Cap 16
Diana
Fico encarando os três Melis a minha frente, todos eles sentados no sofá, enquanto eu estou sentada na poltrona, sendo que uma mesa baixa divide o nosso espaço. Os passos de Apollo ecoaram no local, mas apenas eu levei o meu olhar a ele, vendo que carregava uma bandeja com algumas xícaras e pelo cheiro eu supus ser chá de gengibre.
- Sintam-se à vontade- ele fala, deixando assim a bandeja sobre a pequena mesa e pegando duas xícaras, me estendendo uma delas e eu a pego, agradecendo sutilmente com a cabeça e vendo ele se sentar a poltrona do meu lado.
Em seguida os meus olhos saem dos dele e vão mais uma vez para os três seres que aqui estão, cada um deles fazendo algo diferente. A garota de cabelos loiros, a qual responde pelo nome de Lise, está analisando o fundo da xícara e o conteúdo que há nela. A criança de cabelos cor de ouro está terminando de tomar o seu chá e já vai diretamente para o bule, pronta para pegar a segunda dose. O dono dos olhos cristalinos não havia encostado na xícara, deixando-a na bandeja e mantinha os seus olhos sobre mim durante todo o tempo.
-Pedimos perdão, Apollo e Diana, por termos invadido sua propriedade- ouço a voz da criança e eu me viro para ela, vendo que agora tinha a xícara em seu colo, encarando-me seriamente.
Franzo levemente as minhas sobrancelhas, pois a criança tinha o corpo de uma criança e pelo o que eu vi, ela também tinha os impulsos de uma criança, mas parece que sua mente trabalha como a de um adulto. Ele me direciona um leve sorriso e vejo que até mesmo os seus dentes parecem com os de criança, limpos e prontos para caírem.
- Acho que também causamos algumas confusões para vocês, ou estou errado? - ouço a pergunta de Apollo e vejo as asas dele se mexerem sutilmente, buscando um maior conforto no assento, enquanto mantinham-se alertas a todo o momento.
Vejo a platinada levantar a sobrancelha levemente e colocar a xícara de chá sobre a mesa, ainda havendo um pouco de conteúdo, mas o vapor que subia dele não estava mais lá, como se houvesse esfriado rapidamente. A garota cruza a perna direita e olha para o garoto, que agora estava concentrado em seu cajado.
- Não foi nada de demais, ficamos um pouco preocupados com a situação e eu acabei disparando a minha magia para acalmar vocês- o garoto dourado fala, levantando sua mão e assim consigo ver um grande brilho dourado ser emitido, sendo que parecia haver areia, uma areia muito dourada em sua essência.
- E como nos trouxe para cá? - dessa vez quem indaga sou eu, olhando para os três que pousaram os seus olhos sobre mim.
- Era a única casa com luzes acesas e porta destrancada, presumimos que era aqui que vocês moravam, mesmo não tendo tanta certeza. Pedimos o Adam para dar uma olhada pelo local e como não havia ninguém,acabamos trazendo vocês para cá- o garoto termina de explicar e eu me viro para o garoto de cabelos brancos.
Adam Frost é um nome familiar, não é a primeira vez que ouço esse nome, pelo contrário, quando eu era caçadora, esse nome era algo normal de se ouvir. Não porque era um nome de respeito, mas um nome para sentirmos nojo e desprezo. Um traidor que fazia parte da Legião dos Dez e que acabou sendo mandado para matar uma mulher com poderes mais sobrenaturais do que o normal, sendo que naquela época ela era a segunda mais perigosa no rank dos caçadores. Ele foi mandado para lá como um castigo, um castigo por ter nos traído, no final acabou morrendo de acordo com os informantes.
O menino de cabelos brancos olha para mim novamente, desviando a atenção do seu cajado e assim sentando-se normalmente no sofá. Ao fazer esse movimento ele acaba atraindo a atenção da garota e da criança, sendo que ambos estavam curiosos com a atitude dele, talvez ele não tenha o costume de fazer isso.
- Você é uma caçadora- ele afirma, não pergunta e nem ao menos indaga, ele apenas afirma e apoia o seu braço no cajado, abrindo um leve sorriso- Ou pelo menos era- fala, olhando rapidamente para as minhas asas.
O silêncio foi predominante a partir de sua afirmação, fazendo apenas com que eu deixe os pensamentos correrem pela minha mente. Apenas um caçador consegue conhecer as atitudes de um caçador, pois agora sou um Meli e, portanto, toda a essência que eu emano desapareceu, dando lugar para a essência de Caid, a essência de um Meli.
- Acho que devo dizer a mesma coisa que você- falo, tentando soar o mais calma possível e assim me encosto na poltrona, tomando cuidado para não machucar minhas asas.
Sinto o olhar de Apollo queimar a minha pele, mas não me viro para ele, agora encarando com firmeza os olhos cristalinos daquele Meli. Sem sombra de dúvidas era ele, o caçador que nos traiu e foi mandado para a morte, sem dó nem piedade pelo antigo líder, já que agora o novo líder é Clark, pelo menos até onde eu me lembre daquele desgraçado.
-Adam- a mulher o chama em sinal de aviso, atraindo a atenção do garoto de cabelos brancos, que a encara alguns segundos e logo lhe direciona um sorriso.
-Não estou comprando brigas Snowflake, quem faz isso é você- ele fala e se volta em minha direção- Parece que Richard está começando a pregar peças nos caçadores- diz de maneira divertida, olhando mais uma vez para as minhas asas e seguindo para o seu cajado.
- Você também foi transformado- afirmo baixinho e um pouco surpresa, vendo que agora um pouco de neve estava se formando ao redor do cajado de madeira.
- Algo que qualquer caçador teme, virar a presa- ele fala e eu franzo a sobrancelha, nunca havia pensado por esse ângulo, acho que virar a presa nunca havia me incomodado- Para alguns, é claro- completa e sorri em minha direção, olhando em seguida para a criança de olhos cor de ouro.
- Desse jeito ela vai achar que você está do lado deles- a criança o repreende, mas sem ter um tom duro em sua voz, negando com a cabeça e se direcionando a mim e a Apollo- Pedimos mais uma vez perdão por termos invadido sua casa, mas estávamos rastreando uma pessoa e sentimos uma grande energia negativa vindo de onde vocês estavam, o que acabou me surpreendendo, pois em todos esses séculos que vivi, nunca pensei encontrar um Caid e um Dintria juntos- ele fala e eu arregalo os olhos pela aparência dele e que com certeza não condiz com os anos que vive.
-Devo dizer que também estou surpreso de encontrar você- Apollo se pronuncia e eu franzo minha testa, virando-me para ele e vendo que mantinha os seus olhos fixos na criança, mas agora com um sorriso em seus lábios- Nunca pensei que poderia algum dia conhecer você, pelo o que me contaram, costuma ser bem discreto ao andar pelo nosso mundo- fala, fazendo com que eu volte o meu olhar para a criança, vendo ela terminar de beber sua segunda xícara de chá.
- Não me surpreende você conseguir me reconhecer, achei que demoraria mais tempo- a criança diz, colocando um sorriso em seu rosto ao se direcionar a Apollo.
- Acho melhor deixar vocês dois a sós- a voz da mulher de cabelos loiros ecoa no local, fazendo com que todos prestem atenção nela.
- Podemos ficar lá fora por um tempo, a tempestade já se acalmou um pouco-falo, indicando que havia concordado com a ideia dela e vejo-a acenar com a cabeça, em sinal de agradecimento.
Logo eu, ela e o garoto de cabelos brancos estávamos de frente para casa, do lado de fora. O frio fez com que minhas asas encolhessem um pouco, mas não deixo de admirar as luzes na rua, junto com um pouco de neve que ainda caía, formando um lindo tapete branco.
O garoto de cabelos brancos me encara curioso, sendo que eu sabia que ele perguntaria, assim como eu faria. A verdade sobre os caçadores, a verdade sobre a batalha interminável entre caçadores e Melis. Ele possui respostas, estão estampadas nos olhos dele, mas difíceis demais para serem lidas.
- Quem vocês estavam rastreando? - pergunto a eles, cruzando os meus braços para assim conseguir me manter mais aquecida.
- O que causou a loucura de vocês dois, a ponto de quererem matar um ao outro? - ele rebate a minha pergunta com outra indagação e eu deixo um sorriso de lado escapar dos meus lábios, com certeza um caçador.
-O que fez te darem uma missão que o levaria a morte? O que exatamente você fez para ser considerado um traidor? - pergunto a ele, nenhum de nós dois estávamos dispostos a responder às perguntas anteriores.
- Livros- ele responde dando de ombros, levando o seu olhar até a mulher de cabelos loiros, que o encarava meio apreensiva- As respostas das perguntas, não importa em que século estarão, não importa a era, não importa o mundo. As respostas sempre estarão nos livros, nos arquivos, nas escritas. São essas escritas às quais nos movem e que ditam a nossa história- fala, levantando o seu olhar para o céu e encarando a lua em sua fase minguante- As histórias dos caçadores também não escapam disso, nós temos arquivos em lugares que menos esperamos e em um desses lugares eu encontrei um registro- ele se interrompe e olha em direção a garota, que havia se afastado de nós, provavelmente respeitando nossa conversa.
Observo os passos leves da garota, sendo que cada um deles me lembrava pequenos flocos de neve, caindo no chão e se espatifando. Ela pisa no meio da rua e caminha em direção ao outro lado da calçada, chegando perto de uma árvore e observando-a.
- O que você encontrou? - pergunto, mas apenas para confirmar aquilo que está na minha mente há meses.
- Não era para nós estarmos matando os Melis, não era para eles terem se tornado nossos inimigos. Você sabe, nós tentamos a todo custo preencher um vazio que foi formado em nós, um vazio que apenas os caçadores possuem. Eles nos disseram várias vezes que era apenas o propósito nosso, o nosso cargo, o nosso peso- se interrompe mais uma vez e nega com a cabeça, olhando de um lado para o outro, como se isso a ajudasse se acalmar- Era apenas o contrário, nós começamos a cair demais e Richard sabia que isso iria acontecer, que iríamos cair até o fundo do poço. Sabe por que nós o respeitamos muito? Não por ser o início de tudo, ele não era apenas um caçador, ele era um humano que se tornou um caçador a fim de proteger a Meli que ele amou, mas isso não nos é contado. Ele criou a linhagem dos caçadores para isso, para protegerem os Melis, para ajudar, para serem uma ponte entre dois mundos. Entretanto, os anos se passaram e a cobiça e malícia foram tomando conta dos corações dos caçadores, levando-os ao que são hoje, morte e destruição- ele conclui, suspirando fundo e olhando para a mulher platinada.
O peso das informações veio rapidamente a minha mente, fazendo com que tudo tenha sentido para mim. Desde o momento que um bebê caçador nasce, ele é educado de maneira diferente das crianças normais, ele começa a treinar muito novo, não para ter um bom aperfeiçoamento, mas para ser uma máquina. Uma máquina de morte e que recebe comandos sem questionar. Exatamente o que os caçadores se tornaram.
- Se ele sabia que isso ia acontecer por que não impediu? - questiono no mesmo instante. Se Richard sabia que os caçadores se tornariam isso ele nunca devia ter nos criado.
- Por que esse é o ciclo natural da vida, mas não quer dizer que ele não se precaveu- ele fala, voltando o seu olhar para mim e abrindo um sorriso, fazendo com que eu perceba o quão brancos são os seus dentes- Ele deixou a linhagem dele seguir um curso, um curso certo e certeiro, para que quando a hora chegasse o descendente direto aparecesse, alternando não só o curso dos caçadores, mas de todo o mundo- conclui sorrindo e olhando mais uma vez para minhas asas, fazendo com que eu encolha elas levemente, trazendo-as para perto do meu corpo.
- O Presidente descobriu que você sabia dessa informação e temeu que você contasse a verdade para todos. Por isso ele te mandou atrás do Meli controlador de gelo, sendo que após uma semana ao ter pisado na Noruega nunca mais foi visto- falo, analisando o final da história, só que de acordo com os dados, ele havia sido dado como morto.
- Talvez a sorte tenha me dado alguma coisa, ou o destino sempre soube que isso aconteceria- ele fala, segurando com sua mão esquerda o cajado e com a direita faz alguns movimentos.
Uma faísca azul começa a aparecer, para em seguida, vários flocos de neve a rodearem. Formando rapidamente uma perfeita bola de neve nas mãos do ex-caçador. Manipulador de neve, ele havia se transformado em um Meli que manipula neve.
- A magia é muito imprevisível para nós, ela age da maneira que quer e quando quer, sem explicação nenhuma. Às vezes para o bem e às vezes para mal. Ela é o que move o nosso mundo, de maneiras inexplicáveis. Um exemplo disso são os renmagis, os quatro elementos- ele fala e eu me recordo de Apollo ter me explicado certa vez sobre os renmagis- Essa mesma magia por algum motivo me proporcionou viver, ao invés de morrer, entretanto, agora possuo utilização e manipulação da neve, assim como o vento- diz e me encara, olhando mais uma vez para minhas asas e em seguida olhando em meus olhos- Não acho que o acaso que fez dois caçadores se tornarem Melis em tão pouco tempo, não acho que foi o acaso fazer uma caçadora se apaixonar por um Meli e não penso que o acaso que nos reuniu aqui- conclui e eu franzo a sobrancelha.
- O que está insinuando? - pergunto a ele, vendo que meu tom havia sido um pouco mais elevado, pois os olhos da platinada haviam ido em direção a nós dois, agora totalmente atenta ao que falávamos.
- Estou insinuando que temos um papel a cumprir ainda, eu, você e talvez outros caçadores. Eu penso que não estamos aqui apenas por acidentes e sim porque algo ou alguém nos trouxe a essa situação. Sinto que teremos algum papel a desempenhar, na hora certa e no momento certo, mas até lá, somos cegos andando em uma floresta de espinhos- ele fala, abrindo um sorriso preguiçoso, como se isso fosse a coisa mais simples do mundo.
- Adam? - a voz da mulher ecoa no local e nós dois olhamos em direção a ela, mas quem arregala os olhos sou eu.
A árvore que ela havia encostado agora estava completamente congelada, cheia de cristais de gelo ao seu redor. Até mesmo as folhas foram congeladas, como se uma escultura houvesse sido feita, uma escultura que quem visse de primeira acharia que demorou meses para ser moldada.
- Se acalma Snowflake- a voz dele ecoa também no local e eu o vejo andar rapidamente até a mulher, segurando sem medo nenhum nas mãos dela e em seguida lhe direcionando um sorriso- Ele não está aqui, não há motivos para ter medo- diz baixinho essa parte, mas por minha audição estar um pouco mais evoluída eu consigo ouvir.
A manipuladora do gelo, a Meli que ele havia sido mandado para matar. Ela está bem aqui, a minha frente, sendo abraçada por o que foi um dia um caçador, mas agora é um Meli. Não pode ter sido tudo isso coincidência, ele e ela, Bela e aquele outro Meli. Até mesmo eu e Apollo não escapamos disso.
Não é uma coincidência.
(...)
-Você está bem? -ouço a voz de Apollo e vejo ele aparecer da copa da cozinha, dando passos em direção ao sofá que agora eu estava sentada.
- Não esperava encontrar um caçador como um Meli, pensei que eu era uma em um milhão- admito a ele e vejo-o se sentar ao meu lado, mantendo uma distância respeitosa entre nós dois.
Havia se passado uma hora desde que os nossos convidados surpresas haviam ido embora. Nesse meio tempo que se passou eu fiquei aqui na sala, enquanto eu ouvia Apollo lavar as xícaras e provavelmente refletindo sobre alguma coisa que conversou com aquela criança misteriosa.
Franzo a sobrancelha, agora me permitindo desviar do assunto atual para um mais pertinente. O fato que nós dois havíamos tentado matar um ao outro, sendo que no final fomos salvos pela criança.
- Me desculpa-as palavras saíram dos meus lábios antes mesmo que eu pudesse refletir elas, conseguindo assim atrair a atenção dele para mim.
-Já conversamos sobre isso, não foi sua culpa e eu também tenho parte dessa situação, prometemos que vamos enfrentar isso juntos, então juntos enfrentaremos- diz de maneira decidida e eu franzo a sobrancelha.
- Achei que havia sido um sonho- admito e vejo ele me encarar, abrindo um leve sorriso em minha direção.
- Você se lembra dos Liwures certo? - ele me pergunta e eu assinto no mesmo instante. Foram eles que permitiram a entrada de Apollo no meu subconsciente, são eles que vagam pelo nosso mundo, com suas energias armazenadas em um espectro- Então, eu te contei que os Liwures conseguem ficar durante um tempo no nosso mundo até que eles morrem certo?- pergunta e mais uma vez eu assinto- O Sandy é a grande exceção entre os Liwures. Como eu posso dizer, ele é o Liwure mais forte que existe, ele não é dependente de um Dintria e nem mesmo para conseguir aparecer, ele tem uma quantidade de energia notável que é transformada na magia dele, fazendo com que vague pelo mundo sem se preocupar com a perda dela. Devido a isso ele se tornou uma lenda para os Dintrias, pois foram poucos que o conheceram. Ele prefere estar apenas observando as situações, mas sempre tentando ajudar da maneira que pode. Ele permite que as pessoas sonhem, ele consegue guiar os sonhos dessa pessoa para que qualquer coisa que a esteja atormentando no momento não a atormente mais. Ele é como um guia, sendo que age mais na mente de crianças, que ainda são muito novas para entenderem a escuridão que existe no mundo. Por isso que é assim, possui o formato de uma criança, para mostrar a pureza e gentileza que a maioria delas emana- Apollo me explica e eu arregalo os olhos ao ter compreendido tudo.
Agora as coisas fazem sentido na minha mente.
- Foi um sonho, mas ao mesmo tempo foi real, você estava comigo naquele lugar, as coisas que falamos, você me ouviu e eu te ouvi- digo, raciocinando que graças a essa criança, mesmo que houvéssemos sonhado, nós ainda estávamos juntos.
- Sim, foi como se nossos sonhos houvessem se conectado e com isso nós conseguimos conversar e nos lembrarmos de tudo o que aconteceu- Apollo conclui e eu me ajeito mais ao sofá, sem me afastar dele e deixando nossa distância a mesma que estava.
A noite estava chegando à medida que o tempo se passava. O alaranjado na grama verde estava sumindo - igual a neve que havia ido embora com a platinada - dando espaço para a escuridão que tapava as estrelas graças as pesadas nuvens.
Viro-me de lado, deixando o meu braço direito apoiado na almofada do sofá, enquanto eu cruzava minha perna direita e deixava a esquerda por cima dela, assim conseguindo encarar Apollo. Ele parece resolver fazer a mesma coisa, mas ao contrário de mim esticou seu braço esquerdo pela extensão da almofada, deixando sua mão há poucos centímetros do meu ombro. Ele me encara com sua sobrancelha direita levantada e eu faço o mesmo gesto, logo em seguida vendo seus âmbares medirem cada parte do meu corpo, não procurando fraquezas, mas apenas se certificando de que eu estava bem.
- Quando eu tinha sete anos de idade eu fiz uma viajem com meus pais para Florença- ele começa, se mexendo levemente sobre o sofá e com isso causando uma leve aproximação de sua mão- Nós tínhamos uma casa de férias lá e morávamos aqui, nesta casa, íamos para lá normalmente na primavera, para podermos ver as flores e a beleza da natureza- explica e eu não o interrompo, pois é totalmente visível em seus olhos que ele está se esforçando para dizer isso- Meus pais tratavam de Melis, ajudavam eles quando necessário, a controlar seus poderes e seus dons. Mas eles também eram cientistas e tinham acabado de desistir de um projeto, o problema começou a partir disso. Esse projeto era trabalhado em uma equipe e tinha o objetivo de tentar usar essas células para restaurar poderes que alguns Melis perderam durante o longo da vida. Era como se fosse uma bateria extra para aqueles que estivessem chegando ao fim de suas vidas- ele fala, gesticulando levemente com sua mão esquerda que estava sendo apoiada na almofada do sofá.
- Então por que eles saíram? - não consigo conter minha pergunta e ao mesmo tempo vejo um lampejo de dor passar pelos âmbares.
- Como eu havia dito, o projeto era trabalhado em equipe e meus pais acabaram brigando com um dos membros, que começou a ter umas ideias a mais para o estudo. Essa pessoa queria que esse poder fosse multiplicado e aplicado em Melis fortes, para terem ainda mais poder- fala, fazendo com que eu sinta um arrepio em minha nuca, indo assim em direção as minhas asas as quais se contraíram apenas com meu pensamento.
- Bardon- falo baixinho em um tom de afirmação e não indagação, vendo Apollo assentir levemente depois disso.
- Ele queria o poder que os Melis não podem adquirir, um poder para multiplicar o poder, apenas um Meli foi capaz de aguentar essa quantia absurda- Apollo profere e não desvia o seu olhar do meu por nenhum momento.
- E depois disso? Apollo ele conseguiu o soro, ele o tem. O que aconteceu? - indago a ele, sem medir direito o meu tom de voz, pois meu cérebro raciocinou muito rápido a tragédia que provavelmente aconteceu com uma criança de sete anos.
- Meus pais levaram a parte deles quando eles saíram do projeto. O problema é que essa parte era muito essencial para que a pesquisa continuasse, por isso Bardon não mediu esforços de conseguir os dados. Ele ofereceu tudo que conseguia dispor, mas mesmo assim meus pais não aceitaram e estavam dispostos a queimarem todas as suas anotações, pois eles temiam Bardon, eles temiam onde as anotações o levariam- ele diz baixinho e suspira fundo, olhando para a lareira que não possuía seu fogo aceso- Bardon seguiu os meus pais, calculando cada passos deles, aguardando o momento exato que eles estariam com a guarda baixa e assim fez o pior. Em uma noite durante a primavera a nossa casa misteriosamente começou a pegar fogo, causando um enorme incêndio. De acordo com a polícia o casal e o filho que tinham foram mortos e soterrados pelo resto das cinzas, mas isso estava longe de ser verdade. O incêndio foi proposital, mas o casal já estava morto quando ele começou e a criança que também estava lá havia sido sequestrada- ele toma fôlego ao terminar e eu olho para a mão dele perto do meu ombro, ela estava tremendo e ele parecia tentar se controlar a todo instante.
Suspiro fundo e levo minha mão direita até a mão esquerda dele, colocando-a por cima da sua e assim atraindo a atenção dele. Seus olhos âmbares me encaram profundamente e eu apenas um sorriso pequeno de lado, mostrando que eu estava do lado dele e que nada iria acontecer, pelo menos não agora, não nessa noite.
- Tudo o que eu te contei foi uma meia verdade, meus pais o atenderam e tentaram ajudar, mas a verdade é que eles sempre estiveram envolvidos nisso. Os livros antigos foi apenas um jeito para não ter que te explicar tudo aquilo naquele momento, mas na verdade esses livros eram as anotações que meus pais fizeram. Após isso a história seguiu seu rumo e Bardon conseguiu adquirir o soro, mas não uma maneira segura de usar ele. Aquele Meli desgraçado tentou e testou em vários seres vivos até que te encontrou e- ele se interrompe, suspirando fundo e eu aperto levemente sua mão contra a minha.
- E me transformou em um Caid, pois pelo visto as minhas células se adaptaram ao soro e agora sou o bichinho de laboratório dele- digo com certo rancor em minha voz e dessa vez eu sinto a mão de Apollo se apertar contra a minha.
Juntos. Nós iremos passar por isso juntos.
- Mas acho que ele não esperava que você se encontrasse comigo e fosse tão teimosa para ceder as trevas- Apollo diz de modo brincalhão, com o objetivo de aliviar o clima, o que dá certo, pois um sorriso escapa dos meus lábios.
Desvio o meu olhar rapidamente do dele, observando a sala que agora está completamente escura e apenas a luz dos postes que ilumina ela, junto comigo e Apollo. Levo o meu olhar para ele mais uma vez e vejo suas âmbares brilharem no meio do escuro, com um olhar suave.
Mordo o interior da minha bochecha e eu sei que não devo perguntar isso, mas mesmo assim não posso ser mantida no escuro, se ele não quiser falar ele não irá falar. Entretanto eu tenho que tentar, pelo menos conseguir desvendar algumas pistas que faltam nesse tabuleiro que está começando a ter um jogo armado.
- O que aconteceu com você, após o incêndio? Disse que foi sequestrado. Bardon fez isso? - indago em um tom suave, para mostrar a ele que não estou com o objetivo de interrogá-lo.
Ele levanta a sobrancelha em minha direção e me lança mais uma vez um sorriso, só que dessa vez um sorriso de tristeza e ao mesmo tempo verdadeiro. Nunca pensei que seria possível ver algo assim, sorriso misturado à tristeza, são dois opostos que estão juntos em um mesmo lugar.
- Posso te contar uma outra hora? - ele pede e eu assinto levemente, sentindo a mão dele se soltar da minha e ir diretamente ao seu rosto. Ela passa por seus olhos e em seguida vai-se nos cabelos, que a cada dia mais estão chegando ao meio de sua nuca, com suas leves ondulações douradas.
- Acho que irei dormir- digo a verdade e suspiro fundo, aproveitando o momento para o clima não pesar- O dia foi estranho e eu preciso descansar, além de cuidar desses arranhões- falo, mostrando alguns nas minhas pernas e nos meus braços.
Vejo os olhos de Apollo passarem por cada centímetro dos arranhões e um olhar pesado preenche suas âmbares. Talvez estejamos lidando com muitas emoções ao mesmo tempo.
- Acho que irei fazer a mesma coisa- ele fala por fim, se levantando e esperando eu me levantar ao seu lado.
Nenhum pedido de desculpas, não havia o porquê de pedir, mesmo que ele houvesse pedido algumas horas atrás. Não foi nossa culpa, nada disso é nossa culpa. Fomos presos por um laço muito apertado, seja destino ou acaso, estamos encurralados e precisamos nos adaptar a essa situação.
Levanto-me e nós dois não nos damos o trabalho de acendermos a luz da sala, apenas nos guiamos até as escadas e subimos os degraus. Ao chegarmos ao segundo andar e eu vou até o interruptor e eu ligar as luzes eu arregalo os olhos, vendo uma grande bagunça nele e que se entendia até o meu quarto.
- Acho que nos esquecemos do detalhe da nossa briga- Apollo profere e eu olho rapidamente para ele, indo em direção ao meu quarto e quando entro nele vejo que está tudo destruído.
Ligo o interruptor do quarto e arregalo os olhos ao ver minha cama totalmente destruída e o colchão também, a janela linda está totalmente quebrada e o guarda-roupas também está destruído, junto com as roupas. Levo o meu olhar para Apollo e vejo que ele encarava um pouco perplexo a situação, assim como eu a encaro.
- Parece que o sofá vai ser uma boa companhia essa noite- digo dando de ombros e apagando a luz do interruptor, mas antes reparo no símbolo preto que ainda está intacto.
Sinto o olhar de Apollo sobre mim, enquanto eu seguro na maçaneta da porta para poder fechar ela, mas não consigo, pois ela quebra e fica na minha mão. Suspiro fundo e largo-a no chão, virando-me de costas e indo em direção as escadas, mas antes de concluir meus passos sinto uma mão pegar no meu cotovelo.
Viro o meu rosto em direção a Apollo e vejo ele me encarar com a testa franzida e eu faço a mesma coisa, franzindo minhas sobrancelhas ao olhar para o ato dele.
- Você sabe que não precisa dormir no sofá- ele afirma e eu sorrio de maneira preguiçosa para ele.
- Já dormi em lugares mais desconfortáveis do que um sofá na época que eu era uma caçadora- falo sincera a ele, mas não faço nenhum movimento brusco para ele soltar o meu cotovelo.
- Mas agora você tem asas- ele adverte e olha para minhas asas que não estavam encostadas no chão.
- Um dia ou outro não irá matar elas- falo sincera e ele solta o meu cotovelo, cruzando o seu braço na frente do peito.
- Mas irá machucá-las- me repreende e eu reviro meus olhos, também cruzando os meus braços na frente do meu peito e levantando a sobrancelha para ele.
Talvez nós dois tenhamos algo em comum, somos muito teimosos um com o outro, sempre tentando fazer um ceder de algum lado. No final quase nunca dá certo e cada um faz aquilo que acha melhor, mas talvez dessa vez ele consiga ganhar, já que minhas asas estão mais doloridas do que nos dias anteriores, talvez por eu ter lutado com intuito de matar Apollo.
- Minha cama consegue abrigar duas pessoas com asas, pode dormir nela hoje, amanhã nós podemos ir ao centro e comprar uma cama nova. Além do mais, sua cama está quebrada por minha culpa- ele fala dando de ombros e tentando manter a compostura.
- Não foi, já discutimos isso, eu também tenho parte nesse desastre que aconteceu- falo seriamente, pois me lembro de ter corrido para o meu quarto em uma tentativa falha de me salvar.
- Mas mesmo assim- ele fala revirando os olhos e suspirando fundo- É apenas uma noite, apenas para você não ficar com suas asas doendo, não estou interessado e nem com segundas intenções- ele fala levantando as mãos no ar.
- Eu sei que você não está Apollo, também não estou interessada – falo sincera e sinto minhas asas pesarem em seguida, um sinal claro de que elas não aguentariam ficar erguidas por mais tempo.
Olho para Apollo mais uma vez, abaixo minha sobrancelha e suspiro fundo. Descruzo os meus braços e deixo os dois na lateral do meu corpo, encarando o ser de olhos âmbares e lindas asas escuras.
- Espero que sua cama seja grande mesmo, pois quero esticar bastante minhas asas- falo e vejo-o abrir um leve sorriso por ter conseguido ganhar essa discussão- E vou precisar de um par de roupas emprestado, parece que os meus também foram destruídos nessa brincadeira nossa- digo sincera e ele ri levemente, assentindo com a cabeça.
- Posso providenciar isso, mas antes de tudo, vamos tratar desses arranhões- ele fala e eu levanto a sobrancelha, vendo-o virar de costas e seguir para o seu quarto, fazendo com que eu o siga.
De todas as coisas para lembrar, ele não havia esquecido que eu estava com alguns arranhões superficiais.
Oi fadinhas :3
Promessa é promessa e aqui está mais um novo cap.
Tentarei postar um amanhã, mas se eu não conseguir eu desejo um ótimo Natal para vocês. Obrigada por terem me acompanhado esse ano, mesmo eu estando mais ausente e tals, mas obrigada de verdade.
Espero que vocês continuem acompanhando o Apollo e a Diana, pois agora a situação vai ficar bem interessante hihihi.
Amo vocês ♥️
Bjs Mary e até a próxima ;3
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