Cap 12
Apollo
- Apolllloooo- ouço meu nome ser chamado e eu me viro, encarando a pequena garota correndo em minha direção, quase tropeçando no cachecol que é maior que ela.
- O que foi? - pergunto e me levanto do chão, deixando a pequena plantinha que eu regava de lado, para assim poder dar a devida atenção a garota.
- Olha o que eles me deram! - ela diz animada e me estende um livro infantil cheio de gravuras coloridas e com um título chamativo.
- Isso é muito legal! - falo demonstrando animação e levanto o meu olhar, vendo que os guardas ainda mantinham o olhar sobre ela, analisando todos os seus movimentos.
- Sim! Eles me perguntaram o motivo de eu sempre pedir livros e aí eu falei que eu não conseguia ler muito bem, aí a moça falou que vai me emprestar uns livros com leitura mais fácil e que as outras crianças podem me ajudar! - ela fala animada e se embolando em algumas palavras.
Sorrio para ela e suspiro fundo, um pouco cansado de tudo isso, estendendo minha mão para ela, que a pega sem pestanejar. Vou caminhando com ela em direção ao aglomerado de outras crianças como nós, que estavam brincando de alguma coisa.
- Tenho certeza que você vai conseguir ler qualquer livro que quiser futuramente- falo me virando para ela, dando-lhe um sorriso e recebendo um de volta.
(...)
- Me desculpa! - ouço a voz de Diana e abro meus olhos, voltando a sentir o calor que emana da lareira e permeia por toda a sala, aquecendo-a nessa tarde de inverno.
- Você rebateu de novo- falo suspirando fundo e descruzo os braços, olhando para ela que possuía os olhos vidrados no tapete que estávamos sentados, provavelmente assimilando as visões que teve da minha mente e do meu passado.
- Não foi por querer, mas eu comecei a ouvir os gritos e uma voz- ela vai diminuindo a voz à medida que completava a frase, me fazendo levantar a sobrancelha pela última palavra.
- Uma voz? - pergunto a ela e vejo seus olhos se direcionarem aos meus, encarando-me profundamente.
Prendo minha respiração por alguns segundos enquanto sinto o olhar dela adentrar-me mais, indo até o fundo da minha alma se fosse possível. Desde que chegou aqui, ela nunca deixou de me encarar profundamente e cara a cara, cada vez que Diana levantava seus olhos para encarar os meus eu me sentia desafiado e tentava devolver o olhar, mas nunca tendo êxito. A maneira que ela me olha é totalmente diferente das outras pessoas, ela não em encara com estranheza e nem mesmo com respeito, mas é possível ver uma fagulha de curiosidade aparecer no fundo da sua pupila, uma curiosidade que ela sempre tenta desvendar sozinha.
- A voz dele- profere baixinho, sem desviar o seu olhar do meu.
Suspiro fundo por ter entendido o que ela quis dizer, ela havia ouvido a voz de Bardon e provavelmente ele já conseguiu ter um acesso restrito a mente dela, não deixando que nós cheguemos perto do subconsciente dela- Pensei que ele demoraria a perceber- ela fala com um tom despontado e vejo-a desviar os olhos para baixo mais uma vez, só que agora encarando suas mãos que estão fechadas em um punho, provavelmente se contendo de frustração.
-Estamos a quatro dias entrando na sua mente e tentando alcançar seu subconsciente, sua essência deve ter mudado um pouco e Bardon percebeu isso, assim ele provavelmente já arquitetou uma ideia para não conseguirmos o nosso objetivo. Ele criou o que chamamos de barreira mental- falo, cruzando minhas pernas e escorando minhas costas no pé da poltrona, tomando cuidado para não prejudicar minhas asas.
Vejo-a levantar a sobrancelha em sinal de dúvida, me fazendo concluir que ela com certeza perguntaria o que significa haver uma barreira mental.
- Me dê sua mão- peço a ela, que mesmo estranhando a atitude me estende sua mão e eu a pego, abrindo-a e deixando-a no ar, para assim eu conseguir fazer minha explicação- Vamos supor que eu queira atravessar esse pequeno espaço, mas a sua mão é uma barreira invisível- digo e movimento minha mão até a sua, encostando-me nela e parando- Eu não consigo atravessar o espaço partir deste ponto, porque existe uma barreira invisível e difícil de ser quebrada- falo e levo os meus olhos até os dela, encarando-a- A única maneira de terminar a travessia é quebrando a barreira, por isso que é complicado- contínuo e a mão dela se abaixa junto com a minha, mas nenhum de nós dois ousamos desviar o nosso olhar.
- Como eu quebro essa barreira? - ela pergunta e eu sinto sua mão se afastar da minha.
- Entendendo que as coisas acontecem por um motivo e que está além das nossas compreensões, portanto, precisamos seguir em frente e deixar o que aconteceu no passado- falo sincero e me lembro vagamente da minha mãe me falando isso quando eu tinha cinco anos de idade, uma das poucas memórias que possuo dela.
Pisco algumas vezes e quebro o nosso contato visual, quando vejo que as asas dela se movem desconfortavelmente, provavelmente pelas coisas que começaram a se passar na cabeça dela. Levo os meus olhos em direção ao fogo da lareira, vendo a madeira que estava lá se transformar em cinza aos poucos, enquanto o vermelho e o laranja predominam minha visão.
- De novo- ouço a voz dela e me viro, vendo que ela me encara confiantemente e com o mesmo brilho de todos as outras vezes que entramos na sua mente, o brilho de certeza que venceria qualquer coisa que estivesse no caminho.
Me desencosto do pé da poltrona e deixo minhas asas em posição, arrumando minha postura. Encosto os meus joelhos com os dela, para assim conseguir ter a ligação direta com alguma parte de seu corpo, facilitando minha entrada em sua mente.
- Tente não rebater desta vez, se ouvir a voz de Bardon não tema, ele não está realmente presente, é como se fosse um holograma, pelo menos é o que esperamos- falo e vejo-a assentir confiantemente, fechando os olhos.
Suspiro fundo ao encarar ela de olhos fechados, vendo uma mecha de cabelo cair após ter sido posto atrás de suas orelhas. A expressão que ela transmite é de cansaço, mas é notável ver que ela não está disposta a desistir e como ela mesma disse, ela não está disposta a ser um brinquedinho para diversão dos outros.
- Não rebata- falo e fecho meus olhos.
Concentro-me durante alguns minutos e faço pequenos gestos com minhas mãos, assim me fazendo sentir a presença dos Liwures, sendo que um em específico passa entorno da minha mente e como uma flecha vai diretamente para a mente de Diana, assim me fazendo ver um clarão.
Abro meus olhos com dificuldade e começo a me acostumar com a visão, sentindo a neve sobre meus pés enquanto alguns flocos de neve caem ao meu redor.
- Parece que está mais frio do que a última vez- ouço a voz de Diana e me viro, vendo-a com as asas recolhidas e os braços ao redor do seu corpo.
Dou um sorriso de lado pela visão que tenho e a maneira que ela age, quem a conhecesse desse jeito nunca imaginaria que ela é uma pessoa totalmente oposta.
- Você diz isso todas às vezes- falo para ela e começo a andar em direção as portas que já estavam ao nosso redor.
- Mas eu digo isso porque é verdade! - ela me rebate e eu apenas dou mais um sorriso de lado, avistando a porta larga e com desenhos de árvores secas.
- Isso está na sua mente Diana, seu corpo está em um lugar com temperatura normal e agradável - informo a ela e encosto na maçaneta, esperando-a me alcançar.
- Mesmo assim- fala contragosto e vira o rosto de lado, assim não me encarando.
- Você está parecendo uma criança- digo a ela e vejo-a me encarar de canto, levantando a sobrancelha e assim se virando para mim.
- E você parece um velho ranzinza, pelo menos eu terei mais anos de vida e juventude- rebate de modo convincente e vejo um pequeno sorriso nos lábios dela.
Solto um suspiro fundo e vejo o vapor aparecer um pouco no ar, desaparecendo rapidamente entre os flocos de neve que continuam a cair levemente.
- Acho que podemos discutir isso depois- falo para ela e tiro o sorriso que estava em meus lábios, vendo que ela também faz o mesmo. Estamos aqui com um objetivo e pretendemos concluir ele.
- Vamos dizer oi aos meus pesadelos- ela diz melancólica e eu não falo nada, apenas abro a porta cuidadosamente e sou o primeiro a entrar naquela vasta escuridão.
O silêncio prevalece no local, mas consigo sentir a presença de Diana ao meu lado, junto com a tensão de todo o seu corpo. Andamos um pouco em meio aquele local escuro, deixando a porta aberta para trás, junto com todo o frio psicológico. Este lugar é feito para poder nos enganar e forçar todas as nossas memórias ruins.
-Apollo? - ouço meu nome ser chamado e eu arregalo os olhos ao encarar as asas dela repletas de sangue.
- Você sabe o que isso é, se acalme- digo a ela, mas percebo que ela não me ouvia mais, ela não sentia minha presença mais.
Uma barreira mental havia sido posta entre nós dois, foi muito rápido e só uma pessoa poderia ter feito isso.
- Pensei que fosse mais esperto do que isso, se sabia que eu estava perto não deveria ter entrado- ouço a voz de Bardon e vejo-o ao lado de Diana, que agora encara suas mãos sujas de sangue enquanto a respiração estava desregulada.
Mordo o interior da minha bochecha e troco o peso do meu corpo para a perna esquerda, levando minhas duas mãos aos bolsos da minha calça. Não posso demonstrar nenhuma reação para ele, se fizer isso as chances dele conseguir entrar no meu subconsciente serão maiores, inclusive se eu fizer um movimento muito brusco.
-Como está Annelise? - ele pergunta e eu reviro os olhos, cerrando meus punhos dentro dos bolsos ao ouvir ele pronunciar o nome de minha mãe.
- No lugar que você queria que ela se encontrasse- respondo friamente e vejo um sorriso aparecer nos lábios dele.
- Parece que os anos fizeram você ficar desse jeito- ele fala e ouço um grito vindo de Diana, mas não encaro ela por nenhum instante, não posso deixá-lo perceber.
Vejo os olhos de Bardon guiarem até Diana rapidamente e eu continuo olhando fixamente para ele, mas conseguindo sentir toda a tensão e desespero no corpo dela, enquanto um grito era suprimido.
-Nunca pensei que nossos caminhos fossem se cruzar desta maneira, inclusive por causa dessa daqui- profere e eu sinto o desgosto ecoar no timbre de sua voz.
- Diana- falo baixinho e suspiro fundo por não ter me contido- O nome dela é Diana- digo seriamente e vejo ele levantar as duas sobrancelhas e sorri para mim.
- De fato- ele diz parecendo demonstrar satisfação- Parece que esse ratinho de laboratório foi do seu agrado, não é? - pergunta sugestivamente e eu arregalo os olhos quando vejo a mão dele estender em direção a ela.
Não consigo responder por mim mesmo ao ouvir o grito dela por estar sentindo a proximidade dele. Abro minhas asas e voo rapidamente em direção a ela, quebrando a barreira invisível devido ao impacto e em poucos segundos sentindo-a entre meus braços e com alguns metros de distância de Bardon.
- Diana- falo baixinho em seu ouvido, sem tirar os olhos do ser maligno que anda graciosamente em nossa direção- Rebata a minha entrada, precisamos sair daqui - falo com ela e sinto o seu corpo tremer contra o meu, junto com suas asas que ficam totalmente rígidas.
- Ela desse jeito não te lembra alguém? - ele pergunta e eu tento ignorar tudo o que ele fala, me preparando para um possível ataque vindo dele.
- Diana, por favor! - falo agora um pouco mais desesperado e vejo Bardon vir correndo em nossa direção, mas foi tempo o suficiente para que um solavanco me puxasse para outro local.
Sinto meu corpo bater contra uma parede e minha cabeça lateja, mas continuo com Diana em meus braços e percebo que agora as mãos dela não estão mais sujas de sangue e nem mesmo suas asas.
- Apollo- ela fala baixinho e levanta o olhar, me encarando um pouco desesperada.
-Parece que eu estava enganado- digo sincero e abaixo o meu olhar, assim parando de encará-la- Me desculpe por você ter passado por isso sozinha, acho que foi pior do que das outras vezes – falo para ela, que não reage e provavelmente confusa em seus pensamentos.
Retiro os meus braços do entorno dela e me sento ao seu lado, olhando por todos os cantos e confirmo comigo mesmo que não estamos em casa, mas sim no meu subconsciente, dentro de uma das portas.
A barreira não havia sido quebrada, não tinha como ela ter sido quebrada com tanta facilidade, Bardon havia planejado isso, ele planejou que Diana rebatesse a minha entrada.
- Precisamos sair daqui agora- falo suspirando fundo, tentando não transparecer o meu desespero e me levanto ao lado dela, que continua quieta e meio inerte a tudo que está a sua volta.
Olho por todos os lados e de longe eu consigo avistar a porta aberta, mostrando a saída para o corredor principal do subconsciente. Diana parece ter visualizado a mesma porta, caminhando em direção a ela e eu faço a mesma coisa, andando ao lado dela enquanto o silêncio paira sobre nós.
- Não vá- ouço uma voz diferente da minha e da de Diana, me fazendo parar de andar no mesmo instante, mas não me atrevo a virar para trás.
Diana parece ter percebido que eu não estava mais ao lado dela, pois também para de andar e se vira para me encarar. Ela entreabre os lábios para proferir alguma palavra e para no mesmo instante, arregalando os olhos em desespero.
- A-Apollo- Diana diz baixinho e levanta o seu dedo para algo atrás de mim.
A contragosto eu me obrigo a virar para trás e assim que faço arregalo os meus olhos vendo a cena. Um quarto branco estava começando a ser coberto pela cor vermelha, mas não pela tinta e sim por várias gotas de sangue que começam a se tornar poças.
- Você se importaria se eu fizesse isso? - ouço uma voz infantil e levo meu olhar até onde ela ia, vendo um garoto de oito anos quebrar o osso de um provável humano, enquanto o barulho ecoa pelo local- Me desculpa- ele diz rindo e leva a mão até o cabelo loiro, sujando alguns fios de sangue- Eu não queria que você sentisse tanto- profere e eu arregalo os olhos, vendo que a pessoa que ele havia quebrado os ossos ainda estava viva, mas impossibilitada de gritar e coberta de sangue.
Sinto meu coração começar a acelerar e eu levo minha mão rapidamente ao meu peito, sem conseguir desviar os meus olhos daquele garoto loiro, com olhos âmbares e asas pretas, sem conseguir desviar os olhos de mim há quinze anos atrás.
- Vamos ver se dessa vez vai fazer menos barulho- fala e novamente o som de ossos se quebrando ecoa pelo cômodo branco.
- P-pare! - grito desesperado, mas a criança de oito anos não me ouve, portanto, eu começo a andar em direção a ela com passos vacilantes e minha mão sobre o meu peito, enquanto sinto todo o meu corpo em desespero.
Mas não consigo nem ao menos encostar no menino, pois sinto uma mão tocar levemente o meu ombro e me viro para ver quem era, vendo agora Diana com os olhos cheio de lágrimas.
- Estamos voltando- ela diz baixinho e vejo alguns Liwures irem em direção a ela sendo que em poucos segundos um clarão bate no meu rosto, me obrigando a fechar meus olhos.
Inspiro profundamente e sinto meu peito descer e subir descontroladamente, enquanto minha visão vai se acostumando com o local que estávamos. A primeira coisa que consigo ver é um par de olhos me encarando, sendo que essa também foi à última coisa que consigo visualizar, antes de sentir a escuridão me consumir.
-Apollo!
(...)
Abro meus olhos com um pouco de dificuldade e sinto uma brisa gélida bater no meu rosto, mas ao virar de lado eu encontro penas pretas muito próximas ao meu rosto. Vejo que o lado que era para estar vazio na minha cama há uma garota sentada, lendo um livro enquanto a luz do luar a ilumina.
Diana para os seus afazeres e se vira para mim, abrindo um pequeno sorriso aliviado, assim cruzando as pernas na cama e ficando de frente para mim, encostando sua mão direita no meu rosto, provavelmente para ver se eu estava com febre.
- O que aconteceu? - pergunto enquanto o silêncio entre nós começa a ser quebrado e a mão dela vai da minha testa até o meu pescoço, passando por ele e indo até minha nuca.
- Você desmaiou- ela fala simplesmente, focando em sua mão, que passa pelos fios do meu cabelo maior do que o costume- Eu te trouxe aqui para não ficar no chão e constatei que estava com índices de febre, por isso eu tratei antes que piorasse e agora estou apenas checando- responde e retira cuidadosamente a mão da minha nuca.
- Entendi- falo ao suspirar fundo e me viro ao lado contrário que ela estava visualizando o pequeno porta retrato que estava em cima da mesinha posicionada ao lado direito da minha cama.
A foto de uma criança feliz ao lado de seus pais me faz sentir angustia e me obrigo a virar para o outro lado novamente, visualizando as penas negras de Diana, para assim não ter que encarar algo que um dia foi meu motivo de alegria e que hoje em dia é meu motivo de desespero. Sinto os olhos dela sobre mim e eu apenas fecho os meus, tentando esquecer lembranças que foram desencadeadas mais rápidas do que eu pretendia.
- Eu estava lendo um livro que contava a história sobre um leão- ouço a voz dela, mas não me movo por nenhum momento- Esse leão criou tudo e todos dentro do mundo dele, apenas cantando, várias cores apareceram a volta dele, o azul do rio, o verde da grama e das árvores, o amarelo do sol; tudo isso foi criado por este leão- ela fala com um tom de empolgação, me fazendo abrir os olhos discretamente para assim ver ela com um leve sorriso em seu rosto, enquanto olhava fixamente para o livro.
-Isso é um livro infantil, tem mais gravuras do que frases- falo, fechando os olhos novamente, tentando ao máximo desprezar aquele livro, mas na verdade era um dos livros que eu mais conhecia.
- Então eu devia me perguntar por que você possui um livro infantil? Já que o despreza tanto- ela fala e tenho certeza que agora está encarando o meu rosto, esperando minha resposta.
Sinto um grande incomodo no meu corpo com a pergunta dela, isso é um assunto delicado que eu não gosto de falar muito. Mesmo que Diana quase nunca demonstre interesse na minha vida, quando ela demonstra é algo realmente perturbador e incomodante.
Abro meus olhos e encaro o azul nos dela serem refletidos pela luz do luar, enquanto as asas dela se movem um pouco para poderem encontrar uma posição mais confortável. O silêncio prevalece entre nós durante alguns minutos, enquanto os nossos olhares não se desviavam de nenhuma maneira, até que percebo a desistência da parte dela, me dando a oportunidade de agarrar o pulso dela, antes de se virar para o outro lado e ameaçar de sair.
- Era uma vez uma garotinha- começo e ela tenta se soltar, mas eu não permito ao me sentar na cama e puxar ela, conseguindo um equilíbrio maior e fazendo voltar ao lugar, eu não queria que ela fosse embora - Ela tinha apenas três anos quando foi tirada dos braços de seus pais- continuo e vejo-a se render, ao relaxar suas asas e se sentar de maneira confortável na cama - A única alegria que via era em ler livros, por isso era apaixonada por eles, mas por ser pequena não sabia ler direito, então sempre optou por livros ilustrados- concluo, respondendo à pergunta que ela havia me feito, agora encarando profundamente os seus olhos, vendo que estavam perdidos e confusos, provavelmente pela minha ação repentina de não deixá-la ir embora.
- A mesma Meli que te deu aquele livro dos símbolos? - ela pergunta levantando a sobrancelha e percebo que ela mexe o braço que eu estava segurando, fazendo com que eu afrouxe o toque, mas não o solto.
- Ela me deu três livros ilustrados, ela dizia ser um dos favoritos dela- respondo, desviando o olhar um pouco, mas logo volto a encará-la.
- Ela deve confiar muito em você, já que eram um dos favoritos- ela fala, levando sua mão livre até a minha livre e com um toque suave encostando nela.
-Acho que você e ela cometeram o mesmo erro- digo baixinho e desvio o olhar para algumas pinturas que havia no meu quarto, me distraindo com o contorno delas, para assim não ser obrigado e encarar ela nos olhos.
- Se eu me lembro bem- Diana começa e assim eu solto o seu braço, depois de algumas tentativas falhas dela de se livrar sozinha- Foi você que pediu para confiar em você- conclui e eu desvio o meu olhar das pinturas até ir para minhas mãos, que ficaram repousadas sobre o colchão.
Tristemente eu dou um sorriso, deixando que minhas lembranças divaguem para o mais fundo do meu passado, quando eu disse que protegeria aquela pequena garotinha, que no final, acabou se tornando alguém que eu nem conhecia.
- Você não devia ter acreditado naquelas palavras- falo mais uma vez, sentindo todo o desespero daquela época voltar e ao mesmo tempo eu sinto o meu coração se acelerar devido ao desespero.
A cada gota de sangue que foi derrubada, a cada sorriso de cada criança que foi desaparecendo naquele local, a cada faísca do fogo que queimava aquela casa de verão, pouco a pouco, tudo se destruindo. Lembranças que deveriam ter sido esquecidas, mas que são carregadas comigo igual cicatrizes, profundas e incuráveis, até mesmo para aqueles que se dizem serem os mais poderosos.
Sinto algo gélido encostar-se ao meu rosto e eu arregalo os olhos, levantando a minha cabeça rapidamente e encarando Diana me olhar preocupada. As duas mãos dela estão lado a lado no meu rosto, me segurando firme e não me permitindo mais uma vez desviar o olhar.
- Acho que eu não deveria me preocupar se eu deveria ou não confiar em você, porque eu já confio e é muito difícil de mudar minha opinião- ela fala, me fazendo ver que seus olhos estavam determinados em falar essas palavras- Mas você confia em si mesmo?- ela pergunta e vejo um ponto de tristeza passar rapidamente em seu olhar- Você confia em mim?- pergunta e eu tento desviar meu olhar, mas ela segura meu rosto com mais força e eu continuo a olhar para ela- Se você quer me ajudar, primeiro você tem que entender que você tem que confiar em mim, eu sou uma pessoa muito desconfiada e não consigo me abrir para pessoas que não me mostram reciprocidade. Estou falando isso a muito contragosto, mas acho justo você saber- ela conclui, retirando as mãos do meu rosto e escorando na cabeceira da cama, comportando suas asas para ficarem confortáveis.
Suspiro fundo e passo minha mão pelo meu rosto, tentando focar novamente e não perder o controle, mesmo que ele já tenha sido perdido há muito tempo. Faço a mesma coisa que ela após me acalmar um pouco, me encostando a cabeceira da cama, tomando cuidado para não machucar minhas asas e manter uma distância considerável das asas dela.
Alguns minutos se passam, não sei dizer se foram trinta ou quarenta e cinco, mas foi um longo tempo com um silêncio interminável que se estabeleceu entre nós dois. Durante todo esse tempo eu fiquei refletindo sobre a pergunta dela e por mais que eu tentasse, imagens do meu passado vinha à tona, me incomodando e deixando-me com um mau pressentimento.
- Acho melhor eu ir- ela fala bruscamente e eu a encaro, vendo que o rosto dela está um pouco branco e ela estava com uma de suas mãos sobre a boca, tampando-a junto com o nariz.
- Você não se alimentou? - pergunto um pouco surpreso por ela ter ficado tanto tempo sem dar índices que estava com sede de sangue.
- Fiquei muito preocupada com seu desmaio, não tive tempo para pensar nisso- ela fala, tentando de alguma forma descontrair o ambiente e eu suspiro fundo e assinto levemente- Em todo caso, depois que eu fizer isso eu vou estar lá no porão pintando, caso precise de algo é só me chamar e não se esforce muito, não sabemos ao certo o que foi que causou seu desmaio- ela diz, se levantando da cama e indo em direção a porta, abrindo a porta para poder sair.
- Obrigado por hoje, as perguntas que você fez, eu ainda não consigo te responder completamente, mas te garanto que estou pensando- admito para ela, vendo que havia parado para ouvir minha frase, assentindo levemente e logo saindo pela porta, fechando-a em seguida.
Passo minha mão pelos meus cabelos, puxando um pouco os da nuca que estão começando a crescer, pensando nas coisas que aconteceram e que eu fui muito ingênuo ao pensar que nada iria acontecer. Me desencosto da cabeceira e coloco os meus dois pés no chão, mas ainda continuo sentado no colchão, assim assimilando tudo que aconteceu.
Bardon entrou na minha mente e está presente nela, ele quebrou a ligação forte que tinha na mente de Diana, para assim conseguir entrar na minha.
- Que bom que você já assimilou as coisas, de todas aquelas crianças, você sempre foi uma das mais espertas- ouço outra voz presente no quarto e eu suspiro fundo, tentando manter minha calma, assim levantando meu olhar levemente em direção ao som.
Bardon se encontra escorado ao lado esquerdo da janela, que fica de frente para a porta do meu quarto. Ele está a minha diagonal e por estar escuro, é mais difícil de conseguir uma imagem nítida dele, mas os olhos traiçoeiros é algo que consigo visualizar.
- Vamos lá Apollo, não precisa me olhar assim, sabe que não estou presente com o meu corpo- ele fala, dando um sorriso para mim que faz todo o meu corpo ficar em alerta.
Não respondo nada a ele, eu sei que é tudo com base no que se passa na minha mente, mas não posso fraquejar tanto, ele pode descobrir coisas que não devem ser reveladas a ninguém, há coisas que não pode saber de maneira alguma.
- Sabe, durante todos esses anos eu ficava me perguntando onde você poderia estar depois daquela invasão- ele fala, começando a andar pelo quarto, observando todo o cenário que se encontrava- Cogitei até a ideia que estivesse morto, mas sabia que você era muito esperto para isso, então descartei a ideia na hora- ele fala, indo até uma das pinturas com símbolos brancos na parede, passando levemente o dedo sobre elas.
- E aqui estamos nós, quase quatorze anos depois- falo, abrindo um sorriso sarcástico em sua direção e vejo que ele devolve o sorriso, olhando mais uma vez pelo local e parando na foto que fica ao lado da minha cama.
- Vejo que seus pais conseguiram deixar uma boa quantia para você se sustentar durante todos esses anos, não podia esperar menos deles, inclusive da sua mãe- ele fala para provocar, me permitindo ver um sorriso sacana em seus lábios.
- Vejo que em dezenove anos desde a morte deles você ainda não conseguiu superar o ódio pela minha família- falo, tentando transparecer indiferença, mas a vontade que tenho é de me jogar nele e quebrar cada osso que seu corpo possui.
- Eles fizeram por merecer, assim como essa caçadora idiota, ela me pegará pela morte de Ingrid- ele fala, tentando transparecer um ódio que não existe em seu olhar.
- Nós dois sabemos que não é bem assim- falo, colocando minha mão em meu bolso e encarando o homem, que crava os seus olhos nos meus, me fazendo sentir um peso maior em minhas asas, um peso que eu não sentia há muito tempo.
-Então você percebeu até isso? - pergunta com a sobrancelha levantada, demonstrando satisfação e eu não tento demonstrar fraqueza.
- Se eu me lembro bem, você nunca possuiu uma filha Bardon, a mulher que morreu com certeza era um dos seus experimentos, você usou-a como isca, para poder atrair alguns caçadores e poder testar o soro neles- digo me levantando e andando a passos temerosos em sua direção, mas sem perder a postura- Estou enganado?- indago, vendo um sorriso abrir nos lábios dele.
- Como sempre você é muito observador- ele diz, passando a mão pelos olhos e logo em seguida volta a me encarar- Você acertou em cheio Apollo Sawyer, tudo aquilo foi um plano desde o início, eu só não esperava que a caçadora sobrevivesse- ele diz, rindo levemente e arregalo os olhos quando ele some da minha frente, viro de costas no mesmo instante e encontro ele a poucos metros de mim, me fazendo recuar um passo- Mas devo admitir que graças a isso, eu consigo estudar com mais facilidade a reação do corpo dela ao soro e em compensação ela me trouxe a você- ele fala, apontando para mim e eu me obrigo a dar mais um passo para trás.
O quarto parece ter se tornado menor e as lembranças daquele lugar branco começam a me atormentar, os meus pulmões começaram a pedir por mais ar e mesmo assim parecia não ser o suficiente. Uma sensação que eu achei ter me livrado há muito tempo atrás e que agora voltou com todas as forças. Minha cabeça está girando e parece que a qualquer momento eu desabaria no chão.
- Você sabe o que eu irei fazer com ela Apollo, eu irei destruí-la, de dentro para fora. Cada pensamento, cada respiração, eu irei controlar tudo na mente dela, até que não reste mais nada além do vazio- ele fala rindo mais alto, se aproximando de mim e eu dou mais alguns passos para trás, não quero ele perto de mim, não quero essa sensação novamente- E sabe o que eu irei fazer depois? Quando não sobrar nada? - pergunta sorrindo em minha direção- Eu irei transformá-la no verdadeiro ser das trevas, uma besta controlada exclusivamente por mim- ele conclui, se afastando um pouco e eu consigo aspirar mais o ar que estava me faltando.
-Ela não irá deixar você fazer isso- falo um pouco ofegante, recuperando o ar perdido- Ela irá contra você até o último suspiro que der- respondo convicto, pois pelo o que eu conheço de Diana, ela não é de se entregar fácil.
- Você também pensava assim Apollo, mas e depois de ter matado todos aqueles seres vivos? De ter estraçalhado vários ossos, sentir prazer em ouvir apenas o som deles se quebrando- ele fala e eu dou mais um passo para trás, sentindo minhas asas baterem contra a parede do quarto, junto com vários gritos que começam a vir a minha mente.
- Isso foi há muito tempo- digo baixinho, sentindo minha visão se perder por alguns segundos e passear por todo aquele mar de sangue.
- Isso parece estar bem recente na sua memória- Bardon fala, se aproximando de mim e eu não consigo me mover, como se eu fosse uma pequena presa e ele um grande predador- Ela irá cair e você verá isso, ela irá se perder e você não poderá fazer nada. Depois disso tudo, aí sim eu irei acabar com você por completo, como eu devia ter feito há muito tempo atrás- ele fala e eu abaixo o meu olhar, sentindo toda a adrenalina correr pelas minhas veias e meu corpo continuar imóvel.
Sinto a mão dele subir até meu pescoço e em poucos segundos a falta de ar estava presente. Bardon apertava com muita força o meu pescoço e eu, em uma tentativa falha, tentava tirar suas mãos do local, para o ar voltar novamente.
- Nós dois sabemos Apollo, que querendo ou não, o verdadeiro problema é você e não ela- ele diz, usando sua mão livre para ir até o bolso e de lá ele retira um frasco que continha um líquido roxo escuro- Espero ansiosamente usar isso novamente em você-ele fala, desaparecendo da minha visão e eu inspiro profundamente.
Caio de joelhos no chão e sinto suor descer por toda parte do meu corpo, minhas asas recaem sobre mim, formando uma espécie de proteção, enquanto eu tento me concentrar o máximo que posso para voltar ao normal.
-Espero nos encontrarmos de novo Apollo, da próxima vez eu não serei tão sutil igual agora- ele diz e por fim ouço o eco de sua voz se distanciando, dando índices que ele havia ido embora.
Suspiro fundo e passo a mão pelo meu rosto, sentindo o meu coração ainda acelerado, enquanto minha respiração tentava se estabilizar novamente. Foco meus olhos no chão do quarto, mas foi por milésimos de segundos, pois eu ouço um grito feminino e me levanto na mesma hora.
-Diana- falo baixinho e corro em direção à porta, abrindo-a e passando pelo corredor.
Não me dou tempo e começo a descer rapidamente os degraus da escada, passando pela sala e indo diretamente para a escada que daria lugar ao porão. Desço os degraus correndo e assim que eu chego ao chão eu a vejo de costas para mim, com suas asas sujas com um pouco de tinta enquanto ela mexia concentradamente em alguns materiais.
Era minha mente me pregando peças, ela está bem e segura.
Suspiro aliviado ao concluir isso, mas com isso eu acabo recebendo a atenção dela, que se vira para me encarar. Vejo-a levantar a sobrancelha de modo curioso e preocupado, enquanto se aproxima vagarosamente de mim, sem dizer uma palavra. Sua roupa está com algumas manchas marrons, enquanto o seu rosto possui algumas marcas de dedo da cor verde.
- Por que está chorando? - ela pergunta suavemente e eu consigo perceber que a expressão dela se suavizou, tentando transmitir algo reconfortante.
- Chorando? - pergunto ao levar minha mão até meu rosto e arregalo os olhos quando o sinto completamente molhado. Eu havia derramado lágrimas sem perceber.
Ouço um suspiro da parte dela e vejo-a se virar, dirigindo-se até os materiais e de lá tirando um pincel e assim voltando-se a mim, ficando cara a cara comigo e me estendendo o pequeno objeto.
- Me disseram que ajudava a descontrair a mente- ela diz, abrindo um leve sorriso para mim e eu estendo minha mão cuidadosamente, segurando no pincel, vendo-a soltá-lo e assim se aproximar mais de mim.
Por eu ser mais alto ela acaba batendo um pouco acima dos meus lábios, assim sendo obrigada a levantar a cabeça para me encarar. Sinto seus dedos passarem no meu rosto, mas não desvio o meu olhar do seu por nenhum momento.
- Só se pode pintar quando não estiver mais com o rosto molhado, pois só assim conseguirá mostrar tudo o que está sentindo, sem ter que se preocupar em enxugar as lágrimas, se concentrando apenas na pintura- ela fala suavemente e me lança mais um sorriso.
- Você me sujou de tinta verde- falo baixinho e abro um sorriso triste para ela, vendo que ela devolve, mas tentando mostrar mais empolgação.
- Talvez eu esteja tentando melhorar sua beleza- diz de modo brincalhão, soltando o meu rosto lentamente, mas quando seus braços param ao lado do seu corpo ela não se move.
Um silêncio se instaura entre nós, mas não um silêncio desconfortante, mas sim acolhedor, um lugar que eu poderia me abrir sem ser julgado por ninguém, um lugar que eu sabia que ela estaria para poder me ouvir se eu precisasse.
- Vamos pintar- ela diz, segurando na manga da minha blusa e me puxando para mais perto da parede que estava pintando. Era alguns galhos que se ligavam com outros galhos desenhados no teto, mas ao contrário dos galhos do teto, esses galhos estavam sendo preenchidos com algumas folhas e outros desenhos que davam índices de serem botões de flores, sendo que essa pintura ao lado de outra parede que já possuía um desenho, o qual me chamou muita a atenção.
Um par de asas com olhos dourados no centro.
Nuuuu kkkk eu terminei :3
Ei fadinhasss como vocês estão? Eu to bem :3 minhas provas acabaram(2 meses dps, mas passo bem e to viva kkk)
Desculpa a demora dnv :/, esse ano ta complicado por causa dos estudos e esse livro requer muito detalhe com sentimentos e tals, pq querendo ou n ele eh o mais tenso ( espero que esteja dando pra transmitir essa ideia). Em compensação os cap são o dobro dos outros livros( esse tem 6100 palavras kkkk mt grande gnt)
Mas sério, espero que vocês tenham gostado, a relação do Apollo e da Di ta indo em baby steps, mas ta indo :3.
Gostaram do ponto de vista do Apollo? Eu vi um comentário de uma leitora e eu percebi que dava pra fazer um ponto de vista dele, espero que tenha ficado do agrado :3
De resto é isso, comentem e votem pra eu ter ideia do que vocês estão achando, amos vcs e obrigada por n desistirem de mim.
Bjs Mary e até a próxima ;3
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro