Eventos Peculiares - Parte Dois
Os olhos permanecem fixos no relógio, estou contando os segundos para dar o fora desse consultório. A minha preocupação é o meu namorado. Espero que Ben não tenha receio de estar perto de mim, depois do que ocorreu na escola. Enlouqueci, e acabei fazendo a besteira de sair atirando coisas nas pessoas. Logo após o surto, veio o desmaio. Meus pais foram chamados, e quando acordei, eles estavam comigo na enfermaria. Como consequência, hoje estou nesse consultório contra a minha vontade, aguardando a psicóloga para atendimento. Não disfarço a cara amarrada, e os braços cruzados de forma violenta. Papai é quem aparenta estar mais tranquilo, lendo uma revista. Mamãe, por sua vez, tenta me animar com comentários escoltados de tempos em tempos, quase sempre genéricos.
– Vai ficar tudo bem – diz, de novo, percebendo o meu desconforto. Parece que está repetindo mais para si, do que para mim.
– Eu já tô bem – retruco. "Não preciso de uma psicóloga idiota pra me dizer o quão ferrada da cabeça estou" , penso em dizer, mas retenho as palavras.
– Regina, deixa ela – meu velho se intromete, abaixando a revista. – Sabemos o que causou esse choque. Conversamos sobre isso ontem. Beth vai se sentir melhor se não remoermos o assunto.
Isso! Exatamente!
– Só estou preocupada com a nossa filha. Diferente de você – mamãe dá ênfase na última palavra, e seus braços emaranham-se no peito de um jeito parecido com o meu.
Sinto o celular vibrar no bolso. É Ben. Estamos conversando desde cedo por torpedos, e ontem, depois que fui liberada mais cedo para ir para casa por causa do surto, ele me ligou e perguntou como eu estava. Papeamos por quase uma hora.
Leio a mensagem.
"Ainda esperando" , digito para meu namorado.
"Depois que acabar, podemos conversar?"
"Só não me diga que é sobre o que aconteceu, por favor!"
"Acho que será mais prudente se eu deixar os profissionais da área cuidarem disso, não quero uma namorada me olhando com os olhos pegando fogo de fúria".
Dou uma risadinha, e olho para minha mãe, que prontamente me encara de volta, com o olhar semicerrado. Finjo estar ajeitando o cabelo e volto para a tela.
"Só quero te mostrar mais uma vez o quanto me importo e entendo o que está passando. E que pode confiar em mim para contar o que quiser, caso queira" , ele completa, na próxima mensagem.
"É por isso que você é meu namorado favorito" , envio sem pensar muito, porém, ao perceber o meu erro lógico, tento cancelar. Tarde demais. Bato a mão na testa.
"Namorado... FAVORITO????"
"Pessoa. Pessoa favorita. Me desculpe!"
"Juro que vou caçar os demais, e serei o único na sua vida. Os outros namorados podem se considerar mortos. Seus lábios serão só meus, Elizabeth!"
"Foi sem querer, seu bobo. Eu sou uma garota de um namorado só! hahah".
"Cuidado por onde anda, Chicago é do tamanho de uma bola de baseball para mim. Estou te observando. Assinado: Senhor Misterioso" .
O seu humor me contagia. É sempre assim quando estou falando com Ben. Sorrio.
O som da porta branca se abrindo me faz levantar o olhar. Para minha surpresa, a mulher que será responsável pelo meu atendimento é bem mais jovem do que imaginei e tem o mesmo sorriso da senhora Taylor. Ela nos convida para entrar. Aconchego-me numa poltrona confortável, que pouco cede ao meu peso, meus pais, no sofá ao lado. Começo respondendo a perguntas casuais, porém quando ela me questiona sobre o que aconteceu, fico receosa, mesmo sabendo do sigilo. Após algum tempo, a mulher de cabelos negros consegue me convencer e eu explico de forma rasa que me sinto um tanto quanto culpada por não ter feito nada a respeito do estupro de Tara, tampouco o espancamento de Ben. Talvez tivesse coragem de detalhar um pouco mais, se meus pais não estivessem aqui. De qualquer forma, não ouso falar que assisti todo o desenrolar da cena com meus próprios olhos.
A psicóloga faz algumas anotações rápidas durante a minha fala.
– Bem, acredito que a experiência que teve é traumática, porém, não acho que poderia ter feito algo a respeito, além do que já fez. Quem de fato poderia agir, era Tara – a doutora faz uma pausa, mas não deixa de me olhar nos olhos. É desconfortável. – Ela decidiu que não queria viver mais, e isso não tem nada a ver com o que você poderia ter feito. Claro, que se soubesse previamente o que Tara faria, as coisas seriam diferentes. Porém, você não sabia.
O incômodo piora quando a mulher inicia uma série de questionamentos a respeito do meu namorado. Parece que de alguma forma, ela quer saber com mais detalhes o que eu quis dizer com "me sinto bem perto dele". Para mim a frase é auto explicativa, porém nesse ponto, estou decidida a recuar e não revelar mais nada.
– É só um amigo dela. A mesma pessoa que foi atacada pelos garotos na festa – mamãe se intromete, respondendo por mim.
– Interessante. Isso muda algumas coisas – a psicóloga afirma, desviando o olhar da minha mãe para mim. – Me fale mais sobre esse amigo.
– Não! – afino a voz, com o rosto queimando de vergonha. Achei que falaríamos sobre o que houve com Tara, e sobre como isso me afeta, não sobre meu namorado. – O Ben é... Só uma parte disso tudo.
– Por isso temos que falar dele.
– Eu concordo – papai afirma. – Sabe, doutora, minha filha gosta dele. Acha que isso pode ter a ver com o que houve?
Dessa vez, a psicóloga hesita, abrindo a boca mais do que deveria, seguido de uma piscada lenta. Mas, ela volta para o estado profissional rápido, bem diferente de mim, que enterro as mãos no rosto.
– Eles estão se conhecendo ainda. Eu a orientei muito bem sobre relacionamentos amorosos, e chegamos num acordo, não é, Beth? – uma única sobrancelha se ergue.
Levanto a cabeça, ruborizada, e afasto o olhar dos olhos da minha mãe. Ao voltar para eles, ela o aperta com as sobrancelhas caindo. Fujo direto para as pupilas da doutora, que tenta sorrir sem mostrar os dentes.
– Acho que isso é um não – papai dá de ombros.
– Bem, vamos tentar abordar – a psicóloga retoma a palavra depois de arranhar a garganta, mas logo é cortada por um berro da minha mãe.
– Elizabeth! Me diz que você não está ficando com aquele garoto!
Papai segura o braço de sua esposa e pede calma, o que não resolve nada.
– Eu não estou – o tom de voz sai baixo, por mais que eu tente reforçá-lo.
– Senhora Roberts – a mulher mais uma emprega esforços para tomar o controle, porém a expressão aborrecida da minha mãe deixa claro que isso não será possível. – Por favor, é para o bem dela. Não se esqueça que ontem sua filha teve um pequeno... Incidente na escola.
– Tá bem – ela suspira devagar. – Elizabeth, apenas me diga a verdade, nós construímos nossa confiança com base nisso, nós tivemos uma boa conversa naquele dia. Estamos aqui por você, filha – as mãos vão para a frente do rosto durante a pausa, mostrando com um gesto que é tudo muito simples. – Você já se relacionou com Ben?
Olho para o meu velho, que sorri e confirma com um aceno amigável. Bem, se até ele acha que posso me abrir, deve estar certo.
– A verdade é que nós somos namorados há alguns dias.
Nesse momento, aprendo uma valiosa lição: que na vida, existem pessoas que estão diante de nós, participando de forma pacífica de nosso cotidiano, que podem ser nossos maiores perigos, um inimigo invisível. Reitero isso mentalmente enquanto me afasto às pressas para o canto da sala, e a psicóloga e meu pai pulam na frente da minha mãe que avança com ferocidade em minha direção, mais parecendo um dragão cuspindo fogo. Os seus braços e pernas tentam passar a barreira humana, ao mesmo tempo em que desfere ofensas e ameaças que nunca ouvi de sua boca, na verdade, não conheço metade dessas palavras dirigidas a mim.
Minha única reação é pedir desculpas religiosamente e prometer que nunca fizemos nada indevido. Mesmo assim, a cena continua.
A minha vida acabou!
***
Após o longo e exaustivo ensaio, tudo que me vem à mente é o jantar do meu namorado em minha casa. Pela primeira vez, vamos recebê-lo e isso me deixa muito nervosa: não somos ricos. A lavadora de pratos não funciona direito, o piso já não está tão bem conservado, mesmo tratando corretamente a madeira e para piorar, descobrimos uma infiltração recente. Ao menos a minha mãe acalmou os ânimos, depois de muita conversa, e uma hora não programada com a psicóloga. No fim das contas, a terapia serviu mais para a mamãe do que para mim. "Se eu descobrir qualquer indecência, por menor que seja, já era!", ela avisou, com a testa enrugada.
A psicóloga é quem acabou com mais problemas, um hematoma muito visível no braço, fruto do desentendimento que houve quando revelei a verdade. Ela disse que serão necessárias mais algumas sessões, das quais não estou disposta a comparecer, mesmo sabendo que não tenho escolha. Para ser sincera, julgando pela sua expressão derrotada, a doutora também não aparenta querer conduzir a sessão por causa da minha mãe. Falando de mim, acredito que uma boa terapia ajude, mas acho também que deveria ter feito antes, não agora, quando até os menores detalhes me machucam. De qualquer forma, penso que parte do que me foi dito é verdade: não há nada que eu poderia ter feito. E bem, completando seu pensamento com informações que a doutora não sabe, se eu tivesse entrado naquela quarto, talvez teríamos duas vítimas de estupro, ou quem sabe duas de espancamento. Concluir assim alivia um pouco a carga de culpa. Não muito.
Caminho devagar pelo gramado, a maior parte das garotas já se foram, e eu sempre fico por último para levar nossos equipamentos embora, como o rádio. Guardo tudo na sala, troco de roupa no vestiário e saio. Pego o celular, vagueando pelos corredores com o olho na tela, relendo torpedos do meu namorado, ele é tão fofinho. Todos os dias ao acordar, me deparo com uma boa mensagem de bom dia. Não é nada mecânico ou pesquisado, Ben realmente pensa e as escreve para mim. "Minha mãe sempre diz que o luar de uma noite azul é um sinal de boa sorte. Sei que não preciso de sorte, porque você é o meu luar de noite azul, Beth. Você é a minha sorte" foi a de hoje.
Fiquei tão emocionada que peguei a minha carta em mãos e guardei na mochila, decidida a entregá-la, porém, mais uma vez, falhei. Quando nos encontramos mais cedo, e vi o quanto estamos felizes apenas por estarmos um com o outro, desisti. Não poderia quebrar esse glorioso pedaço da minha vida miserável. A única coisa que realmente me faz sorrir. Fui egoísta de novo, e neguei a verdade para quem sempre a entregou de bandeja para mim. Aperto o celular no peito, desejando que Ben me perdoe algum dia. Um aroma invade as minhas narinas, é o perfume do meu namorado, que está impregnado no moletom que uso. O moletom dele.
A minha distração com os próprios pensamentos acabam por me deixar longe demais da realidade agitada à minha volta, e como consequência, esbarro forte em uma pessoa, que imediatamente solta um gemido aflito. Quando levanto o olhar, dou de cara com a pior pessoa possível: Ana. E para piorar a situação, parece que minha trombada a fez derramar o café na roupa.
– Olha o que você fez, sua imbecil! – a garota se afasta com as mãos longe da pequena parte da blusa que foi atingida.
– Me desculpa! Foi sem querer, eu juro – coço a cabeça..
– Não é você que tá coberta de café! Salpicada idiota! – fala o mais alto que consegue, o que chama a atenção das pessoas ao redor.
Ela definitivamente não está coberta de café, apenas a área de um palmo na região do busto.
– Não foi tão ruim assim, posso te ajudar a limpar – falo com calma, mesmo com o coração acelerando mais que o normal no peito. Tudo piora quando vejo uma veia crescer no seu braço.
– Não é ruim? – o olhar fica mais agressivo.
– Eu disse que não é TÃO ruim – corrijo.
– Tá me zoando? – as suas sobrancelhas caem rapidamente para perto dos olhos.
– Por que eu faria isso? Não quero problemas.
A garota bufa, e atira a tampa no chão. Em seguida, Ana lança o restante do líquido no copo no meu peito, que espirra e sobe para o pescoço. Eu recuo com as mãos no alto, e a boca exageradamente aberta. O café quente toca a minha pele, que queima na mesma hora, sou rápida em tirá-lo de mim.
– Estamos quites agora – Ana ainda joga o copo bem na minha cara, o que tira o espanto da boca de boa parte das pessoas ao redor. A menina dá as costas e sai devagar.
– Você tá bem? – alguém pergunta, mas não respondo, por estar focada demais em processar o que houve.
Alguns riem, outros contestam o humor, mas ninguém me ajuda de verdade. Ao invés de sentir vergonha ou tristeza, tenho uma enorme vontade de me vingar. Isso tem que acabar. O meu sangue esquenta ainda mais que a bebida. Mesmo com essa garota no meu encalço, tenho que fazer alguma coisa. Ana manchou o moletom que ganhei (me apropriei ) de Ben. Ao mesmo tempo que entendo que devo me preservar, penso que talvez Sarah tenha razão: tenho que aprender a me defender sozinha. Desde que entrei para a torcida, venho sofrendo ataques dessas garotas, sejam verbais, físicos, ou psicológicos. Tudo que preciso fazer é desferir um golpe tão forte na moral delas que a escola ficará do meu lado, e assim, estarei livre.
– Ana! – grito. A menina para e desvia sua atenção para mim.
– O que você quer? – a rispidez toma conta da sua voz.
– Te avisar. Se mexer comigo de novo, vai se arrepender – ameaço.
Ela olha para os lados rindo, incrédula.
– Eu vou me arrepender? – repete, olhando em meus olhos e voltando para perto. – Se não sumir daqui agora, você vai se arrepender.
– E se você não calar a boca, revelo seu segredo – falo mais alto de propósito.
Nesse momento, a brutamonte desvia o olhar abruptamente. As pessoas param de rir, agora, todo o corredor é uma grande interrogação em forma de balbucios. Ana agarra minha blusa pelo colarinho e me fita com o olhar mergulhado em fúria.
– Conte, e você vai conhecer meu pior lado. E não importa se Helena vai aparecer aqui ou não. Juro que não vou parar até te ver no chão.
Ela solta minha roupa com violência, me empurrando e dando as costas, indo embora de fato.
Mesmo tremendo de medo, mantenho a postura. Olho as pessoas em volta, as que conhecem Ana parecem me admirar pela coragem, outros lançam perguntas no ar, sobre qual é o tal segredo. Ver a hesitação em alguém que tanto quer me prejudicar é impagável. Está na hora de revidar.
– O que aconteceu aqui? – uma voz familiar soa atrás de mim. Olho para a garota de cabelos escuros. Helena observa minha roupa impregnada com café e entende tudo. – Vocês não têm o que fazer, não? Saiam – lança olhares para os alunos, que não demoram muito tempo para voltar a viver suas vidas. – Foi Ana, não foi? Reconheço esse copo – aponta com o queixo para o objeto no chão.
Confirmo com a cabeça, e ela me acompanha até o banheiro.
– Ela vai me pagar – digo, entre dentes.
– Tá brincando, né?
– Não. Dessa vez, vou mostrar do que sou capaz – retiro o moletom sujo e encaro a mancha nele. Não parece que será fácil de retirar.
– Ah é? E o que vai fazer? Bater nela?
– Eu não vou bater em ninguém – limpo com água da pia o que sobrou da bebida na minha pele.
– E então?
– Vou revelar o segredo dela.
– Você é louca? – a menina entra na minha frente e me fita com seriedade. – Se fizer isso, não tem mais nada pra chantageá-la. Ou seja, vai poder acabar com você.
– Eu não ligo – minto. – Cansei delas. Foram dois longos anos de chateação. Até você mudou, elas têm que aprender.
– Não pode estar falando sério. Cadê a Beth medrosa?
– Eu preciso revidar, ou isso nunca vai parar.
– Você tá proibida de falar a respeito do segredo com qualquer pessoa – a garota fecha a cara.
– Se fosse antes, eu tremeria de medo, mas sei que não vai fazer nada agora – meneio a cabeça.
Para a minha surpresa, Helena me empurra contra a parede e me segura com força pelo ombro. O baque é forte, e me deixa sem reação. Os olhos esbugalham.
– Acha que não? – ela usa a mão livre para levantar meu queixo. – Posso acabar com você aqui e agora.
– Por que tá fazendo isso? – as batidas no peito ficam mais fortes. – Me solta, por favor!
– Para de ser idiota! Não vou deixar que se envolva nessa merda por algo tão banal! – ela aponta o dedo para mim. – Você vai esquecer do segredo de Ana e vai fazer o possível para evitá-la, como sempre fez.
– Eu... – suspiro forte. – Não posso. Mas não se preocupe, não estou pedindo sua proteção.
– Teimosa! Estúpida! Idiota! – ofende, sacudindo o meu corpo com fúria, enquanto me pressiona ainda mais contra a parede. Tento me libertar, mas é inútil, ela é mais alta, e mais forte.
Ao estudar seu olhar, noto uma coisa incomum na minha ex-inimiga: uma lágrima escorrendo. No meio do silêncio, nossos olhos trocam informações quase imperceptíveis. Levo algum tempo para traduzir as suas feições, a raiva, o temor, a preocupação, estão todas ali.
– Elas vão acabar com você se fizer isso! Me escuta! Vão te bater! Elas não são garotas normais, são piores que os meninos! Vão te prejudicar de todas as formas possíveis! – faz uma pausa para fungar. – Fica no seu lugar, não vai – suas últimas sentenças saem implorosos. – Não deixe que elas manchem você com a violência, assim como aconteceu com a Tara, e o Ben.
Os meus olhos se enchem de lágrimas, porém, são diferentes das dela, são de alegria. Satisfação. Helena parece querer seguir o mesmo propósito que eu. Honrar os inocentes.
– É muito fofo da sua parte querer me proteger, isso mostra o quanto mudou. Você diz que eu pareço com a Tara, mas na verdade.... – paro um segundo para sorrir e encará-la na janela da almas, dentro dos olhos – Quem parece com ela agora é você – limpo o líquido salgado da bochecha dela com o polegar e a abraço forte.
– Eu não mudei nada, Beth – confessa, entre arfadas. – Desde o suicídio dela, nada mudou.
– Olhe para as estrelas, Helena – a garota solta um gemido triste no exato momento, e me abraça de volta, os cabelos roçando no meu rosto.
E é assim que permanecemos, abraçadas, unidas. Talvez eu deva realmente recuar, não vale a pena.
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