O Jantar
O sol se desfaz devagar, dando espaço para a lua, que ascende tímida no céu. Seguro cuidadosamente a penúltima mecha ainda não finalizada, enquanto a escovo. Estou me preparando para ir até a casa dos Taylor, conforme o combinado. Embora agora eu também vá jantar, e não apenas para "jogar vídeo game e conversar" como antes. Tentei pesquisar a respeito de jogos para ter algo para falar, mas a verdade é que não tenho interesse algum nessa área. Estou contando com a minha capacidade de distrair meu futuro namorado o suficiente para que ele desista da ideia. Porém, a mensagem que recebi ontem parece frustrar meus planos. "Comprei novos jogos para nós", dizia a mensagem. Quando o garoto me perguntou sobre os meus gêneros favoritos, dei uma resposta evasiva e por pouco não fui pega na mentira.
Eu te odeio, Laura! A culpa disso tudo é sua! Ao mesmo tempo, estou agradecida por ela conseguir fazer tão rápido o que nunca consegui.
Quando termino meu cabelo, pego a carta que recebi de Benjamin no dia em que ele veio até aqui. Achei tão fofinha. Apesar de curta, e o desleixo característico de homens, adorei. Tiro-a de envelope e abro-a mais uma vez.
"Querida Cerejinha,
Antes de qualquer coisa, devo dizer que me sinto uma garota de doze anos por mandar cartas, não ria de mim. Deixando as formalidades, gostaria muito de agradecer por me ajudar naquele tema sensível. Nunca havia contado nada a respeito do que houve com meus pais para ninguém, porque é algo que realmente me incomoda. Porém, toda vez que falo com você, percebo que existem pessoas nas quais podemos confiar de verdade, e queremos por perto. Você é essa pessoa para mim, e espero que ainda possamos embarcar nessa viagem e nos conhecer ainda mais. Quer dizer, ainda somos jovens, e temos o tempo a nosso favor, correto?
Enfim, fico muito feliz de poder te incluir no meu grupo de intimidade, se é que posso chamar assim. Todos os dias antes de dormir, gosto de reimaginar nossas conversas. É um hábito divertido, deveria tentar. Para finalizar, por favor, venha à minha casa para jantar (seria bom avisar à sua mãe, não quero ela tentando bater na minha quando descobrir onde você está hahah) nessa sexta, e já aproveitamos para jogar, algo que sei que você está ansiosa para fazermos juntos. Bem, eu também.
Ps: Deixei uma caixa dos meus chocolates favoritos, apenas como uma forma de agradecimento por sua confiança e paciência. Espero que goste.
Atenciosamente, Senhor Misterioso."
Os chocolates, devorei naquela mesma noite. Quando fui olhar o preço deles no mercado, pensei em vomitá-los, e revender. Quase dá para comprar um carro. Ben tem um jeito tão humilde que às vezes esqueço o quanto é rico. Na verdade, o garoto me parece modesto até demais, julgando pelo estado do moletom surrado que ele ofereceu para Laura, e ainda está em minha posse.
De qualquer forma, a carta representa um passo mais perto do meu objetivo. Tenho vontade de entregar a que escrevi no auge da minha inspiração. Achei o meu texto tão bem escrito que eu poderia publicá-lo como uma obra literária, pois até dei um nome: Todas as Palavras que Eu não Disse. Pretendo entregar ao Taylor quando for me declarar, ou daqui a oitenta anos, quem sabe.
Me encaro no espelho da penteadeira, o batom é um pouco mais ousado do que de costume, mas nada que faça mamãe me proibir de ir, assim como tentou. Graças a intervenção do meu pai, consegui um passe para jantar fora hoje. Ele continua insistindo em tirar de nós duas o que foi que aconteceu para termos nos distanciado tão repentinamente, porém fomos mais teimosas em não revelar. É uma pena, pois gostaria de ser sincera, mas sei que não posso.
Quando termino de aplicar a fina camada de maquiagem, levanto e vou até o espelho grande, preso atrás da porta do quarto. Confiro meu look, o vestido vermelho claro talvez pareça uma redundância de cores, mas é um risco que estou disposta a correr. Giro trezentos e sessenta graus, apenas para ver a saia rodada dançar e testar se ainda é adequado para mim, porque a última vez que usei, tinha quatorze anos.
– É um enorme prazer ser agraciada com seu convite, senhora Taylor – enceno um aperto de mão e sorrio, empertigada. – Não, formal demais.
Caminho para trás e tento novamente.
– E ae, Amy! Valeu por me convidar... – atuo mais uma vez, agora com um sotaque arrastado, relaxado. – Não.
Pego a folha sobre a cama e leio minhas anotações sobre vídeo games.
– Sou viciada em jogos, jogar é o que dá sentido à minha vida! Adoro que nerfem os personagens – tento emoldurar a voz para um tom confiante. – Isso não vai dar certo! – reclamo, amassando o papel.
Esfrego as mãos na testa. O que faço? Será que Amy vai interferir? Ela provavelmente não se deixará levar pelas minhas desculpas idiotas, como seu filho faz. De qualquer modo, sei que é uma mulher gentil, então não vai me humilhar, ou me expor, vai? Quando fomos à sua casa jantar, não fiquei nervosa porque não tinha interesse algum em Ben na época e estava com meus pais, mas agora é tudo diferente.
Balanço a cabeça, na tentativa de afastar meus pensamentos e foco em terminar de me aprontar. Faço o penteado, deixando o cabelo pousar no ombro esquerdo, calço a sandália dourada e pego minha bolsa de mão. Por fim, o casaco. Após dez minutos, desço para o andar de baixo. Mamãe me encara rapidamente com o canto do olho na sala, sentada na poltrona. Passo pelo cômodo apenas com o som da televisão preenchendo os ouvidos, e o que são apenas alguns metros até a cozinha mais parece uma maratona. Fecho os olhos, desejando que ela não diga nada. Ao mesmo tempo, torço para que diga algo legal. A primeira opção se torna sua escolha.
No momento em que saímos, continuo pensando nela, talvez eu deva tentar conversar, acertar as coisas. O clima em casa fica muito pesado por conta desse silêncio. Preferia antes quando ela me dava broncas por qualquer coisa. As minhas preocupações ficam mais distantes quando papai coloca uma boa música no carro, e conversamos.
– Então... Qual é o lance? – meu velho muda de assunto de forma repentina.
– Lance? Que lance? – ergo uma sobrancelha.
– Você sabe, com o Ben – arranha a garganta.
– Não tem lance nenhum, papai – minto.
– Tá bom, e eu não estou ficando careca – o olhar permanece no trânsito. – Olha, sei que você e sua mãe não estão bem, e sei que ela é quem deveria ter essa conversa, mas acho que não temos escolha. Então por que não se abre e me conta de uma vez?
– Não! – coço os braços, desconfortável.
– Docinho – usa seu artifício, que é me chamar assim. Como consequência, meus olhos se dirigem ao seu rosto e me acalmo. – Pode confiar em mim. Contei pra sua mãe quando você gastou todas as suas economias com livros? Ou quando a Laura dormiu escondida com você? Ou quando você quebrou a janela da sala?
– Não – a voz sai mais fraca. – Mas o senhor não entende.
– Só estou dizendo que tudo bem gostar de alguém. É apavorante no começo, mas o amor é uma coisa linda. E bem, o Taylor parece um bom garoto – ouvir essas palavras tira um sorriso do meu rosto e me encoraja a dizer algo. De fato, papai é a pessoa ideal para conversar, nunca tive minha confiança traída.
– Ele é bonzinho como o senhor – confesso, acanhada.
– Mas, vocês já... Fizeram alguma coisa?
– Pai! – chamo sua atenção. – É claro que não! Nós nunca nem nos beijamos... – explico, com uma decepção amargando as palavras. – Ben é muito respeitoso. E tenho certeza que ele jamais passaria dos limites e eu também não, podemos mudar de assunto? – falo mais rápido do que deveria.
Meu velho dá uma boa encarada no meu rosto avermelhado, apenas para verificar se estou dizendo a verdade.
– Só me prometa que vai tomar cuidado. Garotos são garotos, afinal – alfineta.
Fico calada, pois, embora eu saiba que Benjamin é diferente, não posso culpá-lo por pensar assim, afinal, ele não o conhece tão bem como eu. De qualquer forma, sei que papai não é extremista como a minha mãe.
Em alguns minutos, estou parada na frente da luxuosa construção que os Taylor fazem de lar. Confiro as horas. Sete da noite, em ponto. Quando penso que apenas duas pessoas vivem nessa casa enorme, tenho a sensação de estar vivendo dentro dos livros, especificamente na pacata Falland, e aqui seria o casarão Corbeau. Toco a campainha, esperando a minha amada Lily abrir a porta e me convidar para entrar, se fosse uma conhecida da família. A porta se abre e ao invés de encontrar o motivo dos meus surtos literários, Peter, ou melhor, Mr. Corbeau, bebericando o café forte enquanto lê o jornal, me deparo com meu surto da vida real, Ben atrás da porta, que é tão bom quanto.
– Nossa – o Taylor para no batente e me encara, dos pés a cabeça, o que por si só me deixa nervosa. – Você está muito bonita.
– Obrigada. Você também – desvio o olhar timidamente.
– Venha, vamos entrar – o menino dá espaço para mim e pega o meu casaco e a minha bolsa.
Quando chegamos até a cozinha, lá está a razão do meu temor: Amy Taylor. Em meio a panelas, panos de cozinha, facas, e um cheiro gostoso de carne assando pairando no ar, ela me vê e dá um sorriso de lábios unidos. Não sei se é minha imaginação, mas juro que a vejo lançar um olhar para a maior faca antes de encarar de novo.
– Olá, senhora Taylor – a voz sai tão rouca que quase desaparece.
– Beth! – a mulher dá meia volta no balcão e vem me cumprimentar, limpando as mãos no avental antes. O cabelo negro é tão volumoso que mal se aguenta preso num enorme coque atrás da cabeça. – Estávamos ansiosos pela sua chegada!
Ao vê-la tão perto de mim, fico tensa, ainda mais considerando a sua altura, que é tão grande quanto a do filho. Penso em todas as histórias que Benjamin me contou sobre os ciúmes de sua mãe, e conecto isso a mim, que estou, nesse exato momento, ultrapassando um limite que não sei se ela quer que alguma garota quebre.
– Estou muito feliz de estar aqui – respondo, com o melhor sorriso que consigo esboçar.
– Beth e eu vamos jogar vídeo game depois do jantar – Ben anuncia.
Amy e eu nos entreolhamos em silêncio. Ela dá de ombros.
– Tudo bem, como quiserem – faz um gesto, me convidando para sentar. – Vamos comer! – bate palmas, animada. – Fiz bisteca!
– Como se soubesse fazer outra coisa – o garoto estala a língua, e logo recebe um soco no braço de sua mãe, que o chama de palhaço. Ele a empurra de volta, e quando suponho que uma briga vai começar, ambos estão rindo.
Tudo que consigo fazer é me afastar e me acomodar numa das cadeiras. Se eu empurrasse a minha mãe assim, seria a última coisa que faria ainda em vida.
Em alguns minutos, o prato principal está sobre a mesa, bordeado por acompanhamentos, como a salada cremosa e molhos postos em tigelas cerâmicas. Ben senta do meu lado, enquanto a anfitriã fica na ponta da mesa. Pego o garfo e a faca, e retiro o pedaço que acredito ser suficiente para mim e começo a comer.
– Está delicioso! – comento, depois da primeira mordiscada. E não apenas para agradar, de fato a carne está muito bem preparada, quase como da primeira vez que vim jantar aqui.
– Obrigada! Acho que quando você sabe fazer apenas uma coisa, acaba ficando muito boa nela – Amy dá uma risadinha.
– Então é verdade? – o seu bom humor me contagia, embora ainda esteja receosa.
– Espero que não – responde, alegre.
Enquanto comemos, observo que a mãe do garoto parece me encarar mais que o normal. Dessa vez, ela não está sendo discreta, é quase como se quisesse que eu notasse isso. Tento me esquivar da melhor maneira possível, sempre mantendo a conversa viva. Depois que acabamos, e Amy nos diz que não quer ajuda, o garoto praticamente me puxa para irmos até a sala, e realizar o meu "tão sonhado momento": jogar vídeo game.
Nós vamos para o sofá, e ele liga a tevê gigante, deve ser três vezes maior que a nossa, e por fim, o Xbox com um acabamento diferenciado. Era só isso a edição limitada? Permaneço com as mandíbulas tensas, e agora ainda mais, considerando que não faço ideia de como proceder. E a distância ridícula que Ben e eu estamos um do outro só piora as coisas. Ao mesmo tempo em que gostaria de abraçá-lo, ou de poder me derramar em seu colo, não posso, e nem devo. Com o canto do olho, vejo a sua mãe andando para lá e para cá na cozinha. Não sei se está concentrada em guardar tudo, ou se está me vigiando com uma faca na mão, mas prefiro não me arriscar.
– Beth?
– Sim? – volto para o momento, assustada.
– Você não ouviu? Perguntei o que quer jogar.
– Ah – olho para a tela da televisão e observo a lista de games disponíveis. – Acho que... Não sei.
– Não gostou? Você pode escolher qualquer um, e eu compro agora mesmo – o menino vai até a loja online e começa a me mostrar as opções. Existem games que custam até cem dólares! Que desperdício, poderiam ser usados para comprar livros. – E aí? Quer escolher? – Ben tenta me entregar o controle do vídeo game.
– Olha – abaixo a mão dele, recusando. – Por que não conversamos primeiro? – sugiro, com o coração a mil. Espero que dê certo.
– Tudo bem, só achei que estava louca para jogar – dá um sorriso sincero, porém mais fraco. Acho que queria que eu participasse disso. – Amy achou muito esquisito a quantidade de pessoas que querem vir aqui jogar Xbox, mas eu não. Quem não gosta de jogos hoje em dia? E não me importo de compartilhar, ainda mais com amigos – ele fala como se fosse a coisa mais natural do mundo.
Nesse instante, sou obrigada a admitir que de fato, vou ter grandes problemas em fazê-lo entender que o amo, visto que essas pessoas, que deve ser, em sua maioria, meninas, só estavam interessadas nele, não no seu vídeo game idiota.
– Espera: você contou pra sua mãe? – lanço um rápido olhar para a cozinha, a mulher está de costas, colocando as louças na lavadora.
– Claro – diz, como se fosse óbvio. – Conto praticamente tudo que acontece.
O meu coração fica ainda mais agitado. Significa que ela sabe das minhas verdadeiras intenções, sabe do nosso primeiro encontro e tudo que ocorreu entre nós. Porém, eu realmente não queria fazer parte desse grupo que gosta do garoto apenas por sua aparência, ou quaisquer outros aspectos que não o caráter. Faço um lembrete mental de matar a minha melhor amiga, quando tiver a chance.
– Parece tensa – ele se volta para mim.
– Eu tô bem – confirmo com a cabeça, esperando não demonstrar estar nervosa, porém meu corpo não ajuda. Junto as mãos no meio das pernas involuntariamente e olho mais uma vez para a senhora Taylor na cozinha.
Ben me encara de soslaio.
– Posso? – ele estende uma das mãos em direção à minha, pedindo permissão.
– Não precisa pedir permissão para me tocar – digo.
O garoto faz o aceno discreto com o sorriso antes de pegar em minha mão. Nossos dedos entrelaçam uns nos outros. Quando escuto o som da porta da cozinha se abrindo, olho para trás, apenas para ver Amy levando um saco de lixo para fora. Ben, segura meu queixo e me traz de volta delicadamente.
– Por que se preocupa tanto com a minha mãe? – ele aparenta estar confuso. – Quero que olhe pra mim, não pra ela – os cantos de sua boca se transformaram num sorriso.
Nesse mesmo instante, sinto a queimação no estômago, as borboletas se movimentam. Porém, ao invés de acontecer o natural, que é subir ou se transformar em um arrepio, sinto a coisa se solidificar em minhas partes mais íntimas. Algo está errado. Quando finalmente afasto a mão livre e olho para o meio das pernas, constato aquele líquido pegajoso com um tom entre o vermelho e o preto se apossando de uma pequena parte do meu vestido.
Benjamin percebe também, e dá um pulo do sofá, com os olhos arregalados.
– Você tá sangrando! – aponta o dedo para a região molhada.
Fico tão envergonhada que minha única reação é pressionar as coxas uma na outra, enquanto minha mente implora por uma boa desculpa. O absorvente vazou. Abro a boca, mas a voz não sai. Como vou me desculpar por sujar esse sofá caríssimo? E com que cara vou me apresentar à senhora Taylor? Agora Ben deve ter nojo de mim!
Por que tinha que acontecer agora???
O menino corre aos tropeços para o móvel no outro lado do cômodo e volta tão rápido quanto foi, segurando lenços umedecidos. Ele arranca todos da caixa no meu colo e pega minhas mãos e pressiona contra a mancha de sangue. Dentro de mim, sinto que mais do líquido escapa.
– Temos que estancar!
– O quê? Ben, espera! Foi um acidente – tento continuar, mas sou interrompida.
– Acidente? Uma ambulância! Precisamos de uma ambulância! – o garoto bagunça os cabelos, com nervosismo aparente. Nesse momento, entendo tudo. Ele não entende o que está acontecendo. – Amy! – berra.
– Não, não. Não precisa chamar a sua mãe – faço o possível para segurá-lo sem me movimentar muito. Não sei se devo me levantar e correr para o banheiro ou ficar aqui, deixando que o meu fluido corporal termine a lambança. Embora não seja tanto, é o suficiente para ser notado. – Me deixa ir ao banheiro!
A mulher entra pela porta da cozinha às pressas e vem em nossa direção. O meu rosto fica tão quente que gostaria apenas de arrancá-lo da cabeça. Ou sumir para sempre.
– O que houve?
– A Beth... Ela se machucou – Benjamin afina a voz, pegando o celular na mesa e discando o número, as mãos trêmulas. – Temos que parar o sangramento! Agora! Tire as roupas dela e faça o curativo!
Amy desvia o olhar para o centro das minhas pernas. Eu finalmente reúno coragem para ficar de pé, e sinto uma fincada leve se distribuindo, começando pelo baixo ventre.
– Eu... Eu... – ergo as mãos sujas, engasgando com as palavras.
Minha vida acabou!
Porém, ao invés de receber um olhar reprovador por não ter me prevenido da forma correta, Amy relaxa os ombros, e toma o celular de seu filho, desligando-o.
– Ben – ela o faz prestar atenção segurando em seu ombro. – Lembra o que conversamos sobre algumas peculiaridades das mulheres?
O menino diminui o estado catatônico, a respiração fica mais tranquila.
– Problemas femininos? – pisca algumas vezes mais, visivelmente desorientado.
– Isso mesmo – ela coça a nuca, mas mantém o olhar fixado. – E o que você tem que fazer numa situação dessas?
Como se tivesse recebido uma ordem, o garoto arranca seu moletom verde militar numa única investida e me entrega.
– Vista. Vai se sentir melhor. Desculpe... Não achei que acontecia assim.
Tudo se encaixa, por isso ele insistia em dar a roupa para Laura quando passou mal. A sua inocência quase me faz rir. Quase.
– Obrigada – pego a peça e amarro na cintura tão rapidamente quanto posso, embora seja inútil. – Sinto muito, senhora Taylor, Ben. Foi um acidente.
– Não se preocupe. Vá se limpar. O banheiro é no segundo andar, no final do corredor. Tem tudo que precisa lá. Até absorventes – Amy diz, indicando com o queixo. Em seguida, olha para o filho. – Ben, vamos conversar na cozinha.
– Tá bem – o garoto se afasta, ainda preocupado.
Quando vejo que estão longe o suficiente, corro para a escada e subo os degraus depressa, com as mãos segurando as partes íntimas. Entro no banheiro e tranco a porta. Penso em tantas coisas que quase não consigo me concentrar em me limpar. O que será que Ben vai pensar de mim agora? Temo que terá repulsa, considerando a sua falta de conhecimento sobre o assunto. É nojento, porém não temos controle sobre isso. Não sei se vai entender isso. Era a minha chance de mostrar a pessoa que sou, e me incluir na família, mas meu corpo me sabotou.
– Beth? Tudo bem? – escuto uma batida na porta depois de alguns minutos, após eu já ter terminado a higiene básica.
– Tudo – suspiro. – Eu acho.
– Se quiser, pode tomar banho. Temos toalhas extras para visitas.
– Agradeço a cortesia. Mas só quero ir pra casa – confesso, abrindo a porta, o olhar caído.
– Sei o que estava fazendo – Amy diz, os olhos semicerrados.
– Senhora?
– Garota, não se faça de boba. Acha que é a primeira que quer vir aqui com a desculpa de jogar vídeo game ou estudar? – suas pupilas negras me encaram. – Não faz tanto tempo assim que fui adolescente.
– Agradeço muito por ter permitido minha visita hoje. Prometo não voltar – depois do que aconteceu, não quero mesmo voltar.
A pior parte foi ver o olhar aterrorizado de Ben, e eu era o motivo do seu temor. É como se tivesse visto um monstro. Dou alguns passos em direção à escada.
– Acho que me entendeu mal – a voz da mulher me faz parar e olhar de volta. – Eu gosto de você. Seu pai vive me contando histórias de sua amada filha obediente, dedicada, inteligente, e que não consegue ficar longe dos livros. E pelas poucas oportunidades que tivemos de ficarmos juntas, sei que é uma boa garota. Só não entendo porque logo você quis participar de uma história bobinha dessas de fingir interesse em vídeo games. Aquele garoto lá embaixo te adora. Desde o dia em que foram ao Navy Píer, ele não para de falar de você. Então por que se deu esse trabalho?
– S...Sério? – um sorriso surpreso surge em meu rosto. Ainda me sinto melada, e estou louca para ir para casa, porém isso não posso ignorar.
– Sim! – Amy confirma. – Não acho que precisa ser como essas meninas para ter a atenção dele. Nenhuma delas, ele nunca trouxe nenhuma aqui, mesmo com algumas insistindo muito. Você foi a primeira.
Ao mesmo tempo em que fico comovida, me sinto mal. Definitivamente não queria me enquadrar nesse grupo, porém graças a intervenção de Laura, fui obrigada a aceitar. Pelo menos a sua mãe não parece estar contra mim, o que é um ótimo sinal.
– Desculpe. Nunca foi a minha intenção enganá-los. No meio da péssima interpretação do seu filho eu acabei me metendo nessa história. E aí, quando percebi, não tinha como voltar atrás – explico.
– Então você gosta mesmo dele? – a voz fica mais animada.
Não consigo dizer que sim e fitar seus olhos ao mesmo tempo.
– Bem...
Sou interrompida por seus pulinhos de alegria e um abraço inesperado. O meu coração agita no peito, só o que penso em fazer para não deixá-la sem graça é dar alguns tapinhas nas suas costas. É exatamente o que faço.
– Tá bom, ótimo! – Amy segura minhas mãos com entusiasmo. – Vocês vão ficar tão lindinhos juntos! Prometo que não vou atrapalhar, mas também não posso ajudar muito. Ben me convenceu. Disse que eu era muito ciumenta, acredita? Rum – meneia a cabeça,cruzando os braços.
Uma linha surge entre minhas sobrancelhas. Pela sua expressão exageradamente feliz, parece até que ela tem um shipp por nós, assim como eu tenho com personagens nos livros. Achei que ficaria enciumada, ou tentaria me afastar de seu precioso filho. Durante a minha festa de quinze anos, ela ficou com a cara amarrada por conta da ousadia de Sarah, então pensei que aqui não seria diferente.
– Obrigada – digo, mesmo não fazendo o menor sentido.
Dentro de mim, tenho vontade de fazer a mesma coisa que Amy: pular de alegria e abraçá-la. Tenho uma aliada importante, e se isso for verdade, estou um passo mais próxima de conquistar meu grande amor.
Agora, tudo que tenho que fazer é descer e encarar meu destino. O estômago revira só de imaginar que Ben pode ficar enojado pelo que aconteceu. Porém, é algo que tenho que fazer. Suspiro, e caminho até a escada.
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