Doce Redenção
O som de pessoas conversando no nosso quintal é o que traz de volta a minha agitação, isso significa que tenho que correr para terminar de fazer os preparativos para a minha festa de quinze anos, até que enfim! Estou tão animada que ontem quase não consegui dormir, é também a minha primeira festa de aniversário, não sei como a minha mãe permitiu, já que sempre odiou festas.
Achei que não teria como fazer uma comemoração, graças à nevasca inesperada. Porém, parece que o universo foi bondoso comigo, mandando-a embora alguns dias antes.
Convidei praticamente todos os alunos que tenho ou tive alguma boa convivência, por menor que seja, com exceção de Jerry e sua turma, não que ele vá sentir falta, afinal está sempre com seus amigos irritantes para onde quer que vá. E para piorar, Helena e ele parece estar se entendendo, os dois vêm tendo encontros regulares pelos corredores, e trocam sorrisos e piscadas. Falando na peste, fui obrigada a chamá-la para minha festa também, porque enquanto entregava os convites para algumas das líderes, ela apareceu com suas seguidoras, querendo saber do que se tratava.
– É para a minha festa de aniversário – expliquei, evitando ao máximo olhar em seus olhos delineados.
A garota pegou um papel da minha mão e leu.
– Não vai nos convidar? – cruzou os braços, franzindo a testa.
Os olhares de Ana, Alisson e Diana atrás dela me informavam que não tinha escolha.
– Claro – entreguei para elas os convites.
As meninas criaram um clima silencioso e misterioso, só para que eu ficasse acuada. Quando atingi esse estado, elas rapidamente perderam o ar sério, dando lugar a muitas gargalhadas forçadas, apenas para chamar a atenção dos alunos que estavam passando pelo corredor, intensificando assim a minha humilhação.
Helena acariciou meus cabelos e terminou fazendo um carinho no meu queixo, o que me deixou em alerta, toda vez que a jararaca começa a me tocar, é porque vai ser sincera, ou me ameaçar.
– Achou mesmo que a gente ia ir na sua festinha ridícula? Ai, Beth, como você é inocente – meneou a cabeça, com um sorriso desdenhoso para mim.
Suspirei, aliviada, pior seria se ela realmente fosse.
– Eu sou assim – ergui as mãos, mostrando que estavam certas, mesmo que quisesse me impor.
– Nós só vamos em festas de classe, não numa porcaria qualquer – Diana continuou, colocando a mão na boca para segurar seu riso.
– A gente não curte pobreza – Alisson completou, apoiando-se no ombro de Ana, rindo.
Apertei os papéis na mão, injuriada, pensando em jogar fora os convites e desistir da festa. Foi nesse momento que me lembrei do quanto meu pai ficou feliz ao me ver com o vestido que escolhi para dançarmos, e pensando em como nós dedicamos em ensaios para que o ápice desse dia seja nossa dança. Percebi o quanto seria ingrata se voltasse atrás.
"Sei que meus pais não são ricos que nem os da maioria aqui, mas fizeram com todo carinho para mim", pensei.
Então, apenas virei as costas e fui embora, amuada.
– Pronta pra hoje? – Laura rompe o silêncio, me encarando do batente da porta do meu quarto, o que me faz esquecer a cena desagradável e voltar ao presente.
– Sim, eu só acho que as pessoas não vão querer vir na minha festa.
– Ao menos quem gosta de você deve vir – gesticula, enquanto se aproxima.
– Então eu acho que as pessoas não vão querer vir na minha festa – repito.
– Vamos lá pra fora – muda de assunto, me guiando para sair do quarto e ir até o andar debaixo. – Nossos vizinhos já estão lá atrás, e a Sarah também, Sam parece que não vai aparecer, ainda tá daquele jeito com a notícia. Então, só falta aquele chato – revira os olhos.
– Não fala assim do Ben – repreendo-a, ao mesmo tempo em que tenho um flash de memória de como fiquei contente quando soube que viria.
– Falando nisso... – deixa os ombros relaxarem, e vira de frente para mim. – Você sabe que eu não gosto muito dele, MAS – fala mais devagar no exato instante em que ia me pronunciar. – Já reparei que você tá caidinha por ele.
– De onde você tirou isso? – dou uma risada nasal, tentando buscar em seus olhos qualquer indício de que o que disse não passa de uma brincadeira, porém não encontro. – Laura! Eu não tô apaixonada por aquele garoto – balanço a cabeça enquanto gesticulou com a mão, mostrando que é óbvio.
– É mesmo? Então me fala qual foi a matéria de ontem na aula de matemática, ou melhor, me diz qualquer coisa que aconteceu na aula.
– Bom... Eu – esfrego a mão na testa, me esforçando para lembrar, mas não consigo.
– Não sabe, não é? Porque o Taylor tava do seu lado, e você ficou feito uma idiota olhando pra ele a aula toda! – dá ênfase na última palavra. – Olha pra você, Beth, desde quando usa tiara? Você quis usar porque ele disse que achava bonito.
Toco a parte de cima da minha cabeça, apenas para confirmar que realmente estou usando o acessório. Mesmo assim, acho que foi apenas uma coincidência, a tiara é parte do look que escolhi para a festa, combina muito bem com o vestido azul claro cheio de detalhes de renda e pedras, remete a uma princesa.
– O que quero te dizer – faz uma pausa, apoiando a mão amigavelmente no meu ombro. – É que, por mais que não goste dele, vou te apoiar e te ajudar com o que puder, como você e a Tara fizeram comigo, quando eu ainda gostava do Jerry.
Dentro de mim, uma série de sentimentos diferentes afloram, fico grata por saber do posicionamento da minha amiga com relação a minha suposta paixão. Ao mesmo tempo, estou envergonhada apenas por pensar que gosto dele, é absurdo, por isso, termino com a determinação se acendendo em meu peito, vou provar que sua visão está errada. Sorrio, dando uma boa encarada em seus olhos.
– Não se preocupe, vou te mostrar que está enganada ainda hoje.
Ela ri de volta, não acreditando na minha resposta.
– Tá bom – concorda com um aceno de cabeça. – Eu te conheço há muitos anos Beth, somos melhores amigas. Sei exatamente como isso vai terminar, você mesma vai juntar as peças e dizer "Ai meu Deus, a Laura tinha razão" – a loura tenta fazer uma imitação do meu olhar assustado, o que tira uma risada minha.
– Duvido muito. Você não sabe separar admiração de amor.
– Teimosa como sempre – ergue as sobrancelhas.
Saímos de casa e caminhamos até a parte de trás do quintal, que é onde ocorrerá a festa. A senhora Taylor soube, e quis patrocinar a comemoração, disse que poderia alugar um galpão ou mesmo ceder o espaço de sua enorme casa, ambos foram recusados pelo meu pai, pois ele, assim como eu, não queria algo tão exagerado, querendo realmente fazer com as próprias mãos, para que quando o momento da dança finalmente chegar, seja algo único! Marcante! Tô tão animada!
Quando tenho o vislumbre de como está o andamento da festa me encho de felicidade, alguns dos convidados estão acomodados em mesas de quatro ou dois lugares, outros conversam de pé, as crianças correm pra lá e pra cá enquanto a música toca. Papai está terminando de pendurar a faixa que me parabeniza pelos quinze anos, com a ajuda de Sarah, a única adolescente que não está usando o celular, ou papeando.
– A aniversariante chegou! – mamãe anuncia, colocando uma mão na bochecha para que sua voz saia mais alta, nunca a tinha visto assim.
Quando as pessoas me veem, logo param o que estão fazendo para me dar as felicitações. Elas formam uma fila, enquanto a minha mãe tira fotos com um grande sorriso estampado no rosto, por algum motivo, ela aparenta estar feliz de verdade, o oposto do que estava esperando.
– Feliz aniversário – uma das crianças corre, me abraça rápido e volta a correr novamente, visto que outras a perseguem numa brincadeira. Elas são fofas demais.
Tudo que consigo fazer em seguida é receber os abraços, presentes e elogios de praticamente todos os nossos vizinhos da rua com uma expressão alegre, o senhor Dickson faz questão de evidenciar o quanto estou encantadora, com isso, todos começarem a prestar mais atenção, e me deixa ainda mais acanhada. O velho aperta as minhas bochechas e volta para o seu lugar. Sempre gostei dele, é um homem muito gentil, lembro que quando era pequena, ele gostava de cultivar flores com sua falecida esposa, e quando eu passava por lá, os dois me ensinavam como cuidar delas.
Depois que todos os cumprimentos e revelações de presentes, fotos e piadas (sim, piadas) acabam, todos voltam a seus lugares, meu pai finalmente termina tudo. Achei que eu teria que ajudar em alguma coisa, mas não, eles arrumaram tudo de antemão. Laura vai até a mesa e pega os refrigerantes para servir, Sarah, depois de vir me parabenizar, vai ajudar a oferecer os salgadinhos.
Sinto uma mão pesada tocar meu cabelo, e fazer um carinho de uma maneira muito específica. Não preciso nem olhar para trás para saber que é papai, apenas me viro e o abraço.
– Feliz aniversário, docinho.
– Obrigada – respondo, mesmo sendo abafada pelo seu abraço. – Adorei a festa, e tudo que fizeram por mim.
– Não está esquecendo de nada? – desvencilha, olhando para mim, esperando que adivinhe.
– O quê?
– O bolo! – ele sorri. – Amy insistiu tanto em ajudar, que não consegui fazê-la mudar de ideia, então, encomendamos o bolo que você queria!
– Não acredito! – ignoro tudo que meus convidados vão pensar de mim para pular nos braços do meu velho, abraçando-o com tudo novamente, ele apenas acha graça, embora corresponda ao meu carinho.
No fim das contas, não importa se é um festão com todo o luxo ou não, são as pessoas que importam. Achei que alguém da escola viria, tirando Laura, Sarah e Ben. Mas pelo visto não.
Depois de sair de seus braços, noto que sua mão vai na coluna, provavelmente é devido ao serviço pesado que fez o dia todo. O sol está no seu máximo esplendor, embora algumas nuvens cinzas começam a surgir no céu, o que torna o clima muito agradável.
– Ah, eles chegaram – papai levanta o olhar, apontando com a mão para trás.
Quando me viro, dou de cara com Benjamin e o meu coração dispara. Ele veio mesmo! Será que estou feia nesse vestido? Ou será que estou parecendo infantil demais? Não, calma, é só um garoto, como qualquer outro, a diferença é que prezo muito por sua companhia.
Apenas ajeito a postura, juntando as mãos na frente do corpo.
– Feliz aniversário, Beth – ele diz, sem sorrir muito.
– Obrigada – respondo, tentando ser o mais neutra possível, mas, é como se o sorriso escapasse como um dilúvio de dentro da boca.
Amy entrega o enorme bolo vermelho e rosa enfeitado para um dos nossos vizinhos, que em conjunto com o papai, o colocam sobre a mesa. A mulher corre como uma adolescente pra me abraçar. Sinceramente é bem esquisito, considerando que não temos nenhum tipo de intimidade, mas aceito com muito prazer.
– Finalmente quinze aninhos! – diz. – Agora que a sua vida começa de verdade.
– Obrigada! Fico muito feliz que tenham vindo.
– Eu não perderia, consegui uma folga no trabalho, minha chefe me liberou – fala sarcasticamente, piscando para mim. – A propósito, nós trouxemos presentes pra você, tá no meu carro.
– Não precisava – tento ser modesta.
– São livros – Ben fala olhando para nós duas, como se tivesse nos julgando pelo vício. – Eu bem que tentei pensar em outra coisa, porém fui "convencido" a dar livros. – faz um gesto de aspas, acusando sua mãe de lhe forçar. – Sei que você gosta, mas achei que seria legal algo diferente
– Não poderia ser melhor, amo livros! Muito, muito obrigada!
– Tá vendo? Eu disse – ela fala com seu filho mais baixo, em seguida, sorri para mim. – Você vai adorar! Vou buscar e já volto.
Enquanto Amy se afasta, o garoto a acompanha com o olhar, meneando a cabeça para só depois voltar sua atenção para mim, o garoto me olha da cabeça aos pés. Engulo seco, ao imaginar o que deve estar pensando.
– Você tá muito bonita nesse vestido – seu elogio me faz perder a pose, fico desconcertada, e para preencher o vácuo, finjo estar alinhando a mecha solta. As borboletas no estômago surgem, juntamente com a vergonha.
A minha cabeça fica a mil, e se tiver algo errado? Meu cabelo pode estar atrapalhado, ou talvez tenha alguma sujeira no meu dente. E se os sapatos estiverem sujos?
Na tentativa de demonstrar firmeza, a única coisa que me vem à cabeça é dar um tapinha no seu ombro e dizer "valeu". Não é o tipo de coisa que eu faria, porém antes de pensar melhor a respeito, já fiz e para piorar, o tapa foi mais forte do que deveria. Pisco lentamente, arrependida, estraguei tudo.
Benjamin parece levar um susto, ele estreita rapidamente os olhos, e disfarça com um novo sorriso.
– Ok, então... Eu... Vou ajudar a organizar seus presentes – o garoto diz, dando alguns passos para trás.
– Claro, até amanhã – digo, levantando uma mão, o que não faz o menor sentido. Balanço a cabeça. – Desculpa.
Até amanhã, Beth? Ok, fiquei sem jeito porque não estava esperando um elogio, mas tá tudo bem, dá tempo de recuperar a postura, tenho o dia inteiro.
Quando olho ao redor, vejo Sarah e Laura sorrindo maliciosamente para mim, ambas cochicham sem parar. O meu coração teme só de imaginar o que devem estar segredando.
A menina de cabelos cacheados é ousada o suficiente para ir até o Taylor, e cumprimentá-lo de uma forma tão exagerada que até a sua mãe percebe que tem algo estranho.
Após alguns minutos repensando minha cena de vergonha alheia e de muita insistência interna, finalmente consigo voltar ao normal. O céu já está um pouco mais escuro, o sol é ofuscado pelas nuvens cinzas, só espero que não chova.
Vou até os convidados, converso com alguns dos nossos vizinhos, eles relembram situações engraçadas de quando eu era criança, como por exemplo na vez que acreditei que poderia voar sobre uma vassoura, e passei o dia inteiro correndo na rua com o objeto, acreditando piamente que em algum momento levantaria voo. Depois de estar exausta e cair na real, lembro que me enfureci tanto com o fato de o livro que li ser apenas isso que arremessei a vassoura para uma direção aleatória e escutei um "ai". Foi assim que conheci minha melhor amiga.
Papai se diverte, conversando com o casal do fim da rua, ele tenta recriar, com um taco invisível de golf, o que sempre chama de "melhor jogada da sua vida". Quando faz o movimento, quase dá para escutar sua coluna ranger, e junto a isso, um gemido. As pessoas o advertem, pedindo para tomar mais cuidado.
Mamãe pausa a música e bate uma colher em seu copo, chamando a atenção de todos.
O que ela vai dizer? Eu espero mesmo que não seja para fazer algum discurso a meu respeito. Não me preparei para isso. O momento que mais anseio é pela dança com meu pai, nós até mesmo ensaiamos algumas vezes. É a minha chance de brilhar para todos aqui, e mostrar o quanto sou boa nisso.
– Um minuto de atenção por favor – ela vai fazer o discurso, bato a mão na testa, e vou aos poucos me afastando.
Olho novamente para as pessoas, vejo que Sarah ainda conversa com Benjamin, os dois falam baixo, mas constantes. Uma sensação nova aflora dentro de mim, principalmente na hora em que o vejo sorrir por algo que a menina diz. Não é ciúme, é inveja mesmo, Sarah parece conseguir entretê-lo melhor. Ao mesmo tempo, observo a senhora Taylor manifestar o ciúme bobo que o garoto tanto reclama, Amy o encara de longe com uma expressão remoída, que deixa claro que está incomodada. Pelo olhar que seu filho lança de volta, ele sabe que a está incomodando, por isso continua.
É estranho demais pensar que existe um tipo de relação assim entre mãe e filho, eles são tão unidos, sentem ciúme um do outro e falam no mesmo tom, de igual para igual. Acho bonito, admirável.
– Elizabeth? – a voz da minha mãe me tira de meus pensamentos. – Tô te chamando pra vir dançar com seu pai.
Olho ao redor, todos estão esperando que eu vá até meu velho no centro.
Suspiro, e arrumo a mecha caída no rosto, colocando-a novamente atrás da orelha. É agora, o momento da minha vida!
Vou até meu par da forma mais graciosa que consigo, damos as mãos de frente um para o outro, a música romântica começa, iniciamos o ritual a passos lentos. É tudo muito bonito, porém quando continuamos, ele tenta fingir que está bem, mas logo se rende, colocando a mão nas costas, e pedindo pausa.
– Eu acho que... Não vou conseguir – lamenta, ainda com a mão no lombar, sua expressão está tão horrível que sei que não será possível continuar.
Mamãe pausa a música, relutante e vai até nós, ela tenta pensar em alguma coisa para me dizer enquanto meu pai me abandona no que poderia ser um momento histórico. Pela primeira vez, a sua postura austera sai, para dar lugar ao instinto materno protetor, seus braços me envolvem. Papai se afasta ainda mais aos poucos, pedindo desculpas para os convidados e dizendo que vai para casa tomar um bom antiinflamatório para a coluna.
– Filha... – levanta meu queixo com dois dedos carinhosamente, depois do abraço. – Seu pai se esforçou muito pra arrumar tudo pra você, tá trabalhando na decoração desde cedo, por isso ele tá com essa dor. Mas se você quiser eu posso...
– Não, tá tudo bem – interrompo, abaixando a cabeça.
– Sinto muito – diz. – Se tiver alguma coisa que eu puder fazer.
– Não precisa – dou um sorriso que demonstra mais a minha maturidade em entender a situação do que meus sentimentos. – Vamos continuar a festa. Ainda tem o bolo pra partir.
Mamãe me encara com orgulho, ela concorda rápido com a cabeça e aperta a faz um rápido carinho na minha bochecha.
As pessoas ao meu redor tentam me animar, dizendo que mesmo assim a festa está ótima, e que mesmo sem a dança, será inesquecível. Agradeço cordialmente por fora, mas por dentro, estou chateada. É lógico que não estou culpando meu pai por isso, ele não escolheu sentir dor.
A festa continua, todos comem, bebem, conversam, tiram fotos e dançam. Depois de algumas horas meu pai volta, me pedindo perdão, nesse momento, já estou menos triste, e digo a ele da melhor forma possível que adorei todo o seu esforço, e que tá tudo bem, embora não esteja.
No final do dia, praticamente já foram embora, eu me sento numa das cadeiras, segundos depois da minha melhor amiga se despedir de mim. Mamãe termina de recolher o lixo e volta para casa, me permitindo ficar ali "até a hora que quiser", de acordo com ela própria.
Mesmo no frio da noite, permaneço estática, com os braços apoiados nos joelhos e com a cabeça baixa. Fico imaginando como seria dançar com meu pai nesse dia tão especial, e único. Claro, a festa foi ótima, me diverti muito, porém não consigo evitar de pensar nessas coisas, nos preparamos muito para isso.
– Chateada? – uma voz masculina que a princípio não reconheço fala, quebrando o clima calmo que a música You're Still The One tocando na caixa de som cria.
Ergo os olhos, surpresa, achei que todos já tinham ido embora.
– Ben? – pisco algumas vezes, e sorrio sem animação. – Não, eu só tava pensando em algumas coisas. Achei que todos já tinham ido.
– Bom, já foram sim, até a minha mãe já foi – dá de ombros. – Percebi que ficou triste, por causa do seu pai e da dança.
Desvio o olhar, sem saber ao certo o que dizer. Fico feliz de hoje ter finalmente esclarecido minha dúvida a seu respeito, estava tão focada no meu desejo não realizado que quase não prestei atenção nele, isso só pode significar que não estou apaixonada. Vê-lo como amigo me encoraja a desabafar sobre meu incômodo.
– Tenho que admitir, fiquei mesmo. É que você não tem noção do quanto eu tava esperando por aquele momento. Mas, fazer o quê, não tinha como prever que isso aconteceria.
– Eu entendo – o garoto ao meu lado diz. – Mas foi legal, foi uma festa incrível!
– Obrigada – me ajeito na cadeira. Olhar para seus olhos escuros e sua expressão alegre me faz perceber que posso dizer o que quiser, e terei a devida atenção. – Foi muito legal mesmo, embora do jeito que eu queria.
– É aquela coisa de recriar cenas de livros que a Sarah me falou?
– Ela disse isso? – arregalo os olhos, boquiaberta.
Por que você tá fazendo isso, Sarah!??
– Disse, e eu achei muito... Curioso.
– É ridículo, eu sei – suspiro, sabendo que não há nada que possa fazer para desmentir isso. Com certeza ele deve me achar uma besta.
– Não é ridículo, Beth – Ben contesta, olhando para cima, sinto no exato instante algumas gotas tão finas quanto agulhas de água me atingirem. – Acho que não tem problema aspirar por coisas melhores. Uma mente otimista sempre abre portas, Amy vive dizendo isso.
– Não consigo pensar assim, agora não – meu corpo arrepia com a chuva fria que acaba de chegar. – Ainda mais com essa porcaria de chuva, não melhora em nada as coisas – confesso.
– Bem... – faz uma pausa. – Pelo menos me conta como seria essa cena de livro.
– Nem pensar! É bobo demais! – nego com a cabeça.
– Você me deve um segredo, lembra? Isso não é exatamente um, mas vale. Então vamos lá, talvez te faça se sentir melhor. Juro que não vou contar pra ninguém.
Mesmo com receio, penso que agora é a minha oportunidade de dizer algo pessoal para ele, e quem sabe assim possamos deixar de ser apenas conhecidos para nos tornar amigos. Eu o conheço de verdade, e sei que não vai zombar de mim.
– Acho que seria com uma boa música de fundo, todos estariam perplexos olhando para nós no centro de um belo salão de festas, e enquanto eu dançava, as pessoas finalmente me reconheceriam, algo assim – quando olho para seu rosto, o garoto está rindo, mas não porque está debochando, ele apenas achou divertido. Rio também. – Tá vendo? Eu sonhei alto demais, isso tá parecendo A Bela e a Fera, parando pra pensar.
– Eu não vejo problema algum nisso – Benjamin limpa a testa úmida antes de continuar. – Só acho que você poderia ter recriado suas cenas com o que tem.
– Eu só tenho a música chiando nessa caixa, e essa droga de chuva fina.
– Bem, então – ele se levanta, e estende a mão para mim, me fazendo congelar. – Que tal fazer algo novo? Eu chamaria de... Vamos ver... Dança na chuva. Acho que daria uma boa cena de livro.
Nessa hora, o meu coração fica desesperado, não sei como acalmá-lo. Tudo volta à tona, a sensação no peito, que começa como um aperto, e depois desce para o estômago.
– Isso é loucura – tento recusar, com um falso desdém.
– Beth, você tem sido muito boa pra mim, mesmo com tudo que aconteceu, sobre a briga. Me deixa retribuir, por favor.
Olho mais uma vez para o garoto, o seu sorriso é tão radiante, tão sincero que não consigo evitar, guardo todo receio, todos os pensamentos, e me foco apenas nesse momento. Cedo, me levanto com sua ajuda.
– Posso? – pergunta, com a mão perto da minha cintura.
Faço que sim com a cabeça, sem conseguir conter a felicidade na boca, nós nos aproximamos um do outro, sua mão fica apoiada em uma parte das minhas costelas que me incomoda por não ser a maneira correta, ele claramente não sabe dançar, mas está disposto a fazer isso comigo, por mim.
– Tudo bem? – sua respiração quente se choca com a minha, evaporando rapidamente.
– Está sim, estou ótima agora.
Tomo coragem para colocar meus braços sobre os seus ombros e levantar os olhos, ao fazer isso, enxergo o brilho dos dele, eles estão fixos em mim, sérios, talvez encantados. O cabelo está todo úmido, deixando os fios mais unidos uns nos outros, dando um tom intenso, o que para mim os torna ainda mais lindos.
As gotas d' água caem entre nós, estamos começando a ficar encharcados, mas agora não me atrapalha, pelo contrário, é o que transforma tudo, pois posso ter o vislumbre mais perfeito que faz seu rosto parecer um pintura, é o efeito que a chuva cria, em conjunto com a luz da lua. Me entrego totalmente a esse momento. Ao fundo, escuto Shania Twain cantar o refrão de sua música, é perfeito.
Não me lembro de ler alguma dança romântica na chuva como essa, no quintal da casa da mocinha, depois dela estar decepcionada de não conseguir tirar seu amado pai para dançar no seu aniversário. Mesmo assim, sei que viver isso é tão bom quanto ler, na verdade é súpero, e pensar assim potencializa minhas sensações, finalmente consegui uma bela cena para me recordar. A melhor parte é que tudo é natural, não tem roteiro, nada de palavras e folhas, é real.
Nós giramos devagar, para lá e para cá, sinto minhas mãos suarem com o nervosismo de estar dançando romanticamente com Benjamin Taylor! Sou ousada, e pela primeira vez, toco seus cabelos, aproveitando que as mãos estão próximas. Eles são macios e firmes ao mesmo tempo, chega a dar inveja. Seu cheiro natural é tão gostoso que tenho vontade de abraçá-lo, quero poder fazer mais do que simplesmente deslizar as mãos em seus ombros e admirar seu rosto. Quero beijá-lo.
Esbugalho os olhos.
– Ai meu Deus, a Laura tinha razão.
– Sobre o quê?
– Nada – desvio o olhar, com as bochechas corando.
Não tem como mais evitar, o meu coração palpita, as borboletas no estômago estão a todo vapor, e toda vez que estou perto dele paro de pensar em mim, apenas para me dedicar a observá-lo, ou mesmo dizer ou fazer algo que possa agradá-lo.
Dentro de mim, me sinto encurralada, não tenho mais argumentos para explicar meus sentimentos que não o amor, nunca fui o tipo de garota que cede fácil, ou mesmo se deixa enganar pelo que os homens dizem. Muito pelo contrário, graças à educação preventiva que recebi de minha mãe, sempre soube identificar e afastar caras que têm segundas intenções, ou que são pura e simplesmente babacas.
Mas o Taylor, ele é diferente de qualquer um, não dá para ignorar, tudo nele me chama a atenção, e por mais que eu tente me afastar, me sinto atraída. É a minha redenção, doce redenção.
– Ben?
– Sim?
Respiro fundo, para tentar de alguma forma absorver coragem do ar antes de falar.
– Você foi o melhor presente que recebi hoje – confesso, acanhada.
A sua reação é bem melhor do que eu esperava, ele é quem fica sem jeito, o garoto apenas me devolve um sorriso desajeitado, sem saber o dizer, e isso me encoraja ainda mais. Estou impressionada, quer dizer que eu posso elogiá-lo sem grandes preocupações.
Enquanto fazemos os passos, abaixo os braços para envolvê-lo em um abraço firme, enterrando a lateral da minha cabeça no seu peito.
Estar com o corpo colado no dele me faz bem, sinto que estou nas nuvens, são sensações que nunca tinha experimentado na vida, fecho os olhos, apenas para me dar ao luxo de aproveitar tudo que tenho direito. É o máximo! Mesmo com o coração a mil, estou ótima.
– Eu amo você, Benjamin Taylor – sussurro entre sorrisos, baixo o suficiente para que só eu escute.
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