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XXIII

-Como estou? - Dei uma volta para o meu pai.

-Já disse Marjorie, você está bem. Agora para de tremer e toca a campainha.

Toquei a compainha e um pouco depois ouvi passos apressados em direção à porta. A mulher que abriu não era nada parecida com a Rita de antigamente. Tinha os mesmos olhos bondosos, o rosto comprido e fino, mas era mais magra e triste, carregava um fardo, e bem pesado.

-Marjorie?- Ela me encarou.

- Rita! - Me joguei nos braços dela. Mesmo chateada.

- Ei pequena, você está uma mulher linda. - Me afastei para ela me olhar. -Venham, entrem.

Quando parti para Londres ela morava em uma casa grande e luxuosa, agora porém eu me encontrei dentro de um apartamento pequeno com vista para a rua abarrotada de gente no centro do Rio. Rita adotou a simplicidade, belo e necessário. Não que o apartamento fosse feio, dava para ver que duas pessoas se viravam facilmente ali.

- Ele ficou muito chateado sabe. Meu filho não veio, ficou preso no hospital, e você querida, que pena. - Rita não falava o nome do filho por pura dor.

-Eu queria me perdoar com ele Rita, apesar de não ter tido culpa nisso. - Falei.

-Pretende ficar de vez aqui? -Ela parecia aflita.

-Não. Eu vim com alguns amigos, posso ficar o tempo preciso para ele entender que irá voltar comigo para nossa casa. - Até meu pai ficou surpreso.

- Mas não está correndo perigo lá? -Ela estava a beira de um ataque, olhada de mim para o meu pai.

-Vou cuidar de tudo antes. Tenho o quê preciso, bem como minha equipe. Uma médica, um juiz, meu amigo advogado e meu pai pode disponibilizar segurança para mim todos os dias.

-Você não pode! -Ela começou a chorar. -Ele nem viu o pai ainda.

-Por favor,  nós duas sabemos muito bem que o pai dele não queria responsabilidade Rita. Enquanto eu lutei dia após dia para dar o que ele precisava, e mandei dinheiro. Até você sumir de vista também. Foram anos sem dormir, e pedindo a Deus para que vocês estivessem bem.

-De fato estávamos. Na verdade eu vim para cá para fazer um tratamento, e não sumi, eu sempre tive esse apartamento aqui, só precisei adaptar umas coisas.  Você tem razão Marjorie, o pai dele não quis ser pai, mas o garoto quer conhecer ele.

- Só estou cumprindo a minha promessa que fiz à você Rita. Por favor entenda. -Tentei amenizar a situação.

-Ele se parece com você. Tem esse jeito determinado e persistente, não se parece nada com o Davi. - Ela queria me mostrar fotos, mas as horas se avançaram e me vi ansiosa.

Com o endereço da escola em mãos me despedi rapidamente e saí, meu pai tinha assuntos importantes, por isso fui só, eu e meus fantasmas. Meu celular começou a tocar, pensei muito em tirar ele da bolsa, mas fui vencida.

-Alô!?
-Pequena onde você está?
-Indo buscar meu filho na escola, e você?
-Levantando o dedo mindinho, acho que quebrei todas as partes do meu corpo ontem.
-Percebi. - Revirei os olhos.
-Desculpa por não ter ido até você.
-Eu estou bem Benjamin. Você também viu ele?
-Eu fui colocado para fora por ele. James mandou eu ir atrás de você, e foi arrumar encrenca com o seu namorado cabeludo, na boa ele parece o Maradona..
-Ben pode me encontrar daqui à meia hora? Mando o endereço pelo celular.

Aquela conversa me deixou aflita de mais, tanto que passei da escola e voltei para trás. Entrei pelo portão e ajeitei o cabelo.

-Vim buscar o Nicolas. -Entreguei minha identidade para uma moça atrás do balcão.

-Ele está no parque, o menino está meio irritado hoje.

Ignorando completamente o comentário segui o caminho até o parque pequeno e abandonado da escola . Meu coração disparou quando vi um garoto sentado no balanço, ele estava de costas para mim, me senti estranha, queria dar a meia volta. À uma distância considerável parei e chamei por ele.

-Nicolas. - Ele continuou parado. -Nicolas? -Gritei mais alto.

Ele virou um pouco confuso. Era moreno como eu, tinha os meus olhos e a boca também, mas o corpo era todo o pai, alto para a idade, e um pouco gordinho. Ele tinha os cabelos cortados em tigelinha. Meu filho,  um pedaço de mim, me olhava meio incerto. Com terror vi ele levantar e caminhar para perto de mim.

- Você é... minha mae? -Ele falava baixo.

-Sim Nicolas, sou sua mãe. -Não consegui conter as lágrimas.

-Não está mentindo está? -Ele era desconfiado como eu.

-Meu filho. -Me ajoelhei na areia. - Eu... eu não estou mentindo.

Ele estava assustado, me encarou deu um passo e parou, mas veio correndo para me abraçar bem apertado. Senti o perfume do meu filho, fechei os olhos e chorei querendo voltar no tempo e chegar com ele até ali.

-Posso te chamar de mãe? -Ele me soltou.

-Como quiser meu amor. -Ele avançou para mim com os dedos pequenos e limpou meu rosto.

Nicolas era como o pai, falava de tudo, me levou até um fast food e pediu a comida que mais gostava,  enquanto contava sobre as maluquices da avó.

-Agora vou falar pra todo mundo que você voltou do seu trabalho.

Descobri que a avó cobriu a falta que sentia dizendo que eu estava trabalhando fora, e que um dia voltaria. Não foi mentira, por pouco ele nunca mais me veria.

-Ela me disse que você voltaria para morar com a gente, e que meu pai iria voltar e te pedir em casamento também, daí seríamos todos uma família. -Tudo bem que aquela não foi uma verdade, e me deixou com medo.

-Seu pai já viu você? -Ele negou enquanto mastigava. - Me diz uma coisa, a sua avó falou que eu iria ver uma apresentação sua, quem mais iria?

- Acho que ela fez isso para você voltar,  porque minha apresentação foi ontem. -Ele queria dizer mais alguma coisa, então mastigou, engoliu e me encarou. - Porque você não veio no meu aniversário?

- Acho que a sua avó não me disse muitas verdades. -Sorri para ele. - Sei que por debaixo dessa carinha tem um garoto triste e confuso. Eu quero ganhar o tempo que perdi Nicolas, bem como quero ser sua amiga. Quero que me ouça, vou te contar o máximo possível de tudo que aconteceu e ainda acontece. Mas primeiro quero que me conte, quem mais ela chamou para cá?

-Meu pai. -Ele engoliu a comida com dificuldade.

Foi minha vez de engolir em seco e empurrar toda a tristeza que ele me causou nesses anos. Nicolas esperava a história, e eu contei cada detalhe que uma criança pode saber.

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