25-Medo.
Samantha .
Depois do acampamento, me despedi de Paloma e voltei para casa. Já fazia duas semanas que eu estava com a minha namorada . Cumprimentei Diego e a namorada dele, fui direto para o meu quarto e dormi.
Tive um pesadelo. Meus pais descobriram que estou namorando Paloma e fizeram de tudo para estragar nosso relacionamento. O que mais me dói é saber que isso realmente pode acontecer. O preconceito deles me enoja, e a ideia de que eles estarão de volta de viagem em breve me deixa com náuseas. Vou precisar contar a verdade.
Paloma não merece isso. Eu não mereço a Paloma. Mas sei que esconder o nosso namoro dos meus pais não será uma boa ideia. Preciso enfrentá-los. Não posso deixar que me manipulem mais. Eles sempre disseram que ser bissexual é errado, que eu preciso gostar de apenas um gênero. Por muito tempo, tentei me reprimir, fingindo gostar apenas de garotos, mas, toda vez que eu olhava para uma garota, sentia a mesma atração.
Saio dos meus pensamentos, faço minha higiene matinal e decido parar de pensar nisso por enquanto.
— Bom dia, irmãzinha! — diz Diego.
— Oi, maninho. — Respondo.
— Deixei seu café na mesa! — Diego fala antes de sair.
Depois de me arrumar e tomar o café, mando uma mensagem para minha namorada: "Bom dia, amor! Te espero na escola."
— Oi, gente! — cumprimento todos, dando um beijo em Paloma.
— Oi! — todos respondem quase em coro.
— Vocês estão sabendo da festa de Halloween que o Patrick vai dar? — Isa pergunta.
— Fui só eu que esqueci? — Gustavo solta uma risada.
— Não! — todos respondemos juntos.
— Já sabem que fantasia vão usar? — Mencia pergunta, curiosa.
— Eu e Sarah vamos de policial e ladrão — diz Isa.
— Eu e Samantha vamos de Tiffany e Chucky — diz Paloma, animada.
— Eu e Gustavo vamos de coelha e mágico — diz Geo.
— Eu e Mencia vamos de anjo bonzinho e anjo da morte — completa Beka.
— Uau! Todo mundo vai arrasar! — Mencia comenta sorrindo.
O alarme toca e todos nos despedimos, indo para a sala de aula. Eu e Paloma nos sentamos juntas. A professora entra, nos cumprimenta e começa a escrever a tarefa no quadro. Enquanto copiamos, conversamos baixinho.
— Amor, como já está chegando o dia de completarmos quatro meses de namoro, você quer ir a algum lugar especial? — Paloma pergunta, curiosa.
— Nem acredito que passou tão rápido! Não precisa se preocupar com isso, amor. Qualquer coisa envolvendo você será perfeito para mim. — Respondo, sorrindo ao vê-la feliz.
— Você é tão perfeita, meu amor. — Ela fala, encostando no meu ombro.
— Somos perfeitas, gatinha! — Respondo, piscando para ela.
Mal sabe Paloma que estou planejando levá-la a Los Angeles para visitar a "Murder House", a casa assombrada de American Horror Story. Ela ama essa série e já assistimos juntas várias vezes. Esse será meu presente para celebrarmos os nossos quatro meses.
Apesar do caos que minha família projeta na minha mente, estar com Paloma alivia todos os pensamentos ruins. Gosto mais de mim quando estou com ela. Quero ser a melhor versão de mim mesma para ela e resolver os meus problemas internos para que possamos viver plenamente.
O sinal do intervalo toca.
Optamos por ficar conversando com as meninas.
— Cadê a Geo e o Gustavo? — Paloma pergunta, curiosa.
— Não sei, mulher. — Mencia responde.
— Ansiosas para as aulas acabarem? — Beka pergunta.
— Ah, até que sim! — Respondo, animada.
— Gosto disso porque vou ter mais tempo para conhecer melhor a Sarah, já que estudamos em escolas diferentes. Sempre aproveito para viajar ou meus pais vêm me visitar. — Isa comenta.
— Vocês têm uma relação boa com os pais de vocês? — Beka pergunta, curiosa.
— Tenho só com a minha mãe, porque meu pai faleceu antes de eu conhecê-lo — diz Paloma.
Seguro a mão dela e lanço um sorriso compreensivo. Sei o quanto isso ainda é difícil para ela, mesmo depois de muita terapia. Troco de assunto para aliviar o clima.
— Eu realmente não ligo para o fato de meus pais estarem sempre viajando. Já me acostumei com a ausência deles e nem mantemos tanto contato. — Comento, dando de ombros.
— Nossos pais são separados e nossas mães nos criaram sozinhas — diz Mencia, apontando para ela e Beka.
— É, galera! Tropa dos pais ausentes! — Beka comenta, rindo e arrancando gargalhadas de todas nós.
O sinal toca novamente. Como não havia professor para a próxima aula, fomos liberadas mais cedo. Convidei Paloma para ir à minha casa, onde ficamos conversando e compartilhando algumas reflexões sobre nossos pais.
[..]
Depois de um tempo juntas, Paloma se desculpa:
— Amor, desculpa não ter falado mais sobre o meu pai. Não me sinto muito à vontade falando disso.
— Tá tudo bem, meu amor. Entendo que é um assunto delicado para você. — Respondo, tentando tranquilizá-la.
— Acho que assuntos delicados fortalecem o relacionamento. Como tenho muita confiança em você, quero compartilhar algumas coisas sobre mim e ouvir você também. Pode ser? — Ela pergunta.
— Claro, amor. — Confirmo.
— Às vezes, sou muito impulsiva, ciumenta, e tenho medo de sufocar as pessoas que amo com o meu afeto. Já fui trocada por outras pessoas várias vezes e, por causa disso, desenvolvi um medo de abandono. — Ela confessa, reflexiva.
— Somos muito parecidas em alguns aspectos. Além do que você mencionou, não consigo lidar bem com pressão. Meus pais sempre me cobraram para ser a filha perfeita, e isso fez com que eu reprimisse muitas emoções. Quando me sinto pressionada, acabo chorando por não conseguir me expressar direito. — Respondo, sentindo o peso das palavras.
Ela me abraça.
— Obrigada por compartilhar, amor.
— Obrigada por confiar em mim também. — Respondo, beijando-a.
— Duas pessoas traumatizadas tentando dar o melhor de si... Isso é a coisa mais linda. Mesmo quando estamos destruídas por dentro, tentamos mostrar o nosso melhor para quem amamos. — Penso.
Depois de uma conversa tão profunda, me sinto ainda mais segura com Paloma. Dormimos um pouco juntas, mas, eventualmente, ela precisa ir embora.
— Tchau, linda.
— Amor, você precisa mesmo ir agora?
— Sim, meu amor. Minha mãe pediu para eu resolver algo na empresa.
Nos despedimos com um beijo carinhoso. Apesar de não querer que ela fosse, entendi que era algo sério.
Após arrumar a cama e tomar um suco de maracujá, ouço um barulho de chaves na porta. Franzo a sobrancelha, achando que era Diego voltando mais cedo. Porém, ao sentir o cheiro doce e amadeirado de Chanel nº 5, meu corpo congela. Minha mãe está aqui.
Sinto meu coração disparar. Ela analisa a casa e, ao me ver, se aproxima com seu olhar crítico. Como sempre, age como ela mesma.
— Esta casa está uma sujeira. Você demitiu aquela senhora que trabalhava aqui? — Ela pergunta, passando a mão na mesa como se tivesse encontrado poeira.
— Não, mãe. A casa está limpa. — Respondo, tentando manter a calma.
Ela revira os olhos.
— Tá... Tá bom. Onde está o seu irmão?
— Está trabalhando, mãe.
— E na escola? A diretora não tem falado nada. Parece até que você virou um fantasma.
— Não tem nada para ela falar, porque eu estou ótima.
Mal termino de responder e percebo que ela entendeu como uma provocação.
— Olha, Samantha, estou farta de me preocupar com você e você ficar caçoando de mim.
— Eu não fiz isso, mãe.
Ela revira os olhos novamente.
— Seu pai veio comigo, mas preferiu ficar dormindo no quarto. Aquele sem noção. — Ela comenta com desdém. — Vamos dormir aqui hoje. Espero que não se incomode.
— Não será nenhum incômodo, mãe.
— Realmente. Afinal, fui eu que dei essa casa para vocês. Nada mais justo do que abrigar sua mãe, já que não quero ficar em um hotel caro.
Enquanto ela fala, sinto seus olhos curiosos pousarem na minha aliança. Ela segura minha mão para observar melhor a joia.
— Que linda! Quantos quilates?
— Vinte quilates.
— Uau! De que família esse garoto é? — Ela pergunta, animada.
Afasto minha mão rapidamente.
— Para com isso, mãe.
— Parar com o quê?
— Para de me invalidar.
— Do que você está falando?
— Você sabe que eu estou namorando uma mulher!
A expressão de animação desaparece do rosto dela.
— Achei que você tivesse superado essa história e escolhido o caminho certo.
— Eu sei que você contratou alguém para ficar de olho em mim e que te contaram que eu namoro uma mulher. Inclusive, estou muito feliz com ela.
— Samantha, pare de dizer asneiras.
— Por que é tão difícil para você me respeitar?
— Porque eu não posso deixar que você me envergonhe dessa maneira.
— Uau. Por que você voltou? Por que não ficou lá com o seu marido e continuou esquecendo que tem filh—Antes que eu terminasse, sinto meu rosto indo para o lado, seguido por uma ardência na bochecha.
"Porra, ela me deu um tapa."
Estou tão puta que, juro, assim que olho para ela, penso em revidar. Foi então que ouvi um grito:
— Chega, Samantha!
Ótimo, meu pai acordou do seu sono de princesa e já está me dando ordens.
— Você viu, Augusto? Ela já queria me bater! Samantha está descontrolada!
Minha mãe fala enquanto se aconchega nos braços dele, fingindo estar chateada.
— Vai já para o seu quarto, Samantha! É assim que você trata seus pais, que acabaram de chegar?
— Ela que começou! E eu não tenho mais 9 anos de idade!
Enquanto falo, noto o olhar dele: o olhar de decepção. Uau... Samantha tentou se dar bem e só ganhou ingratidão e decepção. Como já entendi o recado, apenas me retiro, bato a porta com força e me tranco.
A raiva e a tristeza avançam lentamente, como se meu corpo fosse entrar em chamas. A injustiça dói, a dor de não ser aceita dói, e a dor de nunca poder contar com meus pais dói mais ainda. Por que eu tenho que sentir tudo? Por que parece que sinto mais do que os outros? Por que me sinto tão culpada pelo que minha mãe disse?
Essas são as palavras que ecoam na minha cabeça enquanto estou sentada no chão, chorando como um bebê, balançando de um lado para o outro, com os braços apoiados nos joelhos. Minhas mãos tremem e sinto minha respiração falhar algumas vezes. Talvez até uma dor no peito.
Mas que dor seria maior do que saber que sua própria mãe te odeia pelo que você é ou se tornou?
Noto que há um espelho grande à minha esquerda. Minha cara está toda manchada com o rímel, e eu volto a chorar por causa disso. Eu choro por falar demais, mas também choro por não falar nada.
Talvez minha mãe esteja certa em algumas coisas. Eu sei que ela sente que sou uma decepção, e nisso ela está certa.
Falhei como irmã, porque toda vez que Diego me perguntava se eu estava bem com toda essa merda, eu sorria para ele e dizia para não se preocupar.
Falhei com a Paloma, porque não consegui assumi-la de uma forma mais importante: para os meus pais. Eu fugi desse problema apenas para ter uma boa qualidade de vida com ela.
Falhei com meus pais, porque não fui a filha que eles queriam e preferi seguir com o que me faz feliz.
E, no final de tudo, falhei comigo mesma. Pensei na felicidade de alguns e morri aos poucos por dentro.
Paloma me mostrou que o amor não dói. Mas ele não dói apenas quando estou com ela, porque amar meus pais dói muito. Foram eles que me fizeram acreditar que o amor doía.
Sempre tentei fazer tudo perfeito depois que me assumi, mas sei que, depois disso, passei de filha perfeita para a filha que só dá dor de cabeça. Eu sempre me cobrei demais para que minha sexualidade não virasse pauta na conversa.
Eles são cruéis. Eu tento agradar, mas erro uma vez e já é motivo de falatório.
A única coisa que sempre acontece no final é eu chorar no meu quarto e me sentir insuficiente. Tentar ser a filha perfeita dói, e dói pra caralho. Ainda assim, eu me sinto uma farsa.
Aparento estar sempre sorrindo na internet para esconder minha verdadeira realidade. Por mais que eu tente, sempre fico triste, porque nada me mata mais do que o desprezo dos meus pais.
Eu sei que não deveria me importar com isso, já que não fiz nada de errado.
Essa é a frase que ecoa na minha cabeça toda vez que uma lágrima insiste em cair.
Eu tento afastar esses pensamentos, mas eles sempre voltam. Talvez eles desapareçam quando eu estiver bem longe dos meus pais. Talvez não. Com certeza.
É tão estranho saber que, toda vez que pareço feliz, eles vêm e destroem minha felicidade.
Bom, espero ter sorte na próxima.
Tenho medo do que posso fazer quando fico com esses pensamentos. Tenho medo de não ser forte o suficiente. Será que vou aguentar tudo isso com o poder do amor?
Sou acordada com pequenas batidas na porta. Sinto um pouco de dor nas costas, porque eu estava tão esgotada que acabei dormindo no chão, e também sinto dor de cabeça por chorar demais. Eu odeio quando choro por esse motivo. Enquanto coloco a mão na minha cabeça, escuto meu irmão murmurando atrás da porta:
— Samantha. Abre a porta, por favor.
— Estou indo.
Antes que eu pudesse dizer alguma coisa, ficamos nos olhando por alguns segundos. Ele repara que minha aparência não está muito agradável e, instantaneamente, me puxa para um abraço longo e carinhoso.
Nos separamos do abraço, e meu coração parece se apertar um pouco, porque pude notar que ele tentou segurar uma lágrima. E faz carinho na minha bochecha enquanto retruca.
— Irmã, isso não é sua culpa.
— O quê?
— Não é sua culpa!!
— Eu sei, mas...
Antes que eu pudesse falar mais alguma coisa, ele me puxa para mais um abraço. Se eu não tivesse chorado tanto na noite anterior, com certeza choraria agora.
Nos separamos novamente do abraço, e ele fala novamente :
— Eu vou te abraçar e te dizer isso todas as vezes, se for necessário, para você conseguir compreender. Você não pode deixar que eles suguem sua energia. Você é muito forte, importante e especial.
Ele termina sua fala enquanto limpa o borrado do meu rímel.
— Muito obrigada, de verdade. E como foi a noite ontem?
Diego parece feliz com a mudança de assunto; ele sabe que eu não gosto de prolongar certas situações. E então, ele parece soltar um ar e me conduz para a sala para nos sentarmos no sofá.
— Achei que nossos pais não estavam em casa e trouxe minha namorada para dormir aqui, mas, quando cheguei, minha mãe começou a querer fazer palhaçada. Então, mesmo eu estando bastante envergonhado, tomei a decisão de que não seria bom ela dormir aqui. Pedi desculpas e levei-a para a casa dela. Depois que voltei, discuti com a minha mãe porque ela nem se deu ao trabalho de conhecer minha namorada. Só esperou ela ir embora para dizer que não gostou dela e que ela era magra demais.
Eu estou incrédula com tudo que eu estou ouvindo, e vejo que tem mais coisas porque o Diego parece gesticular as mãos um pouco furioso. Só por lembrar da cena.
Ele suspira e continua:
— Tipo, eu e ela nem passamos da porta direito, e a nossa mãe já começou a encarar a Helena. E eu estou pouco me lixando para a opinião dela; a sua é a que importa, já que você cresceu comigo. Além de serem ausentes, ainda querem tomar decisões por nós. Mas já estamos bastante grandinhos para isso.
Fico indignada e enquanto ele falava eu rebatia e contava o que eu penso sobre isso.
—Meu pai é outro pateta que parece comer na mão dela.
—Sinto saudades de como ele era carinhoso com a gente, Sasa. — Mas voltando a história, ele faz uma pausa antes de continuar: — Também briguei com ela porque não te vi. Achei que você tinha saído. Aí, depois de brigarmos mais um pouco, ela contou que você estava no quarto. Quando fui te ver, ela fez mais um show, dizendo que eu estava te defendendo. Para evitar dores de cabeça, sugeri que eles ficassem em algum hotel ou voltassem para onde saíram. Falei que eu tinha uma conferência no trabalho e que você iria viajar para conhecer uma ONG, e que não iríamos poder dar atenção a eles, mas que os amávamos muito.
— Uau, a noite pegou fogo e, com certeza, você pensou em tudo.
— Mas e aí, qual vai ser dessa festa de Halloween mais tarde?
Eu sorrio ao ouvir a mudança de tom: E eu não sei, mas, o Diego parece ler a minha mente e automaticamente balança a cabeça com um gesto de negação.
— Olha, não fure de última hora. Você e sua namorada estavam bem felizes.
— Tem razão, eu vou.
— Isso aí, aproveitem bastante e não fique pensando em coisas ruins. Você passou por muitas coisas e merece ser feliz. Quero fazer tudo o que for possível para ver a felicidade da minha irmãzinha.
— Obrigada. Eu te amo.
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