nada e apenas olhar.
Enxuguei minha lágrimas e molhei meus lábios ressecados.
Eu iria fazer o que tinha que ser feito, iria proteger Melanie. Aquele era o nome.
Não tivemos tempo nem de escolher, mas achei que aquele nome combinava muito com ela e tinha um significado especial pra mim, era o nome da minha avó a quem eu amava muito.
— Eu vou cuidar de você meu amor, sua mamãe não tá aqui, mas sei que ela sempre estará conosco.
Não havia mais verdade do que naquelas palavras.
Eu realmente sentia que Isadora estava ali, em qualquer canto daquele lugar mesmo que eu não pudesse ver eu sabia.
Ela olharia por nós.
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