10. Um encontro improvável
"Eu me entreguei por inteiro e todo mundo sabe, você me destruiu e agora dá pra ver... Você nos substituiu como se fosse fácil, me fez pensar que eu merecia logo quando comecei a melhorar..." – Lose you to love me, Selena Gomez."
LIZZIE
Hoje fazia uma semana exata desde que Rose acordou, e graças a Deus sua recuperação não estava sendo das piores. Não sei se por estar de consciência pesada pelo que aconteceu, ou se para bancar de bom moço, mas Jordan aparecia no hospital para visitá-la todos os dias. E claro que Ashley sempre estava junto, ela até fez uma mediação estúpida entre os dois, então dei de cara com eles algumas vezes, o que era no mínimo irritante.
Não que eu estivesse com ciúmes de Jordan por ele estar com a Ashley, aquele idiota era mesmo rápido quando o assunto se tratava de garotas, o que não me impressionava mais depois de descobrir sua verdadeira personalidade, só... Eu acho que fui muito burra para não notar isso antes. Acontece que era irritante ter de aturar sua presença no mesmo espaço, e o jeito que ele ficava me olhando o tempo todo. Parecia fazer de propósito.
– Acha que vamos conseguir o restante das assinaturas hoje? – a voz de Emily me fez despertar de minhas lembranças.
Já havia passado um tempo considerável desde aquela discussão acalorada com Noah no hospital, depois daquilo eu desisti de conversar com a minha amiga, simplesmente não conseguiria lhe contar sobre a aposta. Vê-la feliz só reforçava o argumento que ele usou de que ambos precisariam muito mais um do outro agora. Acho que eu seria incapaz de estragar as coisas para eles, por mais que soubesse que deveria falar a verdade, um bebê mudava tudo.
– É, eu acho que sim, faltam poucas. – organizei os papéis sobre a mesa, ao menos conseguia olhá-la nos olhos agora.
Me perturbava a ideia de que Noah podia magoá-la a qualquer momento, assim como o Christian fez com a Rose e, nesse caso, a culpa também seria minha por não ter feito nada. Mas o que eu poderia fazer? Não dava simplesmente para contar "Sua primeira vez foi uma aposta estúpida", não com um bebê a caminho. Aquela criança precisaria dos pais quando viesse ao mundo, e eu sabia que a Emily precisaria de todo o apoio possível agora.
– O diretor falou que precisamos de 300, e só faltam 20. – Emily sorriu doce – A Christine vai ficar de cara quando souber que conseguimos, mesmo sem o apoio das Lioness.
Nós estávamos colhendo assinaturas para a construção de rampas para o acesso de cadeirantes no colégio. O médico garantiu que ela voltaria a andar, mas esse era um processo demorado. Até lá, ela precisava se sentir acolhida em sua condição física atual, e sua aceitação não estava sendo fácil. Acho que eu podia imaginar o quanto era complicado estar no seu lugar. Por isso decidimos que sua volta, nem que fosse só para a formatura, precisava dar certo, e as rampas foram o primeiro passo.
O movimento que iniciamos junto com o grêmio estudantil, nos fez abrir os olhos para uma causa real e necessária, pois no J. Falls também haviam mais alunos cadeirantes, e eles foram os primeiros a abraçarem a causa. Então, percebemos que o colégio precisava de mais mudanças, como bebedouros na altura correta, e banheiros adaptados. Esse era o tipo de coisa que devia ter em todos os lugares, mas que aparentemente as autoridades responsáveis não davam muita atenção.
– Hey, por favor, será que vocês podem assinar aqui rapidinho? – Emily chamou a atenção de três garotas que acabavam de entrar no colégio.
– Ah, por que não? – disse a mais alta do trio, olhando de uma amiga para a outra, enquanto se aproximavam.
Um leve sorriso se fez em meus lábios, estávamos mesmo a um passo de bater a meta de assinaturas e isso era muito importante. No entanto, quando a porta de entrada foi empurrada mais uma vez, tive o desprazer de ver três figuras adentrarem o colégio, sustentando os sorrisos mais nojentos que já vi. Aquilo fez meu estômago embrulhar e, quase automaticamente, rolei os olhos.
– Ah, cara, de novo isso? – Marcus bateu com o cotovelo no braço de Christian, que olhou em nossa direção por uma fração de segundos – Sério, precisamos decidir como vamos chamar a gorda agora... O que acham de "porca sobre rodas", ou "tampa de bueiro invencível"?
Apertei a caneta com força entre os dedos, parece que nem mesmo a surra que tomou de Jason o fez deixar de ser tão boçal. Talvez devesse ter apanhado um pouco mais, os cortes em seu rosto haviam sido superficiais, e o tom roxo em seus olhos já quase não dava mais para ser visto.
– Cala a boca, Marcus! – Chris apertou a alça da mochila, desviando o olhar quando o encarei – Vamos embora.
– Quê? Descobriu que era apaixonado pela rolha de poço, bro? – Marcus deu uma risadinha de muito mal gosto e eu fechei mais ainda a cara – Aposto que agora a aleijadinha está queimando o chão por você, sacou? Queimando o chão...
– Vê se cala a boca, cacete! Essas piadas de merda não tem a mínima graça. – Tayler se pôs entre ele e Christian.
– Na verdade, o que não tem graça é esse sensacionalismo todo que estão fazendo. Ou o quê agora? Vamos deixar transformarem nosso colégio num centro de apoio para aleijados? – Marcus rolou os olhos – Não é possível que só eu esteja vendo isso. Daqui a pouco vamos passar por aquela porta e dar de cara com o paraíso dos rinocerontes sobre rodas.
– Qual é o seu problema com a Rose? – bati com as mãos sobre a mesa, me levantando num sobressalto, o que assustou as meninas que assinavam a lista ao lado.
No mesmo segundo, o trio "de ouro" passou a me encarar.
– O que disse? – Marcus cerrou os olhos.
– O que você ouviu, seu animal! Qual é a porra do seu problema com a Rose? – repeti entredentes – Deixa eu adivinhar... levou um fora dela e ficou ressentido? Ou será que o seu brinquedinho aí é tão minúsculo que tenta inferiorizar garotas para se sentir mais homem?
– Lizzie! – Emily também se pôs de pé, um tanto receosa, e Marcus deu uma risada, olhando para os lados sem receber apoio dos seus amiguinhos estúpidos.
– Escuta aqui, sua vadia, eu não estou vendo nenhum dos seus namoradinhos por perto, então é melhor tomar cuidado com o que fala. – Marcus fez menção de dar um passo em minha direção, mas Tayler o segurou pelo ombro.
– É sério? Vai ameaçar garotas agora, cara? – Tayler o encarou incrédulo – Qual é o seu problema?
– Ah, o meu problema? Você ouviu o que ela disse? – Marcus franziu a testa e eu dei uma risadinha – Tá rindo de quê, sua filha da puta?
– Nada, só... – fiz uma pausa juntando as peças, como num quebra-cabeça – Você implica com a sexualidade do Logan, assedia garotas pra bancar o machão na frente dos amigos, e agora... Tá irritado porque eu falei do seu brinquedinho minúsculo e nojento?
Houve uma pausa nos burburinhos a volta, quase como se todo o colégio subitamente se interessasse mais por ouvir o que eu estava falando.
– Acho que eu descobri qual é o seu problema, você é frustrado por não aceitar que gosta de meninos não é, Marcus? – ri anasalado, vendo seus olhos se arregalarem com ódio – Claro, agora faz sentido. Você reproduz nos outros a raiva que tem de si mesmo, isso é tão infantil.
Fechei os olhos por um segundo, para conter o riso, mas ao abri-los tomei um susto pela proximidade. Apenas a mesa estava entre nós dois agora e, antes que eu pudesse fazer qualquer coisa, senti meu corpo ficar mais pesado ao ser brutalmente empurrada para trás.
– Ai, meu Deus, Lizzie! Você está bem? – Emily me segurou impedindo que eu tombasse ao chão.
– Eu... – arregalei os olhos ao ouvir um estardalhar contra os armários.
Christian tinha empurrado Marcus ali com toda força. O vi desferir o primeiro soco na cara dele, segurando-o pela gola da camisa. Tayler meteu as mãos para dentro dos bolsos, apenas assistindo aquela cena, enquanto juntava gente no corredor. Depois do terceiro soco, Christian foi empurrado para trás, mas esquivou do golpe de Marcus.
– Seu filho da mãe desgraçado! – ele berrou furioso, partindo para cima de Marcus outra vez, e o derrubou no chão – Nunca mais... nunca mais toque em uma garota!
Christian acertou mais dois socos, e as pessoas começaram a gritar, abafando o que um dizia para o outro. Assim que o sinal tocou, Tayler finalmente separou a briga, puxando Christian para cima. O pessoal começou a vaiar, e Emily agarrou meu braço, só então percebi que ela já havia juntado toda a papelada dentro das pastas.
– Me larga! – Christian se soltou em um solavanco, me olhando irritado.
– Acabou o show. Vão pra aula, caralho! – berrou Tayler, empurrando o amigo para longe do outro – E você, vem comigo!
O vi dar a mão para Marcus, ajudando-o a se levantar. Ele olhou para mim e Emily, checando se estávamos bem, nós duas apenas assentimos, e logo os três desapareceram pelo corredor junto a pequena multidão que foi se dissipando. Ainda estava meio tonta com o que tinha acabado de acontecer, não fazia a menor ideia do porquê Christian me defenderia daquele jeito, se ele mesmo concordava com os amiguinhos idiotas que tinha.
– Isso... foi assustador. – dei por conta de que Emily me puxava para longe dali.
– É. – ajeitei a mochila no ombro, passando a olhar para frente.
– Não faz mais esse tipo de provocação, Lizzie. O Marcus é maluco, nem sei o que teria acontecido se o Chris não tivesse feito nada. – ela estava certa, eu não sabia me defender, não fisicamente.
Apenas assenti, não tinha como discordar. Acho que passei da conta e podia mesmo ter me machucado, o que era uma droga, porque ultimamente estava muito puta com tudo, não conseguia guardar aquela maldita raiva só pra mim, e nem queria. Caras como Marcus precisavam escutar umas poucas e boas. "Se o Chris não tivesse feito nada..." isso ficou ecoando na minha cabeça, do segundo em que pisamos no vestiário até meados da aula de educação física.
Correr em volta da pista de areia e saltar o mais alto que podia pareceu aliviar boa parte do meu estresse, por mais estranho que fosse admitir aquilo. O cansaço físico e mental vinham sendo as únicas coisas que me permitiam dormir no fim do dia, apesar de recentemente despertar com pesadelos horríveis no meio da noite, os quais eu não sabia exatamente a origem. Já terminava de vestir minha roupa quando ouvi alguns risinhos do outro lado dos armários.
– Ash, sua safadinha! – dizia Dafne, num tom de voz malicioso – O Johan por acaso virou vampiro agora?
– Ai, meu Deus, não foi o idiota do Johan, amiga. – Ashley comentou baixinho, como se estivesse envergonhada – Nós terminamos faz uns dias.
– Como assim? Menina, então quem deu esse chupão colossal no seu pescoço? – não sei explicar o motivo, mas interrompi o que fazia para escutar melhor aquela conversa – Não, espera aí... Não me diz que foi... Meu Deus, Ash! Mas o Davis não estava machucado?
– Machucado sim, não morto. – as duas deram risadas, e inconscientemente apertei o casaco o qual segurava com força – Bom, não foi nada premeditado, eu só estava cuidando dele ontem e acabou rolando.
– Rolando na cama dele não é, sua piranha? – disse Dafne, e eu respirei fundo me obrigando a terminar de vestir meu casaco – Eu sei que esse chupão já responde muita coisa, mas me conta como foi?
– Uma delícia! – respondeu Ashley, como se estivesse flutuando na mais alta nuvem – Mesmo com uns 70% do total, o Jordan me fez gozar gostoso. Transar com ele é muito melhor do que com o tapado do Johan.
– Claro né, amiga... O Dan tem experiência, e uma pegada que meu Deus! – sacudi a cabeça, tentando espantar as lágrimas idiotas que insistiam em subir quentes por minha garganta – O quê? Caso não se lembre, a gente se pegou no baile do primeiro ano, antes de vocês dois terem um lance.
– Ai, nem me lembra disso, cruzes! – mordi o lábio com força, numa clara tentativa de me desconcentrar daquela conversa idiota.
No fundo eu já esperava que os dois fossem se pegar, esse era o Jordan de verdade, afinal. "Nada novo sob o sol, Lizzie!" falei em pensamento após finalmente engolir o choro, e logo alcancei o gloss junto dos meus brincos dentro do armário, de onde também tirei minha mochila antes de bater a porta. E, sem dar mais ouvidos a qualquer dos cochichos a minha volta, me dirigi aos espelhos onde rapidamente finalizei minha maquiagem.
– Ainda dá pra ver? – Ashley praticamente se debruçou sobre a pia ao lado para ver o próprio reflexo no espelho.
– E como... – Dafne sorriu cínica, olhando discretamente em minha direção, mas eu fingi não notar – Tenta com a minha base, ela tem uma cobertura alta.
– Ai, obrigada! Você é perfeita. – a loira, ainda de madeixas soltas e úmidas, se virou para a amiga, e mesmo de relance pude ver a marca arroxeada em seu pescoço.
Eu acho que não precisava de uma confirmação para acreditar na versão que acabara de escutar. Bom, não depois de descobrir que Jordan era só mais um cretino, mas se alguma parte de mim, mesmo que inconsciente, ainda insistia em duvidar que aqueles dois haviam transado, o enorme chupão estampado no pescoço da Ashley com certeza tratava de me confirmar.
– Oh, Lizzie... – ela sorriu sem graça, e eu rolei os olhos, terminando de prender o brinco em minha orelha – Desculpa, eu não tinha visto que você...
– Não precisa me pedir desculpas por transar com o idiota do Jordan. Ele não vê um palmo a frente do pênis, então é claro que comeria a primeira vadia oferecida que encontrasse pela frente. – dei de ombros, tratando de guardar o meu gloss na mochila – Mas, se quer saber, eu acho que vocês foram feitos um para o outro. Agora se me dá licença, preciso ir para a próxima aula.
– Ah, tá legal... Bons estudos, lindinha! – um sorriso falso se fez em seus lábios, o qual eu retribuí igualmente antes de sair dali.
Infelizmente, não posso dizer que estava tão bem por dentro quanto fiz transparecer por fora, mas acho que me saí melhor do que pensei que poderia, e por ora isso já estava de bom tamanho. No decorrer daquela extensa e cansativa manhã, eu tentei não pensar mais sobre o que vi e ouvi no vestiário, pois o que acontecia ou não na vida sexual do Jordan não me dizia mais o menor respeito, não é mesmo?
Durante o almoço, Christine anunciou que as Lioness acompanhariam o time na final da interestadual, e eu me forcei a escutar boa parte do seu discurso entusiasmado. Sim, teríamos de ensaiar dobrado para cobrir a falta da Rose na equipe, Emily estava certa quando me disse que a ruiva era uma vadia fingida. Ela se recusou a nos ajudar com as assinaturas, e ainda justificou com o fato de que Rose não era mais da equipe, isso me soou muito baixo.
– Acho que o meu tigerzinho se atrasou hoje. – Emily se ergueu um pouco para confirmar que nenhum dos garotos do time apareceram na cantina.
– Bom, talvez eles tenham tomado uma bronca do Sr. Watson por aquilo do Chris com o Marcus no corredor hoje mais cedo... – comentou Mandy, uma das líderes que estavam na mesa – Me disseram que foi horrível.
– Mas o meu Noah não estava no meio daqueles trogloditas. – Emily defendia o namorado com unhas e dentes – Talvez o treino só tenha sido mais puxado hoje não é, Liz?
– Ah, é... – forcei um sorriso, o qual saiu amarelo, e tornei a brincar com a comida, jogando-a de um lado para o outro no prato, não sentia muita fome esses últimos dias.
– O seu celular está tocando, florzinha, não vai atender? – Christine olhava em minha direção com as sobrancelhas erguidas – Bom, se não vai atender, pelo menos desligue. É irritante.
Ela sorriu incomodada, e eu rolei os olhos, soltando o garfo dentro do prato para pegar o aparelho na mochila. Sabia exatamente quem estava me ligando, meu celular sempre tocava nas horas que eu estava de folga, mas eu nunca atendia. O nome "Jason" aparecia mais uma vez no identificador de chamadas, e um suspiro pesado me escapou quando descartei mais uma de suas ligações. Eu não sei por que diabos ele insistia em me ligar todos os dias se estava viajando por aí com a Shely. Talvez fosse melhor se concentrar nela, ao invés de ficar me incomodando.
O almoço prosseguiu no maior tédio possível, e quando o time de futebol me concedeu o desprazer de aparecer para almoçar, não consegui evitar lembrar daquela cena do empurrão que Marcus me deu mais cedo. Estava verdadeiramente irritada com a minha incapacidade de me defender sozinha, para ser bem sincera queria era ter quebrado a cara daquele imbecil eu mesma, não podia simplesmente ficar esperando que alguém sempre me defendesse. Isso era tão patético.
Contudo, tentei respirar um pouco, pois daria mais uma tutoria hoje. Preencher meu tempo com coisas significativas, esse era o meu jeito de lidar com os problemas, por isso me inscrevi no programa de aulas extras para os alunos atrasados em literatura. Mais livros para ler, menos tempo para pensar. Eu ainda não sabia quem seria o aluno dessa tarde, mas a Sra. Lemoon me disse que escalaria alunos do último ano, provavelmente conhecidos meus. Seriam apenas dois até as férias de verão, quando eu finalmente viajaria para Seattle.
"Tem certeza, querida?" – perguntava vovó Dália do outro lado da linha – "Não quer aproveitar nem um único mês sequer com seus amigos aí em Shadowtown, minha abelhinha?"
"Ah, vovó, eu já os vejo durante todo o ano letivo, e qualquer coisa podemos conversar por chamada de vídeo." – justifiquei sem demoras, e pude ouvir sua risadinha – "Quero mesmo é passar minhas férias antes da faculdade aí em Seattle."
"Pois bem, então venha assim que ficar de férias. Essa avó está morrendo de saudades da sua neta favorita." – disse ela, em tom doce e receptivo.
"Mas eu sou sua única neta, dona Dália." – cerrei os olhos, contendo a risada.
"Foi exatamente o que eu disse..." – rimos juntas...
...
Vovó Dália e eu passamos um bom tempo no último final de semana fazendo planos para as minhas férias de verão, e aquilo até que foi divertido, me fez respirar mais leve. Acredito que o quanto antes eu fosse embora, mais fácil seria esquecer tudo. O verão serviria para passar uma borracha nos últimos meses, e recomeçar do zero.
– No que posso ajudá-la? – perguntou a velha senhora mal-humorada atrás do balcão na biblioteca.
– Me chamo Lizzie. Vou prestar uma tutoria de literatura hoje. – sorri simpática, e ela apenas assentiu pegando um formulário.
– Precisa preencher isso e me entregar quando terminar, para que eu possa contabilizar as horas no seu currículo. – dizer aquilo era tão automático, que sua voz até soava robotizada.
– Ah, sim. Obrigada. – peguei o formulário sobre o balcão, e me despedi com um aceno de mão, seguindo para uma das mesas ainda vazias.
Haviam alguns tutores e seus respectivos alunos mais ao fundo no lado direito daquela enorme biblioteca. Passei alguns minutos preenchendo o formulário com os meus dados, e já estava quase terminando quando a porta se abriu. Automaticamente, eu olhei naquela direção, avistando ninguém mais, ninguém menos que Christian Barnes. Franzi a testa, e seu olhar veio de encontro ao meu.
O que um jogador de futebol faria em uma biblioteca? Esse não era o habitat natural deles, certo? "Lizzie, não começa!", minha consciência alertava um índice alto de julgamento. Odiava julgar as pessoas, e provavelmente ele tinha vindo buscar algum livro para um trabalho ou coisa do tipo. Bom, foi do que eu tentei me convencer, até perceber que ele caminhava em minha direção.
– Posso... Eu posso me sentar aqui? – Christian apontou para uma das cadeiras vazias, e eu rapidamente neguei com a cabeça.
– Não. Estou esperando um aluno para prestar uma tutoria na grade de literatura. – respondi secamente, mas ele pareceu não me ouvir, porque sentou assim mesmo.
– Ótimo, porque eu estou precisando de uma tutora para literatura. – o vi empurrar um formulário já preenchido com seus dados em minha direção.
Não me contive em analisar o documento, ele havia se inscrito para aulas as sextas comigo. Em anexo tinha uma cópia do seu boletim, as notas não eram tão ruins, mas também não estavam lá muito boas. No entanto, eu não podia fazer isso, ajudá-lo seria no mínimo um ato de traição à Rose. Então, rapidamente comecei a recolher minhas coisas.
– O que está fazendo? – Christian perguntou baixinho, um pouco antes de eu me levantar.
– Indo embora. Sugiro que procure outro tutor. – respondi no mesmo tom, e me apressei até a saída.
A velha senhora rabugenta me olhou, mas não disse nada, passei pela porta apressando o passo pelo corredor ao ouvir alguém correndo logo atrás. Por que ele não podia só continuar me evitando como fez a semana inteira? Que droga! Fui arrumar problema, e agora aquele garoto idiota achava que tinha que ficar no meu pé.
– Hey, Lizzie, espera! – Christian me chamou e parei no meio do corredor, cerrando os punhos.
– O que foi, Barnes, não ouviu? Eu disse que não vou ajudar você! – falei em alto e bom som ao me virar em sua direção.
– Não... não é isso. Acontece que esse foi o jeito que eu achei para falar com você. – ele diminuiu o passo, até finalmente parar a minha frente.
– E o que você quer falar comigo? – cruzei os braços – Pode ficar tranquilo, porque eu não vou contar para os pais da Rose nada do que você fez com ela.
– Nossa, obrigado. – ele me fez rolar os olhos.
– Não me agradeça. Por mim, você e os seus amiguinhos podiam se foder, Barnes. Eu só não vou contar, porque a Rose não merece passar por mais nenhum constrangimento, e essa é uma decisão que cabe a ela. – fui curta e grossa, o que pareceu pegá-lo de surpresa, mas logo uma tristeza tomou conta de seus olhos.
– Eu... entendo. – Christian apertou os papéis em mãos.
– Espero que saiba que a Rose foi a melhor garota, a mais gentil e doce que passou na sua vida mesquinha. Espero também, Christian, que você consiga lidar com a culpa por ferrar com a vida dela! – me obriguei a manter uma postura rígida, ele abaixou a cabeça.
– Sim. Você... você está mesmo certa. – a voz dele soou num tom diferente. Será que estava... triste? – Eu fui um idiota. A Rose merece... Ela merece um cara legal.
– É, ela merece sim! – ajeitei a alça da minha mochila no ombro – Agora eu tenho que...
– Espera! – ele me segurou pelo braço, tornando a me encarar. Seus olhos azuis estavam levemente avermelhados, e agora marejados – Preciso... Eu tenho que te contar algumas coisas.
– O quê? – cerrei os olhos, me livrando de seu toque, tudo nele me dava nojo agora.
– Não posso – Christian olhou rápido para os lados, checando se alguém nos escutava – falar nada aqui. Me encontra na Candy's hoje a noite?
– Nem pensar. Não vou sair com você! – neguei logo de cara, fazendo menção de me afastar, mas ele deu um passo à frente.
– Não é isso. Você entendeu errado. – ele pareceu preocupado agora – Não estou te chamando para um encontro, só... Por favor, aparece lá? Tenho muita coisa para te contar.
– Não sei se quero ouvir o que tem ou não a dizer. – apertei a alça da minha mochila, vendo-o assentir.
– Eu entendo se não for, mas vou te esperar lá às 6pm. Se não aparecer, tudo bem, só que eu prefiro que apareça. É importante. – Christian deu dois passos para trás, liberando a passagem para que eu pudesse ir embora.
– Até mais, Barnes. – me virei, seguindo apressada para fora do colégio...
Horas depois...
Ao chegar em casa, tentei me ocupar com um ou dois trabalhos acumulados do colégio, depois tomei um banho longo, e até mesmo adiantei uma leitura atrasada. Contudo, a ideia de descobrir o que tanto Christian queria me contar, não me fugiu nem por um segundo sequer. Afinal, eu fazia certa ideia do que poderia ser, mas ao mesmo tempo não me parecia uma boa conversarmos a sós numa lanchonete, ou em qualquer lugar que fosse.
A hora ia passando, e a cada minuto eu me sentia ainda mais indecisa, quanto a ir até a Candy's ou não. Digo, minha curiosidade provavelmente acabaria me matando se eu não fosse, além do mais, não dava simplesmente para descartar o fato de que Christian podia mesmo estar arrependido dos seus atos. Claro que qualquer sofrimento perto do que ele fez com a Rose, não era nada, e nem digno de pena, mas talvez fosse bom ouvir a sua versão sobre aquela merda toda.
– Filha, vamos pedir pizza, você vai querer? – a voz da minha mãe soou após algumas batidas na porta, a qual não tardou a abrir.
– Ah, eu... – me sentei rápido na cama – Estava pensando em ir à Candy's com a... Emily. Ela me chamou hoje mais cedo.
– Bom, acho que tudo bem. Você já não está mais de castigo. – ela deu de ombros – Mas avise se decidir dormir fora. Da próxima vez que sumir, juro que te tranco um ano inteiro dentro de casa.
Ela me arrancou uma leve risadinha, ainda não havíamos se acertado de fato pelo episódio com o Jason, mas eu também não estava mais tão zangada. Para ser sincera, passei os últimos dias de castigo que nem criança, da escola para casa, sem TV ou celular, esse era o jeito dos meus pais dizerem que se importavam comigo. Me levantei da cama e me aproximei de dona Elisa nas pontinhas dos pés, lhe dando um abraço apertado.
– O que é isso? – ela perguntou risonha ao retribuir.
– Eu já disse que a senhora é a melhor mãe do mundo? – perguntei, arqueando as sobrancelhas.
– Lizzie Andrews, o que você quer pedir? – dona Elisa não deixava nadinha de nada passar.
– Ah, nada. Só... o tio Henry disse que eu fui muito bem nas aulas de direção do último fim de semana, a senhora sabe, não é? – perguntei, organizando os cabelos dela.
– Não. Nem pensar. Seu pai te leva. – ela cruzou os braços, entendendo de cara o que eu queria.
– Mas, mãe...
– Mas nada. Não vai dirigir sozinha por aí nem tão cedo, e além disso ainda nem tirou a carteira. – ela estava decidida – Agora se arrume que vou pedir para o seu pai lhe levar.
– Ai, tá. Fazer o que, né? – resmunguei só para fazer cena, e ela deu uma curta risada antes de sair do quarto.
Segui direto para o closet, um tanto desanimada, afinal qual garota de dezoito anos não quer ter o seu próprio carro? Mas meus pais não me deixavam dirigir nem o deles, quanto mais comprar um para mim. Bom, com fé isso mudaria na faculdade, eles querendo ou não, porque eu teria que me virar sozinha, por esse lado, nem estava tão longe assim. Em meio a pensamentos bobos, acabei optando por vestir algo bem básico como uma calça jeans, uma camiseta, e um casaco.
Não era como se me agradasse ter de sair hoje, então não haviam motivos para uma produção mais trabalhada. Ainda não sabia se era ou não uma boa ir à Candy's encontrar com Christian, mas acho que precisava saber seja lá o que ele tinha a me contar. Peguei uma bolsa, colocando uma parte da minha mesada ali, junto com o celular e desci. No andar de baixo, meu pai já me esperava sentado em sua poltrona de frente para a TV, mas ao me ver logo se levantou ajeitando bem sua camisa.
Minha mãe veio da cozinha, e nos acompanhou até a garagem, onde me lembrou mais uma vez de que se eu fosse dormir fora, deveria ligar ou mandar uma mensagem avisando. Nos despedimos com um curto abraço, e assim que ela voltou para dentro de casa, um sorriso largo se abriu em meus lábios. Antes de entrarmos no carro eu choraminguei um pouquinho para dirigir, e mesmo um tanto contrariado o Sr. Louis acabou deixando.
O que eu não esperava é que mesmo depois da autorização, ele fosse ficar me regulando a cada segundo. Aquilo era no mínimo irritante, tendo em vista que eu sabia dirigir, e só não tinha lá muita prática graças as restrições. Precisei respirar bem fundo algumas vezes durante o caminho, para não perder o controle e cometer alguma infração, como por exemplo avançar no sinal vermelho. É, isso quase aconteceu graças a enorme confiança do meu pai em mim.
– Você foi ótima, querida. – ele disse assim que estacionei, então caímos na risada.
– Pai, o senhor quase me fez furar o último sinal. – sacudi a cabeça, tirando o cinto de segurança – Precisa confiar mais em mim, Sr. Louis.
– Eu sei, me perdoe? Acho que fiquei mais nervoso que você. – assumiu ele, assim que alcancei minha bolsa no banco de trás, e também se livrou do cinto de segurança.
– Eu percebi. – demos mais risada – Mas preciso ir agora. Obrigada por me deixar dirigir.
– Por nada, querida. Prometo ser mais paciente da próxima vez. – o Sr. Louis deu um beijinho na minha testa – Que horas eu venho te buscar?
– Eu... – olhei em direção à Candy's – Não se preocupe, eu ligo se precisar.
Depois disso, nos despedimos e desci do carro, vendo meu pai assumir o banco do motorista, ele colocou o cinto de segurança outra vez, e apertou a buzina, antes de seguir pela rua. Respirei bem fundo ao me virar caminhando lentamente até a lanchonete. Ao entrar, o sininho da porta soou e todos os pares de olhos daquele lugar vieram em minha direção. Senti minhas bochechas esquentarem, então rapidamente passei a encarar meus pés, enquanto me dirigia apressada até o balcão. Contudo, no caminho acabei esbarrando em alguém.
– Me desculpe, eu não... – senti minha voz morrer por entre os lábios ao subir meu olhar e encontrar aqueles olhos cor de mel me encarando tão profundamente...
[...]
💕. Alguém aí está com saudades do Jason? 👀
💕. Nos vemos na próxima sexta, ou talvez antes. Deixem a ⭐ e comentem bastante para engajar a fic 😘
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