43. Detenção
"Quando estou machucado... eu paro de sentir qualquer coisa. E quando estou fora de controle, não deixo você entrar. Eu fico tão amargo e subo minhas paredes, e te machuco de novo. Você sabe que eu me abati só para bloquear a dor... – Hurt The Ones I Love, Reagan Beem."
Senti minha cabeça pesar e, aproveitando que ainda estava grogue, apertei os olhos com força a fim de retornar ao sono, mas por algum motivo tive a impressão de estar sendo observada, o que fez um calafrio correr por todo o meu corpo. "E se for a Allana?", uma voz soprou na minha cabeça, fazendo meus batimentos dispararem no peito. No mesmo instante, abri os olhos dando de cara com ninguém mais, ninguém menos que o Jason, que se apressou a conter meu grito tapando a minha boca.
– Hey, calma, sou eu, pequena! – disse ele, numa tentativa de me tranquilizar.
– O que está fazendo? – franzi a testa, ainda assustada – Como você entrou aqui?
– Você deixou a janela aberta. – ele me fez olhar naquela direção.
– Então o meu tio te liberou? – me sentei na cama, ao vê-lo se erguer.
– É, mais ou menos. – o vi dar de ombros – Acho que ele ainda vai acabar vindo atrás de mim, mas isso não importa agora. Eu só quero saber se você está bem...
Jason se sentou ao meu lado, e automaticamente esquivei do seu toque. Acho que estava aliviada por ele ter saído da cadeia, mas não dava para ignorar todas as coisas que fiquei sabendo hoje.
– O que foi? – questionou confuso – Está chateada comigo?
– Eu sei sobre o acidente da Rose. – desviei o olhar.
– Do que está falando? – Jason cerrou os olhos – O que tem o acidente da Rose?
– Não se faça de desentendido. – rangi os dentes – Foi você?
– Espera aí, você está perguntando se eu atropelei a sua amiga? – ele restabeleceu o contato visual, e eu apenas assenti – Por que eu faria isso, Lizzie?
– Não sei, talvez para a polícia pensar que ela era eu, enquanto você me levava pra longe. – respondi – Afinal, os seus amigos precisavam saquear as drogas apreendidas, não é?
– O quê? – Jason parecia alheio ao assunto – Eu não sei o que te disseram, mas não estou entendendo sobre o que está falando.
– Como pode não entender? – questionei indignada – Vai dizer que não estava comigo esse tempo todo, só para o benefício da BW? Você estava me usando, Jason!
– Foi o que seu tio te disse? – seu olhar mergulhou no meu – E você acredita mesmo nisso?
– Por que eu não acreditaria se tudo se encaixa? – rebati de imediato – Você não só me usou, como também sabia que eu estava sendo monitorada pela polícia e nem sequer me avisou.
– Claro. Acho que eu entendi... – o vi assentir – Não sou digno da sua confiança.
– Não é essa a questão! – me levantei abruptamente da cama – Eu confiei em você... Achei que fosse de verdade, e me enganei da pior forma. Você tem noção do quanto essa merda está doendo agora?
– Se acredita mesmo que tudo o que rolou entre nós dois não passou de uma mentira, – ele também se levantou – por que ainda me quer por perto?
– Não seja idiota, eu não te chamei aqui. – cerrei os punhos com força, sentindo meus pelos eriçarem à medida que ele se aproximava.
– Mas queria que eu viesse. – disse Jason, me fazendo recuar alguns passos para trás, até tombar contra uma das poltronas – Sabe disso.
– Eu só quero que vá embora! – exclamei.
– Não consegue mentir pra mim, pequena. – num movimento rápido, ele me agarrou pelos quadris – O que você quer de verdade é que eu te pegue nos braços e beije seus lábios agora.
– Não, isso... – me esforcei para não gaguejar enquanto meus olhos recaíam a sua doce boca rosada – Não é verdade!
– Ah, não? – Jason sorriu de canto, aproximando ainda mais o seu rosto do meu, quase esfregando nossos lábios – Então, por que está sonhando comigo?
...
Agora...
Despertei um tanto assustada, e quase caio da cama. A primeiro momento, o breu que tomava todo o cômodo, junto da minha visão ainda turva, não me possibilitou assimilar onde estava ou que havia ocorrido. Então, respirei fundo numa tentativa de acalmar meus batimentos, o que acabou dando certo. Estremeci quando ouvi o bip do despertador sobre a mesinha de cabeceira, e rapidamente conferi as horas, o relógio marcava sete da manhã. Suspirei pesado ao desligar aquilo, sentindo um vazio dolorido tomar o meu coração.
Foi aí quando me dei conta de que a visita inesperada do Jason não havia passado de um sonho idiota. Apertei as cobertas, voltando a encarar o nada a minha frente, e fiquei assim durante alguns minutos, até que resolvi levantar apesar da enorme vontade de me esconder e sumir embaixo dos lençóis. Afinal, em meio a tudo o que estava acontecendo, a coisa que eu menos queria fazer além de ter que cumprir com as malditas atividades no colégio, era ter que aturar os meus pais o dia inteiro.
Por esse lado, qualquer lugar soava menos detestável do que a minha própria casa, e talvez fosse até bom me manter ocupada. Numa tentativa de me desviar dos meus próprios pensamentos, tratei de esfriar a minha cabeça durante o banho, e me permiti demorar um pouco debaixo do chuveiro. Assim que terminei de fazer todas as minhas higienes matinais, segui até o closet, onde paralisei por alguns minutos ao visualizar a camisa do Jason jogada no chão, a mesma que ele havia me emprestado ontem.
"Sabe como isso soa, não sabe?", ouvir sua voz rouca ecoando em minhas lembranças, acabou por me arrancar uma lágrima antes mesmo que eu percebesse o choro entalado na minha garganta. Mas logo tratei de me recompor, e me abaixei para apanhar aquela peça de roupa. "Dividir as coisas nos faz parecer mais com um casal...", sorri involuntariamente ao lembrar da nossa última conversa antes de voltarmos pra casa, e apertei a camisa em mãos sentindo o seu perfume com notas de pimenta negra no tecido.
"Nunca foi só sexo com você...", o aperto no peito não custou a surgir novamente, então me obriguei a largar sua camisa sobre um dos puffs ali dentro. Após respirar fundo, apenas neguei com a cabeça tentando espantar os pensamentos, enquanto escolhia a minha roupa. Acabei pegando o que vi pela frente, uma camisa preta de mangas longas e gola branca, junto com uma saia xadrez plissada um tanto curta. A mistura deu certo, e para finalizar coloquei um casaco, pois o clima estava meio frio essa manhã. Já terminava de prender meus cabelos num rabo de cavalo, quando ouvi batidas na porta do meu quarto.
– Filha, já está acordada? – era a minha mãe do outro lado – Não se esqueça, tem que ir para o colégio hoje, e eu vou te levar.
– Eu tenho outra escolha? – após finalizar o rabo de cavalo, me adiantei até a minha mochila, onde guardei não só o meu celular, como também o de Jason – Afinal, se eu não aceitar a droga da sua carona, vai mandar a polícia vir atrás de mim...
– Não complique as coisas. – resmungou ela – Sabe muito bem por que a polícia precisou te monitorar.
– Claro, porque eu sou um alvo agradável pra ser usado! – fechei a mochila com raiva.
– Não se comporte como uma criança birrenta. – disse Elisa, quase sem paciência – Agora vamos, já está tarde, abra essa porta!
– Como desejar, alteza. – rolei os olhos, e me adiantei a fazer aquilo – Satisfeita? Ou será que ficaria mais aliviada se encontrasse um assassino esfaqueando a sua própria filha?
– Lizzie...
– Não, porque aí o meu tio podia ganhar uma promoção prendendo o verdadeiro culpado. – lhe interrompi, passando por ela em direção as escadas – Aposto que assim todos ficariam felizes.
– Os únicos momentos em que você realmente poderia estar em perigo, era quando sumia com o Jason! – Elisa logo me seguiu – Será que não entende isso? Eu e o seu pai nunca arriscaríamos a sua vida, mas aquele garoto...
Cerrei os punhos com força, me obrigando a descer o último degrau. Não era fácil ter de ouvir aquilo quase com a certeza de que era verdade, porque no fundo eu não queria que fosse.
– Quer saber? Não estou a fim de conversar sobre isso. – apressei o passo para fora de casa.
Nesse instante, pude ouvir a minha mãe bufar o ar pelo nariz, mas ela não disse mais nada, apenas me seguiu tratando de fechar a porta. Ao se aproximar, ignorei o seu olhar de reprovação, e entramos no carro em silêncio. Não demorou até que Elisa deu partida e, mesmo sem prestar atenção, notei quando ligou o rádio. À medida que avançávamos pelo caminho, passei a encarar a paisagem acinzentada pela janela do carro. Soltei a respiração com força, e fechei os olhos por alguns segundos, tentando me concentrar em qualquer coisa que não fosse as lembranças com o Jason.
Minha cabeça estava aérea, e eu sentia como se fosse desabar num choro sem fim a qualquer instante, mas ao mesmo tempo as lágrimas não vinham. Era como se estivessem entaladas dentro de mim, multiplicando o sentimento de humilhação, o qual eu carregava nas costas. Suspirei pesado, tornando a abrir os olhos, observando a selva de pedra pela janela do carro da minha mãe. Ela falava alguma coisa comigo, mas eu não queria nem saber do que se tratava. Sendo sincera, eu estava tão decepcionada com todos, parece que ninguém se importava mesmo com o que eu sentia.
– Fala comigo, filha? – ouvi a voz de dona Elisa soar um pouco mais calma dessa vez, mas permaneci calada, apenas observando a paisagem pela janela – Eu e o seu pai só estávamos tentando te proteger...
– Não preciso desse tipo de proteção! – apertei minha mochila em meu colo, e ouvi sua respiração soar pesada ao meu lado.
Mesmo sem olhar em sua direção, sei que sacudiu a cabeça e apertou o volante. Ela sempre fazia isso quando ficava nervosa.
– Sei que está chateada agora, mas as coisas não vão se resolver se ficar me ignorando. – paramos no sinal, e senti seu olhar recair sobre mim – Acho que precisa, talvez, de uma psicóloga para desabafar o que está sentindo. Eu pensei em...
Apertei minha mochila outra vez, me forçando a ficar em silêncio. Afinal, não tinha forças para iniciar uma discussão. Dali por diante, tive que escutar um longo sermão, onde minha mãe falava o quanto era importante cuidar da saúde mental, e que eu não deveria me reprimir por coisas tão bobas. A essa altura, realmente não sei se ela estava errada, talvez eu tivesse sérios problemas psicológicos para me envolver tanto com alguém como o Jason.
Assim que finalmente estacionamos em frente a escola, desci do carro batendo a porta com força. Estava cheia daquela conversa, e de suas cobranças, e daí que eu não era a droga da filha perfeita? Sinceramente, eu só queria ficar longe dela, de tudo. Me sentia totalmente esgotada. Olhei para trás, enquanto adentrava o colégio, me certificando de que minha mãe não me seguia, por sorte não. Então, apressei o passo, me obrigando a subir a pequena escadaria.
Rapidamente empurrei as portas da escola, passando para dentro, os corredores estavam vazios, era domingo e todos os alunos deviam estar em casa, exceto eu. Apertei a alça da mochila, sacudindo a cabeça para os lados, aquilo era tão injusto. No entanto, ao virar apressada pelo corredor, acabei se chocando contra uma superfície rígida. Por um segundo, achei que tivesse dado de cara com um muro, mas engoli em seco ao olhar para cima e encontrar aquele par de olhos cor de mel, me encarando de volta.
– Mas o que... – Jordan franziu a testa ao confirmar visualmente que se tratava de mim – Por acaso, você nunca olha por onde anda, Lizzie?
– Ah, não! Você? – me afastei alguns passos, e ele olhou para trás, como se procurasse alguém – O que veio fazer aqui?
– Relaxa, eu não vim aqui por você. – o vi meter as mãos para dentro dos bolsos da jaqueta – Peguei detenção também, por conta da confusão com o Marcus no último jogo.
– Mas não foi você... – apertei a alça da minha mochila, numa tentativa de me livrar das más vibrações de energia que transpassavam meu corpo de um lado ao outro, arrepiando até o último fio de cabelo na minha nuca.
– E tem alguma diferença? – ele cerrou o maxilar, indicando que estava de muito mau humor – O Jason nunca assumiria a responsabilidade, muito menos agora que está preso, não é mesmo?
– Por que... Por que você entregou ele às autoridades? – franzi a testa, ao vê-lo dar de ombros.
– Essa é uma boa pergunta, por que você acha que eu entreguei? – suas sobrancelhas arquearam, como se ele me desafiasse – Não precisa pensar muito, o meu irmão é um cara perigoso, então eu acho que você concorda que alguém precisava fazer isso, antes que as coisas fossem longe demais. Sabe do que estou falando, não sabe?
– Não precisava ter feito aquilo. – ignorei suas insinuações – O Jason é seu irmão, e a sua mãe deve estar muito mal com isso.
– É sério? – ouvi sua risadinha de deboche – Agora vai bancar a garota preocupada com o bem-estar da minha família? Logo você, Lizzie...
– Ah, vocês chegaram. – a voz da a inspetora Rachel soou pelo corredor, interrompendo o que seria uma conversa bem desagradável.
Ao olharmos para o lado, avistamos a mulher magra e alta, de cabelos castanhos impecavelmente presos por um rabo de cavalo mais ao topo da cabeça, assim como os meus essa manhã. Ela usava um terninho feminino de cor cinza, com uma saia que modelava bem o seu corpo. A vi ajeitar os óculos, antes de olhar em nossa direção novamente, e não parecia lá muito contente por nos ver ali.
– Sr. Davis e Srta. Andrews, venham comigo! – disse ela, num tom enjoado – Vamos logo! Eu não tenho o dia inteiro.
Jordan e eu nos entreolhamos, antes de assentir e segui-la pelo corredor. Enquanto caminhávamos, a Srta. Rachel explicou que o diretor Hendrick precisou resolver algumas coisas fora da cidade essa manhã, e por isso ela mesma fiscalizaria o nosso trabalho. Depois disso, começou a passar nossos afazeres: limpar a cantina, podar as árvores do jardim, cortar a grama, lavar os banheiros... Teríamos uma rotina e tanto nos próximos finais de semana.
– Para iniciarmos, hoje vocês devem pintar o portão da saída de emergência do auditório. – ela finalmente terminou de ler sua longa lista de afazeres, ajeitou os óculos, e nos encarou – Alguma dúvida?
– Nós temos mesmo que trabalhar juntos? – perguntei apreensiva, não sei se aguentaria passar uma manhã inteira ao lado do Jordan, não depois de tudo.
– Sim, um ajuda o outro. – Rachel respondeu o que eu mais temia – Trabalhem juntos para economizarem o meu tempo. Mais alguma questão?
– Sim. – Jordan pareceu não perceber meu incômodo, ou simplesmente não se importava nada com isso – Com o que exatamente vamos pintar o portão da saída de emergência?
Ele me fez olhar para os lados pelo auditório. Estava certo, não haviam tintas, nem rolos, ou pincéis ali. A Srta. Rachel pareceu perceber isso também, pois apertou a prancheta em mãos, sacudindo levemente sua cabeça para os lados, numa visível irritação.
– Esperem aqui! – ela se virou em direção a saída – Irei mandar o zelador trazer os materiais necessários. Voltarei de uma em uma hora para conferir o andamento do trabalho dos dois. Então, sem gracinhas.
Dito isso, a vimos sumir porta a fora, nos deixando completamente sozinhos naquele auditório enorme, não preciso dizer que logo o clima ficou estranho. Jordan seguiu mais a frente, tomando uma certa distância de mim, acredito que estava tentando falar o mínimo possível comigo. Além de ficar de detenção, ter que dividir aquilo justo com ele não seria uma tarefa fácil, mas de uns dias pra cá as coisas só ficavam mais complicadas, como se tudo conspirasse contra mim.
Soltei a respiração com força pelo nariz, negando com a cabeça duas vezes antes de me virar e seguir em direção a primeira fileira de cadeiras, onde rapidamente soltei minha mochila. Jordan estava de pé mais a frente, bem ao lado do palco onde apresentamos aquele musical idiota de natal. Lembro que ao vê-lo beijar a Ashley, pensei que aquele fosse o pior dia da minha vida, mas absolutamente nada se comparava com esse momento agora.
Depois de tudo o que Jordan vinha fazendo comigo nos últimos dias, eu só conseguia pensar que o cara por quem me apaixonei não passava de fumaça. Tudo o que eu menos queria agora, era ficar perto dele, porque eu odiava ter amado uma mentira, e odiava mais ainda sentir falta dela. É, parece que era mesmo fácil me enganar... Justo quando comecei a pensar que estava dando um passo para frente com o Jason, descobri que de novo era tudo uma farsa.
Os dois haviam me enganado, sem ao menos se importar com o quanto podiam me machucar no fim das contas. Uma parte de mim, queria que as coisas voltassem a ser como antes, mas eu sabia que não dava, nunca mais voltariam e, por mais difícil que fosse, eu precisava me acostumar com isso. Tive meus pensamentos interrompidos quando as portas do auditório se abriram. Era o zelador, trazendo consigo duas latas grandes de tinta, junto com os rolos, pincéis e demais materiais.
– Pronto, garotos, está quase tudo aqui. – disse ele, ao nos entregar os materiais – Espalhem esses jornais pelo chão, para não fazerem muita bagunça com a pintura.
– Sim, Sr. Marvk. – Jordan quem recebeu tudo – Obrigado.
– As ordens da Srta. Rachel são para lixarem os portões antes de pintarem. – o velho senhor tirou seu boné da cabeça, passando uma das mãos pelos cabelos esbranquiçados – Vou buscar as escadas no depósito, mas sugiro que coloquem as máscaras e comecem. Não vão querer irritar aquela mulher.
– Sim, senhor. – Jordan sorriu simpático, realmente não sei como conseguia fingir tão bem – Vamos?
Ele me chamou quando o Sr. Marvk se virou, seguindo para o depósito. Olhei em direção ao enorme portão desgastado pela ferrugem, e suspirei baixinho. Nunca fiz nada nem parecido com isso, mas assenti. Não havia um jeito de fugir, não é mesmo? O zelador tinha total razão, irritar a Srta. Rachel não seria a melhor das ideias. Sem pensar mais, me aproximei de Jordan que me entregou uma das máscaras, junto de um par de luvas e uma lixa.
– Por que essa merda precisava ser tão grande? – resmunguei baixinho, quando paramos bem em frente ao portão.
– É a saída de emergência, então... – Jordan deu de ombros ao colocar as latas de tinta no chão – Vamos dividir, você fica com um lado e eu com o outro.
– Tá. – fui obrigada a concordar, afinal quanto mais rápido terminássemos ali, mais rápido eu me veria livre da sua companhia desagradável.
Então, colocamos as máscaras, vestimos as luvas em nossas mãos, e logo o ajudei a abrir aquele portão, as portas de ferro eram um tanto pesadas e ressoaram uma barulheira só, mas conseguimos. A luz fraca do sol que apontava por entre as nuvens preencheu o auditório, atribuindo tons menos mórbidos aquele lugar. Na caixa de ferramentas, eu também peguei um óculos de proteção e comecei a lixar. O barulho que aquilo fazia era irritante, e chegava a me dar gastura, mas foi exatamente nisso que me concentrei.
Por sorte, Jordan não puxou assunto, e também se colocou a trabalhar. Não é porque estávamos juntos na detenção, que de repente nossas presenças não incomodariam um ao outro, e começaríamos a nos falar como se nada tivesse acontecido. Para ser bem sincera, a cada lembrança que vinha na minha cabeça, eu precisava me obrigar a engolir a vontade de usar aquela lixa bem no meio da sua cara de pau. O Sr. Marvk demorou um pouco a voltar, mas finalmente trouxe as escadas.
Aproveitei o momento em que ele e o meu detestável parceiro de detenção conversavam, para me livrar do meu casaco. Àquela altura, o suor já escorria pelas laterais do meu rosto. Agradeci internamente por prender meus cabelos em um rabo de cavalo essa manhã. Depois de um tempo o zelador se mandou, e juro que nem vi quando Jordan voltou ao trabalho, muito menos quando tirou sua camisa, mas posso ter tomado um susto ao olhar de relance por cima do ombro e ver que ele já não mais a usava.
– Idiota! – xinguei baixinho, tornando a olhar para frente.
– O que foi, Lizzie? – sua voz rouca sobressaiu aos meus ouvidos – Quer fazer uma pausa?
– Não, eu estou bem. – respondi seca, voltando ao trabalho.
Depois disso, não olhei mais em sua direção, no entanto podia sentir o peso do seu olhar sobre mim, e isso me dava nos nervos, mas tentei disfarçar me concentrando no trabalho. Já terminava de lixar toda a parte de baixo do portão, quando percebi que ele já havia terminado seu trabalho com a lixa e estava sentado sobre as latas de tinta, comendo uma maçã enquanto admirava o céu cinza sobre as nossas cabeças. Sem dizer nada, segui até uma das escadas, aquilo era bem pesado, mas consegui arrastar sem ter que pedir ajuda.
– Eu seguro pra você! – Jordan se levantou assim que subi um dos degraus da escada para terminar a parte de cima.
– Não sei se não percebeu, mas eu não preciso da sua ajuda. – continuei subindo, até vê-lo se aproximar o suficiente para me deixar desconfortável.
– Essas escadas são bem velhas, Lizzie. As borrachas de apoio podem estar soltas, ou nem servirem mais. – ele segurou nas laterais de ferro – Aposto que você não quer se machucar aqui.
– Ah, pelo amor de Deus, agora não vem você dar uma de preocupado se eu posso me machucar ou não. – ralhei, mesmo sabendo que ele podia ter razão – Anda, sai logo, não vou subir se você for ficar embaixo.
– Por que não? – suas sobrancelhas ergueram, e eu rolei os olhos – É tão ruim assim admitir que precisa da minha ajuda?
– Eu já disse que não preciso! – rangi os dentes – E se ainda não notou, eu estou de saia, Davis. Então, não vou subir até você sair daqui.
– É sério? – disse Jordan, assim que voltei ao chão – Que tal você parar de forçar? Isso não cola mais, Lizzie!
– O quê? – franzi a testa, me virando em sua direção.
– Qual é? Depois de abrir as pernas para o Jason, você não engana mais ninguém. – o vi dar de ombros – Vê se para de bancar a difícil, e sobe logo enquanto eu ainda estou sendo gentil.
– Quem você acha que é pra falar assim comigo, seu babaca? – cerrei os olhos, sentindo a raiva acender dentro de mim.
– E como gostaria que eu falasse? – ele deu um passo a frente – Até onde sei, a menininha recatada aqui, estava agindo como uma grande vagabunda até ontem mesmo, estou errado?
– Você não tem o direito de ser desrespeitoso comigo! – apontei o dedo na sua cara, e ele empurrou minha mão para o lado, o que me fez tombar contra a escada – Sai de perto de mim, seu idiota!
– Eu sou mesmo um grande idiota por ter amado uma vadia do seu tipo. – senti que suas palavras me condenavam muito antes de saírem por entre seus lábios – Me pergunto, como foi que eu não percebi esse seu joguinho?
– Meu joguinho? Faça-me o favor... – tentei empurrá-lo, mas Jordan foi bem rápido ao me agarrar pelos pulsos – Se tem alguém aqui fazendo joguinho, é você, Davis! Ou acha que não sei que só comeu a May pra me atingir?
– E não foi exatamente isso que você fez? – seu corpo suado se prensou ao meu, e engoli em seco – Acreditou nas merdas que o Marcus te disse tão facilmente, e logo depois transou com a porra do meu irmão só pra se vingar de mim.
– Você me traiu! – berrei com raiva – Eu vi, Jordan, com os meus próprios olhos. Me traiu mais de uma vez, então não venha colocar a culpa em mim agora.
– Eu não te traí, caralho! Você era importante pra mim, e eu juro que faria qualquer coisa por você, – seus olhos mergulharam nos meus, com extremo desprezo – mas na primeira oportunidade, escolheu se entregar para o Jason, ser a porra da puta dele.
– Não tente inverter as coisas, você mentiu pra mim, me enganou e brincou com os meus sentimentos, não o contrário. – tentei empurrá-lo outra vez – Me larga agora!
– Eu menti? Você terminou comigo porque viu a merda de um vídeo onde beijo outra garota completamente fora de mim de tão bêbado... – ele riu anasalado, como se aquilo não fosse grande coisa – Mas a verdade é que já estava com o desgraçado do meu irmão pelas minhas costas, não é mesmo?
– Vai se foder! – tentei me soltar, mas ele apertou meus pulsos com ainda mais força – Eu nunca te traí!
– Tem certeza? – suas sobrancelhas arquearam – Porque eu lembro bem de quando me contou sobre o beijo de vocês no aniversário do Christian. Me corrija se eu estiver errado, mas acho que ainda estávamos namorando naquela época, não?
– Eu não...
– Sim, você sim! – Jordan me interrompeu, me empurrando com certa violência contra a escada que rangeu no chão – Não se dê mais ao trabalho de fingir pra mim, porque isso não vai funcionar. Se eu soubesse desde o início que você era só mais uma vadia fácil como as outras, – ele negou com a cabeça – não teria nem gasto o meu tempo.
– Quem é você pra me acusar de alguma coisa, Davis? – berrei furiosa, e lhe empurrei com força ao finalmente me soltar – Eu nunca te traí, queira acreditar ou não, nunca te dei o menor motivo para faltar o respeito comigo.
– Você mesma não se deu ao respeito quando abriu as pernas pro Jason. – o vi ranger os dentes – Mas, no fim das contas, espero que tenha gostado daquele showzinho na delegacia, porque se depender de mim, o meu querido irmão não vai sair da cadeia tão fácil.
– Escuta aqui...
– Olha, vê se não enche o meu saco. Vai terminar de lixar a droga do seu lado no portão, – Jordan se virou em direção as latas de tinta novamente – eu não tenho o mínimo interesse de ver a porra da sua calcinha, putas feito você tem aos montes por aí.
Ouvir aquilo doía mais do que tomar um tapa bem no meio da cara, mas engoli o choro junto de toda a vergonha que estava sentindo naquele momento. Sem dizer mais nada, me dirigi até as cadeiras onde havia deixado meu casaco e mochila, simplesmente não dava para continuar ali sendo humilhada por aquele desgraçado. Jordan sequer media as palavras que usava para me ofender, não se importava porque o seu objetivo era mesmo me machucar.
Recolhi minhas coisas, e apressada saí dali, seguia quase no automático pelos corredores sentindo o ardor das lágrimas presas em minha garganta. Nem mesmo pensei no tamanho do problema que teria por abandonar a detenção no meio do trabalho e, ao deixar o colégio, um fraco chuvisco começou a acompanhar os meus passos. À medida que as palavras de Jordan ecoavam cada vez mais alto na minha cabeça, ficava ainda mais difícil prender o choro, e acabei desabando no ponto de ônibus, após andar algumas quadras.
Àquela altura, eu já estava completamente encharcada pela chuva que agora caía forte, mas pelo menos o chiado alto conseguia abafar meus soluços. Me sentia sendo lenta e dolorosamente consumida por aquele caos que se estabelecia em minha alma, quando as coisas iam melhorar? Eu só queria saber, porque parecia muito que nunca iriam. Tomei o ônibus pra casa alguns minutos depois, e por todo o caminho a única coisa que eu fazia era chorar em silêncio, implorando mentalmente que nenhum daqueles pares de olhos curiosos a minha volta resolvesse se aproximar.
Quando finalmente cheguei em casa, ignorei a voz da minha mãe me chamando, e apenas me apressei a subir os degraus. Precisava tomar um banho, me livrar de toda aquela sujeira impregnada em minha pele. Bati a porta do quarto, tratando de trancá-la com a chave. Arremessei a mochila na poltrona com tanta força que a vi cair no chão, mas não me importei, apenas segui para o banheiro, onde me livrei das minhas roupas molhadas, jogando todas as peças no lixo. Entrei no box apressada e liguei o registro, soltando um suspiro pesado quando a água quentinha do chuveiro finalmente se chocou contra o meu corpo.
Fechei os olhos, ainda com a mão sobre o registro. Não sei ao certo quanto tempo passei ali, naquela posição. Eu podia sentir a raiva me consumir aos poucos, enquanto as palavras de Jordan iam e voltavam, se embaralhando entre as lembranças com Jason. Ambos conseguiram drenar todas as minhas forças, o que mais podiam querer de mim? Tornei a abrir os olhos, me permitindo sentir o peso de cada lágrima que rolava pelo meu rosto. "Essa é a última vez, Lizzie...", pensei, enquanto alcançava minha esponja, a qual praticamente afoguei no sabonete líquido.
– Essa é a última vez que me fazem chorar! – completei, emitindo um soluço pesado e doloroso, ao tempo em que esfregava a esponja com força em minha pele.
Repeti aquele movimento várias e várias vezes, produzindo espuma para mais de dois banhos. As lágrimas se emendavam em meu queixo e, depois de um certo tempo, minha pele ardia a cada esfregada. Então, deixei que a água quentinha escoasse tudo pelo ralo. Ao desligar o registro, o que me sobrou foi um enorme vazio no peito. Soltei a respiração com força, e alcancei minha toalha fora do box, a qual usei para me secar.
Seguia em direção a porta, quando notei meu reflexo no espelho. Me aproximei um pouco mais, fitando meu rosto inchado e as extremidades dos olhos avermelhadas. Fiquei alguns minutos ali em frente, apenas me observando. "Você mesma não se deu ao respeito quando abriu as pernas pro Jason... Putas feito você tem aos montes por aí...", em meio aquelas falas infelizes de Jordan, uma risada me escapou. Não era feliz, era dolorosa e ao mesmo tempo irritada.
– Talvez eu seja mesmo uma puta, Jordan! – sequei as lágrimas nos cantos dos olhos, ainda rindo quando tornei a encarar meu reflexo – Nunca passou pela sua cabeça? Eu... eu posso te mostrar o que uma puta como eu faz, e como... como não preciso de você pra isso!
De repente, o ódio inflamou em meu peito, era tamanho que ardia por todo o meu corpo. Abri a primeira gaveta do armário embaixo da pia, onde peguei uma tesoura. Suas lâminas eram tão afiadas... Sorri ao olhar meu reflexo no espelho outra vez, então soltei meus cabelos da toalha, e rapidamente passei a cortar mecha por mecha. O barulho metálico que a tesoura fazia ecoava por todo o banheiro, enquanto eu me perdia em minhas risadas estúpidas e descontroladas.
– Eu não preciso... não preciso da porra da sua aprovação, Davis! – praticamente berrei aquilo, arremessando as madeixas recém-cortadas dentro da pia – Posso fazer minhas escolhas, posso lidar com cada uma delas! E nem você, nem ninguém, tem o direito de ditar o que eu sou!
Ao terminar, eu tinha plena certeza de duas coisas, que definitivamente não seria uma boa cabeleireira, e que estava decidida a ser uma nova versão de mim mesma. Bastava de sempre ficar tão sobrecarregada com fardos e mais fardos de culpa que atrelavam sobre minhas costas. Estava farta de priorizar os outros e esquecer do mais importante, que era eu. Daqui por diante, estaria em primeiro lugar. Nunca mais... nunca mais deixaria que me pisassem.
Juntei todas as mechas de cabelo, e guardei num saquinho. Mandaria aquilo para a vovó Dália fazer algumas perucas para as crianças que ela ajudava no hospital do câncer em Seattle. Afinal, era muito cabelo, e se não me agradava mais, poderia fazer a alegria de outras pessoas. Dei uma fraca risada ao me encarar novamente no espelho, dessa vez estava mais leve, apesar daquele penteado horroroso.
Talvez fosse ao salão depois, arrumar aquele chanel bagunçado. Mas não queria pensar nisso tão cedo. Precisava descansar, meu corpo implorava por um descanso. Sacudi minhas madeixas, agora cortadas na altura dos meus ombros, e respirei fundo antes de deixar o banheiro...
[...]
💕. Sentiram saudades? Primeiro, peço desculpas pela demora, mas estou escrevendo alguns capítulos extras e fazendo modificações nos que já estão prontos, então caso demore a postar novamente, vocês já sabem o motivo 🫶🏻
💕Mas e aí, o que acharam do capítulo? Comentem aqui, e não esqueçam a ⭐️. Até o próximoooo 😘
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