Capítulo Um
Solto a mala sobre a cama e dou um suspiro. Os meus ossos parecem ter sido esmagados por um cavalo. Movo o pescoço de um lado para o outro, estalos fracos tocam os meus ouvidos, o meu corpo relaxa parcialmente. Inclino-me para abrir a mala e remover pelo menos uma roupa. Tiro um vestido amarelo com rosas vermelhas, sem mangas e com um decote em U, ele é colado ao busto até metade do abdômen, em seguida uma saia codê que segue até os joelhos. Coloco a roupa sobre a cama, fecho a mala e caminho em direção ao meu novo banheiro.
Após um banho rápido, o meu corpo está totalmente relaxado e parece novo, com os cabelos úmidos tocando os meus braços nus deixando um frescor em minha pele.
— Roni — minha irmã grita por mim.
Apesar da viagem longa até Austin, não desejava dormir nesse momento, pois isso iria atrapalhar o meu sono durante a noite. Sempre tive dificuldades para dormir, no entanto, tinha os campos e os animais da fazenda para me distrair durante a madrugada. Na cidade grande não haveria passeios durante a noite.
Quando chego à sala não encontro minha irmã, então sigo para o seu quarto e a encontro desesperada na porta do banheiro.
— Roni, minha menstruação veio e não tenho nem um absorvente — murmurou com cara de choro. — Por favor, vai até a farmácia e compra pra mim. Eu sei que você acabou de chegar e não conhece nada, mas a farmácia é na esquina. Você não vai se perder e nem ficar cansada. — Concluiu com as mãos unidas em súplica.
Dou um sorriso doce e aceno enquanto reviro os olhos.
Desde a adolescência, quando nossas regras começavam a vir, acabávamos esquecendo de comprar absorvente e quando era chegada a hora uma de nós tinha que pegar a caminhonete do papai e ir até a cidade. Nenhuma das duas saía feliz de casa, porém, não reclamava.
Pego minha bolsinha tira colo, as chaves de Valerie e saio do apartamento. Pego o elevador, assim que ele chega ao térreo, encontro o simpático porteiro de cabelos grisalhos me dar um aceno. Olho pelo portão e avisto o céu escuro, viro-me para o senhor.
— Boa noite.
— Boa noite, senhorita. — Acenando mais uma vez.
No momento que coloco os meus pés no pátio do prédio um vento frio toca a minha pele, causando um arrepio.
Devia ter colocado um casaco.
Ignoro a brisa gélida e caminho pela calçada. É impossível não admirar os comércios abertos, cheio de pessoas comendo ou bebendo, os carros sempre andando para lá e para cá. Os ônibus levando a população para qualquer lugar. As luzes brilhantes por todos os lados.
Eu sabia que era perceptível a minha falta de experiência em meio a um ambiente tão amplo e cheio de coisas. Meus olhos percorriam cada centímetro do espaço em que andava, por isso, quando me dei conta havia passado uma quadra inteira da farmácia que Val havia me indicado.
Solto um suspiro e viro-me para retornar. Enquanto caminho, agora mais atenta, ouço risadas vindo de um bar. Os meus olhos encontram um grupo de amigos que me encaram, eles estão atentos aos meus movimentos, observando-me da cabeça aos pés. Me incomodo com os olhares, então resolvo ignorá-los e continuo caminhando.
— Ei, moça de vestido — um deles gritou.
Torno a olhá-los e engolo em seco. Olho em volta para ter certeza que estão falando comigo. Não havia nenhuma mulher de vestido, além disso eles estão com os olhos focados em mim em meio a risadas. Me aproximo temerosa e encaro os rostos desconhecidos.
— Eu?
— Você mesma — um cara loiro de olhos escuros responde.
Eles continuam a me devorar com os olhos.
— Não quer beber com a gente? — outro cara me questiona, ele tem pele da cor de chocolate, cabeça raspada e olhos cor de mel.
— Não, obrigada.
Quando estava prestes a me virar e seguir meu caminho, o loiro se levantou e segurou o meu braço. O meu corpo se retesa no mesmo instante e uma luz de alerta começa a brilhar em um vermelho gritante. Começo a puxar o braço de seu aperto, com uma dose de pânico em cada partícula do meu corpo.
Então, lembrei. Papai demorou meses para permitir minha saída da fazenda e a única condição que ele impôs foi que praticasse aulas de defesa em uma academia da cidade. Eu não levava jeito para a coisa, porém, havia aprendido a dar um belo chute no meio das pernas de um cara. Meu professor, que o diga.
Preparo meu joelho e quando estou prestes a movimentá-lo uma voz toca os meus ouvidos, ressoando por todo o meu corpo.
— Pode largar a minha namorada?
Desvio os meus olhos do meu braço, erguendo para um rapaz de pele bronzeada, cabelos castanhos longos e olhos tão verdes quanto os campos de onde morava. A sua boca carnuda está em uma linha reta, enquanto as íris verdes demonstram a fúria com a situação.
Ele me chamou de que?
— Foi mal, cara — o loiro murmura um pedido de desculpas, soltando o meu braço no processo e erguendo as mãos em rendimento. — Não sabíamos que ela estava acompanhada.
— Agora sabem — sibila.
O moreno de olhos verdes se aproxima de mim, coloca as mãos em minhas costas e me leva para longe do grupo. Quando estávamos metros de distância ele remove a mão e dá um suspiro.
— Desculpe pelo namorada — diz, colocando os cabelos para trás com uma das mãos. — Conheço esse tipo de cara. Se não tivesse mentido, se tivesse apenas pedido para que respeitasse a sua vontade, o grupinho iria se juntar e não ia prestar. Nós dois iríamos sair perdendo. — Ia começar a falar sobre o fato de saber me defender e ele não permitiu. — Poderia ter deixado que completasse o seu movimento, mas pode acreditar que não funcionaria com os outros.
Ele tinha razão.
— Obrigada — murmuro, porque não há outra coisa a se dizer para alguém que te ajudou e que você não faz ideia de quem seja. Viro-me para ele e observo sua barba bem feita um tom mais escuro que seu cabelo. Todas as vezes que assistia a filmes ou séries de TV os homens de barba me atraiam mais do que aquele com pele de bebê. Claro que não era uma barba como a do Papai Noel ou aqueles gatos pingados que os caras dizem ser barba.
Ah!
Estou falando pelos cotovelos, ainda bem que é só na minha cabeça, não seria nada agradável expor esses pensamentos bobos para um desconhecido.
O estranho me flagra encarando-o e sorri, imediatamente minhas bochechas esquentam e desvio o olhar para onde devo ir. Noto que a farmácia está logo a frente e me sinto aliviada por não ter me perdido.
— Qual o seu nome? — o moreno questiona, tirando-me do meu devaneio.
— Roni... é... — Mordo o lábio e pego grande parte dos fios do meu cabelo, já quase seco, para tapar o meu rosto. — Na verdade, é Veronica, mas prefiro que me chamem de Roni.
Olho-o de esguelha e ele está sorrindo. Paro em frente a farmácia e ele ergue os olhos em confusão.
— Tenho que passar na farmácia. Eu deveria ter vindo até aqui, porém, acabei me distraindo.
Ele pressiona os lábios e foca o olhar em mim.
— Imaginei que não era daqui. — Ergo as sobrancelhas e ele sorri novamente. — O sotaque.
Dou uma risada e coço a ponte do nariz para evitar o seu olhar.
— Vou... — Aponto para a farmácia e ele acena. — Você vai ficar aqui?
— Não sei se é uma boa você caminhar sozinha.
— Ah, não precisa se preocupar. — Olho para minha esquerda e noto que o meu prédio é a três construções de onde estamos. — Moro no quarto prédio.
Ele sorri mais uma vez e me perco por alguns segundos admirando a fileira de dentes brancos e bem alinhados. Sem dúvidas ele havia usado aparelho quando mais novo, ninguém nasce com dentes tão perfeitos. Eu e minha irmã tivemos que usar por quatros anos, cada uma, foi um inferno, esse negócio doía demais.
— Você não perguntou, mas meu nome é Liam. A gente se vê por aí, Roni.
Ele se aproxima e planta um beijo em minha bochecha, minha face esquenta e sinto vontade de cavar um buraco para me esconder. Liam se despede e corro para dentro da farmácia.
Quando cheguei em casa na noite anterior, Val estava chorando dentro do banheiro pensando que havia me perdido ou sido sequestrada. Tranquilizei-a dizendo que só tinha me deslumbrado com tudo e acabei andando demais. Contei sobre os caras que tinham me chamado e ela quase teve um piripaque no meio do quarto, então lhe informei sobre o cara que havia me ajudado a escapar. Ela ficou aliviada, contudo me fez prometer que ia tomar mais cuidado da próxima vez e que evitaria andar a noite sozinha.
— Val, onde fica o piano que você falou?
Ela havia me dito antes de vir para Austin que no seu prédio tinha um andar com um piano, ele não era isolado e nem passava por manutenção, porém, quando você não tem condição o que é jogado nas nossas mãos aceitamos de bom grado.
— No nono andar — responde depois de engolir grande parte dos ovos que havia preparado para ela. — Roni, deveria ter vindo morar comigo a muito tempo. Estava morrendo de saudades de comida feita na hora.
Minha irmã nunca foi de gostar de cozinha, era muito boa em comer, mas em preparar algo era um verdadeiro desastre. Valerie era muito boa com computadores, esse foi o motivo dela ter saído do interior do Texas para a cidade grande. Em pouco tempo conseguiu se mudar de um apartamento minúsculo para algo bem maior e com uma vizinhança bem movimentada. Ela trabalhava com essas coisas de hacker e fazia uns bicos por fora como designer, ou seja, não faltava trabalho para minha irmã mais velha.
Depois que ela se estabilizou, um ano depois de eu ter terminado o colegial, conversei com ela e questionei se não seria um incomodo me ter como colega de quarto. Em seguida conversei com papai e mamãe. Agora, aqui estou eu, me preparando para fazer testes e arrumar algo no ramo da música para poder me virar e ajudar minha irmã com as despesas da casa. Além disso, havia um lado meu que ambicionava fazer uma faculdade de música só para me especializar, até porque sabia que tinha muito para melhorar ainda.
— Vou comer e ir até lá, quero ver em que estado ele está e começar a praticar.
Val acena e sorri sem graça para mim. Termino de comer meu café da manhã, visto um casaco de lã e saio do apartamento. Quando chego ao nono andar dou de cara com um piano solitário em meio a uma sala ampla, logo a direita há uma porta e janelas de vidro expondo a academia do prédio. Não há ninguém à vista. Aproximo-me do piano mogno com sua tampa fechada, deslizo os dedos sobre a superfície e uma camada de poeira toca os meus dedos.
Respiro fundo.
Já esperava por esse descuido, da próxima vez que viesse trataria de trazer algo para limpá-lo. Sento-me na banqueta e ergo a tampa, dedilho os dedos sobre as teclas e me encolho ao constatar que está um pouco desafinado. Ainda assim começo a Arie de Bach, e apesar do incomodo em meus ouvidos consigo desenvolver a melodia.
A sensação que tenho sempre que estou diante do instrumento me toma, o meu corpo parece pairar em um ambiente silencioso onde há apenas eu e a música. Os meus dedos deslizam com destreza por cada tecla, o meu coração parece seguir o mesmo ritmo dos sons como se ele fosse feito de música. As pessoas diziam que alguns nascem para tal coisa e outros aprendem, eu acreditava piamente que havia nascido para isso. O piano era como uma extensão do meu corpo, sentia-me completa ao estar desenvolvendo a música que gritava dentro de mim.
No momento que termino, resolvo tocar uma das minhas músicas favoritas, Need You Now do Lady Antebellum. Eu não possuía uma voz agradável para se ouvir, porém, como estava sozinha resolvo sussurrar a canção. A delicadeza da melodia faz com que um sorriso se forme em meus lábios, os meus olhos se fecham e me entrego ao toque suave até o fim.
Quando encerro a canção, plenamente satisfeita, abro os olhos e ergo-os. Um par de olhos verdes me encaram da porta de vidro da academia, há um sorriso doce em seus lábios. Arfo ao notar que é o mesmo homem que me ajudou noite passada.
Será que ele me seguiu?
Contudo, não poderia ser, pois quando sai da farmácia ele já não se encontrava na rua, havia indo embora e acreditava que jamais o veria novamente. A não ser...
— Estava observando há algum tempo, não queria atrapalhar. — Ele aponta para academia as suas costas. — Ia para a academia. Você deve estar se perguntando porque estou aqui, e acredite, moro aqui assim como você.
Pisco diversas vezes, surpresa demais para poder falar.
— Sem dúvidas você tem um dom, até mesmo para um piano descuidado como esse. — Ele morde o lábio inferior e os meus olhos se focam nessa região por alguns segundos, no entanto, quando percebo o que estou fazendo desvio a visão da carne macia e minha face esquenta. — Tenho um piano afinado e bem cuidado no meu apartamento, caso não queira ter de utilizar esse, poderia ir lá todas as manhãs para praticar.
— Você toca? — minha voz sai tímida e rouca.
— Não. — Ele engole em seco, contudo, não continua.
Nos encaramos pelo o que parecem horas, então resolvo quebrar o silêncio.
— Obrigada, vou pensar da sua oferta. — Levanto-me, preparando-me para ir ao meu apartamento.
— Moro no 701 — murmura assim que aperto o botão do elevador. Viro-me e aceno em agradecimento mais uma vez, quando o elevador chega entro nele sem pressa, porém, quando as portas se fecham solto a respiração que não fazia ideia que prendia. Céus! Não sabia o que me deixava mais nervosa, se era o seu corpo delineado, cabelos castanhos até os ombros ou os grandes olhos verdes que se assemelhavam a grama do campo. Ou, então, o simples fato dele morar no mesmo andar que eu.
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